quinta-feira, 21 de agosto de 2014

LEI E LIBERDADE EM GÁLATAS


(REV.    DR.   ERNÍ   WALTER   SEIBERT)


INTRODUÇÃO
Lei e liberdade” é um dos temas mais fascinantes e, ao mesmo tempo, mais difíceis de toda a teologia. Todos conhecem a séria advertência do Dr. Martinho Lutero sobre este assunto: "É, por isso, muito necessário distinguir corretamente entre essas duas palavras. Onde tal não se faz, nem a lei nem o evangelho podem ser entendidos, e perde-se a consciência em cegueira e erro. A lei tem seu fim, ao qual não pode ultrapassar: Cristo. Da mesma forma o evangelho tem seu ofício e obra: proclamar o perdão dos pecados a consciência atribulada. Os dois, por isso, não se podem confundir, nem se pode substituir um ao outro sem corrupção de doutrina. Pois, ainda que lei e evangelho são ambos palavra de Deus, não ensinam a mesma coisa. . .  Por isso, se alguém entende da arte de distinguir corretamente entre lei e evangelho, dai-lhe o lugar principal e graduai-o em doutor das Santas Escritoras. Pois é impossível fazê-lo sem o Espírito Santo. Tenho-o experimentado pessoalmente, e diariamente observo em outros, quão difícil é distinguir o ensino da lei e do evangelho. O Espírito Santo deve ser o Mestre, caso contrário homem nenhum será capaz de entender e ensinar a diferença. Razão porque nenhum papista, falso cristão ou fanático pode dividir os dois. . . É fácil dizer que a lei é palavra e doutrina diferente do evangelho; qualquer um pode fazê-lo. Todavia, mantê-los distintos e separados na prática requer muita reflexão e trabalho." Esta advertência deve nos levar a humildemente pedir que Deus nos dirija, tanto ao longo deste traba­lho, como de toda a atividade pastoral que Deus nos confiou.
Além da dificuldade que é distinguir corretamente lei e evangelho, tão difícil quanto isso, ou até mais, é falar corretamente sobre a doutrina da justificação. Pois é impossível falar corretamente sobre lei e liberdade em Gálatas sem compreender corretamente esta doutrina e suas implicações. Mais uma vez devemos, portanto, pedir humildemente que Deus nos conceda rica medida do seu Espírito para podermos compreender sua palavra.
Realmente, o tema desta conferência, "Lei e Liberdade em Gálatas - Terceiro Uso da Lei", vai tratar do cerne de toda a teologia, Dos acertos e erros nesta doutrina depende a igreja permanecer ou cair, e depende ela ter vida ou estar morta. Queira Deus, portanto, estar conosco e nos ajudar.
Mas a importância desta temática não se deriva apenas de sua dificuldade e da sua centralidade. O tema também é importante pela sua atualidade e relevância, A justificação e a correta distinção entre lei e evangelho eram os grandes problemas de batidos por Paulo na Carta aos Gálatas, No entanto, esta Carta não encerrou a incidência das dificuldades nesta área na história da igreja. No tempo da .Patrística, até Santo Agostinho, a igreja enfrentou grandes lutas para manter a doutrina bíblica da justificação. Por diversas vezes, quase que o ensino cristão se tornou apenas uma nova forma de lei, apenas um pouco diferente de todas as outras religiões legalistas que até ali existiam.
A teologia escolástica, por sua vez, também lutou com dificuldades e, por vezes, a doutrina do evangelho permaneceu tremendamente encoberta. Lutero enfrentou a grande batalha pela pu­reza doutrinária da igreja fazendo refulgir novamente a doutrina da justificação pela fé. Mas nem por isto o problema ficou resolvido. Havia dificuldades nesta área com o catolicismo romano, e dificuldades começaram a aparecer também no lado que hoje é cha­mado de "evangélico". Após a morte de Lutero, a confusão começou a reinar até entre os que se consideravam luteranos, justificação pela fé, lei e evangelho, terceiro uso da lei, não eram as­suntos pacíficos entre os cristãos.
No século passado a dificuldade continuava. Carl Ferdinand Wilhelm Walther foi um dos que levantou sua voz sobre a necessidade de clareza nesta área. Talvez sua obra mais importante seja exatamente Lei e Evangelho. Até nossos dias esta obra é tida como um dos documentos mais importantes já produzidos sobre este assunto.
No século XX a situação não foi mais pacífica. Em 1935, o teólogo calvinista Karl Barth publicou uma conferência que sintomaticamente foi intitulada "Evangelho e Lei". Este posicionamento do grande teólogo calvinista levou o luteranismo a se redefinir sobre este assunto. Vários teólogos luteranos escreveram sobre o assunto. As Escrituras foram novamente estudadas e pesquisadas, Houve posicionamentos extremados e de todos matizes intermediários.                                                                                                                           :
O clima teológico brasileiro também precisa refletir sobre lei e evangelho. De um lado, vivemos num país onde flo­rescem religiões não pagãs, religiões da lei, e onde há um forte espírito sincretista. De outro lado, temos o catolicismo romano, ou com ênfase conservadora, ou com ênfase progressista, e as cha­madas religiões evangélicas, algumas mais históricas, outras de cunho movimento pentecostal. Certamente nenhuma destas correntes se destaca pela enfatizar a correta distinção entre lei e evangelho, e muito precisa ser refletido e dito sobre este assunto em nosso país.
E como estará esta questão hoje? Vivemos dias tranquilos em relação a este tema? Todos parecem unânimes em querer resolver a situação a partir da palavra de Deus, mas nem sempre a resposta encontrada é a mesma. Certamente se há diferença de compreensão nas Sagradas Escrituras não se deve ao fato de as Escrituras estarem em contradição, mas ao fato de não estarmos conseguindo distinguir corretamente lei e evangelho. E mais, se estamos com dificuldades na vida da igreja, certamente temos dificuldades de, ao mesmo tempo anunciar corretamente a justificação. Justificação não é uma verdade de livros apenas, nem fé apenas uma convicção íntima. Muito bem disse Lutero na Introdução a Carta aos Romanos:
Fé não é a ilusão e o sonho humano que muitos acham que é. E quando veem que não acontece uma melhoria de vida nem boas obras e ainda assim muito ouvem e falam da fé, caem no erro de dizer que a fé não é suficiente, que seria preciso fazer obras, se é que se quer ficar justo e salvo. A consequência disto é que, ao ouvirem o evangelho, agem precipitadamente e, por esforço próprio, criam um pensamento no coração, que diz: "Eu creio". Isto eles então consideram uma fé como deve ser. Mas assim como isto não passa de inspiração e pensamento humano, que jamais atinge o fundo do coração, também não ocasiona tampouco se segue uma melhoria.
Fé verdadeira, entretanto, é uma obra divina em nós, que nos modifica e faz renascer de Deus (Jo 1.13), além de matar o velho Adão, transformando-nos em pessoas bem diferentes de coração, sentimento, mentalidade e todas as forças, trazendo consigo o Espirito Santo. Ah! há algo muito vivo, atuante, efetivo e poderoso na fé, a ponto de não ser possível que ela cesse de praticar o bem. Ela também não pergunta se há boas obras a fazer, e sim, antes que surja a pergunta, ela já as realizou e sempre está a realizar. Quem, porém, não realiza tais obras é pessoa sem fé, que anda às apalpadelas a procura da fé e de boas obras e nem sabe o que é fé nem boas obras, e ainda fica falando muito e conversan­do fiado sobre as mesmas.
"Fé" é uma confiança muito viva, inabalável na graça de Deus, tão certa de si que ela não se importa de morrer mil vezes. E semelhante confiança e reconheci­mento de graça divina da alegria, persistência e agrado ante Deus e todas as criaturas, o que é ocasionado pelo espírito da fé. Por isto, sem coação, ela se dispõe voluntariamente a fazer o bem a todo mundo, a ser­vir a todo mundo, sofrer tudo, por amor e em louvor a Deus que lhe demonstrou tamanha graça, de sorte que é impossível separar as obras da fé, tão impossível como separar a luz do fogo. Tome cautela, portanto, contra suas próprias ideias falsas e contra conversadores inúteis, que querem ser sabidos ao julgar sobre a fé e as boas obras e, na verdade, são os maiores ignorantes.Peço a Deus que crie fé em vocês, senão ha de ficar eternamente sem fé. Você, por sua parte, invente e fa­ça o que quiser ou poder.[i]
Para encontrar o equilíbrio dentro desta problemática toda, sem dúvida nenhuma, o estudo da Carta de Paulo aos Gálatas ajuda bastante. São muitos os títulos que têm surgido nas livra­rias cristãs sobre esta pequena grande carta. Seu estudo, como na época da Reforma, tem demonstrado ser fator de revitalização da teologia. Ela, por assim dizer, é uma dose concentrada da verdade liberta­dora da Escritura. Queremos fazer uso da mesma. Nela encontra­remos um bom começo.
CAPÍTULO 1
LEI E LIBERDADE EM GÁLATAS
Giovanni Giavini é um sacerdote católico romano que es­creveu o comentário bíblico intitulado: Gálatas: Liberdade e Lei na Igreja. No prefácio desta obra ele diz:
Esta "magna charta libertatis christianae” (carta magna da liberdade cristã), de fato, não é fácil para ninguém, nem para os exegetas que a estudam ou comentam, nem, obviamente, para os leitores. Ela aborda muitos temas, suscita muitos problemas e carrega consigo mui­tas lembranças: o entusiasmo de Lutero e dos protestantes, o medo dos católicos, o escândalo do hebreu e do cristão "piedoso e praticante", as contestações dos grupos engajados na problemática social, o temor de ver favorecidos o individualismo, o refuso ao privado, o feminismo intra-eclesial, a contestação à hierarquia, etc.
O que é, então, esta carta de São Paulo aos Gálatas? Por que tanto interesse - em certos setores, pe­lo menos - por um escrito tão distante do nosso tem­po?[ii]
O sacerdote romano tenta responder estas questões em sua obra. Concordamos com sua introdução. Gálatas apresenta questões difíceis, e seu conteúdo merece ser estudado. Vamos, neste capítulo, fazer uma breve introdução ao livro e olhar al­gumas de suas passagens principais.
Na Carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo se defronta com um inimigo importante: os judaizantes. Estes eram pessoas que defendiam a manutenção de costumes hebreus dentro do cristianis­mo. Mas não era apenas esta a característica deles. Eles in­troduziam elementos estranhos na mensagem do evangelho. Sua maior manifestação se deu no Concílio de Jerusalém. Ali cristãos judeus e cristãos vindos de entre os gentios se confrontaram. Eis o que diz Martim Franzmann em sua introdução a esta Carta:
A luta estava, em princípio, decidida pelo Concílio de Jerusalém. Mas isto não significava que os judaizantes estavam silenciados para sempre, nem que a in­fluência deles tivesse sido completamente neutraliza­da. As reinvindicações deles foram decisivamente re­jeitadas pela igreja em Jerusalém; mas eles, aparentemente, continuaram a espalhar seus erros plausíveis longe de Jerusalém e de Antioquia, nas igrejas que Paulo e Barnabé estabeleceram no Sul da Galácia, na sua primeira viagem missionária, na Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe (At 13.14). Eles fizeram um sucesso tão considerável porque sua mensagem era um substituto bem plausível ao evangelho que os convertidos haviam ouvido de Paulo. A julgar pela polêmica de Paulo contra eles, os judaizantes não condenavam frontalmente qualquer ensino importante que Paulo tinha trazido aos Gálatas. Eles conheciam e proclamavam Jesus como o Messias, o Filho de Deus, o Senhor ressuscitado e exaltado, o doador do Espírito, em cujo nome há salva­ção; eles não negavam que Ele iria retornar em breve, em gloria, para consumar a obra de Deus em graça e juízo. As evidências nem ao menos indicam que eles igno­ravam completamente ou apagavam a cruz no seu sentido redentor. A ênfase repetida e ardente de Paulo, nesta Carta, no significado central e abrangente da cruz, está a indicar que, para os judaizantes, o Messias da cruz foi obscurecido pelo Messias da glória, que a cruz de Cristo tendia a se tornar num episódio, que sua exaltação contrabalançava e reduzia a uma relativa insignificância.
Segundo os judaizantes, eles não vinham para des­truir a obra de Paulo, mas para completá-la (Gl 3.3). A vinda do Messias, na proclamação deles, coroou a história de Israel e consumou Israel; isto, de forma alguma, significava o fim da Lei e das ordenanças sagradas, como a circuncisão e o Sábado, as quais Deus mesmo or­denou como a marca e a condição da aliança entre Ele e o seu povo para sempre. A vinda de Cristo não livrou os homens da Lei, mas aprofundou a obediência que ela exige. Salvação pela mediação de Cristo, por isso, incluía, certamente, o cumprimento das obras da lei. Uma condição cristã, baseada na fé somente, sem circuncisão e sem lei, era uma condição muito rudimentar e incompleta; perfeição consistia em circuncidar-se e guardar a Lei, para a qual a perfeição compromete o homem. Somente então um homem torna-se um verdadeiro filho de Abraão, um membro do verdadeiro e antigo povo de Deus. Dispensar a Lei significaria o caos moral, ou, na melhor das hipóteses, uma espécie de liberdade duvidosa e perigosa.
Estes homens insinuavam que Paulo não lhes havia ensinado todo o necessário para sua total salvação. Ele, além de tudo, não era um apóstolo do primeiro ti­me, ou, ao menos, não um dos apóstolos originais de Jerusalém, através dos quais ele recebeu o apostolado. Sua falha no não insistir na guarda da Lei era uma fraqueza, que não tirava seu zelo missionário, mas que não deixava de ser lamentável. Ele tentava ganhar conversões através do atenuar do rigor do genuíno Evangelho de Deus - em outras palavras, ele tentou agradar as pessoas. Eles, os judaizantes, agora vieram complementar o que Paulo deixou incompleto, para conduzi-los a perfeição cristã, para a qual Paulo nunca poderia leva-los.
Seus ataques tinham três alvos: a) atacavam o apos­tolado de Paulo; b) atacavam o evangelho de Paulo di­zendo que omitia os mandamentos de Deus; c) atacavam o que consideravam os perigos morais resultantes de uma proclamação da salvação unicamente pela fé na absolu­ta, livre e perdoadora graça de Deus,
O ataque era sutil; era também, aparentemente, um 'ataque organizado, sob uma liderança particular Pau­lo menciona alguém como particularmente responsável pelo dano provocado nas igrejas da Galácia (G1 5.10). E o ataque foi de um sucesso nefasto, plenamente compreensível. Para o judeu convertido, esta nova forma de evangelho prometia um relacionamento mais abrandado com seus irmãos judeus não convertidos; os convertidos gentios seriam impressionados pela autoridade dos apóstolos de Jerusalém, à qual estes novos pregadores in­vocavam pela sua causa. E o zelo destes extremistas intransigentes, sem duvida, impressionou tanto a gentios como a judeus.
Paulo, provavelmente, ouviu sobre a atividade des­tes homens e do seu sucesso incipiente quando ele es­tava em Antioquia, no Orontes. Como ele estava para ir a Jerusalém para esclarecer aí com os apóstolos e pres­bíteros a questão provocada pelos judaizantes, ele não podia ir pessoalmente à Galácia, como desejava (Gl 4.20) para combater o perigo. Ele o fazia escrevendo a Carta aos Gálatas, a qual, por isto, é datada de 48 ou 49 A.D.[iii]
As informações isagógicas que Franzmann nos fornece são valiosíssimas para este trabalho. E não apenas isto. Elas nos mostram a grande atualidade do conteúdo deste livro. Quase pode-se dizer que qualquer semelhança é mais do que mera coincidência. Vivemos em meio a mesma luta entre lei e liberdade. O evangelho precisa ser defendido tanto hoje como o foi naquele tempo.
Para que possamos penetrar ainda mais no conteúdo da Carta aos Gálatas, vamos nos valer novamente da obra de Franzmann, desta vez da disposição que fez do conteúdo da Carta.

Conteúdo da Carta aos Gálatas
I. A defesa do apostolado de Paulo, 1.1-2.21
Após a saudação, que toca nos três temas princi­pais da carta (a origem divina do apostolado de Paulo, a centralidade da cruz e a nova vida que "nos .desarraiga deste mundo perverso", onde a coação e a condenação da lei tem necessariamente seu lugar, (1.1-5), Paulo, sem abrir espaço para a ação de graça e oração que são usuais no começo de suas cartas, começa a reprovar severamente os Gálatas e os homens que os levaram erroneamente a "outro evangelho". Com isto, ele livrou-se da acusação de estar procu­rando, por fraqueza e por desejar a simpatia das pessoas, "o favor dos homens" e caracteriza a si mesmo como um servo de Cristo, 1.6-10. Assim, a defe­sa do seu apostolado está realmente começando, e ele, sendo portador do apostolado, afirma-se o porta-voz de boas novas divinas que a sua autoridade apostólica tem.
1.   Independentemente de homens, 1.11-24;
2.   Reconhecida pelos apóstolos de Jerusalém, 2.1-10;
3.   Mesmo quando reprova Pedro ao este vacilar na questão do Evangelho, Paulo afirma a salvação por graça somente, através da fé, 2.11- 21.
(As palavras de Paulo a Pedro constituem a transição ao tema da segunda parte de sua car­ta, o ou-ou da lei ou promessa, lei ou evangelho.)
II. Defesa do evangelho da livre graça, sem obras da lei, 3.1-4.31
A.   Três testemunhos sobre a verdadeira natureza da lei e do evangelho, 3.1-14
1.   Paulo apela para o testemunho da experiência dos Gálatas: eles deviam sua conversão a proclamação do Cristo, crucificado (a cruz e a rejeição da parte de Deus de todas obras do homem); foi por ouvirem a "pregação da fé", em absoluta passivi­dade, e não por obras, que eles receberam o Es­pirito e testemunharam os milagres feitos entre eles, 3.1-5.
2.   Ele, então, mantém os judaizantes em seu próprio campo, apelando ao testemunho do AT sobre Abraão; Abraão é o pai do povo de Deus como um crente justificado, e os que creem são seus verdadeiros filhos, 3.6-9.
3.   Ele, depois, apela para o testemunho da lei do AT sobre a própria lei: a lei manifesta uma mal­dição sobre o ser humano maldição esta da qual apenas Cristo pode redimir e efetivamente redime, pelo tornar-se "maldição em seu lugar", 3.10-14.
B.   A relação entre a promessa de Deus e a lei, 3.15-29.
(Esta secção tem, à primeira vista, um tanto quanto caráter de miscelânea; mas as três subsecções estão ligadas pela ideia das bênçãos da descendência, descendência esta enfatizada em cada secção, cf. 4.7, 19, 31).
1.   A posição de Israel sob a lei era a de filho e herdeiro, mas um menor herdeiro, sem liberdade, não melhor que um escravo. Para o judeu, retornar à lei e ao domínio dela era o mesmo que recuar da idade adulta à infância, da liberdade que o próprio Pai conferiu à escravidão voluntária. Para o gentio, retornar do evangelho à lei seria, praticamente, um retorno à idolatria - ele esta­ria cultuando as vestes rotas e já descartadas por Deus, e não o Deus vivente como revelado pelo seu Filho, 4.1-11.
2.   Os Gálatas conheceram a alegria que é ser filho de Deus em Cristo. Paulo lhes deu um novo nascimento com seu evangelho da livre graça, v. 19. Querem eles recuar deste evangelho, o qual tão ardorosamente amaram, e torna-lo seu inimigo, e ouvir a lisonjeante persuasão de homens que os cortejam agora, na intenção de domina-los mais tarde? 4.12-20.
3.   Estes que procuram subjugar os Gálatas à lei prometem que os farão "filhos de Abraão". A resposta de Paulo é: "Que tipo de filho de Abraão vocês querem ser?" Se você se firma na descendência física de Abraão e em tudo que está liga­do com a descendência física de Abraão, sua descendência e aquela de Ismael, o filho que "nasceu segundo a carne", filho da mulher escrava, que caracteriza a aliança do Monte Sinai (o qual, com sua imposição da lei, dificilmente poderia ser a palavra final redentora de Deus, como o nascimento de Ismael não poderia ser o cumprimento da esperança do crente Abraão). Esta aliança produz escravos. A mulher escrava tem sua correspondência na atual Jerusalém, a cidade escraviza­da e condenada. Descendência legítima  a de Isaque, nascido "mediante a promessa" (por uma palavra graciosa e criativa de Deus), nascido da mulher livre, que é característica da aliança da verdade e corresponde à Jerusalém lá de cima, o povo de Deus livre e redimido. 0 filho da mulher livre foi perseguido pelo filho da escrava; a igreja, da mesma forma, e perseguida por Israel. Mas isto não altera o destino de uma e de outro. Os que querem ser filhos de Abraão devem trilhar o caminho da escravidão sob a lei, 4.21-31.
III. Defesa do evangelho da liberdade em seus resultados práticos, 5.1-6.10
A.   O  que significa a liberdade sob o evangelho, ba­sicamente, e em princípio, 5.1-24
1.   Liberdade e lei são absolutamente incompatíveis. A liberdade não é um caminho escolhido pelo ser humano, mas o caminho estabelecido por Deus. Por isto ninguém pode transigir nisto; retornar para a lei como meio de salvação, mesmo em pequena medida (como submeter-se a circuncisão), é anular o evangelho, e perder Cristo, que nos libertou. Os opositores de Paulo, evidentemente, o acusavam de transigir quanto à circuncisão em determinadas circunstancias; sua resposta consistiu em simplesmente apontar para o fato de estar sendo perseguido; era a pedra de tropeço da cruz que provocava a perseguição, e desde que circuncisão e cruz são mutuamente excludentes, aceitar a circuncisão iria por fim às acusações e a persegui­ção , 5.1-12.
2.   Liberdade não significa libertinagem; significa ser libertado por Deus de si mesmo para servir o próximo em amor (que é a essência da vontade de Deus na lei). A amarga facciosidade que os judaizantes introduziram na igreja promete destruir o povo de Deus, 5.13-15.
3.   Liberdade significa andar pelo Espírito. Signi­fica entrar na luta contra a carne e seus desejos, o que o ser humano apenas pode empreender no po­der do Espírito; significa viver a vida conduzidos pelo Espírito, uma vida que está num nível em que as ameaças e a condenação da lei não podem tocar; significa que a morte de Cristo, pelo pe­cado se torna uma realidade naqueles que pertencem a Cristo, 5.16-24.
B.   O que significa, na pratica, a vida de liberda­de sob o Espírito, 5.25-6.10
1.   Significa o fim de todo orgulho próprio, o fim da provocativa autoafirmação e da inveja, 5.25-26.
2.   Significa uma vida de serviço humilde e brando para com os que estão em erro, desempenhada na consciência da própria fragilidade, 6.1-5.
3.   Significa uma amável generosidade para com aque­les que ensinam na igreja, 6.6. (Esta admoestação, possivelmente, foi feita pelo fato dos ad­versários de Paulo terem interpretado mal sua atitude de não aceitar pagamento pela sua prega­ção, e terem usado o fato como pretexto para atribuir a Paulo negligência para com os líderes da igreja).
C.   O que a vida de esperança significa em termos de esperança cristã, 6.7-10.
A liberdade em Cristo, dada ao ser humano, não o absolve da responsabilidade pelas suas ações; antes acentua esta responsabilidade. O ser humano ira colher o que semeia. Deus ira considerá-lo responsável pelo que ele, em sua liberdade, fez com o dom do Espírito.
Conclusão, 6.11-18
A conclusão, escrita de próprio punho por Paulo (o resto da carta foi ditada), resume novamente os principais pensamentos da carta, com ên­fase especial na motivação egocêntrica dos judaizantes e na motivação cristocêntrica de Paulo. Ela termina com um voto de que ele, a quem o sofrimento pelo evangelho marcou como propriedade de Cristo, possa ser poupada de maior agonia, e com uma benção sobre todos que andam segundo seu evangelho da liberdade e são, por isto, o verdadeiro Israel de Deus.[iv]
Muito rico o conteúdo da carta aos Gálatas. É quase que impossível sorvê-lo de uma só vez. E mais: são tantas as afirmações errôneas que ouvimos no dia a dia sobre esta questão de lei e liberdade, que corremos o risco de segui-las, acreditan­do que estamos no caminho certo. Para penetrar ainda mais no sentido teológico desta carta, vamos deixar Lutero falar através do comentário que apresentou diante de seus alunos em 1516/1517, e que se tornou uma das molas propulsoras do movimento da Reforma. Vamos deixar Lutero falar através de pequenos excertos sobre al­guns versículos.
1.11 - Lei e evangelho se distinguem principalmente nisto, que a lei ensina o que devemos fazer e deixar de fazer, também o que foi feito e o que não foi feito, e, com tudo isto, ela apenas nos dá o conhecimento do pecado. O evangelho, no entanto, ensina o perdão dos pecados e o cumprimento da lei, o que ocorreu através de Cristo. Por isto a voz da lei diz: Paga o que tu deves; mas o evangelho diz: Teus pecados são perdoados. Por isto diz em Rm 3,20: "Pela lei vem o conhecimento do pecado". Mas do evangelho é dito no ultimo capitulo do Ev. de Lucas (24.46, s.): "Que o Cristo havia de padecer, e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia, e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão dos pecados, a todas as nações. Também em Rm 10,15 se lê em conformidade com Is 52.7: "Quão for­mosos são os pês dos que anunciam cousas boas, i.e,, o perdão dos pecados e a graça da justificação. Em consequência temos: Que Cristo ensinou muitas coisas no Evangelho, isto ele fez para haver maior clareza da lei para haver maior reconhecimento do pecado, para que a graça resplandeça mais e seja oferecida com mais abundância, e seja guardada com mais cuidado, na medida que os pecados são reconhecidos com mais profundidade e se­riedade."[v]
2.4 - "Nossa liberdade" - a liberdade em Cristo con­siste, resumidamente nisto, não deixar se prender por nenhuma obra externa, mas livre e desinteressadamente dedicar-se a cada um, fazendo o que o amor fraternal exige, como diz em Rm 13.8: "A ninguém fiqueis devendo cousa alguma exceto o amor com que vos ameis uns aos outros." Daí que um cristão verdadeiro é como diz no cap. 3.28: "não pode haver judeu nem grego, nem escra­vo nem liberto; nem homem nem mulher". Assim também não é nem clérigo, nem leigo, não pertence a esta ou aquela ordem ou categoria, nem ora ou leciona, e assim por diante, mas ele (o cristão) é para com todas estas coisas desinteressado, quer as faça ou não, na forma como o amor cristão as propõe ou deixa de propor. As­sim diz Samuel para Saul em 1 Sm 10.7: "Faze o que a ocasião te pedir, porque Deus é contigo." Ao contrá­rio ainda pensam hoje aqueles que crêem que apenas ser­viam a Deus quando praticavam determinadas obras chamadas de boas. Mas Deus se entristece com isto quando eles limitam desta forma suas obras, de tal modo que ele apenas ope­ra no insignificante, quando ele (na realidade) atua em tudo.[vi]
2.5 - Pois a lei e a justiça da lei são apenas uma sombra e uma visão ilusória do evangelho.e da justiça da fé.[vii]
2.16 - "sabendo, contudo" - nós judeus, justos segun­do a lei, "que o homem não e justificado" - i.e., não e tido por justo diante de Deus - "por obras da lei", também não pelas "obras" dos Dez Mandamentos, que são propriamente as nossas, "e, sim, mediante a fé em Cristo Jesus," - "e, sim", i.e., sob fundamento das obras de Cristo, as quais são nossas pela fé," para que fôs­semos", como os gentios, "justificados pela fé em Cris­to". (Em grego) "Nós temos crido", "para que", embora sejamos pecadores, "fossemos justificados pela fé em Cristo", sendo sua justiça a nós creditada, "a não por obras da lei". Pois, na verdade, as obras perten­cem apenas ao domínio da lei e não no da graça; "pois" que isto é assim está claro: "por obras da lei nin­guém," i.e., nenhuma pessoa, "será justificado", por mais justo que seja.[viii]
Muito acertadamente diz S. Jerônimo sobre este tex­to: "Aqui não se trata tanto das obras da lei, mas muito mais daqueles que creem que podem ser justificados pelas obras da lei." Sobre isto edificam estes que pensam que podem cumprir a lei com obras da lei, como se então a lei estivesse cumprida, ao passo que "o amor é cumprimento, da lei" (Rm 13.10). Mas é impossível haver amor numa pessoa da linhagem de Adão (comparar Gn 8.21; Ex 32.22), pois ele é "inclinado ao mal e re­sistente ao bem", e, por isto, sem amor pelo bem. As obras da lei não são, em si, más, pois Deus as ordenou, mas elas são rejeitadas porque as pessoas confiam nelas e vêem nelas o propósito da lei. Assim, também, jejuns, orações, vigílias, e outros esforços e obras feitas pa­ra honrar a Deus são obras da lei, através das quais ninguém se torna justo.[ix]
É importante lembrar que "obras da lei" aqui não são apenas cerimônias, como alguns pensam, mas todas obras, também o cumprimento dos 10 Mandamentos... A lei acena com o temor do castigo ou com a promessa da recom­pensa e assim extrai as obras dos homens, exteriormen­te, mesmo contra a sua vontade. Daí que elas são "obras da lei", não porque sejam ordenadas pela lei, mas por­que elas são feitas por força da lei, mesmo contra nos­sa vontade. Em contraposição, chamamos "obras da gra­ça" ou "do Espírito" aquelas que provém do Espírito ou da graça, citadas no capítulo 5.[x]
"Mediante a fé". Aqui temos uma nova e maravilhosa definição de justificação, que ordinariamente é assim expressa: "justificação é a virtude que concede a cada um o que lhe pertence." Mas aqui diz: "justificação é a fé em Jesus Cristo." Sobre isto .diz também S. Jerônimo: "Conhecida é a verdadeira expressão de um sá­bio: o crente não vive da justificação, mas ‘o justo (vive) da fé’, i.e., ele não vive porque ele é justo, mas ele é justo porque crê, como diz em Rm 10.10: "quando de coração cremos, somos justificados". Daí segue que aquele que é justificado pela fé, não dá o que é seu, por si mesmo, ao próximo, mas o faz por um outro, a saber, Cristo, o qual é o único que é tão justo, que dá tudo a todos e ao qual apenas podemos agradecer.[xi]
A rápida olhada que damos, acima, no conteúdo da Carta aos Gálatas, nos permitiu ver como a questão da lei e liber­dade está presente em toda ela. É preciso muita clareza nesta questão. Por vezes, pequenos detalhes, aparentemente insignifi­cantes, podem nos levar para bem longe do evangelho. São peque­nos detalhes que podem nos levar, ou a um ativismo sem sentido, ou a um comodismo corrupto. Distinguir corretamente lei e evan­gelho é a arte que Deus nos ensina através da Carta aos Gálatas.


CAPÍTULO 2
A CORRETA COMPREENSÃO DA LEI E DO EVANGELHO
Muitas vezes acontecem discussões em torno do tema "lei e evangelho, 0 que é preciso pregar mais, lei ou evangelho? As respostas são variadas e se alteram conforme as circunstân­cias. Um dos motivos da falta de entendimento em torno desta questão á a falta de acordo sobre     yh o que seja lei e evangelho. É importante definirmos com exatidão o que seja lei e evangelho, para definirmos melhor as questões decorrentes desta ques­tão.
W. M. Oesch lembra que:
Qualquer prejuízo no conceito de lei prejudica igual­mente, de forma perigosa, o conteúdo do evangelho, a satisfactio vicaria e a pregação do arrependimento e da salvação. Nós lembramos a pregação concreta e cheia de conteúdo da lei e juízo por parte de Paulo, por exemplo, em Rm 7.7 :. “Mas. eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiça­ras." E das palavras programáticas de Jesus que dizem que o único caminho nos céus e na terra para superar a lei está em Mt 5.17: ", não vim para revogar (a lei), vim para cumprir."[xii]
Uma das maneiras pelas quais se compreende com maior clareza um conceito é colocando-o lado a lado com conceitos to­tal ou parcialmente falsos. Na compreensão de lei, esta estra­tégia nos será útil.
A teologia luterana demonstrou que lei e evangelho, na realidade, estão dialeticamente opostos. A oposição entre lei e evangelho é total, tão grande que quando um fala, o outro cala. Não há acordo entre os dois. Historicamente esta contraposição foi perdendo força entre os teólogos. Algumas situações em que a contraposição perdeu força são as seguintes:
- A força é perdida quando em vez de contraposição colocam-se ambos em sequência pura e simples - primeiro a lei, depois o evangelho. Perde-se aí, na pregação da lei, o aspecto do juí­zo, e, por consequência, no evangelho, sua condição de salvação apenas pelo seu indicativo.
- A força é perdida quando se considera lei e evangelho maneiras diferentes que Deus usa para falar com os pecadores e salvá-los. Lei e evangelho tornam-se ambos em palavra de salvação.
- A dialética lei e evangelho também se perdeu quando se enfatizou que não era tão importante ver o que Deus diz, mas que Deus fale e que o homem ouça. A ênfase, neste caso, estava .em que a palavra de Deus é a revelação de Deus e não no conteúdo da mesma, e também que o homem ouça algo e não que o homem ouça algo que tem a ver com a mensagem graciosa de Deus para com ele.
C. F. W. Walther é, com justiça, reconhecido como o te­ólogo que levantou sua voz para colocar novamente clareza na questão da lei e do evangelho. Sua obra Lei e Evangelho deveria ser constantemente lida e consultada por aqueles que são pregadores da palavra de Deus. No entanto, em meio a chamada teologia evan­gélica, não é exatamente a posição de Walther que é seguida. As origens disso estão, possivelmente, na teologia de Calvino. João Calvino escreveu numa linguagem semelhante à da linguagem usada dentro da teologia luterana. Mas o seu conteúdo é bastante di­verso. Entendendo João Calvino e depois Karl Barth, entendere­mos melhor as diferentes posições sobre lei e evangelho em nosso tempo.
2.1. Lei e Evangelho em Calvino
No Catecismo de Genebra, de 1536, (Art. 3), Calvino de­fine a lei como uma regra de viver bem e justamente. A lei não expressa a impossibilidade de o ser humano cumpri-la. Todas as admoestações, exortações e mandamentos dos profetas e apóstolos na­da mais seriam que exegeses da lei. A lei cumpre, portanto, um ofício informativo sobre a vontade de Deus. Deixemos Calvino falar:
Ora, se ninguém negará que nela sobressai um modelo absoluto de justiça, ou se impõe que não nos haver re­gra nenhuma de viver bem e retamente, ou dela não nos é defenso afastar-nos: Na verdade, porém, não muitas, mas uma é a perpétua e inflexível regra de viver,. . . Pois a lei já não desempenha para conosco a função de um rígido exator, a quem, não satisfaça, a não ser efe­tuado o requerido. Mas, nesta perfeição a que nos exorta, aponta ela a meta para com que nos é não menos proveitoso porfiar por toda a vida, que consistente com o nosso dever. Com efeito, esta vida toda e um estádio, do qual corrido o percurso, o Senhor nos concederá que alcancemos aquela meta a que agora nossos esforços se empenham ao longe.[xiii]
No conceito de lei de Calvino, nada se altera com a vinda de Cristo, porque a lei, em si, não expressa sua impossibi­lidade de cumprimento. Segundo Calvino, Cristo livra o pecador da maldição da lei e, após isso, a lei serve para exortar, plas­mar e preparar para toda boa obra.
Quando testifica o Senhor que não viera para abolir a Lei, mas para cumpri-la, nem, até que se passem o céu e a terra, haver-se de deixar de parte da Lei um til, sem que tudo se cumpra (Mt 5.17-18), confirma Ele à saciedade que por Sua vinda nada haver-se-ia detraído da observância da Lei. E com razão, uma vez que Ele veio antes para este fim: que lhe remediasse às transgressões. Por parte de Cristo, portanto, permanece inviolável o ensino da Lei, que, instruindo, exortando, reprovando, corrigindo, nos haja de plasmar e prepa­rar para toda obra boa.[xiv]
Para vermos ainda com mais clareza o pensamento de Calvino, vejamos o que ele diz nas Institutas, II, 7, 15:
Com efeito, é evidente que as cousas que são ditas por Paulo acerca da abrogação da Lei não dizem respei­to ao ensino mesmo, pelo contrário, ao só poder de constringir a consciência. Pois, a Lei não apenas ensina, como também exige imperiosamente o que manda. Se não é obedecida, de fato, se deixa de ser aplicada em qual­quer ponto, despede o raio da maldição. Por esta razão diz o Apóstolo (G1 3.10) que estão sujeitos a maldição todos quantos são das obras da Lei, porquanto es­tá escrito: "Maldito é todo aquele que não cumpre todas as cousas prescritas na Lei ", (Dt 27.26). Diz, porém, sob as obras da Lei aqueles que não fundamentam sua justiça na remissão dos pecados, através da qual somos livrados do rigor da Lei.[xv]
Se o que Calvino ensinou nos parágrafos acima ainda, po­de deixar qualquer dúvida quanto a sua posição sobre lei e evan­gelho, ouçamos o que ele diz, nas Institutas, mais adiante, no capítulo 9, 4, cujo título é "O evangelho não se contrapõe à lei, nem a exclui".
Daqui também se refuta o erro daqueles que jamais de outro modo comparam a Lei com o Evangelho que contra­pondo os méritos das obras a gratuita imputação da justiça. Certamente que esta antítese não é, de modo al­gum, de rejeitar-se, pois que, com frequência, Paulo entende sob o termo Lei a norma do justo viver, pela qual Deus exige de nós o que é Seu, nenhuma esperança de vida outorgando se lhe não obedecemos integralmente, e, por sua vez, aduzida maldição, se nos desviamos mes­mo que apenas um mínimo. Isto o faz Paulo, de fato, onde contende que agradamos a Deus não por efeito de obras e somos havidos por justos mediante o Seu perdão, porque em parte alguma se encontra a observância da Lei a que foi prometida recompensa. Portanto, procedentemente faz Paulo entre si contrárias a justiça da Lei e a justiça do Evangelho.
Mas, o Evangelho não sucedeu a tal ponto a toda a Lei que apresentasse um meio diferente de salvação, senão que, antes, confirmasse e mostrasse ser rele­vante o que quer que ela havia prometido e desse cor­po a seus delineamentos. Pois quando diz que a Lei e os Profetas haviam vigorado até João (Lc 16,16), nem está Cristo a adjudicar os Pais à maldição a que não podem fugir os servos da Lei; ao contrario, significa haverem eles sido instruídos em rudimentos somente, de sorte que permanecessem muito abaixo da sublimidade do ensino do Evangelho. Por isso, chamando ao Evange­lho "o poder de Deus para a salvação de todo o que crê” (Rm 1.16), Paulo aduz, pouco depois, que tem ele testemunho da parte da Lei e dos Profetas (Rm 3.21). Alias, no final desta mesma Epístola (Rm 16,25-26) inda que a ensinar .que a pregação de Jesus Cristo é a revelação do mistério guardado em silêncio durante os tempos eternos, atenua esta postulação com uma expli­cação acrescentada, ensinando haver sido esse mistério manifestado por meio das Escrituras Proféticas.
De onde concluímos que onde se trata de toda a Lei, dela difere o Evangelho apenas em respeito a uma clara manifestação. Ademais, em razão da inestimável afluência da graça que nos foi revelada em Cristo, não sem razão se diz que, por Sua vinda, foi erigido na terra o celeste reino de Deus.[xvi]
O conceito de lei, em Calvino, é o seguinte: Deus quer salvar os homens pela lei. A lei é o acordo, a aliança entre Deus e os homens. A lei existiu primeiro. Daí, veio o pecado. Com a transgressão da lei, tornou-se necessário o perdão. Mas a aliança da lei continua valendo. Uma vez perdoado, o homem se­gue cumprindo a lei de Deus, a qual ele deveria ter cumprido desde o início, e na qual ele deve permanecer agora, até alcançar a salvação final. O evangelho não é outra forma de salvação. Werner Elert diz, com razão, analisando Calvino: "Mas o evangelho não está para a lei como que trazendo uma nova forma de salvação (diversam rationem salutis). Como um todo a lei difere do evangelho somente na clareza de suas manifestações."[xvii]

2.2. Evangelho e Lei em Karl Barth
Em 1935, Karl Barth foi convidado a proferir uma confe­rência sobre Lei e Evangelho. Barth altera o tema proposto in­vertendo a ordem das palavras, e justifica sua modificação dizen­do:
"Lei e Evangelho" seria o tema sobre o qual eu deveria falar, se nos ativéssemos à formula já quase automática entre nós. Mas de saída quero deixar claro que não vou falar sobre "Lei e Evangelho", mas sim sobre "Evangelho e Lei". A sequência tradicional em que aparecem as palavras, ou. seja, "Lei e Evangelho", tem boa razão de ser em seu contexto adequado, o qual ainda especificaremos. Mas ela não deve fornecer a direção básica para o todo da doutrina que aqui esboçaremos. Pois o que acontece é que, quem realmente e com toda a seriedade disser primeiro "lei", e depois, e ape­nas sob este pressuposto, disser "evangelho", com a melhor das intenções não pode estar falando da lei de Deus, e por isso também não do seu evangelho. Ambiguidades de toda espécie envolverão este caminho habitual, mesmo na melhor das hipóteses.[xviii]
Barth, em seu trabalho, tenta unificar o conceito de lei e evangelho, anulando sua contraposição dialética. Ele diz que lei e evangelho são palavra de Deus; que lei e evangelho são graça de Deus, pois o simples fato de Deus ainda falar conosco é graça; que lei e evangelho são graça livre e soberana de Deus, onde o evangelho encerra dentro de si a lei. A frase que se re­pete ao longo de seu trabalho, como que sendo um estribilho, é "A lei é a necessária forma do evangelho, cujo conteúdo é graça.”[xix]
Barth diz que a lei está contida no evangelho. Como na arca da aliança estavam dentro as Tábuas da Lei, assim também a lei está dentro do evangelho. 0 que os luteranos, tradicional­mente, chamam de segundo uso da lei, para Barth é um uso gracio­so, visto que, em última análise, através deste uso, o que Deus quer é salvar. Assim, a lei é graça.
2.3. A Correta Compreensão da Lei
Se conseguirmos ver com clareza a diferença entre o conceito luterano e calvinista (por extensão o conceito de Barth) de lei, isto nos auxiliará em muito na forma como faremos uso da lei em nosso ministério. Vamos, primeiro, nos valer dos argumen­tos que Werner Elert utilizou contra Calvino e Barth. São, em resumo, três:
Primeiro, as promessas efe lei não são aplicadas incon­dicionalmente, mas condicionalmente. Exemplo: Ex 20.5-6. Deus promete sua graça, na lei, somente com a condição da lei ser cum­prida. A diferença entre lei e evangelho, portanto, está no .fa­to de que a lei promete graça a justos que a cumprem e o evange­lho a pecadores que não a cumpriram.
Segundo, a lei contém, em precisa coordenação com sua promessa, ameaça de punição. A lei sempre é retributiva. Assim o Antigo Testamento entende a lei, e Cristo e Paulo também. 0 Antigo Testamento não apenas apresenta a lei como recompensa e castigo em seu conteúdo legislativo, mas também nos exemplos de vi­da individual e de nações (Gn 38.7; Nm 14.22, ss.). Ver tam­bém Gn 9.6; Ex 21.24, s. Deus é quem recompensa e pune, mesmo através do homem, Dt 32.35.
O Novo Testamento repete as sentenças como a valida ‘nomos’ de Deus (Rm 12.19; Hb 10.30, 5; cf. 2 Ts 1.8; Ap 6.10). Viver sob a lei significa viver sob sua maldição (G1 3.10). A lei de Deus traz ira (Rm 4,15) porque ela é lei retributiva.
Terceiro, o erro mais grave de Barth se deve ao fato de se ver a lei somente como ato legislativo de Deus. Deus apa­rece apenas como legislador, em analogia com os legisladores hu­manos, onde Deus responde a pergunta humana sobre como este deve agir. Pode-se ilustrar isso com muitas obras sobre ética, tanto católicas como protestantes, onde são enfatizadas normas de vida. Calvino até define a lei como regra de vida. São Paulo, ao con­trário, entende a lei como atividade jurídica de Deus, isto é, Deus agindo como juíz.[xx]
Um sintoma deste erro calvinista sobre a lei está na forma como os dogmáticos definem pecado. Eles falam que pecado é transgressão, afastamento ou desvio da lei divina. Não que es­ta definição esteja totalmente errada. 1Jo 3.4 fala assim. Mas como Hb 11.1 não define totalmente a fé, assim 1Jo 3.4 não de­fine completamente lei. Esta definição reduzida dá a impressão de que a lei é uma espécie de caminho com cerca dos dois lados. Quando se ultrapassa a cerca, a lei nos avisa e chama de volta. Se estivermos no caminho, estaremos rumando para os céus. É evi­dente que lei não pode ser apenas isso no conceito bíblico.
Na realidade a função da lei é bem outra. Ela não pressupõe que estejamos do lado certo da cerca, e sim, do lado errado, e estamos assim desde o início da jornada da vida. Isto é a doutrina do pecado original, ensinada por Paulo, e que diz que desde o início estamos em território proibido.
Paulo esclarece o mesmo, em outro texto, de outra for­ma. Em G1 3.17, ele diz que a lei só foi dada 430 anos após Abraão. Ele pensa na legislação sinaítica, incluindo o decálogo. De outro lado, ele diz que o pecado estava presente antes do Si­nai. Consequentemente, a morte também, que é o salário do pecado, e que reinou desde Adão até Moisés. Ela reinou porque o pe­cado estava aí, e a lei retributiva também estava (kríma eis katákrima, Rm 5.16). A lei estava agindo independentemente da le­gislação do Sinai. Era o veredito da ação jurídica de Deus. Paulo vê, também no período pré-sinaítico (como em todos os outros), os homens sendo julgados por Deus, condenados e sentenciados por ele (G1 3.19). A legislação formal não melhorou os homens dando-lhes uma regra de vida para poderem bem viver. Ao contrário, ela reavivou o pecado, dando-lhe novo poder por provocar-lhe oposição. A legislação não fez nada mais que tornar o pecado aparente. Ela perseguiu seu propósito de conceder ao homem consciência da opo­sição dele a Deus (Rm 7,7, ss,; 3.20; 1 Co 15,56; 1 Tm 1.9).
Não há menos culpados ou mais culpados diante da lei. Ler Mc 1.15 e Lc 13.3-5. A interpretação que Cristo dá à lei é que ela expõe o pecado humano. Não há situação do homem sob a lei em que ela não o condene.[xxi]

2.4. O Terceiro Uso da Lei
Diante do que foi exposto sobre a lei até agora, cumpre-nos perguntar, o que é o terceiro uso da lei? Normalmente nãodiscordância quando se pergunta qual o primeiro e o segundo uso da lei. A discordância surge quanto ao terceiro uso. Seria a lei, no seu terceiro uso, a lei para os cristãos? Os antinomistas dizem que não. Calvino e os luteranos dizem que sim. Mas, no seu terceiro uso, para que serve a lei aos cristãos? Para ensinar-lhes a vontade de Deus, é a resposta que calvinistas e lu­teranos ainda podem subscrever. A pergunta começa a receber du­pla resposta se for assim formulada: No seu terceiro uso, a lei no cristão é usada por causa do velho ou do novo homem? Calvino não tem dúvida em dizer: por causa do novo homem. E o que dizem os luteranos?
Olhando alguns manuais de instrução em uso na IELB, te­remos as seguintes respostas:
-  Conheça A Verdade: o atual propósito da lei... (3º uso) "servir aos que creem como um guia para viver vida cristã."[xxii]
-  Crescendo em Cristo: "A lei serve de norma, mostrando-nos como devemos viver para sermos agradáveis a Deus."[xxiii]
-   Catecismo Menor, explicação: "Em terceiro lugar mos­tra ao regenerado quais são verdadeiramente as boas obras (Norma)."[xxiv]
Nos dois primeiros manuais, temos a resposta de forma geral, que a lei, para o cristão, serve como guia para viver a vida crista de forma agradável a Deus. Não há nada que diga se a lei seria para o novo ou para o velho homem. Já no Catecismo Menor, explicação, temos a palavra "regenerado". Isso dá, pelo me­nos, a possibilidade de entender que a lei seria para o novo ho­mem, embora isto não precise ser necessariamente interpretado as­sim.
O melhor que temos a fazer será consultar as Confis­sões Luteranas. O que dizem elas sobre este tema? Como elas a­presentam o terceiro uso da lei? E, para salientarmos ainda mais a importância dessa questão, convém dizer que o uso da lei não pode contradizer o conceito de lei. A lei, em qualquer uso, não pode perder seu caráter judicativo, tornando-se uma simples regra ou manual de conduta. E as Confissões Lute­ranas realmente não fazem esta simplificação.
Nas Confissões Luteranas o assunto aparece na Fórmula de Concórdia, Artigo VI. A Declaração Sólida nos dá mais subsí­dios do que a Epítome sobre a questão. Vamos nos valer da expo­sição do Prof. Oesch sobre o assunto:
O terceiro uso da lei em todas as suas funções é con­tra o velho Adão dos cristãos. O tertius usus apare­ce tanto na coação do primeiro uso, como também na im­placável revelação e condenação do pecado segundo o segundo uso, tomando porém, em consideração ambos de forma que o cristão não esteja debaixo da lei. Todavia há um terceiro passo ainda. Podemos tranquilamente chama-lo de terceiro uso, ou melhor: o terceiro uso no terceiro uso, tertium uso in tertio uso. O mesmo diz que a lei sempre é exigência do santo Deus para com a sua criatura feita, originalmente segundo a sua imagem. Mas agora acontece algo novo: para o cristão, aquilo que a lei exige não é mais terrível. Segundo o novo homem, a santa vontade de Deus para o cristão é algo amável, que diz como devemos ser, o que deixar de fazer e o que fazer. Ele mesmo é “énnomos', pois a fé é ativa pelo amor - pelo amor a Deus e às pessoas. Ele diz: "Fala, Senhor, porque o teu servo ouve." Ele ouve a palavra de Deus como palavra do Pai, na opinião do novo homem. E este novo homem que está do lado de Deus, que contra a sentença da lei se erige no evange­lho, descobre por trás das exigências da lei um motivo de estável ensino e norma, para a seu modo usar para proteger-se da 'sárks', e para repelir a tentação do entusiasmo. Aqui é trazido à luz o sentido original da lei, que já havia antes da queda em pecado, o con­teúdo, que esta por trás da forma ameaçadora e contra­ria ao pecado, por trás do "tu deves". Ouçamos a incansável e repetida definição de 1577. Epítome VI, 2: “Cremos, ensinamos e confessamos que, conquanto os ho­mens genuinamente crentes e verdadeiramente converti­dos a Deus foram libertados e isentados, por intermé­dio de Cristo, da maldição e coerção da lei, todavia não estão, por isso, sem lei, porem foram redimidos pelo Filho de Deus, a fim de se exercitarem nela dia e noite. Salmo 119. Pois os nossos primeiros pais mes­mo antes da queda não viveram sem lei. A lei de Deus lhes foi também inscrita no coração, porque foram cria­dos à imagem de Deus.” Solida Declaratio VI, 4: "Pois a lei e espelho (instar speculi limpissimi) , em que a vontade de Deus e o que lhe agrada é devidamente re­tratado." § 15: "Todavia, para evitar, na medida do possível, todo mal-entendido, e a fim de que a diferen­ça entre as obras da lei e as do Espírito seja apropriadamente ensinada e preservada, deve notar-se com especial diligência que, quando se fala de boas obras que estão de acordo com a lei de Deus (pois de outro modo não são boas obras), aí a palavra "lei" designa uma só coisa, a saber, a vontade imutável de Deus, em conformidade com a qual os homens devem conduzir-se em sua vida." Este conceito da Confissão está de acordo com o que ensina Jesus em Mt 5.18, quando ele diz que nem um iota deve passar da lei até que céus e terra se consumem. Em consequência deste ensino da lei como santa vontade de Deus, entende-se que a Epítome § 1 diz: "A lei foi dada aos homens por três razões: primeiro, a fim de manter-se com isso disciplina externa contra homens refratários, desobedientes; segundo, a fim de que se possa por intermédio disso conduzir os homens ao reconhecimento de seus pecados; terceiro, para, depois de regenerados, e aderindo-.lhes não obstante a carne, terem, por isso, norma certa de acordo com a qual cum­pre que regulem e governem toda a sua vida."[xxv]
A diferença entre a doutrina luterana e a calvinista quanto ao terceiro uso da lei está precisamente nisso, que os lu­teranos ensinam que o terceiro uso da lei é para o cristão contra o seu velho homem e os calvinistas erisinam que com a lei se anima o cristão a praticar boas obras. A lei, segundo a doutrina lute­rana, não tem esta capacidade de produzir boas obras, pois ela sem­pre condena. Para maior clareza, vale a pena ler a Fórmula de Concórdia, Declaração Sólida, VI, 17-25:
Quando, porém, o homem nasce de novo do Espírito de Deus e é libertado da lei, isto é, quando está livre desse propelidor e é impelido pelo Espírito de Cristo,— aí então vive de acordo com a imutável vontade de Deus, compreendida na lei, e, enquanto renascido, tudo faz de espírito livre e disposto. E tais obras, propriamente, não se chamam obras da lei, senão obras e frutos do Espírito, ou, como lhes chama São Paulo, lei da mente e lei de Cristo. Pois que tais pessoas já "não estão debaixo da lei, e sim da graça", como diz São Paulo Rm 8.
No entanto, como os crentes não são perfeitamente re­novados neste mundo, porém o velho homem se lhes apega até a sepultura, neles também continua a luta entre o espírito e a carne. Por isso deveras tem prazer na lei de Deus no tocante ao homem interior, mas a lei em seus membros guerreia contra a lei em suas mentes. Destarte, nunca estão sem lei, e contudo não estão debaixo da lei senão na lei, vivem e andam na lei do Senhor, e todavia nada fazem por impulsão da lei.
No que diz respeito ao velho homem, que ainda lhes adere, deve ser impelido não só com a lei, mas também com pragas, pois que tudo faz contra a sua vontade e sob coação, da mesma forma como os ímpios são impelidos e mantidos na obediência por ameaças da lei 1 Co 9; Rm 7.
Assim essa doutrina da lei também é necessária aos cristãos, para não caírem na propria santidade e devo­ção, instituindo, sob o pretexto do Espirito de Deus, culto divino escolhido por eles mesmos, sem palavra e ordem de Deus, como está escrito Dt 12: "Mão procedereis em nada segundo estamos fazendo aqui, cada qual tudo .o que parece bem aos seus olhos", mas: "Guarda e cumpra todas estas palavras cjue te ordeno", e: "Nada lhe acres­centaras nem diminuirás".
Assim a doutrina da lei também é necessária nas boas obras dos crentes e com elas, porque de outra maneira o homem pode muito facilmente imaginar que sua obra e vida são inteiramente puras e perfeitas. Mas a lei de Deus prescreve as boas obras aos crentes de forma que mostra e indica simultaneamente, como em espelho, que nesta vida ainda são imperfeitas e impuras, de sorte que temos de dizer com o dileto Paulo: "porque de nada me argui e consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado.”
Assim Paulo, quando admoesta os regenerados à pra­tica de boas obras, apresenta-lhes expressamente os Dez Mandamentos Rm 13, e que suas boas obras são imperfei­tas e impuras reconhece-o da lei Rm 7. E Davi diz SI 119: Viam mandatorum tuorum cucurri, "ando no caminho dos teus mandamentos"; mas: "Não entres em juízo com o teu servo, porque a tua vista não há justo nenhum vi­vente" SI 143.
Mas como e por que as boas "obras dos crentes, ainda que nesta vida são imperfeitas em virtude do pecado na carne, não obstante são aceitáveis para Deus e a ele agradáveis, isso não o ensina a lei, que, a dever agra­dar a Deus nossa obediência, exige que seja absolutamen­te perfeita e pura. Mas o evangelho é que.ensina que nossos "sacrifícios espirituais" são aceitáveis para Deus "pela fé, por causa de Cristo" 1 Pe 2; Hb 11. Assim os cristãos não estão debaixo da lei mas da graça, porque mediante a fé em Cristo a pessoa foi libertada da mal­dição e condenação da lei, e porque suas boas obras, posto que ainda imperfeitas e impuras, são aceitáveis para Deus por intermédio de Cristo; também porque, en­quanto nascidos de novo segundo o homem interior, fazem o que agrada a Deus não por coerção da lei, mas por re­novação do Espírito Santo, de coração, voluntária e es­pontaneamente. Assim mesmo, porém, travam luta inces­sante contra o velho homem.
Porque o velho homem, como asno indômito e recalci­trante, também ainda é parte deles, e deve ser forçado à obediência de Cristo não só com o ensino, admoestação, impulso e ameaça da lei, porém muitas vezes também com o cacete dos castigos e pragas, até estar completamen­te despida a carne do pecado e o homem renovado perfei­tamente na ressurreição, onde ja não precisará nem da pregação da lei, nem de suas ameaças e castigos, como também não mais do evangelho, coisas que pertencem a es­ta vida imperfeita. Mas assim como hão de contemplar a Deus face a face, assim, pelo poder do Espírito inabitante de Deus, hão de fazer a vontade de Deus volun­tariamente, sem coação nem impedimento, com integral pureza e perfeição, com plena alegria, e regozijar-se-ão na vontade de Deus eternamente.[xxvi]
2.5. A Correta Compreensão do Evangelho
O que deve ter ficado claro no tópico anterior sobre a lei é que ela, nem mesmo no seu terceiro uso, perde a contraposição ao evangelho. A lei sempre condena e apenas o evangelho sal­va e produz a nova vida. Talvez o grande problema da igreja esteja em não pregar-se corretamente a lei e, por isto, pensar-se que o evangelho está sendo pregado de uma forma ineficaz. Pregar corretamente a lei á necessário para que o evangelho seja correta­mente entendido.
O cristão, enquanto neste mundo, sendo simul justus et peccator, tem dentro de si o combate entre o velho e o novo homem. Como novo homem, guiado pelo Espírito Santo, o cristão está livre do impulso e da maldição da lei. No entanto, conforme o velho ho­mem, a lei o acusa. A lei faz o seu papel de ensinar e condenar. Embora seja necessário distinguir entre estes usos, é impossível separá-los.
Em 1927, na sua proposta a Conferência de Fé e Ordem, em Lausanne, Gogarten definiu assim o evangelho, seguindo Rm 4.25: "Evangelho é a mensagem de Jesus Cristo que foi entregue pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação."
Esta de­finição destaca três pontos:                                        .
1º) Como a lei, o evangelho também é Deus falando. Mas esta palavra consiste numa pessoa, a saber, Jesus Cristo.
2º) Não é apenas Cristo o conteúdo do evangelho, mas o Cristo que morreu e ressuscitou, isto é, algo que aconteceu com ele.
3º) A razão porque a mensagem é evangelho são as pala­vras "pelos nossos pecados" e "para nossa justificação".
Paulo ainda definiu isto de forma- mais sucinta em 1 Co 1.18: "a palavra da cruz". É importante salientar que na cruz também vemos a lei retributiva de Deus se cumprindo. Em si, is­to não é evangelho. O evangelho encontramos quando vemos a morte de Cristo "por nós" e quando vemos, na ressurreição, a lei superada. O sentido belo e evangélico da ressurreição, por vezes, é esquecido quando falamos demais sobre a morte de Cristo sem fazer isso de forma evangélica, isto é, salientando o "por nós".
O evangelho produz nova vida de liberdade. Não é mais vida sob a lei, mas vida sob a graça. O cristão vive orientado pelo Espírito Santo e de boa vontade cumpre a vontade de seu Deus. Esta é a diferença no cumprimento da lei entre escribas e fariseus, que estavam sob a maldição e não reconheciam seus pecados, e os pecadores que procuravam Deus (Lc 16.15; Do 9.39-41; 15.22). Ver também o exemplo de Paulo em At 22.3; 26.5; Fp 3.5 em contraste com Rm 3.20; Gl 2.16.
A vida cristã não pode, portanto, ser vista a partir da lei e sim do evangelho, não a partir da santificação, mas da justificação, não a partir da simples obediência, mas da nova vida em Cristo, onde há perfeita liberdade.


CAPÍTULO 3
JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO
A vida cristã não pode ser separada do centro da teolo­gia cristã, a saber, da doutrina da justificação do pecador pela graça que é oferecida em Cristo e aprendida pela fé somente. É bem verdade que ela, a vida cristã, deve ser distinguida da justificação mas não pode nunca ser separada.
Paul Althaus, em The Ethics of Martin Luther, mostra como em Lutero vida cristã e santificação se interligavam. Em primeiro lugar, ele lembra que a vida cristã pressupõe a justifi­cação. O ethos cristão é determinado pela justificação. A jus­tificação estabelece o que a vida cristã é. E ela o faz de duas maneiras: 1º, negativamente, proibindo ou excluindo coisas; 2º, positivamente, afirmando outras.
A justificação como negativa no ethos cristão exclui totalmente a participação humana. Pelo fato da salvação ser in­teiramente fundamentada na graça de Deus, que aceita o pecador, nem o ethos cristão, nem a atividade humana são meios pelos quais se obtém a aprovação de Deus e ou a salvação. Isto, por dois mo­tivos: 1º) Ninguém entrega a sua vida a Deus tão completamente como o mandamento de Deus exige. Uma pessoa pode fazer muitas coisas boas, mas ainda não é completamente uma pessoa boa, porque continua, ao mesmo tempo escravizada pelo pecado. A sua lealdade a Deus é dividida. 2º) Mesmo que pela graça de Deus alguém pudes­se chegar ao ponto da perfeição, sua perfeita justiça ética não motivaria Deus a salvá-lo, pois Deus quer dar a salvação como ato livre da sua soberana misericórdia em Cristo. Se nós queremos dar valor ao nosso ethos ou ação, estamos negando a Deus o ser Deus, o que seria o maior pecado. Salvação é concedida por Deus, somen­te mediante a fé. A atividade cristã não pode ser enten­dida em termos de obter a salvação ou o favor de Deus, mas em gratidão pela salvação obtida por Cristo (WA 39, 46; LW 34, 111; Wa 31, 252; LW 14, 34; WA 6, 209; LW 44, 29).
O que nós fazemos na vida crista pode ser descrito em termos de obediência, gratidão, louvor a Deus. Entendidas, no entanto, teleológicamente, isto é, em termos de propósito, nossas obras não são feitas para Deus mas para o próximo. Nós deve­mos nos dedicar ao próximo e não nos preocupar com nossa salvação que Deus nos dá. Estamos livres para servir ao próximo. Quem se preocupa consigo, com sua salvação, realmente cuida apenas de si. Deus dá o necessário para eu me preocupe com os outros.
(Isso está refletido na explicação dos mandamentos no Catecismo Menor: "Devemos temer e amar a Deus de maneira que. . .")[xxvii]
A justificação, no entanto, tem um aspecto positivo no ethos cristão. Embora nada possa ser feito por nós pela nossa justificação, paradoxalmente, Deus, em Cristo, me aceita como justo e me olha com compaixão, embora eu seja e permaneça sendo pecador. E, em Cristo, Deus além de me aceitar, aprova minhas obras. Empiricamente, o que o cristão faz nunca e tão bom para ser justo e aceitável diante de Deus, pois a natureza pecaminosa contamina tudo o que ele faz. No entanto, as obras são justas porque Deus as aprova em sua graça, pois ele aprova o homem que crê. Num sentido imanente, a consciência cristã não é boa, mas Deus, pela justificação, a torna boa.
É claro que se fala aqui da obediência aos mandamentos dados por Deus e não de obras inventadas por homens como boas. Nesta distinção podemos ver que Deus se agrada das obras que ele determinou (Ef 2.10); embora estas obras, em si, continuem sendo imperfeitas (Lc 17.10; Is 64.6), Deus as aceita. Assim, a obra é boa quando feita conforme a vontade de Deus, por um lado, e é boa, por outro lado, porque Deus me justifica e a obra é resposta de fé.
Do ponto de vista da moralidade, um não cristão pode fazer o que o cristão faz, mas como cristão ele age no pressupos­to da fé, só ele produz boas obras, porque só ele crê. Rm 14.25; Hb 11.6. As obras também são simul justus et peccator. Por is­to também sobre as obras deve ser pregada a lei, para convencer a pessoa de pecado em suas obras, e o evangelho para salvar a pessoa e fortalece-la a andar nos caminhos do Senhor.[xxviii]
Diz Althaus, reproduzindo o pensamento de Lutero:
A fé justificante do cristão e a certeza de que ele é salvo lhe dão grande liberdade para agir. O cristão é livre para fazer alegremente toda obra requerida pe­la situação em que ele vive. Um ethos que não está ba­seado na justificação e que não tem certeza de que Deus é favorável com a pessoa, mas que sente que precisa primeiro conquistar a aprovação de Deus, é compelido a tentar encontrar obras especialmente santas que são di­ferentes das obras comuns, ordinárias. Um ethos assim tem de escolher obras especialmente piedosas, em vez de simplesmente fazer o que Deus ordena. Quando nós estamos certos de que Deus se agrada de nós e de nos­sas obras, então toda distinção entre ordinário e es­pecial, profano e santo, insignificante e significan­te, obras pequenas e grandes, desaparece completamente. Tais distinções são feitas somente por moralistas que precisam dar sentido e valor à sua vida através do que eles fazem. Desde que o cristão recebeu o sentido e o valor de sua vida através do gracioso ato da justi­ficação de Deus, todas tarefas e obras da vida são igualmente importantes e santas porque foram designadas a ele por Deus, ao este dirigir sua vida. Não há obras especialmente santas. Tudo o que fazemos é se­cular. Contudo tudo se torna santo quando é feito em obediência ao mandamento de Deus e na certeza de que ele se agrada quando é feito em fé. Isso dá valor e uma gloria oculta a tudo o que fazemos. Enquanto al­guém é enganado pelo moralismo e não vive como justi­ficado, ele procura obras enganosas e gloriosas. Obras verdadeiramente cristãs, no entanto, não impressionam muito e sua gloria está oculta, assim como a glória de Deus está oculta.
Por isso, a fé torna o cristão livre. Ele está li­vre para fazer sua tarefa com alegria, em contraste com o tormento escravizante, a insegurança e a insa­tisfação da pessoa que não tem fé, e tem dúvidas a res­peito da sua situação diante de Deus, e que não sabe como irá satisfazer a Deus.[xxix]
A justificação não apenas determina o caráter da vida cristã e sua auto-compreensão, mas também é a fonte do ethos cristão. Deus, pela justificação, concede um novo poder ao ser huma­no, e este passa a estar repleto de amor a Deus. Seu relaciona­mento com Deus é modificado. Se antes ele estava debaixo da mal­dição da lei, justificado em Cristo, que cumpriu a lei, o cristão ama a lei de seu Senhor e procura cumprir os seus mandamentos. A árvore boa produz bons frutos. O Espírito Santo dá o impulso e a motivação. O Espírito Santo habita no cristão e não é preguiçoso. Como resultado, o cristão não é preguiçoso e faz as obras de Deus. O Espírito Santo torna o morto em vida e produtivo.[xxx]  (Analisar Mt 7.15-23 sob o prisma dos frutos da lei e fru­tos da fé).
Sobre a justificação como fonte de toda ação cristã, é interessante examinar os Catecismos de Lutero e o seu Tratado so­bre as Boas Obras. Ler CMa I, 48, 50, 94, 195, 310-311, 316, 323, 326-329.
Além de reconhecer a justificação com pressuposto e co­mo fonte da vida cristã, é importante ainda examinar o aspecto da vida cristã como luta do cristão consigo mesmo. Também aí justi­ficação e santificação se relacionam de maneira bem especial.
Através da fé, o ser humano justificado torna-se novo homem. O Espírito de Deus o move. Contudo a fé não transforma a pessoa de maneira que a velha natureza desaparece. A velha natureza com seus desejos não está completamente morta. Assim, o cristão está dividido dentro de si.
A vida cristã decorre dentro deste clima de tensão e de luta. Ela é assim descrita no Catecismo Menor, Do Batismo:  . . . o velho homem em nós, por contrição e arrependimento diários, deve ser afogado e morrer com todos os pecados e maus dese­jos, e, por sua vez, sair e ressurgir diariamente novo homem, que viva em justiça e pureza diante de Deus eternamente.”
Esta luta é magistralmente descrita em Rm 7.7-25.
Devemos cuidar para não colocar esta luta nos termos de simul justus et peccator. Esta colocação de Lutero não define a luta entre carne e espírito, mas define nossa situação. Somos totalmente justos em Cristo e somos totalmente pecadores segundo a natureza corrompida. Na luta entre velho e novo homem, temos vitórias de um e outro lado, mas não nos tornamos mais justos ou pecadores. Ao longo de toda a luta continuamos simul justus et peccator.
A luta que se inicia na vida cristã existe apenas a partir da fé. Sem fé cessa a luta. A luta é marca da vida cristã, Gl 5.16, ss,; Ef 4,17-24. Nesta luta não lutamos pela vitória, mas a partir da vitória em Cristo, 1 Co 15.54-58.
O velho homem precisa ser morto diariamente na penosa escola da vida, particularmente no contexto da nossa vocação e sofrimento. Quando Deus envia sofrimento, ele age dentro do contexto do relacionamento dialético de sua obra própria e de sua obra alheia (Is 28.21). Deus, muitas vezes, nos conduz pela provação. É uma ação terapêutica de Deus. Muitos profetas e membros do po­vo de Deus pediram que Deus os preservasse do orgulho e do mal e que os provasse para que o velho homem fosse esmagado na luta. Ver o SI 26, onde no versículo 2, o salmista pede para ser provado, 1Pe 1.6-9; 4.12-19.
Lutero, neste particular, tinha receio dos tempos de paz e tranquilidade pois eles podiam acomodar a fé. Se o cristianismo tem uma mensagem que o mundo odeia, e sua mensagem não causa impacto, ele deve reexaminar-se. Não há na Bíblia nada sobre uma história do mundo que termine em paz.[xxxi]
Sobre a cruz, devemos ter o cuidado de não escolhê-la, mas de aceitar a que vem de Deus. Não devemos tomar a iniciativa da busca de sofrimento. Até é possível sofrer neste mundo sem ser cristão. A cruz do cristão sobrevém da luta entre a justifi­cação e a condenação. Na cruz, devemos nos manter na confiança em Cristo.
Neste sofrimento, devemos disciplinar nosso corpo, não julgando com isto obter a salvação, mas subjugando o velho homem. Devemos, também, nos esforçar nesta disciplina em obras de amor ao próximo, Fp 1.23-26; 1 Co 9.22-27; 1 Co 7.5.


CAPÍTULO 4
A dificuldade de distinguir corretamente entre lei e evangelho não deve ser um obstáculo a que busquemos a distinção. Antes, deve ser um desafio constante. Há muitos princípios teológicos envolvidos na distinção entre lei e evangelho. Nao é sem razão que o sacerdotes católico romano, ao escrever seu comentário sobre Gálatas, lhe dá o título de "Liberdade e Lei na Igre­ja". E não é sem razão que Karl Barth, em sua conferencia, utiliza como título a ordem “Evangelho e Lei. E não é sem razão tam­bém que os luteranos insistem em Lei e Evangelho.
Em 22 de outubro de 1980, celebrando os 400 anos do Li­vro de Concórdia, o Dr. Karl L. Barth, que depois foi Presidente do Seminário Concórdia de São Luis, Missouri, proferiu uma conferên­cia sobre "Cardinal Principies of Lutheranism and Evangelical Theology". Esta conferência foi transcrita no Concordia Journal de março de 1981,[xxxii] e o Rev. Paulo K. Jung fez uma adaptação e tradução da mesma, a qual foi apresentada numa Reflexão Teológica do Instituto Concórdia de São Paulo em 17 e 18 de outubro de 1985. Com autorização do Rev. Jung, transcrevemos aqui partes desta conferência com o intuito de compartilhá-la com os irmãos, visto ser seu conteúdo relevante ao tema aqui desenvolvido.
"Uma das formas de nós identificarmos o luteranismo, é através dos princípios "Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide".  Isto está correto conquanto estivermos querendo dizer com isto que só pela Escritura, só pela Graça e só pela Fé em Cristo há conheci­mento de Deus, reconciliação com Deus e consequente perdão e sal­vação eterna. Temos, porém, que tomar cuidado para que este princípio não se transforme num simples slogan destituído de seu sentido original. Na verdade, há muitas afirmações que circulam livremente no mundo evangélico, e que são absorvidas inadvertida­mente por luteranos leigos e até por pastores, as quais não resis­tem a uma análise mais profunda e comparada com o verdadeiro sen­tido do "Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide".
"A teologia luterana enfatiza sempre a iniciativa e a ação de Deus no processo de salvação do homem: "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu unigênito Filho" (Jo 3.16). "Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que nele fossemos feitos justiça de Deus" (2 Co 5,21), "Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção" (1 Co 1.30). "Ninguém pode dizer: Senhor Jesus! senão pelo Espírito Santo" (1 Co 12.3). Deus planejou a nossa salvação. Deus efetuou a nossa salvação. Deus nos capacita a nos apropriarmos dessa salvação pela fé que ele dá. Deus faz tudo."
"Partindo deste princípio é importante conhecer a rela­ção entre justificação e santificação. Por um lado, esse concei­tos precisam ser distinguidos um do outro (Ap XII, 64; FC, SD, III, 18; FC, SD, III, 32)."
"Se, no entanto, é verdade que a justificação e santi­ficação precisam ser distinguidas, também é verdade que não devem ser separadas. (Ap IV, 45).".
"A habilidade de distinguir sem separar também é neces­sária para o uso adequado de Lei e Evangelho. A função acusatória da Lei deve ser distinguida da sua função didática. Mas as duas não podem ser separadas. A Lei nos ensina qual é á vontade de Deus, e continuamente nos recorda que temos falhado no cumprimento dessa lei. Ela sempre acusa, e sempre ensina. Falhar na distin­ção dessas funções da Lei envolve condenar o 3º uso da Lei. E a separação das duas funções, leva a formulação de "códigos de con­duta" que nos afastam da contrição e do arrependimento diários e do contínuo retorno ao vivificante poder do Evangelho."
"Em face do exposto, perguntamos se a chamada "teologia evangélica" é realmente LUTERANA? Sem abordar temas como "Milenismo" e negação dos sacramentos como meios da graça, próprios de muitas "teologias evangélicas" queremos analisar algumas afirma­ções muito usadas, que pretendem se identificar com o "Sola Gratia e Sola Fide" mas que no fundo as negam na medida em que demonstram não serem dadas a justificação "por fé" e a salvação "de graça".
"Algumas das afirmações muito encontradas na teologia evangélica, tendem a separar justificação de santificação. Uma delas diz algo como: "Você chamou Cristo de Salvador; agora, pois, chame-o de Senhor." Tal afirmação pressupõe que possa haver fé sem uma correspondente mudança de vida. Pressupõe também que num momento o homem aceita o imerecido favor de Deus, e em outro, talvez depois de dias, ou de meses, ou de anos de lutas interio­res, ou como resultado de ardentes estudos e piedosas orações, o homem possa acrescentar: "Jesus também é meu Senhor!"
“Nós precisamos ver evidente o senhorio de Cristo em todas as partes da nossa vida, Nunca alcançaremos perfeição, nem faremos de Cristo Senhor das nossas vidas na extensão que de­sejamos e devemos. No entanto, nós o confessamos como nosso Se­nhor não só porque o confessamos Salvador, mas também quando o confessamos Salvador. Fé salvadora regenera (dá nova vida). Fé e obras não podem ser separadas. Fazê-lo, equivale a formar "clas­ses de cristãos"."
......
"Evangélicos gostam de falar em "cristãos carnais" e em "cristãos espirituais", ou ainda em cristãos "cheios do Espírito". Outros falam em "crentes" e em "discípulos". Essa terminologia entra no tratamento do problema do cristão como "velho homem" e "novo homem". É certo que a vida do cristão envolve uma constan­te luta para, no poder de Deus e na motivação do evangelho, expul­sar o velho homem por contrição e arrependimento diários. Nessa luta, é claro que um cristão é mais forte do que o outro; um alcança um nível de santificação mais elevado do que o outro; um é mais capaz de testemunhar, mais diligente no orar, mais liberal no ofertar e mais prestativo para com o vizinho do que o outro. Além disso, é verdade que o mesmo cristão, num momento se sente mais forte na sua fé do que em outro momento. Mas, em qualquer dessas situações, ele continua sendo cristão redimido. Ele não é diminuido para uma categoria inferior de "cristão carnal"."
FC, SD, II, 68.
"Assim sendo, não podemos falar em 3 categorias de pes­soas no mundo. Não podemos falar em "descrentes", "cristãos car­nais" e "cristãos espirituais"; ou em "ímpios", "crentes" e "dis­cípulos". Há só duas categorias: OS CRISTÃOS e os NÃO-CRISTÃOS; os que têm e os que não têm o Espírito Santo. A Bíblia diz: "Vos, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espí­rito de Deus habita em vós. E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele" (Rm 8.9). Nenhum cristão está sem o Espírito, e nenhum cristão tem o Espírito na medida plena. Apenas Jesus teve o Espírito sem medida."
"A referência do apóstolo Paulo em 1 Co 3.1 (como a carnais) refere-se à facção nessa Igreja composta de pessoas que agiam "carnalmente", Não é intenção de Paulo estabelecer diferen­ças entre cristãos de categorias mais ou menos elevadas. Como de­vemos ser cuidadosos para não encobrir a clara e maravilhosa men­sagem de que o homem é salvo pela graça de Deus somente, por cau­sa dos méritos de Cristo, nosso Senhor crucificado e ressuscita­do, e com isso negar o Evangelho como mensagem poderosa para pro­mover a vida!"
"Outra frequente expressão na literatura teológica evangélica que erra na distinção entre justificação e santificação, é esta que soa como a que segue: “Se você entregar a sua vida a Cristo, Deus perdoará os seus pecados!" 0 que é isto, senão fazer depender o perdão divino de nosso procedimento ou obras?"
"Na prisão de Filipos, Paulo e Silas não disseram ao carcereiro que ele entregasse a sua vida a Deus se quisesse ser salvo, no entanto a ação do carcereiro que levou os dois à sua própria casa e lhes lavou as feridas, atesta claramente a presen­ça dos frutos da fé salvadora em sua vida. Paulo e Silas apenas lhe haviam dito: "Crê no Senhor Jesus Cristo, e será salvo. . ." (At 16.31). - 0 pai do filho pródigo não atormentou o seu filho com perguntas sobre ele ter ou não ter tomado Deus em seu coração e em sua vida, mas simplesmente recebeu o obviamente arrependi­do filho."
FC, Ep, III, 20, 21; XII, 5.
“A teologia evangélica frequentemente também se apressa em exigir que se "ponha Cristo no trono de sua vida". Não há dú­vidas de que tal exortação tem lugar na área da santificação. A nossa decisão diária deve ser a de que Cristo esteja no trono da nossa vida, que ele possa ser aquele cujo amor por nós afeta a ma­neira como gastamos o nosso dinheiro, a maneira como nos portamos no círculo familiar, a maneira como escolhemos os amigos, a manei­ra como conduzimos os nossos negócios, e, enfim, a maneira como vivemos a nossa vida. No entanto, o quanto devamos ser cuidadosos para não usar tal exortação como tipo de requisito para merecer o favor de Deus, ou como algo que precede a fé salvadora, ou ainda como algo que se constitui em conversão.”
"A colocação errada dessa exortação aparece frequentemente na literatura evangélica, em formas semelhantes à seguinte:
No final de um capítulo, por exemplo, de uma carta do apóstolo Paulo, comentado em um livro didático, os estudantes são pergun­tados a responder o que devem fazer à base das palavras desse apóstolo. E então é sugerida a resposta da seguinte forma:
"O pecador deve vir á Cristo assim como ele é, mesmo que não tenha nada senão aversão a Deus em seu coração. Mas saiba que não tem outro refúgio para onde ir em busca de salvação. Um pregador genuíno do Evangelho mostrará a tal pessoa quão fácil é a sua sal­vação: Reconhecer um pecador perdido e condenado, incapaz de en­contrar a ajuda que procura, ele deve vir a Deus com o seu mau coração e a sua aversão a Deus e à lei de Deus; e Deus o recebe­rá como ele é. (,..) Do homem não é exigido tornar-se um ser di­ferente, não é exigido que se purifique, não é exigido que corri­ja á sua conduta antes de vir a Cristo. 'O único capaz de fazer do homem uma criatura melhor, é Jesus; e Deus o fará, simplesmente— quando o homem crê nele."
"Também é muito comum serem feitos apelos no sentido de decidir-se por. Cristo". Não há dúvidas de que a Bíblia está cheia de apelos por decisões: Josué, pouco antes de sua morte, con­clamou o povo de Deus a se decidir quando disse: "Escolhei hoje a quem sirvais..." (Dt 24.15). Jesus conclamou o povo à decisão, ao dizer: "Arrependei-vos e crede no evangelho!" (Mc 1.15). Pau­lo e Silas conclamaram o carcereiro de Filipos a decidir-se: "Crê no Senhor Jesus..." (At 16.31).
"Esses chamados a decisão, porem, não implicam em que o homem por seu próprio poder possa "escolher" ou "crer". Se qui­sermos - e queremos sem dúvida - manter o "Sola Gratia" em nossa teologia, então devemos estar convencidos de que não há nada no ho­mem que o capacite a receber a graciosa oferta de Deus, por seu próprio poder. Lutero explica isso claramente na explicação do Terceiro Artigo do Credo Apostólico. Estes chamados a decisão são a maneira de Deus criar no coração do homem a resposta que o ape­lo à decisão deseja. Não há três forças cooperando na salvação do pecador: o Espirito, a Palavra e o consentimento do homem. Há apenas duas forças, e essas são o Espírito e a Palavra."
"Este foi o tema central da controvérsia sinergista sur­gida logo após a morte de Lutero, Uma das mais fortes e claras afirmações das Confissões Luteranas esta no Segundo Artigo da Formula de Concordia, e ela elimina qualquer ideia de que o não con­vertido tenha vontade própria para decidir-se:" FC, SD, II, 7,
"A fé não salva porque é uma boa obra, mas porque se apossa da graça de Deus em Cristo. Vejamos mais uma vez o que di­zem os confessores luteranos:" FC, SD, III, 13.
"Evidentemente, o que até aqui foi dito, é polêmico. Era para ser polêmico mesmo. Mas não queremos terminar sem uma nota positiva. E a nota positiva é agradecer a Deus que a despeito da inconsistência encontrada entre muitos que querem preser­var a "justificação pela fé", enquanto confundem Lei e Evangelho, muitas almas tem sido levadas a Cristo através de seu ministério. Muitos, tendo ouvido da sua necessidade de Cristo, e tendo lhes sido apontada a cruz, tem sido convertidos de fato. O Espírito Santo limpou de suas almas toda a ideia de méritos próprios ou obras como causa de sua salvação."
"Antes de concluir, permitamo-nos apresentar cinco ob­servações sobre a matéria exposta aqui:
1.      Expressões que conectam a renovação da vida à nossa justificação, mesmo quando partem de quem quer manter o "Sola Gratia" e o "Sola Fide" não nos devem surpreender. A ideia de que o homem pode contribuir de alguma maneira, ainda que só pela sua von­tade em aceitar ou pela renovação de sua vida é extremamente atraente para todos nós. Isto é parte da "opinio legis" que fica apegada em nós durante toda a vida. Se conhecemos a astúcia do diabo, não sejamos ignorantes a respeito das artimanhas da nossa carne.
2.     Qualquer separação entre justificação e santificação, ou falha na distinção entre esses dois elementos, leva ao farisaísmo ou ao desespero. Farisaísmo nos diz que de fato "nós o fizemos" porque entregamos a nossa vida a Cristo, ou porque nós colocamos Cristo no trono de nossas vidas, ou ainda porque esta­mos "cheios do Espírito". Desespero é o resultado do exame do co­ração que revela a necessidade de confessar que ele não foi intei­ramente entregue a Cristo - porque ontem disse uma palavra torpe - e, por isso, a prometida graça de Deus não pode ser sua.
3.     O perigo desse tipo de erros, está precisamente na sua forma enganosa e de aparência bíblica. Se alguém nega que Cristo andou sobre a água ou que transformou água em vinho, isto é um erro teológico tão evidente que até mesmo um cristão menos instruído o detecta. No entanto, quando alguém vem com altos con­ceitos bíblicos e fala muito no nome de Cristo e até afirma que a justificação é pela fé somente, no entanto introduz elementos da santificação na área da justificação, o ouvinte, ou leitor inadvertido, facilmente cai nos velhos padrões da justificação por obras.
4.     É pequeno o passo entre os erros acima descritos e a armadilha do movimento carismático. Quando uma vez a experiên­cia de ser ou de se tornar cristão é super enfatizada e o caráter objetivo da teologia bíblica e minimizado, então é fácil procurar por "sinais" que confirmem a nossa "entrega" ou o nosso "colocar Jesus no trono da vida", ou ainda o nosso "estar cheios do Espírito Santo". Nós cremos que as promessas de Deus estão aí para nós, independentemente de estarmos em um alto grau de espiritua­lidade, ou simplesmente "dependurados entre céu e terra, como disse Lutero.
5.      Desde que o correto tratamento do princípio "Sola Scriptura, Sola Gratia e Sola Fide" implica em polêmica, devemos orar a Deus pedindo que nos capacite a resistir à semeadura do diabo das sementes do orgulho vão. 0 diabo tem dardos e lanças para todos. Se não somos tentados para o liberalismo, o somos para a ortodoxia morta. E se não perdemos o nosso "primeiro amor", o diabo nos tenta a confundir justificação e santificação. Se não for este o nosso caso, ele nos tentará, como aos nossos pais, ao entusiasmo ou aos extremos do movimento carismático. Sejamos, pois, diligentes no estudo da palavra de Deus e das Confissões Luteranas que a explica para podermos ser instrumen­tos de Deus Espírito Santo capazes da difusão da Palavra da Ver­dade."[xxxiii]

CONCLUSÃO
Lei e liberdade. Como aplicar esta doutrina na prega­ção, no aconselhamento, na educação, na evangelização, na mordo­mia? Como não sucumbir diante da tentação de pregar liberdade e lei? Como não sucumbir diante da tentação, de tornar o evangelho uma mensagem que conduz ao acomodamento e a morte espiritual? São grandes os desafios que enfrentamos. Queira Deus Espírito Santo nos orientar pela sua palavra para não sucumbirmos às tenta ções, mas mantermos viva sua mensagem para salvação de muitos.

BIBLIOGRAFIA
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Sommerlath, Ernst. "Gesetz und Evangelium", in Luthertum. Heft 17. Berlin: Lutherisches Verlagshaus, 1955.
Walther, C. F. W, Lei e Evangelho. Tradução de Wilson Scholz. P. Alegre: Concordia S.A. 1977.

I
1.  Qual é, segundo a Carta aos Gálatas, o verdadeiro propósito da lei? Justifique sua resposta com textos da Carta.
2.    A partir do que é dito na Carta aos Gálatas, qual, pode-se di­zer, é a melhor sequência para apresentar a verdadeira doutri­na cristã: a) lei e evangelho; b) evangelho e lei; c) Lei, evangelho, lei. Justifique sua opção e a rejeição das outras sugestões.
3.    Por que Lutero enfatiza tanto o amor como elemento chave no cumprimento da lei?
4.    Como responder, na teoria e na prática, a acusação de que a doutrina da justificação pela fé somente leva a uma vida cris­tão acomodada e dissoluta?
5.    Amor é lei ou evangelho?
6.    Que cuidados deveríamos ter em nossa pregações para erigir congregações onde os membros vivem uma vida santificada?




[i] Martinho Lutero, Pelo Evangelho de Cristo. Tradução de Walter O. Schlupp (PORTO Alegre, S. Leopoldo: Concórdia Editora Ltda, Editora Sinodal, 1984), p. 184.
[ii] Giovani Giavini, Gálatas – Liberdade e Lei na Igreja, Tradução de José Maria de Almeida (São Paulo: Edições Paulinas, 1987), PP. 5-6.
[iii] Martin H. Franzmann, The Word Of The Lord Grows, (St. Louis: Concordia Publishing House, 1961), pp. 52-54.
[iv] Idem, Ibid., pp. 55-59.
[v] Martin Luther, Die Anfänge, in Luther Deutsch, Editado por Kurt Aland (Stutgart, Göttingen: Eherenfried Klotz Verlag, Vandenhoeck & Ruprecht, 1969), I, pp. 265-266.
[vi] Idem, Ibid., pp. 266-267.
[vii] Idem, Ibid., p. 267.
[viii] Idem, Ibid., p. 267.
[ix] Idem, Ibid., p. 268.
[x] Idem, Ibid., p. 268-269.
[xi] Idem, Ibid., p. 269.
[xii] W. M. Oesch, “De Tertio Uso Legis”, Lutherische Rundblick, IV (Juni, 1956), pp. 25-26.
[xiii] João Calvino, As Institutas, tradução de Waldyr Carvalho Luz (S. Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), II, 122.
[xiv] Idem, Ibid., p. 123.
[xv] Idem, Ibid., p. 123-124.
[xvi] Idem, Ibid., p. 190-191.
[xvii] Werner Elert, Ein Lehrer der Kirche, Editado por Max Keller-Höschemenger (Berlin und Hamburg: Lutherisches Verlagshaus, 1967), p. 54.
[xviii] Karl Barth, Dádiva e Louvor, (São Leopoldo> Editora Sinodal, 1986), p. 217.
[xix] Idem, Ibid., p.225.
[xx] Werner Elert, Ein Lehrer der Kirche, editado por Mas Keller-Hüschemenger (Berlin und Hamburg: Lutherisches Verlagshaus, 1967), p. 54.
[xxi] Idem, Ibid., pp. 55-57.
[xxii] A. Doerffler e Wm. H. Eifert, Conheça a Verdade, Tradução de Martinho Sander (Porto Alegre: Concórdia Ltda., 1982), p. 16.
[xxiii] Crescendo em Cristo, Tradução de Paulo Hasse (Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1971), p. 115.
[xxiv] Catecismo Menor (Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1938), p. 68.

[xxvi] Livro de Concórdia, Tradução de Arnaldo Schüler (Porto Alegre e São Leopoldo: Editora Concórdia e Editora Sinodal, 1980), pp. 607-608.
[xxvii] Paul Althaus, The Ethics of Martin Luther, translated by Robert C. Schultz (Philadelphia: Fortress Press, 1972), pp. 3-5.
[xxviii] Idem, Ibid., pp. 5-9.
[xxix] Idem, Ibid., pp. 9-10.
[xxx] Idem, Ibid., pp. 10-16.
[xxxi] Idem, Ibid., pp. 19-24.
[xxxii] Carl Barth, “Cardinal Principles of Lutheranism and ‘Evangelical Theology’”, in Concordia Journal (March, 1981), pp. 50-57
[xxxiii] Paulo K. Jung, “Teologia e Teologias”, Trabalho apresentado em uma Reflexão Teológica no Instituto Concórdia de São Paulo, em outubro de 1985.

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