domingo, 31 de agosto de 2014
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
LEI E LIBERDADE EM GÁLATAS
INTRODUÇÃO
“Lei
e liberdade” é um dos temas mais fascinantes e, ao mesmo tempo, mais
difíceis de toda a teologia. Todos conhecem a séria advertência do Dr. Martinho
Lutero sobre este assunto: "É, por isso, muito necessário distinguir
corretamente entre essas duas palavras. Onde tal não se faz, nem a lei nem o
evangelho podem ser entendidos, e perde-se a consciência em cegueira e erro. A
lei tem seu fim, ao qual não pode ultrapassar: Cristo. Da mesma forma o
evangelho tem seu ofício e obra: proclamar o perdão dos pecados a consciência
atribulada. Os dois, por isso, não se podem confundir, nem se pode substituir
um ao outro sem corrupção de doutrina. Pois, ainda que lei e evangelho são ambos palavra
de Deus, não ensinam a mesma coisa. . . Por
isso, se alguém
entende da
arte de
distinguir corretamente entre
lei e evangelho, dai-lhe o lugar
principal e
graduai-o
em doutor das Santas Escritoras. Pois é impossível fazê-lo
sem o Espírito Santo.
Tenho-o experimentado pessoalmente, e diariamente observo em
outros, quão difícil é distinguir o ensino da lei e do evangelho. O Espírito
Santo deve ser o Mestre, caso contrário homem nenhum será capaz de entender e
ensinar a diferença.
Razão porque nenhum
papista, falso cristão ou
fanático pode
dividir os dois. .
. É fácil dizer que a lei é palavra e doutrina
diferente do evangelho; qualquer um pode fazê-lo. Todavia,
mantê-los distintos e separados na prática requer muita reflexão e
trabalho." Esta advertência deve nos levar a humildemente pedir que Deus
nos dirija, tanto ao longo deste trabalho, como de toda a atividade
pastoral que Deus
nos confiou.
Além da dificuldade que é distinguir
corretamente lei e evangelho, tão difícil quanto isso, ou até mais, é falar
corretamente sobre a doutrina da justificação. Pois é impossível falar
corretamente sobre lei e liberdade em Gálatas sem compreender corretamente esta
doutrina e suas implicações. Mais uma vez devemos, portanto, pedir humildemente
que Deus nos conceda rica medida do seu Espírito para podermos compreender sua
palavra.
Realmente, o tema desta conferência,
"Lei e Liberdade em Gálatas - Terceiro Uso da Lei", vai tratar do
cerne de toda a teologia, Dos acertos e erros nesta doutrina depende a igreja
permanecer ou cair, e depende ela ter vida ou estar morta. Queira Deus,
portanto, estar conosco e nos ajudar.
Mas a importância desta temática não
se deriva apenas de sua dificuldade e da sua centralidade. O tema também é
importante pela sua atualidade e relevância, A justificação e a correta
distinção entre lei e evangelho eram os grandes problemas de batidos por Paulo
na Carta aos Gálatas, No entanto, esta Carta não encerrou a incidência das
dificuldades nesta área na história da igreja. No tempo da .Patrística, até
Santo Agostinho, a igreja enfrentou grandes lutas para manter a doutrina
bíblica da justificação. Por diversas vezes, quase que o ensino cristão se
tornou apenas uma nova forma de lei, apenas um pouco diferente de todas as outras
religiões legalistas que até ali existiam.
A teologia escolástica, por sua vez,
também lutou com dificuldades e, por vezes, a doutrina do evangelho permaneceu
tremendamente encoberta. Lutero enfrentou a grande batalha pela pureza
doutrinária da igreja fazendo refulgir novamente a doutrina da justificação
pela fé. Mas nem por isto o problema ficou resolvido. Havia
dificuldades nesta área com o catolicismo romano, e dificuldades começaram a aparecer
também no lado que hoje é chamado de "evangélico". Após a morte de
Lutero, a confusão começou a reinar até entre os que se consideravam luteranos,
justificação pela fé, lei e evangelho, terceiro uso da lei, não eram assuntos
pacíficos entre os cristãos.
No século passado a dificuldade
continuava. Carl Ferdinand Wilhelm Walther foi um dos que levantou sua voz
sobre a necessidade de clareza nesta área. Talvez sua obra mais importante seja
exatamente Lei e Evangelho. Até nossos dias esta obra é tida
como um dos documentos mais importantes já produzidos sobre este assunto.
No século XX
a situação não foi mais pacífica. Em 1935, o teólogo calvinista Karl Barth
publicou uma conferência que sintomaticamente foi intitulada "Evangelho e
Lei". Este posicionamento do grande teólogo calvinista levou o luteranismo
a se redefinir sobre este assunto. Vários teólogos luteranos escreveram sobre o
assunto. As Escrituras foram novamente estudadas e pesquisadas, Houve
posicionamentos extremados e de todos matizes intermediários. :
O clima teológico brasileiro também
precisa refletir sobre lei e evangelho. De um lado, vivemos num país onde florescem
religiões não pagãs, religiões da lei, e onde há um forte espírito sincretista.
De outro lado, temos o catolicismo romano, ou com ênfase conservadora, ou com
ênfase progressista, e as chamadas religiões evangélicas, algumas mais
históricas, outras de cunho movimento pentecostal. Certamente nenhuma destas
correntes se destaca pela enfatizar a correta distinção entre lei e evangelho,
e muito precisa ser refletido e dito sobre este assunto
em nosso país.
E como estará esta questão hoje?
Vivemos dias tranquilos em relação a este tema? Todos parecem unânimes em
querer resolver a situação a partir da palavra de Deus, mas nem sempre a
resposta encontrada é a mesma. Certamente se há diferença de compreensão nas
Sagradas Escrituras não se deve ao fato de as Escrituras estarem em
contradição, mas ao fato de não estarmos conseguindo distinguir corretamente
lei e evangelho. E mais, se estamos com dificuldades na vida da igreja,
certamente temos dificuldades de, ao mesmo tempo anunciar corretamente a
justificação. Justificação não é uma verdade de livros apenas, nem fé apenas
uma convicção íntima. Muito bem disse Lutero na Introdução a Carta aos Romanos:
Fé não é a ilusão e o sonho humano que
muitos acham que é. E quando veem que não acontece uma melhoria de vida nem
boas obras e ainda assim muito ouvem e falam da fé, caem no erro de dizer que a
fé não é suficiente, que seria preciso fazer obras, se é que se quer ficar
justo e salvo. A consequência disto é que, ao ouvirem o evangelho, agem
precipitadamente e, por esforço próprio, criam um pensamento no coração, que
diz: "Eu creio". Isto eles então consideram uma fé como deve ser. Mas
assim como isto não passa de inspiração e pensamento humano, que jamais atinge
o fundo do coração, também não ocasiona tampouco se segue uma melhoria.
Fé verdadeira, entretanto, é uma obra
divina em nós, que nos modifica e faz renascer de Deus (Jo 1.13), além de matar
o velho Adão, transformando-nos em pessoas bem diferentes de coração, sentimento,
mentalidade e todas as forças, trazendo consigo o Espirito Santo. Ah! há algo
muito vivo, atuante, efetivo e poderoso na fé, a ponto de não ser possível que
ela cesse de praticar o bem. Ela também não pergunta se há boas obras a fazer,
e sim, antes que surja a pergunta, ela já as realizou e sempre está a realizar.
Quem, porém, não realiza tais obras é pessoa sem fé, que anda às apalpadelas a
procura da fé e de boas obras e nem sabe o que é fé nem boas obras, e ainda
fica falando muito e conversando fiado sobre as mesmas.
"Fé" é uma confiança muito
viva, inabalável na graça de Deus, tão certa de si que ela não se importa de
morrer mil vezes. E semelhante confiança e reconhecimento de graça divina da
alegria, persistência e agrado ante Deus e todas as criaturas, o que é
ocasionado pelo espírito da fé. Por isto, sem coação, ela se dispõe voluntariamente
a fazer o bem a todo mundo, a servir a todo mundo, sofrer tudo, por amor e em
louvor a Deus que lhe demonstrou tamanha graça, de sorte que é impossível
separar as obras da fé, tão impossível como separar a luz do fogo. Tome
cautela, portanto, contra suas próprias ideias falsas e contra conversadores
inúteis, que querem ser sabidos ao julgar sobre a fé e as boas obras e, na
verdade, são os maiores ignorantes.Peço a Deus que crie fé em vocês, senão ha
de ficar eternamente sem fé. Você, por sua parte, invente e faça o que quiser
ou poder.[i]
Para encontrar o equilíbrio dentro
desta problemática toda, sem dúvida nenhuma, o estudo da Carta de Paulo aos
Gálatas ajuda bastante. São muitos os títulos que têm surgido nas livrarias
cristãs sobre esta pequena grande carta. Seu estudo, como na época da Reforma,
tem demonstrado ser fator de revitalização da teologia. Ela, por assim dizer, é
uma dose concentrada da verdade libertadora da Escritura. Queremos fazer uso
da mesma. Nela encontraremos um bom começo.
CAPÍTULO
1
LEI
E LIBERDADE EM GÁLATAS
Giovanni Giavini é um sacerdote
católico romano que escreveu o comentário bíblico intitulado: Gálatas:
Liberdade e Lei
na Igreja. No
prefácio desta obra ele diz:
Esta "magna charta libertatis
christianae” (carta magna da liberdade cristã), de fato, não é fácil para ninguém,
nem para os exegetas que a estudam ou comentam, nem, obviamente, para os
leitores. Ela aborda muitos temas, suscita muitos problemas e carrega consigo muitas
lembranças: o entusiasmo de Lutero e dos protestantes, o medo dos católicos, o
escândalo do hebreu e do cristão "piedoso e praticante", as
contestações dos grupos engajados na problemática social, o temor de ver favorecidos
o individualismo, o refuso ao privado, o feminismo intra-eclesial, a
contestação à hierarquia, etc.
O que é, então, esta carta de São
Paulo aos Gálatas? Por que tanto interesse - em certos setores, pelo menos -
por um escrito tão distante do nosso tempo?[ii]
O sacerdote romano tenta responder
estas questões em sua obra. Concordamos com sua introdução. Gálatas apresenta
questões difíceis, e seu conteúdo merece ser estudado. Vamos, neste capítulo,
fazer uma breve introdução ao livro e olhar algumas de suas passagens
principais.
Na Carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo
se defronta com um inimigo importante: os judaizantes. Estes eram pessoas que
defendiam a manutenção de costumes hebreus dentro do cristianismo. Mas não era
apenas esta a característica deles. Eles introduziam elementos estranhos na
mensagem do evangelho. Sua maior manifestação se deu no
Concílio de Jerusalém. Ali cristãos judeus e cristãos vindos de entre os
gentios se confrontaram. Eis o que diz Martim Franzmann em sua introdução a
esta Carta:
A luta estava, em princípio, decidida
pelo Concílio de Jerusalém. Mas isto não significava que os judaizantes estavam
silenciados para sempre, nem que a influência deles tivesse sido completamente
neutralizada. As reinvindicações deles foram decisivamente rejeitadas pela
igreja em Jerusalém; mas eles, aparentemente, continuaram a espalhar seus erros
plausíveis longe de Jerusalém e de Antioquia, nas igrejas que Paulo e Barnabé
estabeleceram no Sul da Galácia, na sua primeira viagem missionária, na
Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe (At 13.14). Eles fizeram um sucesso
tão considerável porque sua mensagem era um substituto bem plausível ao
evangelho que os convertidos haviam ouvido de Paulo. A julgar pela polêmica de
Paulo contra eles, os judaizantes não condenavam frontalmente qualquer ensino
importante que Paulo tinha trazido aos Gálatas. Eles conheciam e proclamavam Jesus
como o Messias, o
Filho de Deus, o Senhor ressuscitado e exaltado, o doador do Espírito, em cujo
nome há salvação; eles não negavam que Ele iria retornar em breve, em gloria,
para consumar a obra de Deus em graça e juízo. As evidências nem ao menos
indicam que eles ignoravam completamente ou apagavam a cruz no seu sentido
redentor. A ênfase repetida e ardente de Paulo, nesta Carta, no significado
central e abrangente da cruz, está a indicar que, para os judaizantes, o
Messias da cruz foi obscurecido pelo Messias da glória, que a cruz de Cristo
tendia a se tornar num episódio, que sua exaltação contrabalançava e reduzia a
uma relativa insignificância.
Segundo os judaizantes, eles não
vinham para destruir a obra de Paulo, mas para completá-la (Gl 3.3). A vinda
do Messias, na proclamação deles, coroou a história de Israel e consumou Israel;
isto, de forma alguma, significava o fim da Lei e das ordenanças sagradas, como
a circuncisão e o Sábado, as quais Deus mesmo ordenou como a marca e a
condição da aliança entre Ele e o seu povo para sempre. A vinda de Cristo não
livrou os homens da Lei, mas aprofundou a obediência que ela exige. Salvação pela
mediação de Cristo, por isso, incluía, certamente, o cumprimento das obras da
lei. Uma condição cristã, baseada na fé somente, sem circuncisão e sem lei, era
uma condição muito rudimentar e incompleta; perfeição consistia em circuncidar-se
e guardar a Lei, para a qual a perfeição compromete o homem. Somente então um
homem torna-se um verdadeiro filho de Abraão, um membro do verdadeiro e antigo
povo de Deus. Dispensar a Lei significaria o caos moral, ou, na melhor das
hipóteses, uma espécie de liberdade duvidosa e perigosa.
Estes homens insinuavam que Paulo não
lhes havia ensinado todo o necessário para sua total salvação. Ele, além de
tudo, não era um apóstolo do primeiro time, ou, ao menos, não um dos apóstolos
originais de Jerusalém, através dos quais ele recebeu o apostolado. Sua falha
no não insistir na guarda da Lei era uma fraqueza, que não tirava seu zelo
missionário, mas que não deixava de ser lamentável. Ele tentava ganhar conversões
através do atenuar do rigor do genuíno Evangelho de Deus - em outras palavras,
ele tentou agradar as pessoas. Eles, os judaizantes, agora vieram complementar
o que Paulo deixou incompleto, para conduzi-los a perfeição cristã, para a qual
Paulo nunca poderia leva-los.
Seus ataques tinham três alvos: a)
atacavam o apostolado de Paulo; b) atacavam o evangelho de Paulo dizendo que
omitia os mandamentos de Deus; c) atacavam o que consideravam os perigos morais
resultantes de uma proclamação da salvação unicamente pela fé na absoluta,
livre e perdoadora graça de Deus,
O ataque era sutil; era também,
aparentemente, um 'ataque organizado, sob uma liderança particular Paulo
menciona alguém como particularmente responsável pelo dano provocado nas igrejas da Galácia (G1 5.10). E o ataque foi
de um sucesso nefasto, plenamente compreensível. Para o judeu convertido, esta
nova forma de evangelho prometia um relacionamento mais abrandado com seus irmãos
judeus não convertidos; os convertidos gentios seriam impressionados pela
autoridade dos apóstolos de Jerusalém, à qual estes novos
pregadores invocavam pela
sua causa. E o zelo destes extremistas
intransigentes, sem duvida, impressionou tanto a gentios como a judeus.
Paulo, provavelmente, ouviu sobre a
atividade destes homens e do seu sucesso incipiente quando ele estava em
Antioquia, no Orontes. Como ele estava para ir a Jerusalém para esclarecer aí
com os apóstolos e presbíteros a questão provocada pelos judaizantes, ele não
podia ir pessoalmente à Galácia, como desejava (Gl 4.20) para combater o
perigo. Ele o fazia escrevendo a Carta aos Gálatas, a qual, por isto, é datada
de 48 ou 49 A.D.[iii]
As informações isagógicas que Franzmann
nos fornece são valiosíssimas para este trabalho. E não apenas isto. Elas nos
mostram a grande atualidade do conteúdo deste livro. Quase pode-se dizer que
qualquer semelhança é mais do que mera coincidência. Vivemos em meio a mesma
luta entre lei e liberdade. O evangelho precisa ser defendido tanto hoje como o
foi naquele tempo.
Para que possamos penetrar ainda mais
no conteúdo da Carta aos Gálatas, vamos nos valer novamente da obra de
Franzmann, desta vez da disposição que fez do conteúdo da Carta.
Conteúdo da Carta aos Gálatas
I. A defesa do apostolado de Paulo,
1.1-2.21
Após a saudação, que toca nos três
temas principais da carta (a origem divina do apostolado de Paulo, a
centralidade da cruz e a nova vida que "nos .desarraiga deste mundo
perverso", onde a coação e a condenação da lei tem necessariamente seu
lugar, (1.1-5), Paulo, sem abrir espaço para a ação de graça
e oração que são usuais no começo de suas cartas, começa a reprovar severamente
os Gálatas e os homens que os levaram erroneamente a "outro
evangelho". Com isto, ele livrou-se da acusação de estar procurando, por
fraqueza e por desejar a simpatia das pessoas, "o favor dos homens" e
caracteriza a si mesmo como um servo de Cristo, 1.6-10. Assim, a defesa do seu
apostolado está realmente começando, e ele, sendo portador do apostolado,
afirma-se o porta-voz de boas novas divinas que a sua autoridade apostólica tem.
1. Independentemente de homens, 1.11-24;
2. Reconhecida pelos apóstolos de
Jerusalém, 2.1-10;
3. Mesmo quando reprova Pedro ao este
vacilar na questão do Evangelho, Paulo afirma a salvação por graça somente,
através da fé, 2.11- 21.
(As palavras de Paulo a Pedro
constituem a transição ao tema da segunda parte de sua carta, o ou-ou da lei
ou promessa, lei ou evangelho.)
II. Defesa do evangelho da livre
graça, sem obras da lei, 3.1-4.31
A. Três testemunhos sobre a verdadeira
natureza da lei e do evangelho, 3.1-14
1. Paulo apela para o testemunho da
experiência dos Gálatas: eles deviam sua conversão a proclamação do Cristo,
crucificado (a cruz e a rejeição da parte de Deus de todas obras do homem); foi
por ouvirem a "pregação da fé", em absoluta passividade, e não por
obras, que eles receberam o Espirito e testemunharam os milagres feitos entre eles,
3.1-5.
2. Ele, então, mantém os judaizantes em
seu próprio campo, apelando ao testemunho do AT sobre Abraão; Abraão é o pai do
povo de Deus como um crente justificado, e os que creem são seus verdadeiros
filhos, 3.6-9.
3. Ele, depois, apela para o testemunho
da lei do AT sobre a própria lei: a lei manifesta uma maldição sobre o ser
humano maldição esta da qual apenas Cristo pode redimir e efetivamente redime,
pelo tornar-se "maldição em seu lugar", 3.10-14.
B. A relação entre a promessa de Deus e a
lei, 3.15-29.
(Esta secção tem, à primeira vista,
um tanto quanto caráter de miscelânea; mas as três subsecções estão
ligadas pela ideia das bênçãos da descendência, descendência esta enfatizada em
cada secção, cf. 4.7, 19, 31).
1. A posição de Israel sob a lei era a de
filho e herdeiro, mas um menor herdeiro, sem liberdade, não melhor
que um escravo. Para o judeu, retornar à lei e ao domínio dela era o mesmo que
recuar da idade adulta à infância, da liberdade que o próprio Pai conferiu à escravidão
voluntária. Para o gentio, retornar do evangelho à lei seria, praticamente, um
retorno à idolatria - ele estaria cultuando as vestes rotas e já descartadas
por Deus, e não o Deus vivente como revelado pelo seu Filho, 4.1-11.
2. Os Gálatas conheceram a alegria que é
ser filho de Deus em Cristo. Paulo lhes deu um novo nascimento com seu
evangelho da livre graça, v. 19. Querem eles recuar deste evangelho, o qual tão
ardorosamente amaram, e torna-lo seu inimigo, e ouvir a lisonjeante
persuasão de homens que os cortejam agora, na intenção de domina-los mais tarde?
4.12-20.
3. Estes que
procuram subjugar os Gálatas à lei prometem que os farão "filhos de
Abraão". A resposta de Paulo é: "Que tipo de filho de Abraão vocês
querem ser?" Se você se firma na descendência física de Abraão e em tudo
que está ligado com a descendência física de Abraão, sua descendência e aquela de
Ismael, o filho que "nasceu segundo a carne", filho da mulher escrava, que caracteriza a aliança do
Monte Sinai (o qual, com
sua imposição da lei, dificilmente poderia ser a palavra final redentora de Deus,
como o nascimento
de Ismael não poderia ser o cumprimento da esperança do crente Abraão). Esta
aliança produz escravos. A mulher escrava tem sua correspondência na atual
Jerusalém, a cidade escravizada e condenada. Descendência legítima a de Isaque, nascido "mediante a promessa" (por uma palavra
graciosa e criativa de Deus), nascido da mulher livre, que é característica da
aliança da verdade e corresponde à Jerusalém lá de cima, o povo de Deus livre e
redimido. 0 filho da mulher livre foi perseguido pelo filho da escrava; a
igreja, da mesma forma, e perseguida por Israel. Mas isto não altera o destino
de uma e de outro. Os que querem ser filhos de Abraão devem trilhar o caminho
da escravidão sob a lei, 4.21-31.
III. Defesa do evangelho da liberdade
em seus resultados práticos, 5.1-6.10
A. O que significa a liberdade sob o evangelho, basicamente,
e em princípio, 5.1-24
1. Liberdade e lei são absolutamente incompatíveis.
A liberdade não é um caminho escolhido pelo ser humano, mas o caminho
estabelecido por Deus. Por isto ninguém pode transigir nisto; retornar para a
lei como meio de salvação, mesmo em pequena medida (como submeter-se a
circuncisão), é anular o evangelho, e perder Cristo, que nos libertou. Os
opositores de Paulo, evidentemente, o acusavam de transigir quanto à
circuncisão em determinadas circunstancias; sua resposta consistiu em
simplesmente apontar para o fato de estar sendo perseguido; era a pedra de
tropeço da cruz que provocava a perseguição, e desde que circuncisão e cruz são
mutuamente excludentes, aceitar a circuncisão iria por fim às acusações e a
perseguição , 5.1-12.
2. Liberdade não significa libertinagem;
significa ser libertado por Deus de si mesmo para servir o próximo em amor (que
é a essência da vontade de Deus na lei). A amarga facciosidade que os judaizantes
introduziram na igreja promete destruir o povo de Deus, 5.13-15.
3. Liberdade significa andar pelo Espírito.
Significa entrar na luta contra a carne e seus desejos, o que o ser humano
apenas pode empreender no poder do Espírito; significa viver a vida conduzidos
pelo Espírito, uma vida que está num nível em que as ameaças e a condenação da
lei não podem tocar; significa que a morte de Cristo, pelo pecado se torna uma
realidade naqueles que pertencem a Cristo, 5.16-24.
B. O que significa, na pratica, a vida de
liberdade sob o Espírito, 5.25-6.10
1. Significa o fim de todo orgulho
próprio, o fim da provocativa autoafirmação e da inveja, 5.25-26.
2. Significa uma vida de serviço humilde
e brando para com os que estão em erro, desempenhada na consciência da própria
fragilidade, 6.1-5.
3. Significa uma amável generosidade para
com aqueles que ensinam na igreja, 6.6. (Esta admoestação, possivelmente, foi
feita pelo fato dos adversários de Paulo terem interpretado mal sua atitude de
não aceitar pagamento pela sua pregação, e terem usado o fato como pretexto
para atribuir a Paulo negligência para com os líderes da igreja).
C. O que a vida de esperança significa em
termos de esperança cristã,
6.7-10.
A liberdade em Cristo, dada ao ser
humano, não o absolve da responsabilidade pelas suas ações; antes acentua esta
responsabilidade. O ser humano ira colher o que semeia. Deus ira considerá-lo
responsável pelo que ele, em sua liberdade, fez com o dom do Espírito.
Conclusão, 6.11-18
A conclusão, escrita de próprio punho
por Paulo (o resto da carta foi ditada), resume novamente os principais
pensamentos da carta, com ênfase especial na motivação egocêntrica dos judaizantes
e na motivação cristocêntrica de Paulo. Ela termina com um voto de que ele, a
quem o sofrimento pelo evangelho marcou como propriedade de Cristo, possa ser
poupada de maior agonia, e com uma benção sobre todos que andam segundo seu
evangelho da liberdade e são, por isto, o verdadeiro Israel de Deus.[iv]
Muito rico o conteúdo da carta aos Gálatas.
É quase que impossível sorvê-lo de uma só vez. E mais: são tantas as afirmações
errôneas que ouvimos no dia a dia sobre esta questão de lei e liberdade, que
corremos o risco de segui-las, acreditando que estamos no caminho certo. Para
penetrar ainda mais no sentido teológico desta carta, vamos deixar Lutero falar
através do comentário que apresentou diante de seus alunos em 1516/1517, e que
se tornou uma das molas propulsoras do movimento da Reforma. Vamos deixar
Lutero falar através de pequenos excertos sobre alguns versículos.
1.11 - Lei e evangelho se distinguem
principalmente nisto, que a lei ensina o que devemos fazer e deixar de fazer,
também o que foi feito e o que não foi feito, e, com tudo isto, ela apenas nos
dá o conhecimento do pecado. O evangelho, no entanto, ensina o perdão dos
pecados e o cumprimento da lei, o que ocorreu através de Cristo. Por isto a voz
da lei diz: Paga o que tu deves; mas o evangelho diz: Teus pecados são
perdoados. Por isto diz em Rm 3,20: "Pela lei vem o conhecimento do
pecado". Mas do evangelho é dito no ultimo capitulo do Ev. de Lucas
(24.46, s.): "Que o Cristo havia de
padecer, e
ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e
que em seu nome se
pregasse arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações. Também em
Rm 10,15 se lê em conformidade com Is 52.7: "Quão formosos são os pês dos
que anunciam cousas boas, i.e,, o perdão dos pecados e a graça da justificação.
Em consequência temos: Que Cristo ensinou muitas coisas no Evangelho, isto ele
fez para haver maior clareza da lei para haver maior reconhecimento do pecado,
para que a graça resplandeça mais e seja oferecida com mais abundância, e seja
guardada com mais cuidado, na medida que os pecados são reconhecidos com mais
profundidade e seriedade."[v]
2.4
- "Nossa liberdade" - a liberdade em Cristo consiste, resumidamente
nisto, não deixar se prender por nenhuma obra externa, mas livre e
desinteressadamente dedicar-se a cada um, fazendo o que o amor fraternal exige,
como diz em Rm 13.8: "A ninguém fiqueis devendo cousa alguma exceto o amor
com que vos ameis uns aos outros." Daí que um cristão verdadeiro é como
diz no cap. 3.28: "não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem
liberto; nem homem nem mulher". Assim também não é nem clérigo, nem leigo,
não pertence a esta ou aquela ordem ou categoria, nem ora ou leciona, e assim
por diante, mas ele (o cristão) é para com todas estas coisas desinteressado,
quer as faça ou não, na forma como o amor cristão as propõe ou deixa de propor.
Assim diz Samuel para Saul em 1 Sm 10.7: "Faze o que a ocasião te pedir,
porque Deus é contigo." Ao contrário ainda pensam hoje aqueles que crêem
que apenas serviam a Deus quando praticavam determinadas obras chamadas de
boas. Mas Deus se entristece com isto quando eles limitam desta forma suas
obras, de tal modo que ele apenas opera no insignificante, quando ele (na
realidade) atua em tudo.[vi]
2.5 - Pois a lei e a justiça da lei
são apenas uma sombra e uma visão ilusória do evangelho.e da justiça da fé.[vii]
2.16 - "sabendo, contudo" -
nós judeus, justos segundo a lei, "que o homem não e justificado" -
i.e., não e tido por justo diante de Deus - "por obras da lei",
também não pelas "obras" dos Dez
Mandamentos, que são propriamente as nossas, "e, sim, mediante a fé em
Cristo Jesus," - "e, sim", i.e., sob fundamento das obras de Cristo,
as quais são nossas pela fé," para que fôssemos", como os gentios,
"justificados pela fé em Cristo". (Em grego) "Nós temos
crido", "para que", embora sejamos pecadores, "fossemos
justificados pela fé em Cristo", sendo sua justiça a nós creditada,
"a não por obras da lei". Pois, na verdade, as obras pertencem
apenas ao domínio da lei e não no da graça; "pois" que isto é assim
está claro: "por obras da lei ninguém," i.e., nenhuma pessoa,
"será justificado", por mais justo que seja.[viii]
Muito acertadamente diz S. Jerônimo
sobre este texto: "Aqui não se trata tanto das obras da lei, mas muito
mais daqueles que creem que podem ser justificados pelas obras da lei." Sobre
isto edificam estes que pensam que podem cumprir a lei com obras da lei, como
se então a lei estivesse cumprida, ao passo que "o amor é cumprimento, da
lei" (Rm 13.10). Mas é impossível haver amor numa pessoa da linhagem de Adão (comparar Gn 8.21; Ex
32.22), pois ele é "inclinado ao mal e resistente ao bem", e, por
isto, sem amor pelo bem. As obras da lei não são, em si, más, pois Deus as
ordenou, mas elas são rejeitadas porque as pessoas confiam nelas e vêem nelas o
propósito da lei. Assim, também, jejuns, orações, vigílias, e outros esforços e
obras feitas para honrar a Deus são obras da lei, através das quais ninguém se
torna justo.[ix]
É importante lembrar que "obras
da lei" aqui não são apenas cerimônias, como
alguns pensam, mas todas obras, também o cumprimento dos 10 Mandamentos... A
lei acena com o temor do castigo ou com a promessa da recompensa e assim
extrai as obras dos homens, exteriormente, mesmo contra a sua vontade. Daí que elas
são "obras da
lei", não
porque sejam ordenadas pela
lei, mas porque
elas são feitas por força da lei, mesmo contra nossa vontade. Em
contraposição, chamamos "obras da graça" ou "do Espírito" aquelas
que provém do Espírito ou da graça, citadas no capítulo 5.[x]
"Mediante a fé". Aqui temos
uma nova e maravilhosa definição de justificação, que ordinariamente é assim
expressa: "justificação é a virtude que concede a cada um o que lhe
pertence." Mas aqui diz: "justificação é a fé em Jesus Cristo."
Sobre isto .diz também S. Jerônimo: "Conhecida é a verdadeira expressão de
um sábio: o crente não vive da justificação, mas ‘o justo (vive) da fé’, i.e.,
ele não vive porque ele é justo, mas ele é justo porque crê, como diz em Rm
10.10: "quando de coração cremos, somos justificados". Daí segue que
aquele que é justificado pela fé, não dá o que é seu, por si mesmo, ao próximo,
mas o faz por um outro, a saber, Cristo, o qual é o único que é tão justo, que
dá tudo a todos e ao qual apenas podemos agradecer.[xi]
A rápida olhada que damos, acima, no
conteúdo da Carta aos Gálatas, nos permitiu ver como a questão da lei e liberdade
está presente em toda ela. É preciso muita clareza nesta questão. Por vezes,
pequenos detalhes, aparentemente insignificantes, podem nos levar para bem
longe do evangelho. São pequenos detalhes que podem nos levar, ou a um
ativismo sem sentido, ou a um comodismo corrupto. Distinguir corretamente lei e
evangelho é a arte que Deus nos ensina através da Carta aos Gálatas.
CAPÍTULO
2
A
CORRETA COMPREENSÃO DA LEI E DO EVANGELHO
Muitas vezes acontecem discussões em
torno do tema "lei e evangelho, 0 que é preciso pregar mais, lei ou
evangelho? As respostas são variadas
e se alteram conforme as circunstâncias.
Um dos motivos da falta de entendimento em torno desta questão á a falta de
acordo sobre yh o que seja lei e
evangelho. É importante definirmos com exatidão o que seja lei e evangelho,
para definirmos melhor as questões decorrentes desta questão.
W. M. Oesch lembra que:
Qualquer prejuízo no conceito de lei
prejudica igualmente, de forma perigosa, o conteúdo do evangelho, a satisfactio vicaria e a
pregação do arrependimento e da salvação. Nós lembramos a pregação concreta e
cheia de conteúdo da lei e juízo por parte de Paulo, por exemplo, em Rm 7.7 :. “Mas.
eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu
conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçaras." E das palavras
programáticas de Jesus que dizem que o único caminho nos céus e na terra para
superar a lei está em Mt 5.17: ", não vim para revogar (a lei), vim para
cumprir."[xii]
Uma das
maneiras pelas quais se compreende com maior clareza um conceito é colocando-o
lado a lado com conceitos total ou parcialmente falsos. Na compreensão de lei,
esta estratégia nos será útil.
A teologia luterana demonstrou que lei
e evangelho, na realidade, estão dialeticamente opostos. A oposição entre lei e
evangelho é total, tão grande que quando um fala, o outro cala. Não há acordo
entre os dois. Historicamente esta contraposição foi perdendo força entre os
teólogos. Algumas situações em que a contraposição perdeu força são as
seguintes:
- A força é perdida quando em vez de
contraposição colocam-se ambos em sequência pura e simples - primeiro a lei,
depois o evangelho. Perde-se aí, na pregação da lei, o aspecto do juízo, e,
por consequência, no evangelho, sua condição de salvação apenas pelo seu
indicativo.
- A força é perdida quando se considera
lei e evangelho maneiras diferentes que Deus usa para falar com os pecadores e
salvá-los. Lei e evangelho tornam-se ambos em palavra de salvação.
- A dialética
lei e evangelho também se perdeu quando se enfatizou que não era tão importante
ver o que Deus diz, mas que Deus fale e que o homem ouça. A ênfase, neste caso,
estava .em que a palavra de Deus é a revelação de Deus e não no conteúdo da
mesma, e também que o homem ouça algo e não que o homem ouça algo que tem a ver
com a mensagem graciosa de Deus para com ele.
C. F. W. Walther é, com justiça, reconhecido
como o teólogo que levantou sua voz para colocar novamente clareza na questão
da lei e do evangelho. Sua obra Lei
e Evangelho deveria ser constantemente lida e consultada por
aqueles que são pregadores da palavra de Deus. No
entanto, em meio a
chamada teologia evangélica,
não é exatamente a posição de Walther que é seguida. As origens disso estão,
possivelmente, na teologia de Calvino. João Calvino escreveu numa
linguagem semelhante à da linguagem usada dentro da teologia luterana. Mas o seu conteúdo é
bastante diverso. Entendendo João Calvino e depois Karl Barth, entenderemos
melhor as diferentes posições sobre lei e evangelho em nosso tempo.
2.1. Lei e Evangelho em Calvino
No Catecismo
de Genebra, de 1536, (Art. 3), Calvino define a lei como uma regra de viver
bem e justamente. A lei não expressa a impossibilidade de o ser humano
cumpri-la. Todas as admoestações, exortações e mandamentos dos profetas e
apóstolos nada mais seriam que exegeses da lei. A lei cumpre, portanto, um
ofício informativo sobre a vontade de Deus. Deixemos Calvino falar:
Ora, se ninguém negará que nela sobressai
um modelo absoluto de justiça, ou se impõe que não nos haver regra nenhuma de
viver bem e retamente, ou dela não nos é defenso afastar-nos: Na verdade, porém,
não muitas, mas uma é a perpétua e inflexível regra de viver,. . . Pois a lei já
não desempenha para conosco a função de um rígido exator, a quem, não satisfaça,
a não ser efetuado o requerido. Mas, nesta perfeição a que nos exorta, aponta
ela a meta para com que nos é não menos proveitoso porfiar por toda a vida, que
consistente com o nosso dever. Com efeito, esta vida toda e um estádio, do qual
corrido o percurso, o Senhor nos concederá que alcancemos aquela meta a que
agora nossos esforços se empenham ao longe.[xiii]
No conceito de lei de Calvino, nada se
altera com a vinda de Cristo, porque a lei, em si, não expressa sua impossibilidade
de cumprimento. Segundo Calvino, Cristo livra o pecador da maldição da lei e,
após isso, a lei serve para exortar, plasmar e preparar para toda boa obra.
Quando testifica o Senhor que não
viera para abolir a Lei, mas para cumpri-la, nem, até que se passem o céu e a terra,
haver-se de deixar de parte da Lei um til, sem que tudo se cumpra (Mt 5.17-18),
confirma Ele à saciedade que por Sua vinda nada haver-se-ia detraído da
observância da Lei. E com razão, uma vez que Ele veio antes para este fim: que
lhe remediasse às transgressões. Por parte de Cristo, portanto, permanece inviolável
o ensino da Lei, que, instruindo, exortando, reprovando, corrigindo, nos haja
de plasmar e preparar para toda obra boa.[xiv]
Para vermos ainda com mais clareza o
pensamento de Calvino, vejamos o que ele diz nas Institutas, II, 7, 15:
Com efeito, é
evidente que as cousas que são ditas por Paulo acerca da abrogação da Lei não dizem
respeito ao
ensino mesmo, pelo contrário, ao só poder de constringir a consciência. Pois, a
Lei não apenas ensina, como também exige imperiosamente o que manda. Se não é obedecida, de fato, se deixa de
ser aplicada em qualquer ponto, despede o raio da maldição. Por esta razão diz
o Apóstolo (G1 3.10) que estão sujeitos a maldição todos quantos são das obras
da Lei, porquanto está escrito: "Maldito é todo aquele que não
cumpre todas as cousas prescritas na Lei ", (Dt 27.26). Diz, porém, sob as
obras da Lei aqueles que não fundamentam sua justiça
na remissão dos pecados, através da qual somos livrados do rigor da Lei.[xv]
Se o que Calvino ensinou nos
parágrafos acima ainda, pode deixar qualquer dúvida quanto a sua posição sobre
lei e evangelho, ouçamos o que ele diz, nas Institutas, mais adiante, no
capítulo 9, 4, cujo título é "O evangelho não se contrapõe à lei, nem a
exclui".
Daqui também se refuta o erro daqueles
que jamais de outro modo comparam a Lei com o Evangelho que contrapondo os
méritos das obras a gratuita imputação da justiça. Certamente que esta antítese
não é, de modo algum, de rejeitar-se, pois que, com frequência, Paulo entende sob
o termo Lei a norma do justo viver, pela qual Deus exige de nós o que é Seu,
nenhuma esperança de vida outorgando se lhe não obedecemos integralmente, e,
por sua vez, aduzida maldição, se nos desviamos mesmo que apenas um mínimo.
Isto o faz Paulo, de fato, onde contende que agradamos a Deus não por efeito de
obras e somos havidos por justos mediante o Seu perdão, porque em parte alguma
se encontra a observância da Lei a que foi prometida recompensa. Portanto,
procedentemente faz Paulo entre si contrárias a justiça da Lei e a justiça do
Evangelho.
Mas, o Evangelho não sucedeu a tal
ponto a toda a Lei que apresentasse um meio diferente de salvação, senão que,
antes, confirmasse e mostrasse ser relevante o que quer que ela havia
prometido e desse corpo a seus delineamentos. Pois quando diz que a Lei e os
Profetas haviam vigorado até João (Lc 16,16), nem está Cristo a adjudicar os
Pais à maldição a que não podem fugir os servos da Lei; ao contrario, significa
haverem eles sido instruídos em rudimentos somente, de sorte que permanecessem
muito abaixo da sublimidade do ensino do Evangelho. Por isso, chamando ao
Evangelho "o poder de Deus para a salvação de todo o que crê” (Rm 1.16),
Paulo aduz, pouco depois, que tem ele testemunho da parte da Lei e dos Profetas
(Rm 3.21). Alias, no final desta mesma Epístola (Rm 16,25-26) inda
que a ensinar .que a pregação de Jesus Cristo é a revelação do mistério
guardado em silêncio durante os tempos eternos, atenua esta postulação com uma
explicação acrescentada, ensinando haver sido esse mistério manifestado por
meio das Escrituras Proféticas.
De onde concluímos
que onde se trata
de toda a Lei, dela
difere o Evangelho apenas em respeito a uma clara manifestação. Ademais, em
razão da inestimável
afluência da graça que nos
foi revelada em Cristo, não
sem razão se diz que, por Sua vinda, foi erigido na
terra o celeste reino de Deus.[xvi]
O conceito de lei, em Calvino, é o
seguinte: Deus quer salvar os homens pela lei. A lei é o acordo, a aliança
entre Deus e os homens. A lei existiu primeiro. Daí, veio o pecado. Com a
transgressão da lei, tornou-se necessário o perdão. Mas a aliança da lei continua
valendo. Uma vez perdoado, o homem segue cumprindo a lei de Deus, a qual ele
deveria ter cumprido desde o início, e na qual ele deve permanecer agora, até
alcançar a salvação final. O evangelho não é outra forma de salvação. Werner
Elert diz, com razão, analisando Calvino: "Mas o evangelho não está para a
lei como que trazendo uma nova forma de salvação (diversam rationem salutis).
Como um todo a lei difere do evangelho somente na clareza de suas
manifestações."[xvii]
2.2. Evangelho e Lei em Karl Barth
Em 1935, Karl Barth foi convidado a
proferir uma conferência sobre Lei e Evangelho. Barth altera o tema proposto
invertendo a ordem das palavras, e justifica sua modificação dizendo:
"Lei e Evangelho" seria o
tema sobre o qual eu deveria falar, se nos ativéssemos à formula já
quase automática entre nós. Mas de saída quero deixar claro que não vou falar
sobre "Lei e Evangelho", mas sim sobre "Evangelho e Lei". A
sequência tradicional em que aparecem as palavras, ou. seja, "Lei e
Evangelho", tem boa razão de ser em seu contexto adequado, o qual ainda
especificaremos. Mas ela não deve fornecer a direção básica para o todo da
doutrina que aqui esboçaremos. Pois o que acontece é que, quem realmente e com
toda a seriedade disser primeiro "lei", e depois, e apenas
sob este pressuposto, disser "evangelho", com a melhor das intenções
não pode estar falando da lei de Deus, e por isso também não do seu
evangelho. Ambiguidades de toda espécie envolverão este caminho habitual, mesmo
na melhor das hipóteses.[xviii]
Barth, em seu trabalho, tenta unificar
o conceito de lei e evangelho, anulando sua contraposição dialética. Ele diz
que lei e evangelho são palavra de Deus; que lei e evangelho são graça de Deus,
pois o simples fato de Deus ainda falar conosco é graça; que lei e evangelho
são graça livre e soberana de Deus, onde o evangelho encerra dentro de si a
lei. A frase que se repete ao longo de seu trabalho, como que sendo um
estribilho, é "A lei é a necessária forma do evangelho,
cujo conteúdo é graça.”[xix]
Barth diz que a lei está contida no
evangelho. Como na arca da aliança estavam dentro as Tábuas
da
Lei, assim também
a lei está dentro do evangelho. 0 que os luteranos, tradicionalmente, chamam
de segundo uso da lei, para Barth é um uso gracioso, visto que, em última
análise, através deste uso, o que Deus quer é salvar. Assim, a lei é graça.
2.3. A Correta Compreensão da Lei
Se conseguirmos ver com clareza a
diferença entre o conceito luterano e calvinista (por extensão o conceito de
Barth) de lei, isto nos auxiliará em muito na forma como faremos uso da lei em
nosso ministério. Vamos, primeiro, nos valer dos argumentos que Werner Elert
utilizou contra Calvino e Barth. São, em resumo, três:
Primeiro, as promessas efe lei não são
aplicadas incondicionalmente, mas condicionalmente. Exemplo: Ex 20.5-6. Deus
promete sua graça, na lei, somente com a condição da lei ser cumprida. A
diferença entre lei e evangelho, portanto, está no .fato de que a lei promete
graça a justos que a cumprem e o evangelho a pecadores que não a cumpriram.
Segundo, a lei contém, em precisa
coordenação com sua promessa, ameaça de punição. A lei sempre é retributiva.
Assim o Antigo Testamento entende a lei, e Cristo e Paulo também. 0 Antigo
Testamento não apenas apresenta a lei como recompensa e castigo em seu conteúdo legislativo,
mas também nos exemplos de vida individual e de nações (Gn 38.7; Nm 14.22,
ss.). Ver também Gn 9.6; Ex 21.24, s. Deus é quem recompensa e pune, mesmo através
do homem, Dt 32.35.
O Novo Testamento repete as sentenças
como a valida ‘nomos’ de Deus (Rm 12.19; Hb 10.30, 5; cf. 2 Ts 1.8; Ap 6.10).
Viver sob a lei significa viver sob sua maldição (G1 3.10). A lei de Deus traz
ira (Rm 4,15) porque ela é lei retributiva.
Terceiro, o
erro mais grave de Barth se deve ao fato de se ver a lei somente como ato
legislativo de Deus. Deus aparece apenas como legislador, em analogia com os
legisladores humanos, onde Deus responde a pergunta humana sobre como este
deve agir. Pode-se ilustrar isso com muitas obras sobre ética, tanto católicas
como protestantes, onde são enfatizadas normas de vida. Calvino até define a
lei como regra de vida. São Paulo, ao contrário, entende a lei como atividade
jurídica de Deus, isto é, Deus agindo como juíz.[xx]
Um sintoma deste erro
calvinista sobre a lei está na forma como os dogmáticos definem pecado. Eles
falam que pecado é
transgressão, afastamento ou desvio da lei divina. Não que esta definição
esteja totalmente errada. 1Jo 3.4 fala assim. Mas como Hb 11.1 não define
totalmente a fé, assim 1Jo 3.4 não define completamente lei. Esta definição
reduzida dá a impressão de que a lei é uma espécie de caminho com cerca dos
dois lados. Quando se ultrapassa a cerca, a lei nos avisa e chama de volta. Se
estivermos no caminho, estaremos rumando para os céus. É evidente que lei não pode ser apenas isso no conceito bíblico.
Na realidade a função da lei é bem
outra. Ela não pressupõe que estejamos do lado certo da cerca, e sim, do lado
errado, e estamos assim desde o início da jornada da vida. Isto é a doutrina do
pecado original, ensinada por Paulo, e que diz que desde o início estamos em
território proibido.
Paulo esclarece o mesmo, em outro
texto, de outra forma. Em G1 3.17, ele diz que a lei só foi dada 430 anos após
Abraão. Ele pensa na legislação sinaítica, incluindo o decálogo. De outro lado,
ele diz que o pecado estava presente antes do Sinai. Consequentemente, a morte
também, que é o salário do pecado, e que reinou desde Adão até Moisés. Ela reinou
porque o pecado estava aí, e a lei retributiva também estava (kríma eis katákrima,
Rm 5.16). A lei estava agindo independentemente da legislação do Sinai. Era o
veredito da ação jurídica de Deus. Paulo vê, também no período pré-sinaítico
(como em todos os outros), os homens sendo julgados por Deus, condenados e
sentenciados por ele (G1 3.19). A legislação formal não melhorou os homens
dando-lhes uma regra de vida para poderem bem viver. Ao contrário, ela reavivou
o pecado, dando-lhe novo poder por provocar-lhe oposição. A legislação não fez
nada mais que tornar o pecado aparente. Ela perseguiu seu
propósito de conceder ao homem consciência da oposição dele a Deus (Rm 7,7,
ss,; 3.20; 1 Co 15,56; 1 Tm 1.9).
Não há menos
culpados ou mais culpados diante da lei. Ler Mc 1.15 e Lc 13.3-5. A
interpretação que Cristo dá à lei é
que ela expõe o pecado humano. Não há situação do homem sob a lei em que ela não o condene.[xxi]
2.4.
O Terceiro Uso da Lei
Diante do que foi exposto sobre a lei até agora, cumpre-nos
perguntar, o que é o terceiro uso da lei? Normalmente não há discordância
quando se pergunta qual o primeiro e o segundo uso da
lei. A
discordância surge quanto ao terceiro uso. Seria a lei, no seu terceiro uso, a
lei para os cristãos? Os antinomistas dizem que não. Calvino e os luteranos
dizem que sim. Mas, no seu terceiro uso, para que serve a lei aos cristãos?
Para ensinar-lhes a vontade de Deus, é a resposta que calvinistas e luteranos
ainda podem subscrever. A pergunta começa a receber dupla resposta se for
assim formulada: No seu terceiro uso, a lei no cristão é usada por causa do velho ou do novo
homem? Calvino não tem dúvida em dizer: por causa do novo homem. E o que dizem
os luteranos?
Olhando alguns manuais de instrução em
uso na IELB, teremos as seguintes respostas:
- Conheça A Verdade: o atual propósito da lei... (3º uso)
"servir aos que creem como um guia para viver vida cristã."[xxii]
- Crescendo
em Cristo: "A
lei serve de norma, mostrando-nos como devemos viver para sermos agradáveis a
Deus."[xxiii]
- Catecismo Menor, explicação: "Em terceiro lugar
mostra ao regenerado quais são verdadeiramente as boas obras (Norma)."[xxiv]
Nos dois
primeiros manuais, temos a resposta de forma geral, que a
lei, para o cristão, serve como guia para viver a
vida crista de forma agradável a Deus. Não há nada que diga se a lei seria para o novo ou para o velho homem. Já
no Catecismo Menor, explicação, temos a palavra "regenerado". Isso
dá, pelo menos, a
possibilidade de
entender que a lei
seria para o
novo homem, embora isto não precise ser necessariamente interpretado assim.
O melhor que temos a fazer será consultar
as Confissões Luteranas. O que dizem elas sobre este tema? Como elas apresentam
o terceiro uso da lei? E, para salientarmos ainda mais a importância dessa questão,
convém dizer que o uso da lei não pode contradizer o conceito de lei. A lei, em
qualquer uso, não pode perder seu caráter judicativo, tornando-se uma simples
regra ou manual de conduta. E as Confissões Luteranas realmente não fazem esta
simplificação.
Nas Confissões Luteranas o assunto
aparece na Fórmula de Concórdia, Artigo VI. A Declaração Sólida nos dá mais
subsídios do que a Epítome sobre a questão. Vamos nos valer da exposição do
Prof. Oesch sobre o assunto:
O terceiro uso da lei em todas as suas
funções é contra o velho Adão dos cristãos. O tertius usus aparece tanto na coação do primeiro uso, como também
na implacável revelação e condenação do pecado segundo o segundo
uso, tomando porém, em
consideração ambos de forma que o cristão não esteja debaixo da lei. Todavia há um
terceiro passo ainda. Podemos tranquilamente chama-lo de terceiro uso, ou
melhor: o terceiro uso no terceiro uso, tertium uso in tertio uso. O mesmo diz
que a lei sempre é exigência do santo Deus para com a sua criatura feita,
originalmente segundo a sua imagem. Mas agora acontece algo novo: para o
cristão, aquilo que a lei exige não é mais terrível. Segundo o novo homem, a
santa vontade de Deus para o cristão é algo amável, que diz como devemos ser, o que deixar de
fazer e o que fazer. Ele mesmo é “énnomos', pois a fé é ativa pelo amor - pelo
amor a Deus e às pessoas. Ele diz: "Fala, Senhor, porque o teu servo
ouve." Ele ouve a palavra de Deus como palavra do Pai, na opinião do novo
homem. E este novo homem que está do lado de Deus, que contra a sentença da lei
se erige no evangelho, descobre por trás das exigências da lei um motivo de
estável ensino e norma, para a seu modo usar para proteger-se da 'sárks', e
para repelir a tentação do entusiasmo. Aqui é trazido à luz o sentido original
da lei, que já havia antes da queda em pecado, o conteúdo, que esta por trás da forma
ameaçadora e contraria ao pecado, por trás do "tu deves". Ouçamos a
incansável e repetida definição de 1577. Epítome VI, 2: “Cremos, ensinamos e
confessamos que, conquanto os homens genuinamente crentes e verdadeiramente
convertidos a Deus foram libertados e isentados, por intermédio de Cristo, da
maldição e coerção da lei, todavia não estão, por isso, sem lei, porem foram
redimidos pelo Filho de Deus, a fim de se exercitarem nela dia e noite. Salmo
119. Pois os nossos primeiros pais mesmo antes da queda não viveram sem lei. A
lei de Deus lhes foi também inscrita no coração, porque foram criados à imagem
de Deus.” Solida Declaratio VI, 4: "Pois a lei e espelho (instar speculi
limpissimi) , em que a vontade de Deus e o que lhe agrada é devidamente retratado."
§ 15: "Todavia, para evitar, na medida do possível, todo mal-entendido, e
a fim de que a diferença entre as obras da lei e as do Espírito seja apropriadamente
ensinada e preservada, deve notar-se com especial diligência que, quando se
fala de boas obras que estão de acordo com a lei de Deus (pois de outro modo não
são boas obras), aí a palavra "lei" designa uma só coisa, a saber, a
vontade imutável de Deus, em conformidade com a qual os homens devem
conduzir-se em sua vida." Este conceito da Confissão está de acordo com o
que ensina Jesus em Mt
5.18, quando ele diz que nem um iota deve passar da lei até que céus e terra se
consumem. Em consequência deste ensino da lei como santa vontade de Deus,
entende-se que a Epítome § 1 diz: "A lei foi dada aos homens por três razões:
primeiro, a fim de manter-se com isso disciplina externa contra homens refratários,
desobedientes; segundo, a fim de que se possa por intermédio disso conduzir os
homens ao reconhecimento de seus pecados; terceiro, para, depois de
regenerados, e aderindo-.lhes não obstante a carne, terem, por isso, norma
certa de acordo com a qual cumpre que regulem e governem toda a sua vida."[xxv]
A diferença entre a doutrina luterana e a calvinista quanto ao terceiro
uso da lei está
precisamente nisso, que os luteranos ensinam que o terceiro uso da lei é para
o cristão contra o seu velho homem
e os calvinistas erisinam que com a lei se anima o cristão a praticar boas obras. A lei,
segundo a doutrina luterana, não tem esta capacidade de produzir boas obras,
pois ela sempre condena. Para maior clareza, vale a pena ler a Fórmula de
Concórdia, Declaração Sólida, VI, 17-25:
Quando, porém, o homem nasce de novo
do Espírito de Deus e é libertado da lei, isto é, quando está livre desse
propelidor e é impelido pelo Espírito de Cristo,— aí então vive de acordo com a
imutável vontade de Deus, compreendida na lei, e, enquanto renascido, tudo faz
de espírito livre e disposto. E tais obras, propriamente, não se chamam obras
da lei, senão obras e frutos do Espírito, ou, como lhes chama São Paulo, lei da
mente e lei de Cristo. Pois que tais pessoas já "não estão debaixo da lei,
e sim da graça", como diz São Paulo Rm 8.
No entanto, como os crentes não são
perfeitamente renovados neste mundo, porém o velho homem se lhes apega até a
sepultura, neles também continua a luta entre o espírito e a carne. Por isso
deveras tem prazer na lei de Deus no tocante ao homem interior, mas a lei em
seus membros guerreia contra a lei em suas mentes. Destarte, nunca estão sem
lei, e contudo não estão debaixo da lei senão na lei, vivem e andam na lei do Senhor, e
todavia nada fazem por impulsão da
lei.
No que diz respeito ao velho homem,
que ainda lhes adere, deve ser impelido não só com a lei, mas também com
pragas, pois que tudo faz contra a sua vontade e sob coação, da mesma forma
como os ímpios são impelidos e mantidos na obediência por ameaças da lei 1 Co
9; Rm 7.
Assim essa doutrina da lei também é
necessária aos cristãos, para não caírem na propria santidade e devoção,
instituindo, sob o pretexto do Espirito de Deus, culto divino escolhido por
eles mesmos, sem palavra e ordem de Deus, como está escrito Dt 12: "Mão
procedereis em nada segundo estamos fazendo aqui, cada qual tudo .o que parece
bem aos seus olhos", mas: "Guarda e cumpra todas estas palavras cjue
te ordeno", e: "Nada lhe acrescentaras nem diminuirás".
Assim a doutrina da lei também é
necessária nas boas obras dos crentes e com elas, porque de outra maneira o
homem pode muito facilmente imaginar que sua obra e vida são inteiramente puras
e perfeitas. Mas a lei de Deus prescreve as boas obras aos crentes de forma que
mostra e indica simultaneamente, como em espelho, que nesta vida ainda são
imperfeitas e impuras, de sorte que temos de dizer com o dileto Paulo:
"porque de nada me argui e consciência; contudo, nem por isso me dou por
justificado.”
Assim Paulo, quando admoesta os
regenerados à pratica de boas obras, apresenta-lhes expressamente os Dez
Mandamentos Rm 13, e que suas boas obras são imperfeitas e impuras reconhece-o
da lei Rm 7. E Davi diz SI 119: Viam mandatorum tuorum cucurri, "ando no
caminho dos teus mandamentos"; mas: "Não entres em juízo com o teu servo,
porque a tua vista não há justo nenhum vivente" SI 143.
Mas
como e por que as boas "obras dos crentes, ainda que nesta vida são
imperfeitas em virtude do pecado na carne, não obstante são aceitáveis para
Deus e a ele agradáveis,
isso não o ensina a lei, que, a dever agradar a Deus nossa obediência, exige
que seja absolutamente perfeita e pura. Mas o evangelho é que.ensina que
nossos "sacrifícios espirituais" são aceitáveis para Deus "pela fé,
por causa de Cristo" 1 Pe 2; Hb 11. Assim os cristãos não estão debaixo da
lei mas da graça, porque mediante a fé em Cristo a pessoa foi libertada da maldição
e condenação da lei,
e porque suas boas
obras, posto que ainda imperfeitas e impuras, são aceitáveis para Deus por
intermédio de Cristo; também porque, enquanto nascidos de novo segundo o homem
interior, fazem o que agrada a Deus não por coerção da lei, mas por renovação
do Espírito Santo, de coração, voluntária e espontaneamente. Assim mesmo,
porém, travam luta incessante contra o velho homem.
Porque o velho homem, como asno indômito
e recalcitrante, também ainda é parte deles, e deve ser forçado à obediência
de Cristo não só com o ensino, admoestação, impulso e ameaça da lei, porém
muitas vezes também com o cacete dos castigos e pragas, até estar completamente
despida a carne do pecado e o homem renovado perfeitamente na ressurreição,
onde ja não precisará nem da pregação da lei, nem de suas ameaças e castigos,
como também não mais do evangelho, coisas que pertencem a esta vida
imperfeita. Mas assim como hão de contemplar a Deus face a face, assim, pelo
poder do Espírito inabitante de Deus, hão de fazer a vontade de Deus voluntariamente,
sem coação nem impedimento, com integral pureza e perfeição, com plena alegria,
e regozijar-se-ão na vontade de Deus eternamente.[xxvi]
2.5. A Correta
Compreensão do Evangelho
O que deve
ter ficado claro no tópico anterior sobre a lei é que ela, nem mesmo no seu terceiro
uso, perde a contraposição ao evangelho. A lei sempre condena e apenas o
evangelho salva e produz a nova vida. Talvez o grande
problema da igreja esteja em não pregar-se corretamente a lei e, por isto,
pensar-se que o evangelho está sendo pregado de uma forma ineficaz. Pregar
corretamente a lei á necessário para que o evangelho seja corretamente
entendido.
O
cristão, enquanto neste mundo, sendo simul justus et peccator, tem dentro de si
o combate entre o velho e o novo
homem. Como novo homem, guiado pelo Espírito Santo, o cristão está livre do impulso e da
maldição da lei. No entanto, conforme o velho homem, a lei o acusa. A lei faz
o seu papel de ensinar e condenar. Embora seja necessário distinguir entre estes
usos, é impossível separá-los.
Em
1927, na sua proposta a Conferência de Fé e Ordem, em Lausanne, Gogarten
definiu assim o evangelho, seguindo Rm 4.25: "Evangelho é a mensagem de Jesus
Cristo que foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa
justificação."
Esta
definição destaca três pontos: .
1º) Como a lei, o evangelho também é
Deus falando. Mas esta palavra consiste numa pessoa, a saber, Jesus Cristo.
2º) Não é apenas Cristo o conteúdo do
evangelho, mas o Cristo que morreu e ressuscitou, isto é, algo que aconteceu
com ele.
3º) A razão porque a mensagem é
evangelho são as palavras "pelos nossos pecados" e "para nossa
justificação".
Paulo ainda definiu isto de forma- mais
sucinta em 1 Co 1.18: "a palavra da cruz". É importante salientar que
na cruz também vemos a lei retributiva de Deus se cumprindo. Em si, isto não é
evangelho. O evangelho encontramos quando vemos a morte de Cristo "por
nós" e quando vemos, na ressurreição, a lei superada. O sentido belo e
evangélico da ressurreição, por vezes, é esquecido quando falamos demais sobre
a morte de Cristo sem fazer isso de forma evangélica, isto é, salientando o
"por nós".
O evangelho produz nova vida de
liberdade. Não é mais vida sob a lei, mas vida sob a graça. O cristão vive
orientado pelo Espírito Santo e de boa vontade cumpre a vontade de seu Deus.
Esta é a diferença no cumprimento da lei entre escribas e fariseus, que estavam
sob a maldição e não reconheciam seus pecados, e os pecadores que procuravam Deus
(Lc 16.15; Do 9.39-41; 15.22). Ver também o exemplo de Paulo em At 22.3; 26.5; Fp 3.5 em
contraste com Rm 3.20; Gl 2.16.
A vida cristã
não pode, portanto, ser vista a partir da lei e sim do evangelho, não a partir
da santificação, mas da justificação, não a partir da simples obediência, mas
da nova vida em Cristo,
onde há perfeita liberdade.
CAPÍTULO
3
JUSTIFICAÇÃO
E SANTIFICAÇÃO
A vida cristã não pode ser separada do
centro da teologia cristã, a saber, da doutrina da justificação do pecador
pela graça que é oferecida em Cristo e aprendida pela fé somente. É bem verdade
que ela, a vida cristã, deve ser distinguida da justificação mas não pode nunca
ser separada.
Paul
Althaus, em The Ethics of Martin Luther, mostra como em Lutero vida cristã e
santificação se interligavam. Em primeiro lugar, ele lembra que a vida cristã
pressupõe a justificação. O ethos cristão é determinado pela justificação. A
justificação estabelece o que a vida cristã é. E ela o faz de duas maneiras:
1º, negativamente, proibindo ou excluindo coisas; 2º, positivamente, afirmando
outras.
A justificação
como negativa no ethos cristão exclui totalmente a participação humana. Pelo
fato da salvação ser inteiramente fundamentada na graça de Deus, que aceita o
pecador, nem o ethos cristão, nem a atividade humana são meios pelos quais se
obtém a aprovação de Deus e ou a salvação. Isto, por dois motivos: 1º) Ninguém
entrega a sua vida a Deus tão completamente como o mandamento de Deus exige.
Uma pessoa pode fazer muitas coisas boas, mas ainda não é completamente uma
pessoa boa, porque continua, ao mesmo tempo escravizada pelo pecado. A sua
lealdade a Deus é dividida. 2º) Mesmo que pela graça de Deus alguém pudesse chegar
ao ponto da perfeição, sua
perfeita justiça ética não motivaria Deus a salvá-lo, pois Deus quer dar a
salvação como ato livre da sua soberana misericórdia em Cristo. Se nós queremos
dar valor ao nosso ethos ou ação, estamos negando a Deus o ser Deus, o que
seria o maior pecado. Salvação é concedida por Deus, somente mediante a fé. A
atividade cristã não pode ser entendida em termos de obter a salvação ou o
favor de Deus, mas em gratidão pela salvação obtida por Cristo (WA 39, 46; LW
34, 111; Wa 31, 252; LW 14, 34; WA 6, 209; LW 44, 29).
O que nós fazemos na vida crista pode
ser descrito em termos de obediência, gratidão, louvor a Deus. Entendidas, no
entanto, teleológicamente, isto é, em termos de propósito, nossas obras não são
feitas para Deus mas para o próximo. Nós devemos
nos dedicar ao próximo e não nos preocupar com nossa salvação que Deus nos dá.
Estamos livres para servir ao próximo. Quem se preocupa
consigo, com sua salvação, realmente cuida apenas de
si. Deus dá o necessário para eu me preocupe com os outros.
(Isso está
refletido na explicação dos mandamentos no Catecismo Menor: "Devemos temer
e amar a Deus de maneira que. . .")[xxvii]
A justificação, no entanto, tem um
aspecto positivo no ethos cristão. Embora nada possa ser feito por nós pela
nossa justificação, paradoxalmente, Deus, em Cristo, me aceita como justo e me
olha com compaixão, embora eu seja e permaneça sendo pecador. E, em Cristo,
Deus além de me aceitar, aprova minhas obras. Empiricamente, o que o cristão
faz nunca e tão bom para ser justo e aceitável diante de Deus, pois a natureza
pecaminosa contamina tudo o que ele faz. No entanto, as obras são justas porque Deus as aprova em sua graça, pois ele aprova o homem que crê. Num sentido
imanente, a consciência cristã não é boa, mas Deus, pela justificação, a torna boa.
É claro que se fala aqui da obediência aos mandamentos dados por Deus e
não de obras inventadas por homens como boas. Nesta distinção podemos ver que
Deus se agrada das obras que ele determinou (Ef 2.10); embora estas obras, em
si, continuem sendo imperfeitas (Lc 17.10; Is 64.6), Deus as aceita. Assim, a
obra é boa quando feita conforme a vontade de Deus, por um lado, e é boa, por
outro lado, porque Deus me justifica e a obra é resposta de fé.
Do ponto de vista da moralidade, um não cristão pode fazer
o que o cristão faz, mas como cristão ele age no pressuposto da fé, só ele
produz boas obras, porque só ele crê. Rm 14.25; Hb 11.6. As obras também são
simul justus et peccator. Por isto também sobre as obras deve ser pregada a
lei, para convencer a pessoa de pecado em suas obras, e o evangelho para salvar
a pessoa e fortalece-la a andar nos caminhos do Senhor.[xxviii]
Diz Althaus, reproduzindo o pensamento
de Lutero:
A fé justificante do cristão e a
certeza de que ele é salvo lhe dão grande liberdade para agir. O cristão é
livre para fazer alegremente toda obra requerida pela situação em que ele vive. Um ethos que não está baseado na
justificação e que não tem certeza de que Deus é favorável com a pessoa, mas
que sente que precisa primeiro conquistar a aprovação de Deus, é compelido a
tentar encontrar obras especialmente santas que são diferentes das obras
comuns, ordinárias. Um ethos assim tem de escolher obras especialmente
piedosas, em vez de simplesmente fazer o que Deus ordena. Quando nós estamos
certos de que Deus se agrada de nós e de nossas obras, então toda distinção
entre ordinário e especial, profano e santo, insignificante e significante,
obras pequenas e grandes, desaparece completamente. Tais distinções são feitas
somente por moralistas que precisam dar sentido e valor à sua vida através do
que eles fazem. Desde que o cristão recebeu o sentido e o valor de sua vida
através do gracioso ato da justificação de Deus, todas
tarefas e obras da vida são igualmente importantes e santas porque foram designadas
a ele por Deus, ao este dirigir sua vida. Não há obras especialmente santas.
Tudo o que fazemos é secular. Contudo tudo se torna santo quando é feito em
obediência ao mandamento de Deus e na certeza de que ele se agrada quando é
feito em fé. Isso dá valor e uma gloria oculta a
tudo
o que fazemos. Enquanto
alguém é enganado pelo moralismo e não vive como justificado, ele procura
obras enganosas e gloriosas. Obras verdadeiramente cristãs, no entanto, não
impressionam muito e sua gloria está oculta, assim como a glória de Deus está
oculta.
Por isso, a fé torna o cristão livre.
Ele está livre para fazer sua tarefa com alegria, em contraste com o tormento
escravizante, a insegurança e a insatisfação da pessoa que não tem fé, e tem
dúvidas a respeito da sua situação diante de Deus, e que não sabe como irá
satisfazer a Deus.[xxix]
A justificação não apenas
determina o caráter da vida cristã
e sua auto-compreensão, mas também é a fonte do ethos cristão. Deus, pela justificação, concede um novo poder ao ser
humano, e este passa a estar repleto de amor a Deus. Seu relacionamento com
Deus é modificado. Se antes ele estava debaixo da maldição da lei,
justificado em Cristo, que cumpriu a lei, o cristão ama a lei de seu Senhor e
procura cumprir os seus mandamentos. A árvore boa produz bons frutos. O
Espírito Santo dá o impulso e a motivação. O Espírito Santo habita no cristão e
não é preguiçoso. Como resultado, o cristão não é preguiçoso e faz as obras de
Deus. O Espírito Santo torna o morto em vida e produtivo.[xxx]
(Analisar Mt 7.15-23 sob o
prisma dos frutos da lei e frutos da fé).
Sobre a justificação como fonte de
toda ação cristã, é interessante examinar os Catecismos de Lutero e o seu Tratado sobre as Boas Obras. Ler CMa I, 48, 50, 94,
195, 310-311, 316, 323, 326-329.
Além de
reconhecer a justificação com pressuposto e como fonte da vida cristã, é
importante ainda examinar o aspecto da vida cristã como luta do cristão consigo
mesmo. Também aí justificação e santificação se relacionam de maneira bem
especial.
Através da fé, o ser humano
justificado torna-se novo homem. O Espírito de Deus o move. Contudo a fé não
transforma a pessoa de maneira que a velha natureza desaparece. A velha
natureza com seus desejos não está completamente morta. Assim, o cristão está dividido
dentro de si.
A vida cristã decorre dentro deste
clima de tensão e de luta. Ela é assim descrita no Catecismo Menor, Do Batismo:
. . . o velho homem em nós, por
contrição e arrependimento diários,
deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus desejos, e, por sua vez,
sair e ressurgir diariamente novo homem, que viva em justiça e pureza diante de
Deus eternamente.”
Esta luta é magistralmente descrita em
Rm 7.7-25.
Devemos cuidar para não colocar esta
luta nos termos de simul justus et peccator. Esta colocação de Lutero não
define a luta entre carne e espírito, mas define nossa situação. Somos
totalmente justos em Cristo e somos totalmente pecadores segundo a natureza
corrompida. Na luta entre velho e novo homem, temos vitórias de um e outro
lado, mas não nos tornamos mais justos ou pecadores. Ao longo de toda a luta continuamos simul justus et
peccator.
A luta que se
inicia na vida cristã existe apenas a partir da fé. Sem fé cessa a luta. A luta
é marca da vida cristã, Gl 5.16, ss,; Ef 4,17-24. Nesta luta não lutamos pela
vitória, mas a partir da vitória em Cristo, 1 Co 15.54-58.
O velho homem
precisa ser morto diariamente na penosa escola da vida, particularmente no
contexto da nossa vocação e sofrimento. Quando Deus envia sofrimento, ele age
dentro do contexto do relacionamento dialético de sua obra própria e de sua
obra alheia (Is 28.21). Deus, muitas vezes, nos conduz pela provação. É uma
ação terapêutica de Deus. Muitos profetas e membros do povo de Deus pediram
que Deus os preservasse do orgulho e do mal e que os provasse para que o velho homem fosse esmagado na
luta. Ver o SI 26, onde no versículo 2, o salmista pede para ser provado, 1Pe
1.6-9; 4.12-19.
Lutero, neste particular, tinha receio
dos tempos de paz e tranquilidade pois eles podiam acomodar a fé. Se o cristianismo tem uma mensagem que o mundo odeia, e sua mensagem não
causa impacto, ele deve reexaminar-se. Não há na Bíblia nada sobre uma história
do mundo que termine em paz.[xxxi]
Sobre a cruz,
devemos ter o cuidado de não escolhê-la, mas de aceitar a que vem de Deus. Não devemos
tomar a iniciativa da busca de sofrimento. Até é possível sofrer neste mundo
sem ser cristão. A cruz do cristão sobrevém da luta entre a justificação e a
condenação. Na cruz, devemos nos manter na confiança em Cristo.
Neste
sofrimento, devemos disciplinar nosso corpo, não julgando com isto obter a
salvação, mas subjugando o velho homem. Devemos, também, nos esforçar nesta
disciplina em obras de amor ao próximo, Fp 1.23-26; 1 Co 9.22-27; 1 Co 7.5.
CAPÍTULO 4
Insistir
na pureza doutrinária nessa questão de lei e liberdade é dever de todos
cristãos. Se perdemos a pureza nesta questão, perdemos o evangelho, e perdendo
o evangelho perdemos a salvação eterna. Além disso, pregar corretamente lei e liberdade
conduz a uma vida santificada, que por usa vez, resulta na salvação eterna, não
apenas dos ouvintes, mas de todos aqueles que estes ouvintes,
por sua vez, atingirem com a pregação correta em suas
vidas,
A dificuldade de distinguir
corretamente entre lei e evangelho não deve ser um obstáculo a que busquemos a
distinção. Antes, deve ser um desafio constante. Há muitos princípios teológicos
envolvidos na distinção entre lei e evangelho. Nao é sem razão que o sacerdotes
católico romano, ao escrever seu comentário sobre Gálatas, lhe dá o título de
"Liberdade e Lei na Igreja". E não é sem razão que Karl Barth, em
sua conferencia, utiliza como título a ordem “Evangelho e Lei”. E não é sem razão também que os
luteranos insistem em Lei e Evangelho.
Em 22 de outubro de 1980, celebrando
os 400 anos do Livro de Concórdia, o Dr. Karl L. Barth, que depois foi Presidente do Seminário
Concórdia de São Luis, Missouri, proferiu uma conferência sobre "Cardinal Principies of Lutheranism and Evangelical
Theology". Esta conferência foi transcrita no Concordia Journal de março de 1981,[xxxii]
e o Rev. Paulo K. Jung fez uma adaptação e tradução da mesma, a qual foi
apresentada numa Reflexão Teológica do Instituto Concórdia de São Paulo em 17 e
18 de outubro de 1985. Com autorização do Rev. Jung, transcrevemos aqui partes
desta conferência com o intuito de compartilhá-la com os irmãos, visto ser seu
conteúdo relevante ao tema aqui desenvolvido.
"Uma das
formas de nós identificarmos o luteranismo, é através dos princípios "Sola
Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide". Isto está correto conquanto estivermos querendo dizer com
isto que só pela Escritura, só pela Graça e só pela Fé em Cristo há conhecimento
de Deus, reconciliação com Deus e consequente perdão e salvação eterna. Temos,
porém, que tomar cuidado para que este princípio não se transforme num simples
slogan destituído de seu sentido original. Na verdade, há muitas afirmações que
circulam livremente no mundo evangélico, e que são absorvidas
inadvertidamente por luteranos leigos e até por pastores, as quais não resistem
a uma análise mais profunda e comparada com o verdadeiro sentido do "Sola
Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide".
"A teologia luterana enfatiza
sempre a iniciativa e a ação de Deus no processo de salvação do homem: "Deus
amou o mundo de tal maneira que deu o seu unigênito Filho" (Jo 3.16).
"Aquele que não conheceu pecado, ele o fez
pecado por nós; para que nele
fossemos feitos
justiça de Deus" (2 Co 5,21), "Mas vós sois dele,
em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus
sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" (1 Co 1.30).
"Ninguém pode dizer: Senhor Jesus! senão pelo Espírito Santo" (1 Co 12.3). Deus planejou a nossa salvação. Deus
efetuou a nossa salvação. Deus nos capacita a nos apropriarmos dessa salvação
pela fé que ele dá. Deus faz tudo."
"Partindo deste princípio é
importante conhecer a relação entre justificação e santificação. Por um lado,
esse conceitos precisam ser distinguidos um do outro (Ap XII, 64; FC, SD, III,
18; FC, SD, III, 32)."
"Se, no entanto, é verdade que a
justificação e santificação precisam ser distinguidas, também é verdade que
não devem ser separadas. (Ap IV, 45).".
"A habilidade de distinguir sem
separar também é necessária para o uso adequado de Lei e Evangelho. A função
acusatória da Lei deve ser distinguida da sua função didática. Mas as duas não
podem ser separadas. A Lei nos ensina qual é á vontade de Deus, e continuamente
nos recorda que temos falhado no cumprimento dessa lei. Ela sempre acusa, e
sempre ensina. Falhar na distinção dessas funções da Lei envolve condenar o 3º
uso da Lei. E a separação das duas funções, leva a formulação de "códigos
de conduta" que nos afastam da contrição e do arrependimento diários e do
contínuo retorno ao vivificante poder do Evangelho."
"Em
face do exposto, perguntamos se a chamada "teologia evangélica" é
realmente LUTERANA? Sem abordar temas como "Milenismo" e negação dos
sacramentos como meios da graça, próprios de muitas "teologias
evangélicas" queremos analisar algumas afirmações muito usadas, que
pretendem se identificar com o "Sola Gratia e Sola Fide" mas que no
fundo as negam na medida em que demonstram não serem dadas a justificação
"por fé" e a salvação "de graça".
"Algumas das afirmações muito
encontradas na teologia evangélica, tendem a
separar justificação de santificação. Uma delas diz algo como: "Você
chamou Cristo de Salvador; agora, pois, chame-o de Senhor." Tal afirmação
pressupõe que possa haver fé sem uma correspondente mudança de vida. Pressupõe
também que num momento o homem aceita o imerecido favor de Deus, e em outro,
talvez depois de dias, ou de meses, ou de anos de lutas interiores, ou como
resultado de ardentes estudos e piedosas orações, o homem possa acrescentar:
"Jesus também é meu Senhor!"
“Nós precisamos ver evidente o
senhorio de Cristo em todas as partes da nossa vida, Nunca alcançaremos
perfeição, nem
faremos de Cristo Senhor das nossas vidas na extensão que desejamos e devemos. No entanto, nós o
confessamos como nosso Senhor não só porque o confessamos Salvador, mas também quando
o confessamos Salvador. Fé salvadora regenera (dá nova vida). Fé e obras não
podem ser separadas. Fazê-lo, equivale a formar "classes de cristãos"."
......
"Evangélicos gostam de falar em
"cristãos carnais" e em "cristãos espirituais", ou ainda em
cristãos "cheios do Espírito". Outros falam em "crentes" e
em "discípulos". Essa terminologia entra no tratamento do problema do
cristão como "velho homem" e "novo homem". É certo
que a vida do cristão envolve uma constante luta para, no poder de Deus e na
motivação do evangelho, expulsar o velho homem por contrição e arrependimento
diários. Nessa luta, é claro que um cristão é mais forte do que o outro; um alcança
um nível de santificação mais elevado do que o outro; um é mais capaz de
testemunhar, mais diligente no orar, mais liberal no ofertar e mais prestativo
para com o vizinho do que o outro. Além disso, é verdade que o mesmo cristão,
num momento se sente mais forte na sua fé do que em outro momento. Mas, em
qualquer dessas situações, ele continua sendo cristão redimido. Ele não é
diminuido para uma categoria inferior de "cristão carnal"."
FC, SD, II, 68.
"Assim sendo, não podemos falar
em 3 categorias de pessoas no mundo. Não podemos falar em
"descrentes", "cristãos carnais" e "cristãos
espirituais"; ou em "ímpios", "crentes" e "discípulos".
Há só duas categorias: OS CRISTÃOS e os NÃO-CRISTÃOS; os que têm e os que não
têm o Espírito Santo. A Bíblia diz: "Vos, porém, não estais na carne, mas
no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém não tem
o Espírito de Cristo, esse tal não é dele" (Rm 8.9). Nenhum cristão está
sem o Espírito, e nenhum cristão tem o Espírito na medida plena. Apenas Jesus
teve o Espírito sem medida."
"A
referência do apóstolo Paulo em 1 Co 3.1 (como a carnais) refere-se à facção nessa
Igreja composta de pessoas que agiam "carnalmente", Não é intenção de
Paulo estabelecer diferenças entre cristãos de categorias mais ou menos
elevadas. Como devemos ser cuidadosos para não encobrir a clara e maravilhosa
mensagem de que o homem é salvo pela graça de Deus somente, por causa dos
méritos de Cristo, nosso Senhor crucificado e ressuscitado, e com isso negar o
Evangelho como mensagem poderosa para promover a vida!"
"Outra frequente expressão na
literatura
teológica evangélica
que erra na distinção entre justificação e santificação, é esta que soa como a
que segue: “Se você entregar a sua vida a Cristo, Deus perdoará os seus
pecados!" 0 que é isto, senão fazer depender o perdão divino de
nosso procedimento ou obras?"
"Na prisão de Filipos,
Paulo e Silas não disseram ao carcereiro
que ele entregasse a sua vida a Deus se quisesse ser salvo, no entanto a ação
do carcereiro que levou os dois à sua própria casa e lhes lavou as feridas,
atesta claramente a presença dos frutos da fé salvadora em sua vida. Paulo e
Silas apenas lhe haviam dito: "Crê no Senhor Jesus Cristo, e será salvo. . ." (At 16.31). -
0 pai do filho pródigo não atormentou o seu filho com perguntas sobre ele ter
ou não ter tomado Deus em seu coração e em sua vida, mas simplesmente recebeu o
obviamente arrependido filho."
FC, Ep, III,
20, 21; XII, 5.
“A teologia evangélica frequentemente também se apressa em
exigir que se "ponha Cristo no trono de sua vida". Não há dúvidas de que tal exortação tem lugar na área da santificação. A nossa decisão diária deve ser a de que Cristo esteja no trono da nossa vida, que ele possa
ser aquele cujo amor por nós afeta a maneira como gastamos o nosso dinheiro, a
maneira como nos portamos no círculo familiar, a maneira como escolhemos os
amigos, a maneira como conduzimos os nossos negócios, e, enfim, a maneira como
vivemos a nossa vida. No entanto, o quanto devamos ser cuidadosos para não usar
tal exortação como tipo de requisito para merecer o favor de Deus, ou como algo
que precede a fé salvadora, ou ainda como algo que se constitui em conversão.”
"A
colocação errada dessa exortação aparece frequentemente na literatura
evangélica, em formas semelhantes à seguinte:
No final de um capítulo, por exemplo,
de uma carta do apóstolo Paulo, comentado em um livro didático, os estudantes
são perguntados a responder o que devem fazer à base das palavras desse apóstolo.
E então é sugerida a resposta da seguinte forma:
"O pecador deve vir á Cristo assim como
ele é, mesmo que não
tenha nada senão aversão a Deus em seu coração. Mas saiba que não tem outro refúgio para onde ir em busca
de salvação. Um pregador genuíno do Evangelho mostrará a tal pessoa quão fácil
é a sua salvação: Reconhecer um pecador perdido e condenado, incapaz de encontrar a ajuda que procura, ele deve
vir a Deus com o seu mau coração e a sua aversão a Deus e à lei de Deus; e Deus o receberá como ele é. (,..) Do homem não é exigido tornar-se um ser diferente,
não é exigido que se purifique, não é exigido que corrija á sua conduta antes
de vir a Cristo. 'O único capaz de fazer do homem uma criatura melhor, é Jesus;
e Deus o fará, simplesmente— quando o homem crê nele."
"Também é
muito comum serem feitos apelos no sentido de decidir-se por.
Cristo". Não há dúvidas de que a Bíblia está cheia de apelos por decisões:
Josué, pouco antes de sua morte, conclamou o povo de Deus a se decidir quando
disse: "Escolhei hoje a quem sirvais..." (Dt 24.15). Jesus conclamou
o povo à decisão, ao dizer: "Arrependei-vos e crede no evangelho!"
(Mc 1.15). Paulo e Silas conclamaram o carcereiro de Filipos a decidir-se:
"Crê no Senhor Jesus..." (At 16.31).
"Esses chamados a decisão, porem,
não implicam em que o homem por seu próprio poder possa "escolher" ou
"crer". Se quisermos - e queremos sem dúvida - manter o "Sola
Gratia" em nossa teologia, então devemos estar convencidos de que não há
nada no homem que o capacite a receber a graciosa oferta de Deus, por seu
próprio poder. Lutero explica isso claramente na explicação do Terceiro Artigo
do Credo Apostólico. Estes chamados a decisão são a maneira de Deus criar no
coração do homem a resposta que o apelo à decisão deseja. Não há três forças
cooperando na salvação do pecador: o Espirito, a Palavra e o consentimento do
homem. Há apenas duas forças, e essas são o Espírito e a Palavra."
"Este foi o tema central da
controvérsia sinergista surgida logo após a morte de Lutero, Uma das mais
fortes e claras afirmações das Confissões Luteranas esta no Segundo Artigo da
Formula de Concordia, e ela elimina qualquer ideia de que o não
convertido tenha vontade própria para decidir-se:" FC, SD,
II, 7,
"A fé não salva porque é uma boa
obra, mas porque se apossa da graça de Deus em Cristo. Vejamos mais uma vez o
que dizem os confessores luteranos:" FC, SD, III, 13.
"Evidentemente, o que até aqui
foi dito, é polêmico. Era para ser polêmico mesmo. Mas não queremos terminar
sem uma nota positiva. E a nota positiva é agradecer a Deus que a despeito da inconsistência
encontrada entre muitos que querem preservar a "justificação pela
fé", enquanto confundem Lei e Evangelho, muitas almas tem sido levadas a
Cristo através de seu ministério. Muitos, tendo ouvido da sua necessidade de
Cristo, e tendo lhes sido apontada a cruz, tem sido convertidos de fato. O
Espírito Santo limpou de suas almas toda a ideia de méritos próprios ou obras
como causa de sua salvação."
"Antes de concluir, permitamo-nos
apresentar cinco observações sobre a matéria exposta aqui:
1. Expressões que conectam a renovação da
vida à nossa justificação, mesmo quando partem de quem quer manter o "Sola Gratia" e o "Sola Fide" não nos devem surpreender. A
ideia de que o homem pode contribuir de alguma maneira, ainda que só pela sua vontade em aceitar
ou pela renovação de sua vida
é extremamente atraente para todos nós. Isto é parte da "opinio
legis" que fica apegada em nós durante toda a vida. Se conhecemos a astúcia do diabo, não sejamos ignorantes a respeito
das artimanhas da nossa carne.
2. Qualquer separação entre justificação
e santificação, ou falha na distinção entre esses dois elementos, leva ao farisaísmo ou ao desespero. Farisaísmo nos
diz que de fato "nós o fizemos" porque entregamos a nossa vida a Cristo, ou porque nós colocamos Cristo no
trono de nossas vidas, ou ainda porque estamos "cheios do Espírito".
Desespero é o resultado do exame do coração que revela a necessidade de
confessar que ele não foi inteiramente entregue a Cristo - porque ontem disse
uma palavra torpe - e, por isso, a prometida graça de Deus não pode ser sua.
3.
O
perigo desse tipo de erros, está precisamente na sua forma enganosa e de
aparência bíblica. Se alguém nega que Cristo andou sobre a água ou que transformou água em vinho, isto é um erro
teológico tão evidente que até mesmo um cristão menos instruído o detecta. No entanto, quando alguém vem com
altos conceitos bíblicos e fala muito no
nome de Cristo e até afirma
que a justificação é pela fé somente, no entanto
introduz elementos da santificação na área da justificação, o ouvinte, ou
leitor inadvertido, facilmente cai
nos velhos padrões da justificação por obras.
4. É pequeno o passo entre os erros acima
descritos e a armadilha do movimento carismático. Quando uma vez a experiência
de ser ou de se tornar cristão é super enfatizada e o caráter objetivo da
teologia bíblica e minimizado, então é
fácil procurar por "sinais" que confirmem a nossa "entrega"
ou o nosso "colocar Jesus no
trono da vida", ou ainda o nosso "estar cheios do Espírito Santo". Nós cremos que as
promessas de Deus estão aí para nós, independentemente de
estarmos em um alto grau de espiritualidade, ou
simplesmente "dependurados entre céu e terra”, como disse Lutero.
5. Desde que o correto tratamento do
princípio "Sola Scriptura, Sola Gratia e Sola Fide" implica em polêmica, devemos orar a Deus pedindo que nos capacite a resistir à semeadura do diabo das sementes do
orgulho vão. 0 diabo tem dardos e lanças
para todos. Se não somos tentados para o liberalismo, o somos para a
ortodoxia morta. E se não perdemos o nosso "primeiro amor", o diabo
nos tenta a confundir justificação e santificação. Se não for este o nosso
caso, ele nos tentará, como aos nossos pais, ao entusiasmo ou aos extremos do
movimento carismático. Sejamos,
pois, diligentes no estudo da palavra de
Deus e das Confissões Luteranas que
a explica para podermos ser instrumentos de Deus Espírito Santo capazes da
difusão da Palavra da Verdade."[xxxiii]
CONCLUSÃO
Lei e liberdade. Como aplicar esta
doutrina na pregação, no aconselhamento, na educação, na evangelização, na
mordomia? Como não sucumbir diante da tentação de pregar liberdade e lei? Como
não sucumbir diante da tentação, de tornar o evangelho uma mensagem que conduz
ao acomodamento e a morte espiritual? São grandes os desafios que enfrentamos. Queira Deus
Espírito Santo nos orientar pela sua palavra para não sucumbirmos às tenta
ções, mas mantermos viva sua mensagem para salvação de muitos.
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Maria de Almeida. S. Paulo: Edições Paulinas. 1893.
Joest, Wilfried. Gesetz Und Freiheit. Goettingeh: Vandenhoeck & Ruprecht. 4. Auflage.
1968.
Jung, Paulo K. "Teologia E
Teologias". Trabalho apresentado numa Reflexão Teológica no Instituto Concórdia de São Paulo, em outubro de 1985.
Livro de Concórdia.
Tradução de Arnaldo Schüler. P. Alegre, S. Leopoldo: Editora Concordia e
Editora Sinodal. 1980.
Luther,
Martin. Die Anfänge. Luther Deutsch. Vol. I.
Herausgegeben von Kurt Aland. Stuttgard
uns Göttingen: Ehrenfried Klotz Verlag und Vandenhoeck & Ruprecht.
1969.
Lutero,
Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Tradução de Walter 0. Schlupp. P.
Alegre, S. Leopoldo: Concórdia Editora Ltda. e Editora Sinodal, 1984.
Oesch,
W. M. "De Tertio Uso Legis", in Lutherischer Rundblick« lV, Juni 1956.
Sommerlath,
Ernst. "Gesetz und Evangelium", in Luthertum. Heft 17.
Berlin: Lutherisches Verlagshaus, 1955.
Walther,
C. F. W, Lei e Evangelho. Tradução de Wilson Scholz. P. Alegre: Concordia S.A. 1977.
I
1. Qual
é, segundo a Carta
aos Gálatas, o verdadeiro propósito da
lei? Justifique sua resposta com textos da Carta.
2. A partir do que é dito na Carta aos Gálatas, qual, pode-se dizer,
é a melhor sequência para apresentar a
verdadeira doutrina cristã: a) lei e evangelho; b) evangelho e lei; c) Lei, evangelho, lei. Justifique sua opção e a rejeição das
outras sugestões.
3. Por que Lutero enfatiza tanto o amor
como elemento chave no cumprimento da lei?
4. Como responder, na teoria e na
prática, a acusação de que a doutrina da justificação pela fé somente leva a
uma vida cristão acomodada e dissoluta?
5. Amor é lei ou evangelho?
6. Que cuidados deveríamos ter em nossa
pregações para erigir congregações onde os membros vivem uma vida santificada?
[i]
Martinho Lutero, Pelo Evangelho de Cristo. Tradução de Walter O. Schlupp
(PORTO Alegre, S. Leopoldo: Concórdia Editora Ltda, Editora Sinodal, 1984), p.
184.
[ii]
Giovani Giavini, Gálatas – Liberdade e Lei na Igreja, Tradução de José
Maria de Almeida (São Paulo: Edições Paulinas, 1987), PP. 5-6.
[iii] Martin H. Franzmann, The Word Of
The Lord Grows, (St. Louis: Concordia Publishing House, 1961), pp. 52-54.
[iv] Idem, Ibid., pp. 55-59.
[v] Martin Luther, Die Anfänge,
in Luther Deutsch, Editado por Kurt Aland (Stutgart, Göttingen:
Eherenfried Klotz Verlag, Vandenhoeck & Ruprecht, 1969), I, pp. 265-266.
[vi]
Idem, Ibid., pp. 266-267.
[vii]
Idem, Ibid., p. 267.
[viii]
Idem, Ibid., p. 267.
[ix]
Idem, Ibid., p. 268.
[x]
Idem, Ibid., p. 268-269.
[xi]
Idem, Ibid., p. 269.
[xii]
W. M. Oesch, “De Tertio Uso Legis”, Lutherische Rundblick, IV (Juni,
1956), pp. 25-26.
[xiii]
João Calvino, As Institutas, tradução de Waldyr Carvalho Luz (S. Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 1985), II, 122.
[xiv]
Idem, Ibid., p. 123.
[xv]
Idem, Ibid., p. 123-124.
[xvi] Idem, Ibid., p. 190-191.
[xvii] Werner Elert, Ein Lehrer der
Kirche, Editado por Max Keller-Höschemenger (Berlin und Hamburg:
Lutherisches Verlagshaus, 1967), p. 54.
[xviii]
Karl Barth, Dádiva e Louvor, (São Leopoldo> Editora Sinodal, 1986),
p. 217.
[xix] Idem, Ibid., p.225.
[xx] Werner Elert, Ein Lehrer der
Kirche, editado por Mas Keller-Hüschemenger (Berlin und Hamburg:
Lutherisches Verlagshaus, 1967), p. 54.
[xxi]
Idem, Ibid., pp. 55-57.
[xxii]
A. Doerffler e Wm. H. Eifert, Conheça a Verdade, Tradução de Martinho
Sander (Porto Alegre: Concórdia Ltda., 1982), p. 16.
[xxiii]
Crescendo em Cristo, Tradução de Paulo Hasse (Porto Alegre: Casa
Publicadora Concórdia, 1971), p. 115.
[xxiv]
Catecismo Menor (Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1938), p. 68.
[xxvi]
Livro de Concórdia, Tradução de Arnaldo Schüler (Porto Alegre e São
Leopoldo: Editora Concórdia e Editora Sinodal, 1980), pp. 607-608.
[xxvii] Paul Althaus, The Ethics of
Martin Luther, translated by Robert C. Schultz (Philadelphia: Fortress
Press, 1972), pp. 3-5.
[xxviii]
Idem, Ibid., pp. 5-9.
[xxix]
Idem, Ibid., pp. 9-10.
[xxx]
Idem, Ibid., pp. 10-16.
[xxxi]
Idem, Ibid., pp. 19-24.
[xxxii] Carl Barth, “Cardinal Principles of
Lutheranism and ‘Evangelical Theology’”, in Concordia Journal (March,
1981), pp. 50-57
[xxxiii]
Paulo K. Jung, “Teologia e Teologias”, Trabalho apresentado em uma Reflexão
Teológica no Instituto Concórdia de São Paulo, em outubro de 1985.
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