1.
;.Apresentação
"O povo desta região precisa de lei. Ainda não
está maduro para muito evangelho". Esta
frase talvez esteja se tomando perigosamente comum numa igreja que se louva de
ser evangélica.
Quando pregadores e lideres sentem que nas suas igrejas
há pobreza de frutos na vida do povo de Deus, geralmente concluem:
- as
pessoas estão resistindo à pregação
- é
preciso ser mais claro em mostrar o quanto Deus se importa com os frutos da fé.
Walter
lê a escritura na contramão deste raciocínio:
- o
doce evangelho ainda não foi pregado suficientemente
- o que
importa é o doce evangelho
A leitura de Lei e Evangelho deixa o pregador diante de
uma questão assustadoramente simples. Não existe solução de compromisso ou
intermediária para o pregador, para a pessoa que participa no ofício da pública
proclamação da Palavra de Deus: Ou somos mensageiros do Evangelho ou não somos
mais pregadores cristãos.
Parece irrisório dizer que evangelho só é loucura
quando é evangelho. O autor leva-nos de raciocínio em raciocínio a admitir que
nem tudo que soa ou se proclama como sendo evangelho, é, de fato, evangelho. O
autor desafia os pregadores ao dizer que uma pregação, mesmo que seja bíblica e
ortodoxa, pode, no entanto, não ser cristã.
Uma das armadilhas mais freqüentes está em que as
necessidades estruturais das igrejas, que às vezes implicam a própria ameaça à
sobrevivência das igrejas, facilmente produzem uma teologia de resultados.
Por isso, a pregação do evangelho fica freqüentemente
reduzida à simples repetição dos fatos da salvação. Enquanto que a aplicação
desta verdade à vida das pessoas é feita sem evangelho, deixando nos ouvintes
a impressão de que sua salvação está incompleta porque ou enquanto não
atingirem tais ou tais padrões visionados pelo pregador.
Pobres das pessoas que, filiadas a uma congregação
cristã, se sentem rejeitadas pelo pastor e pela liderança em razão dos
"pecados" cometidos contra tais normas e para quem o evangelho somente
é oferecido na condição de se submeterem ao grupo dominante da Igreja.
Infelizmente, em muitos casos, o povo luterano, que
está tão próximo da fonte pura do evangelho ensinada nos seus seminários e nos
cursos que a igreja administra, é mantido
à distância dessa fonte por práticas legalistas que se insinuam sob disfarces
piedosos e entusiasmados de salvação da igreja.
O pietismo, com o seu legalismo, e tantos
"ismos" obscureceram ao longo do tempo a luz do Evangelho.
Lutero dizia que daria de bom grado o título de Doutor
a quem soubesse distinguir Lei e Evangelho. Walter acrescenta: "Tão preciosa
é esta distinção que tanto mais cresce o meu receio de não ter estado à altura
do tema. Quanto mais medito sobre o assunto, mais pobres me parecem as palavras
para apresentá-lo ... Por isso, entremos na Escritura Sagrada e sejamos
convencidos de que em tudo o evangelho deve ter a dominância."
A reedição deste material era uma necessidade para uma
igreja que se proclama confessional. Temos a certeza de que será bem vindo a
pregadores, educadores e líderes cristãos.
Acompanhamos a reedição de uma leitura da edição completa.
Visando facilitar a leitura e utilização do material editamos à margem da
página citações e resumos que permitam rápida visualização do tema e do
raciocínio em cada tese.
Citações e observações extraídas da edição alemã: DIE
RECHTE UNTERSCHEIDUNG VON GESETZ UND EVANGELIUM, Saint Louis, 1946 são
identificadas como: Gesetz u. Evangelium, e respectiva página; da mesma forma,
da edição em língua inglesa THE PROPERDISTINCTIONBETWEENLAW AND GOSPEL, 14aEDIçÃO,
Concordia Publishing House, St. Louis, MO.1986 as citações são identificadas
como: Law and Gospel, e respectiva página. As citações da Bíblia são da 2ª Edição
Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
O Editor
INTRODUÇÃO
A Correta Distinção entre Lei e Evangelho é um conjunto de preleções de C. F. W. Walther, que
foram estenografadas e transcritas por estudantes seus. Walther proferiu-as,
entre 12 de setembro de 1884 e 6 de novembro de 1885, nas reuniões das
sextas-feiras à noite denominadas Momentos com Lutero. Walther, na qualidade de
professor de teologia do Concórdia Seminary, St. Louis, julgava que era
responsabilidade sua, não somente explicar o significado das doutrinas das
Sagradas Escrituras a seus alunos, mas também fazer com que a doutrina
penetrasse em seus corações para que, no exercício do ministério, se
apresentassem como testemunhas vivas com uma manifestação do Espírito e de
poder.
Walther abordou uma variedade de temas nas preleções
dos Momentos com Lutero. Falou sobre a Inspiração das Escrituras, a Veracidade
da Religião Cristã, Sociedades Secretas, Justificação, Predestinação e
Justificação, a Grande Confissão concernente ao Bendito Sacramento de Lutero e
abordou, também, A Correta Distinção entre Lei e Evangelho em duas
séries de preleções. A primeira série sobre lei e evangelho foi apresentada em
1878 e reunia 13 teses. Essa série foi publicada em 1893. A segunda reunia 25
teses e foi publicada em 1897. W. T. T. Dau traduziu esta última para o inglês,
e a publicação saiu em 1929. O presente livro é uma condensação da tradução de
Dau.
Carl Ferdinand Wilhelm Walther preparava
cuidadosamente o assunto que estava por apresentar. E se ele já era cuidadoso
no preparo de uma palestra, muito mais cuidadoso ainda era, quando se tratava
de um trabalho a ser impresso. No preparo do material a ser impresso, ele
remodelava o que havia sido apresentado oralmente, de modo que o leitor recebia
realmente o melhor. Visto A Correta Distinção entre Lei e Evangelho ter
sido publicado após sua morte, Walther não teve oportunidade de remodelar suas
preleções e prepará-las para o prelo como era de seu feitio. Se isso tivesse
sido possível, o estilo da obra certamente seria outro. Muito do material
contido nesta obra foi dito de improviso,
dirigido às pessoas que lhe eram chegadas. Dau afirma no Prefácio e Introdução
de sua tradução da obra: "Outrossim, é plenamente aceitável uma maior
liberdade, ou até mesmo uma certa espontaneidade, quando um professor amado, já
idoso, se dirige a um auditório constituído quase que inteiramente por
estudantes seus". Nesse sentido, somos duplamente recompensados:
familiarizamo-nos com Walther, o pastor de estudantes de teologia, bem como com
a sua teologia propriamente dita.
A importância da correta distinção entre lei e
evangelho demonstra-se no fato de Walther ter proferido duas séries de
palestras sobre o assunto, na publicação de ambas as séries, e na tradução da
última para o inglês. A repercussão que teve A Correta Distinção entre Lei e
Evangelho não é fácil de ser avaliada; contudo, todos os que citam as
dádivas de Walther à igreja incluem esta obra. Pode-se, inclusive, afirmar que
esta foi sua maior dádiva à igreja, visto que, dentro do luteranismo, a prática
pastoral na pregação, no aconselhamento e na avaliação da missão da igreja tem
emanado da compreensão da correta distinção entre lei e evangelho.
A Correta Distinção entre Lei e Evangelho, da autoria de F. W. Walther, é um clássico; condensá-lo
é arriscado. Assumimos este risco na esperança de tomar esta obra conhecida a
um público maior, pois ela fornece muitos critérios e corretivos inusitados.
Esta condensação objetiva reavivar o interesse pela obra completa. Para isso,
fizemos com que o próprio Walther falasse, eliminando assim, as extensas
citações das Confissões Luteranas, Martinho Lutero e dogmáticos. Já que esta
obra é produto de preleções apresentadas nos Momentos com Lutero, a maioria das
citações extrabíblicas são de Lutero. Visando a unificar a apresentação das diversas
teses, eliminamos a divisão original por matéria que integraria a explicação
de cada uma das teses, procuramos reter aquilo que se relacionava mais
diretamente com a tese em questão.
LEI E EVANGELHO
1ª
TESE
O conteúdo doutrinário de toda a Escritura Sagrada,
tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, é constituído por duas doutrinas
essencialmente distintas entre si: a lei e o evangelho.
2ªTESE
Para ser um teólogo ortodoxo, não basta que se exponham
todos os artigos de fé em concordância com as Escrituras; é necessário,
também, saber diferenciar corretamente lei e evangelho.
3aTESE
Distinguir corretamente lei e evangelho é a mais
difícil e a suprema arte que se apresenta aos cristãos em geral e, em especial,
aos teólogos. Essa arte é ensinada exclusivamente pelo Espírito Santo, na
escola da experiência.
4aTESE
Conhecer bem a diferença entre lei e evangelho não é
apenas maravilhosa luz para a correta compreensão de toda a Escritura Sagrada;
mais do que isso: sem esse conhecimento, a Escritura é e continua sendo livro
selado.
5ªTESE
A primeira -
bem como a mais grosseira e mais facilmente reconhecível· confusão entre
lei e evangelho é aquela em que, a exemplo de papistas, socinianos e
racionalistas, se encara Cristo como um novo Moisés, um legislador, e se
transforma o evangelho em doutrina de obras meritórias ao mesmo tempo em que,
como fazem os papistas, condenam-se e amaldiçoam-se os que ensinam que o
evangelho é a mensagem da graça ilimitada de Deus em Cristo.
6aTESE
Em segundo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente,
quando a lei deixa de ser pregada em todo seu rigor e o evangelho, em toda sua
doçura; quando, ao contrário, componentes do evangelho são adicionados à pregação da lei, e componentes da lei são adicionados
ao evangelho.
7ªTESE
Em terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o evangelho é pregado antes da lei; a santificação antes
da justificação; a fé antes do arrependimento; as boas obras antes da graça.
8ªTESE
Em quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando a lei é pregada aos que já estão atemorizados em relação
a seus pecados, ou quando o evangelho é pregado aos que vivem tranqüilamente em
seus pecados.
9ªTESE
Em quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando, ao invés da palavra e dos sacramentos, se indica o
caminho das orações e lutas com Deus aos pecadores que foram atingidos e
atemorizados pela lei, para que, desta maneira, alcancem o estado da graça. Em
outras palavras: quando lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até
sentirem que Deus os recebeu em sua graça.
10ªTESE
Em sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o pregador descreve a fé de um modo que dá a entender que
uma mera aceitação passiva de certas verdades justifica e salva, porque produz
amor e transforma a vida das pessoas.
11ªTESE
Em sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando se pretende apresentar o consolo do evangelho somente
àqueles que estão contritos pela lei, porque amam a Deus e não porque temem o
furor e o castigo de Deus.
12ªTESE
Em oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o pregador descreve a contrição, ao lado da fé, como sendo
a causa do perdão dos pecados.
13ªTESE
Em nono lugar, a palavra
de Deus não é aplicada corretamente, quando, ao invés de procurar criar a fé no
coração de alguém, apresentando as promessas do evangelho, se faz um apelo à fé
que dá a atender que o homem pode dar a fé a si mesmo, ou, ao menos, cooperar
para que tal aconteça.
15aTESE
Em décimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente, quando o evangelho é transformado em pregação de
arrependimento.
16aTESE
Em décimo segundo lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente, quando se prega que o abandono de certos vícios e a
prática de certas obras piedosas e virtudes são prova suficiente de que se está
verdadeiramente convertido.
17aTESE
Em décimo terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando se faz uma descrição da fé, no que diz respeito a sua
firmeza, conscientização e operosidade, que não se adapta a todos os cristãos
em todas as épocas.
18a
TESE
Em décimo quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando a corrupção universal da humanidade é descrita de um modo
tal, que causa a impressão de que mesmo os crentes fiéis ainda vivem sob o
domínio do pecado e pecam intencionalmente.
19aTESE
Em décimo quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o pregador se refere a determinados pecados como sendo
não-condenáveis em si, mas sim, de natureza venial.
20a
TESE
Em décimo sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando se faz com que a salvação de uma pessoa dependa de sua
filiação a uma igreja ortodoxa visível, e quando se nega a salvação a todo
aquele que erra em qualquer um dos artigos de fé.
21ªTESE
Em décimo sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente,
quando se ensina que os sacramentos agem salvificamente ex opera operato, isto é, pelo simples levar a efeito extremo de um ato
sacramental.
22ªTESE
Em décimo oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente,
quando se faz uma falsa distinção entre despertamento e conversão, e quando se
confunde o NÃO PODER crer com o NÃO PERMITIR que se creia.
23ªTESE
Em décimo nono lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente,
quando se procura, por meio das exigências, ameaças ou promessas da lei,
induzir a pessoa não-convertida a que abandone a prática do pecado e se
dedique à
prática de boas obras para que,
desta maneira, se torne pessoa piedosa; por outro lado, situação idêntica
ocorre, quando se procura levar o renascido a fazer o bem, apresentando-lhe as
ordenanças da lei ao invés das admoestações do evangelho.
24ªTESE
Em vigésimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente,
quando o imperdoável pecado contra o Espírito Santo é descrito como sendo
imperdoável devido à
sua grandeza.
25ªTESE
Em vigésimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando aquele que ensina a palavra de Deus não permite que o
evangelho tenha predomínio geral neste seu ensino.
A
CORRETA DISTINÇÃO ENTRE LEI E EVANGELHO
Vocês certamente desejam tornar-se mestres competentes
no exercício de sua atividade em nossas congregações e escolas. Para tanto, é
absolutamente necessário que tenham um conhecimento bem detalhado de todas as
doutrinas da revelação cristã. Contudo, além e acima de seu conhecimento das
doutrinas, é necessário que vocês saibam como aplicá-las corretamente. Um mero
conhecimento intelectual das doutrinas não basta; todas elas devem ter
penetrado profundamente em seus corações e manifestado ali seu poder divino,
celestial. Todas estas doutrinas devem ter-se tornado tão preciosas, tão
valiosas, tão caras para vocês, a ponto de não poderem deixar de, com o coração
ardente, unir suas vozes à de Paulo, dizendo: "nós cremos, por isso
também falamos", e à de todos os apóstolos: "Nós não podemos deixar
de falar das coisas que vimos e ouvimos".
Dentre todas as doutrinas, a mais importante é a
doutrina da justificação. Contudo, em segundo lugar, na ordem de importância,
está a arte de fazer separação entre lei e evangelho.
Lutero diz que estaria disposto a dar o maior destaque
entre os demais e que daria o título de doutor das Sagradas Escrituras àquele
que entende bem a arte de distinguir entre lei e evangelho. Não gostaria de que
pretendo colocar-me acima de todos os demais e ser considerado doutor das Sagradas
Escrituras. Quanto a mim, desejo permanecer na condição de humilde discípulo e
sentar aos pés do Dr. Lutero, para aprender dele esta doutrina do mesmo modo
como ele a aprendeu dos apóstolos e profetas.
Comparando a Escritura Sagrada com outros escritos,
observamos que não existe livro aparentemente tão cheio de contradições como a
Bíblia. E isto não apenas em questões de somenos importância, mas precisamente
na questão principal: na doutrina de como chegar a Deus e ser salvo. Numa
ocasião, a Bíblia oferece perdão a todos os pecadores. Em determinada passagem
bíblica, oferece-se vida eterna gratuita a todos os homens; numa outra, diz-se
que eles mesmos devem fazer algo para serem salvos. Esse enigma é decifrado,
quando nos damos conta de que as Escrituras contêm duas doutrinas
completamente diferentes entre si: a doutrina da lei e a doutrina do evangelho.
1ª TESE
O conteúdo doutrinário de toda a Escritura Sagrada ,
tanto do Antigo quanto do Novo Testamentos, é constituídos por duas doutrinas
essencialmente distintas entre si: a lei e o evangelho
{Tanto a lei como o Evangelho prometem vida e
salvação}
A diferença entre a lei e o evangelho não consiste em
que o evangelho é uma doutrina divina e a lei, uma doutrina humana. De forma
alguma; tudo o que a Escritura contém no que diz respeito a qualquer uma das
duas doutrinas, é a palavra do próprio Deus vivo.
A diferença também não está no fato de que apenas o
evangelho é necessário, e a lei não, como se a última fosse mero acréscimo que
pode ser dispensado. Ambos são igualmente necessários. Sem a lei não se
compreende o evangelho; sem o evangelho, de nada nos aproveita a lei.
Igualmente é inadmissível afirmar-se que a diferença
está em que a lei é a doutrina do Antigo Testamento. Há evangelho no Antigo,
bem como há lei no Novo Testamento.
A lei e o evangelho também não diferem entre si quanto
ao aspecto de seu objetivo último, como se o evangelho visasse à salvação do
homem e a lei, à sua condenação. Tanto a lei quanto o evangelho têm como
finalidade última a salvação do homem; apenas que a lei, desde a queda, não
mais nos pode conduzir à salvação; ela pode apenas preparar-nos para a mensagem
do evangelho. Outrossim, é através do evangelho que recebemos a capacidade de
cumprir a lei, até certo ponto.
De modo idêntico, não podemos estabelecer uma
diferença entre ambas as doutrinas, afirmando que a lei e o evangelho se
contradizem mutuamente. Não existem contradições na Escritura. Cada uma é
distinta da outra, mas ambas estão na mais perfeita harmonia entre si.
Por fim, a diferença não é esta de que somente uma
destas doutrinas atinge os cristãos. Mesmo para o cristão, a lei ainda tem sua
razão de ser. Na verdade, quando alguém deixa de empregar qualquer uma destas
duas doutrinas, deixa de ser fiel à fé cristã.
Lei
e evangelho diferem realmente nos seguintes aspectos:
1. Estas duas doutrinas diferem no que diz respeito à maneira
em que são reveladas ao homem;
2. No que diz respeito ao seu conteúdo;
3. No que diz respeito às promessas que cada uma
faz;
4. No que diz respeito às suas ameaças;
5. No que diz respeito à função e ao efeito de
cada uma;
6. No que diz respeito às pessoas às quais, ou
esta, ou aquela doutrina, deve ser pregada.
1. Em primeiro lugar, lei e evangelho diferem no que
diz respeito à maneira em que são revelados ao homem. O ser humano foi criado
com a lei inscrita em seu coração. Em virtude da queda em pecado, essa inscrição da lei no
coração foi apagada em grande parte, contudo não totalmente. Pode-se pregar a
lei ao maior pagão que habita a face da terra e, em resposta, sua consciência
lhe dirá: “isto é verdade”. Mas, ao se lhe pregar o evangelho, sua consciência
não mais lhe responderá o mesmo. A pregação do evangelho pode, isto sim,
"enfurecê-lo”. O viciado da pior espécie admite que ele deveria fazer o
que está escrito na lei. Por que isto é assim? Porque alei está inscrita em seu
coração. A situação muda, quando se prega o evangelho. O evangelho revela e anuncia atos que
Deus, em sua graça, faz livremente; e estes não são evidentes
por si mesmos. O que Deus fez de acordo com o evangelho ele não estava obrigado a fazê-lo.
{1 Revelação ou raciocínio natural. -
Importante conferir apologia, Art. 4. § 7 a 11: O ser humano raciocina
com a lei e desconhece tudo do evangelho. Isto explica porque as igrejas
cristãs (clero e leigos) tão facilmente escorregam em leis e regulamentos ao
invés de acreditar no poder transformador do evangelho .}
2. O segundo aspecto em que lei e
evangelho diferem é o conteúdo de cada doutrina. A lei nos diz o que devemos
fazer. O evangelho revela-nos apenas o que Deus está fazendo. A lei refere-se
às nossas obras; o evangelho, às grandes obras de Deus. Na lei, confronta-nos a
intimação que se repete dez vezes: "não ..." O evangelho, por seu
turno, constitui-se puramente de promessas. O evangelho não contém outra coisa
senão graça e verdade!
3. Lei e evangelho diferem, em
terceiro lugar, em virtude de suas promessas. A lei promete as mesmas coisas
grandiosas que o evangelho: vida eterna e salvação. Mas, neste ponto, somos
confrontados com uma enorme diferença: todas as promessas da lei são feitas
sob a condição de a cumprirmos em todos os seus aspectos. Logo, as promessas da
lei são as mais desalentadoras, por maiores que sejam. A lei nos oferece alimento,
contudo coloca-o fora de nosso alcance. Ela de fato nos diz: "Vou matar a
sede e a fome de sua alma". Mas ela é
incapaz de tomar isto realidade, porque sempre adiciona a seguinte condição:
"Você vai ter tudo isso, se fizer o que eu ordeno".
Acima e contraposta à voz da lei, está a do evangelho. Este nos promete a graça de
Deus e a salvação sem impor condição de espécie alguma. É uma promessa de graça
incondicional. Ele requer de nós nada além disto: "Aceite o que eu ofereço
e você o terá". Essa não é uma condição que se impõe, mas sim um convite
amável.
{Promessas: Todas as promessas da lei são feitas sob a
condição de a cumprirmos.
A lei só promete condicionalmente: Você vai ter tudo
isso, se fizer o que ordeno.}
4.A quarta diferença entre lei e evangelho diz respeito
a ameaças. O evangelho não contém ameaças de espécie alguma; apenas palavras
de consolo. Sempre que, na Escritura, você se confrontar com uma ameaça, esteja
certo de que esta passagem enquadra-se na lei, pois a lei não é outra coisa
senão ameaças.
5.0 quinto aspecto diferencial entre lei e evangelho
diz respeito aos efeitos dessas duas doutrinas. O efeito da pregação da lei é
tríplice. Em primeiro lugar, ela nos diz o que devemos fazer, contudo não nos
capacita a atender a suas exigências; ela faz, isto sim, com que fiquemos mais
contrariados ainda em relação ao que ela exige de nós.
Em segundo lugar, a lei revela os pecados do homem, mas
não lhe oferece ajuda para se ver livre deles e, deste modo, leva-o ao
desespero.
Em terceiro lugar, a lei efetua contrição. Ela faz
passar diante de nossos olhos todo o terror do inferno, da morte, da ira de
Deus. mas não tem absolutamente nada de conforto para dar ao pecador.
Os efeitos do evangelho, de natureza completamente diversa,
são os seguintes: em primeiro lugar, quando o evangelho requer fé, ele nos oferece e
dá esta fé no próprio ato de requerer. Quando pregamos ao povo: "Creiam no
Senhor Jesus Cristo", Deus, através do nosso pregar, lhes dá a fé. Nós
pregamos a fé, e todo aquele que não se opõe deliberadamente, obtém fé.
O segundo efeito do evangelho é que ele, de maneira nenhuma,
censura o pecador, antes afasta dele todo o terror, todo o medo, toda
ansiedade, enchendo-o de paz e alegria no Espírito Santo.
Em terceiro lugar, o evangelho não exige que
o homem apresente algo de bom: um bom coração, um bom caráter, uma melhora em
seu modo de ser, religiosidade, amor a Deus e aos homens. Nada disso. O
evangelho não emite ordens, mas muda o homem. Ele implanta o amor em seu
coração e capacita-o para todas as boas obras. Ele não exige nada; ele dá
tudo.
{Efeitos: Oferecer o evangelho tem como efeito criar a
fé no evangelho.
Este é o efeito que um sermã cristão deve trazer sem
restrições.}
Finalmente, o sexto aspecto em
que lei e evangelho diferem entre si, relaciona-se às pessoas às quais deve
ser pregada cada uma das doutrinas. As pessoas sobre as quais cada doutrina
deve agir, bem como a finalidade deste agir, são completamente diferentes. A
pregação da lei se dirige a pecadores impassíveis no pecado; a do evangelho, a
pecadores atemorizados. Em outras circunstâncias, é de fato necessário que se
preguem ambas as doutrinas, mas, neste momento, a pergunta é: A quem deve ser pregada a lei antes do evangelho?
e vice-versa.
1 Tm 1.8-10: Sabemos, porém,
que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, tendo em vista que
não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes,
irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas,
homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para
tudo quanto se opõe à sã doutrina. Enquanto um indivíduo vive
tranqüilamente em pecado, enquanto se recusa a abandonar determinado pecado,
deve-se-lhe pregar somente a lei, que o amaldiçoa e condena. Mas, no momento em
que ele é atemorizado nesse seu estado,
imediatamente deve ouvir o evangelho; pois, a partir desse momento, ele não
pode mais ser incluído no rol dos pecadores impassíveis. Portanto, enquanto o
diabo mantiver você seu prisioneiro, por um único pecado que seja, o evangelho
ainda não poderá agir sobre você; o que você precisa ouvir é a lei.
A pecadores miseráveis ,abatidos
- eu repito - não se deve pregar nada da lei. Ai do pregador que insistisse
em pregar a lei a um pecador desesperado! Tal pecador, ao contrário, precisa
ouvir palavras como estas: "Venha! Ainda há lugar! Não importa quão
pecador você seja, ainda há lugar para você. Mesmo que você seja um Judas ou um
Caim, ainda há lugar. Venha, sim, venha a Jesus!" Indivíduos nesta situação
são o alvo correto para a ação do evangelho.
2ªTESE
Para ser um teólogo ortodoxo, não basta que se exponha
todos os artigos de fé em concordância com as Escrituras; é necessário, também,
saber diferenciar corretamente lei e evangelho.
Esta tese compõe-se de duas partes. A primeira parte
constata um requisito de um teólogo ortodoxo: é necessário que ele exponha
todos os artigos de fé em concordância com a Escritura.
A Escritura requer de nós que conservemos a palavra de
Deus absolutamente pura e inadulterada e que sejamos capazes de dizer,
descendo do púlpito: "Eu poderia jurar que preguei a palavra de Deus
corretamente. Mesmo a um anjo vindo do céu eu poderia declarar: Minha pregação
foi verdadeira". Isso explica a estranha observação de Lutero de que um
pregador não deve orar o Pai-Nosso ao descer do púlpito, mas sim, deveria
fazê-lo antes do sermão. Pois um pregador ortodoxo não tem motivos para, após a
exposição de seu sermão, orar: 'Perdoa-me
as minhas dívidas', uma vez que ele
pode afirmar: "Eu anunciei a verdade genuína".
Apesar de alguém de fato poder afirmar: "Meu
sermão não continha nenhuma heresia", é possível que todo o seu sermão
tenha sido falso. A segunda parte de nossa tese afirma isso. Teólogo ortodoxo
somente é aquele que, além de outros requisitos necessários, sabe diferenciar
corretamente lei e evangelho. Esse é o critério decisivo para avaliar-se um
bom sermão. O valor do sermão não consiste apenas em que cada afirmação é
tirada da escritura e está concorde com ela, mas também no poder-se afirmar que
lei e evangelho estão sendo diferenciados corretamente.
{Apesar de não haver heresia o sermoa como um todo
pode ter sido falso por não buscar o objetivo de um sermão cristão.}
Pregar o evangelho àqueles que nada temem em relação a
seus pecados implica aplicá-lo de modo incorreto. Por outro lado, situação
muito mais terrível é aquela em que o pastor, um teólogo legalista, se recusa
pregar o evangelho à sua congregação, argumentando: "Essa gente, de
qualquer maneira, vai fazer mau uso dele". Isso é motivo suficiente para
se negar o evangelho aos infelizes pecadores? Que sucumbam os perversos; não
obstante, os filhos de Deus devem saber quão próximo deles existe socorro e
quão facilmente pode ser alcançado. Todo aquele que recusa o evangelho aos que
necessitam de consolo, falha no separar lei e evangelho.
{Situação muito mais terrível
é aquela em que o pastor, um teólogo legalista se recusa pregar o evangelho à
sua congregação, argumentando: “Essa gente, de qualquer maneira, vai fazer mau
uso dele”.}
3ªTESE
Distinguir corretamente lei e evangelho é a mais
difícil e a suprema arte que se apresenta aos cristãos em geral e, aos
teólogos. Esta arte é ensinada exclusivamente pelo Espírito Santo, na escola da
experiência.
{É fácil assimilar a doutrina da
lei e do evangelho. A sua aplicação prática, entretanto, apresenta as
dificuldades que somente o Espírito Santo pode transpor na escola da
experiência.}
Esta tese não pretende dizer que
a doutrina da lei e do evangelho é tão difícil, a ponto de não se poder
assimilá-la sem a ajuda do Espírito Santo. Ela é fácil - tão fácil que até
mesmo as crianças podem aprendê-la. Entretanto, o que estamos considerando
agora é a aplicação e o emprego dessa doutrina. A sua aplicação prática apresenta
dificuldades impossíveis de serem vencidas no campo da pura reflexão racional.
É necessário que o Espírito Santo, na escola da experiência, ensine essa arte
aos homens. As dificuldades em dominá-a confrontam o pastor, em primeiro
lugar, na vivência do seu cristianismo; em segundo lugar, no exercício do seu
ministério.
Em primeiro lugar, a correta
distinção entre lei e evangelho apresenta-se como uma arte difícil e grandiosa
para o pastor no campo de seu cristianismo pessoal. De fato a correta diferenciação
entre lei e evangelho é a arte suprema a ser aprendida.
Salmo 51.10,11:
Cria em mim, Ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim um espírito inabalável. Não me
repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Davi pede que Deus lhe dê um espírito reto. Tendo
pecado vergonhosamente, derramando sangue inocente e cometendo adultério,
Davi perdeu de vista a certeza da graça de Deus. Na verdade, ele recebeu a
absolvição, quando, em arrependimento, reconheceu seu pecado. Contudo, não há
indício de que, em seguida, a alegria voltou a inundar seu ser. Ao contrário,
muitos dos seus salmos demonstram claramente que ele estava em grande miséria
e aflição. Quando o mensageiro de Deus lhe disse: "O Senhor perdoou o seu
pecado", seu coração suspirou, "Ah, não! Isso é impossível".
Esse nobre rei e profeta conhecia muito bem a doutrina de lei e evangelho. Seus
salmos estão repletos de alusões à distinção entre ambos. Entretanto, quando
ele pessoalmente caiu em pecado, faltou-lhe aptidão prática para aplicar este
seu conhecimento. Ele clamou: "Cria em mim um espírito novo e reto"
.
Em Lucas 5.8, Vendo isto,
Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim,
porque sou pecador. O Senhor ordenou ao discípulo a quem denominara de
"Petros", homem-rocha, e a seus companheiros de ofício que lançassem
suas redes no local onde o lago é mais fundo, apesar de terem trabalhado toda
noite sem sucesso. Pedro concordou, apesar de não alimentar esperança alguma.
Mas, eis que apanharam tantos peixes, que as redes não resistiram.
Imediatamente o temor se apodera de Pedro. Ele raciocina. "Este que falou
comigo certamente é o próprio Deus Todo-Poderoso. Certamente é meu Criador. Um
dia será meu Juiz!" Pedro cai aos pés de Jesus, dizendo: "Senhor,
retira-te de mim, porque sou pecador" Ele espera que o Senhor lhe diga:
"Considere seus inúmeros pecados. Você merece morte e condenação
eterna". Donde provinha esse terror de Pedro? Por que ele não agradeceu a
Jesus, quando caiu a seus pés? Pela simples razão de que seus muitos pecados
lhe vieram à mente e, nessa condição, não lhe foi possível expressar seu
agradecimento de louvor. Em conseqüência disso, trêmulo, ele caiu de joelhos e
dirigiu a seu Senhor e Salvador aquelas terríveis palavras: "Retira-te de
mim". O diabo privou-o de todo o consolo e cochichou, em seu ouvido, que
se dirigisse a Jesus nesses termos. Do Senhor ele não esperava outra coisa
senão a morte. S Foi incapaz de distinguir lei e evangelho. Se tivesse sido
capaz de fazer isso, ter-se-ia aproximado de Jesus com alegria, relembrando
que todos os seus pecados tinham sido perdoados.
{Muitos pregadores, também, têm
dificuldades em oferecer o evangelho a seus ouvintes porque ainda não o
assimilaram na sua vida pessoal. Tanto
evitam o confronto com os próprios pecados como têm visão superficial do
perdão de Deus. Ou se tornam legalistas, ou desacreditam do ministério.}
1 João 3.19,20: E nisto conheceremos que somos da
verdade, bem como, perante ele, tranqüilizaremos o nosso coração; pois, se o nosso coração nos acusar,
certamente, Deus é maior do que nosso coração e conhece todas as cousas. Quando nosso coração não nos
acusa, é fácil separar lei e evangelho. Essa é a condição de um cristão. Mas,
pode surgir o momento em que seu coração passa a acusá-lo. Por mais que faça,
não há meios de silenciar aquela voz interior acusadora. Ora, se nesse momento,
o indivíduo sabe distinguir corretamente entre lei e evangelho, cairá aos pés
de Jesus, confortando-se nos méritos dele. Isso, no entanto, não é fácil.
No momento em que os cristãos aprenderam a fazer o correto
uso prático da distinção entre lei e evangelho, eles unem sua voz à de S. João,
dizendo: "Deus é maior do que o meu coração; Ele deu um veredito diferente
a respeito da pecaminosidade dos homens,
e isto se aplica igualmente a mim". Vocês são felizes se aprenderam esta
difícil arte. Se vocês a aprenderam, não se julguem perfeitos. Vocês nunca
deixarão de ser principiantes nesta arte. Lembrem-se disto: quando a lei os
condenar, então apeguem-se imediatamente ao evangelho.
Quais duas forças hostis, lei e evangelho, muitas
vezes, entram em conflito na consciência de um indivíduo. O evangelho lhe
diz: "Deus o recebeu em sua graça". A lei lhe diz: "Não confie
nisso; examine o seu passado. Quantos e quão horríveis são os seus pecados!
Considere os pensamentos e desejos que você teve". Num momento desses, é
difícil separar lei e evangelho. Quando alguém enfrenta uma situação dessas,
toma-se necessário que ele diga à lei: "Fora! Tuas exigências foram todas
cumpridas. Eu não te devo nada. Alguém pagou a minha dívida". Um indivíduo
morto em pecados e transgressões não sente essa dificuldade; ele não se importa
com lei. Mas a dificuldade é bastante real na vida de um convertido.
A correta diferenciação entre lei e evangelho é,
também, a arte suprema e mais difícil para os teólogos como tais. Tudo o mais
que um teólogo deve saber não se compara com o domínio dessa arte.
{Correta distinção da vida pessoal à pratica pastoral}
2 Timóteo 2.15: Procura apresentar-te a Deus
aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a
palavra da verdade. O apóstolo admoesta Timóteo a que maneje bem a palavra
da verdade. Isso indica que separar adequadamente lei e evangelho é uma arte
notável e difícil.
Lucas 12.42-44: Disse o Senhor: Quem é pois,
o mordomo fiél e prudente, a quem o
Senhor confiará os seus
conservos para dar-lhes o sustendo a seu tempo? Bem-aventurado aquele
servo a quem seu Senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos
digo que lhe confiará todos os seus bens. O que o Senhor considera
um grande feito não é o simples anunciar da palavra de Deus, ou, para ficar
dentro dos termos da parábola, a distribuição de certa quantidade de alimento a
cada membro da casa; o que ele tem em alta conta é o fato de que a cada um é
dada a medida exata no momento certo, que se leve em consideração sua situação
espiritual. Isto deve ocorrer no momento exato. Aquele que distribui um pouco
aos servos hoje, e só toma a fazê-lo após um longo período de tempo, que não se preocupa em reunir o
alimento necessário nem com sua distribuição na hora certa, é um mau mordomo.
Eis a lição desta parábola: Um pregador deve dominar bem a arte de ministrar a
cada um, no momento propício, ou a lei ou o evangelho, segundo suas
necessidades específicas.
{O Que ele tem em alta conta
pe o fato que a cada um é dada a medida exata no momento certo, que se leve em
consideração sua situação espiritual. Isto deve ocorrer no momento exato.}
2 Coríntios 2.16; 3.4-6:
Quem, porém, é suficiente para essas causas?
E é por intermédio de Cristo que
temos tal confiança em Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar
alguma causa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem
de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança, não
da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. O apóstolo reconhece que somente
Deus pode capacitá-lo para esta nobre e difícil arte.
{Sensibilidade e fidelidade: Um
pregador deve dominar bem a arte de ministrar a cada um, no momento propício,
ou a lei ou o evangelho, segundo suas necessidades específicas.}
Pregue de tal maneira que cada
ouvinte sinta: "Ele refere-se a mim. Ele descreveu um hipócrita idêntico
a mim". Por outro lado, é possível que o pastor descreva alguém que está
sendo tentado de uma maneira tão real, que o ouvinte que vive situação idêntica
só pode admitir: "Esta é a minha situação".O ouvinte arrependido
deve logo perceber: "Este consolo dirige-se a mim; devo apropriar-me
dele". A alma inquieta deve concluir: "Oh, que doce mensagem; isto é
para mim!" Sim, também o impenitente deve ser levado a reconhecer: "O
pregador fez uma descrição exata da minha pessoa."
Portanto, o pregador deve saber
retratar, com exatidão, o que se passa no íntimo de cada um dos seus ouvintes. Uma mera
apresentação objetiva das várias doutrinas não basta para que se alcance esse
objetivo. Uma pessoa pode ser ortodoxa, pode ter compreendido a doutrina pura
e, mesmo assim, não ter comunhão pessoal com Deus, estar em situação irregular
ante Deus e não ter, ainda, a certeza de que sua conta de pecados foi paga.
{A descrição do pecado e da
situação do pecador deve ser exata, envolta e permeada de compaixão.}
A dificuldade em distinguir corretamente lei e evangelho
assume proporções gigantes, quando o pastor ministra a indivíduos em particular.
No púlpito, o pastor pode dizer uma série de coisas, esperando encontrar
receptividade. Mas quando as pessoas buscam seu conselho pastoral, ele tem uma
dificuldade muito maior diante de si. Logo perceberá qual dos seus consulentes é, e qual não é, cristão. Isto
evidentemente não elimina a possibilidade de o pastor ser iludido pela
aparência e modo de ser piedoso de um hipócrita. Entretanto, se ele é capaz de
separar corretamente lei e evangelho, seus consulentes podem tê-lo enganado,
todavia é falha deles próprios que aplicaram a si o ensino indevido. O pastor
assume uma terrível responsabilidade apenas quando ele mesmo é culpado pelo
fato de o povo interpretá-lo mal. Se as pessoas agem como cristãos apenas para
enganar-me, elas estão, antes, enganando a si mesmas do que a mim. A qualquer
pessoa que dá a entender que é cristã, o pastor deve considerar como tal, e vice-versa.
Entretanto nem todos os não-cristãos são idênticos. Um
é um irreligioso crasso e zombador da Bíblia; outro é ortodoxo e tem apenas a
fé morta do intelecto. O pastor - a menos que ele próprio seja um escravo do
pecado e incapaz de fazer um juízo da pessoa que está a sua frente - sabe que o
último não passa de uma pessoa espiritualmente cega, que ainda se encontra sob
o domínio da morte espiritual. Agora, se um não cristão está verdadeiramente
amedrontado e possuído de um terror inconsciente, apesar de seu coração ainda
não ter sido quebrado, o pastor precisa concluir: "Este indivíduo, em primeiro
lugar, precisa ser quebrantado". Alguns são apegados a um determinado
vício, outros confiam na justiça própria. Descobrir a que classe pertencem
estas várias pessoas incrédulas e aplicar-lhes o remédio correto, eis a grande
dificuldade da qual estou falando. Meu objetivo é convencê-los de que somente
o Espírito Santo é capaz de realmente aparelhar um pregador para o exercício
de sua vocação.
Finalmente,
o mais difícil é tratar com os fiéis cristãos, levando em conta sua situação
espiritual peculiar. Este tem uma fé fraca, aquele tem uma fé forte; este está
alegre; aquele, aflito; este é moroso, o outro é bastante zeloso; um tem pouco
conhecimento espiritual, outro está mais profundamente alicerçado na verdade.
{A partir deste ponto, na edição
ampliada, Walter descreve os quatro temperamentos (o sangüíneo, o melancólico,
o fleumático e o colérico) alertando que
estes precisam ser respeitados na avaliação da vida e atitude da pessoa}
4ªTESE
Conhecer bem a diferença entre
lei e evangelho não é apenas maravilhosa luz para correta compreensão de toda a
Escritura Sagrada; mais do que isso: sem esse conhecimento, a Escritura é a
continua sendo um livro selado
{De fato, toda a Escritura parece
estar constituída de contradições. Ora as Escrituras declaram alguém salvo, ora
ela o condenam.}
Enquanto
se ignora a diferença entre lei e evangelho, tem se a impressão de que as
Escrituras contêm um cem número de contradições. De fato, toda a Escritura
parece estar constituída de contradições. Ora as Escrituras declaram alguém
salvo, ora elas o condenam. Quando o jovem rico perguntou ao Senhor: "Que
farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?", ele recebeu a seguinte
resposta: "Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos". Quando o
carcereiro de Filipos dirigiu esta mesma pergunta a Paulo e Silas, ele recebeu
esta outra resposta: "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo tu e a tua
casa". Por um lado, lemos em Habacuque 2.4: "O justo viverá pela sua
fé"; por outro lado, notamos que João, na sua primeira carta (3.7), diz:
"Aquele que pratica a justiça é justo". Contra isso o apóstolo Paulo
declara: "Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados,
gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus". Por um
lado, vemos que a Escritura declara que Deus não se agrada de pecadores; por
outro lado, ele constata: "Todo aquele que invocar o nome do Senhor, será
salvo". A certa altura, Paulo exclama: "A ira de Deus se revela do
céu contra toda impiedade e, perversidade dos homens" e, no salmo 5.4,
lemos: "Pois tu não és Deus que se agrade com a iniqüidade, e contigo não . subsiste o mal"; em outra passagem, Pedro diz: "Esperai inteiramente
na graça que vos está sendo trazida". Por um lado, nos é dito que todo o
mundo está debaixo da ira de Deus; por outro, lemos: "Deus amou o mundo de
tal maneira, que deu seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna".
Outra passagem notável é 1 Coríntios 6.9-11, na qual o apóstolo afirma
inicialmente: "Nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados,
nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem
roubadores herdarão o reino de Deus" e, então, acrescenta: "Tais
fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes
justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso
Deus". Não é perfeitamente compreensível que uma pessoa que nada conhece a
respeito da diferença entre lei e evangelho fique totalmente desnorteada ao ler
tudo isso? Não é natural que ela exclame, indignada: "O quê? Esta é para
ser a palavra de Deus? ' Um livro repleto de tais contradições?".
O que acontece não é que o Antigo
Testamento revela um Deus irado, e o Novo Testamento, um Deus gracioso; ou que
o Antigo ensina a salvação por obras próprias e o Novo Testamento, a salvação
pela fé. Não; tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos contêm ambas as
doutrinas: lei e evangelho, mas no momento em que aprendemos a diferenciar lei
e evangelho é como se o sol nascesse sobre as Escrituras, e notamos que todo o
seu conteúdo está na mais perfeita harmonia. Verificamos que a lei não nos foi
revelada para inculcar em nós a idéia de que, através dela, podemos nos tomar
justos, mas sim para mostrar-nos que somos totalmente incapazes de satisfazer
suas exigências. Uma vez aprendido isso, devemos tomar
conhecimento da doce mensagem, da maravilhosa doutrina que é o evangelho e
recebê-lo com intenso júbilo.
Entretanto, o pregador deve tomar
cuidado para não afirmar que a lei foi abolida; pois isso não é verdade. A lei
continua vigorando ;ela não foi anulada. Mas, ao lado da mensagem da
lei, temos uma outra. Deus não diz: "Pela lei vem a justiça", mas:
"Pela lei vem o conhecimento do pecado". Paulo diz aos Romanos: "Ao que ... crê naquele que justifica o ímpio, a sua
fé lhe é atribuída como justiça" (Romanos 4.5). Por isso, no momento em que somos
convencidos de nossa li impiedade, tem início nossa marcha rumo à salvação.
{“Quando se fale de boas obras
que estão de acordo com a lei de Deus, aí a palavra “lei” designa uma só coisa,
a saber, a vontade imutável de Deus em conformidade com a qual os homens devem
conduziz-se em sua vida”.( Livro de Concórdia, FC, DS, VI, §15, p. 606)}
Romanos 10.2-4: Porque lhes dou testemunho de que
eles têm zelo
por Deus, porém não com entendimento. Porquanto, "desconhecendo a justiça
de Deus e procurando estabelece a sua própria, não se sujeitaram que vem
de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para a justiça de todo
aquele que crê. A ignorância dos judeus consiste em que "não reconhecem a justiça que
é válida perante Deus". Esta é a sua falta de entendimento. Imaginavam que
deviam ser zelosos em relação à lei; pois, raciocinavam eles, se esta é a lei
de Deus, como pode alguém ter a ousadia de afastar-se dela? Se eles tivessem
dado ouvidos à pregação de Paulo, logo teriam percebido que ele reconhecia que
a lei ainda estava em vigor. Percebendo isso, não teriam se tomado inimigos do
evangelho, e as terríveis trevas que os envolviam teriam-se dissipado.
{O erro dos fariseus foi não
aplicarem ais seus ouvintes a justiça que vem de Deus. Raciocinavam assim: Se
esta é a lei de Deus, como pode alguém ter a ousadia de afastar-se dela?}
5ªTESE
A primeira –bem como a mais
grosseira e mais facilmente reconhecível – confusão entre lei e evangelho é
aquela em que, a exemplo de papistas, socinianinos e racionalistas, se encara
Cristo como um novo Moisés, um legislador, e se transforma o evangelho em
doutrina de obras meritórias ao mesmo tempo em que , como o fazem os papistas,
condenam-se e amaldiçoam-se os que ensinam que o evangelho é a mensagem da
graça ilimitada de Deus em Cristo.
Os decretos do Concílio de Trento afirmam que o evangelho
contém as doutrinas da salvação. Entretanto, imediatamente acrescentam que o
evangelho também prescreve preceitos éticos.
É dessa maneira que interpretam o propósito de Cristo, ao dizer:
"Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Mc
16.15). Fica evidenciado que eles não pretendem aceitar o evangelho no sentido
real que esta palavra tem. Do modo como eles o concebem, o evangelho, na melhor
das hipóteses, não passa de uma lei tal qual a que Moisés promulgou.
Se Cristo veio ao mundo com a missão de promulgar
novas leis para nós, ele poderia perfeitamente ter permanecido nos céus. Moisés
já nos havia dado uma lei tão perfeita, a ponto de não sermos capazes de a
cumprir. Assim sendo, se Cristo nos tivesse dado leis adicionais, isto só
poderia levar-nos ao desespero.
Já o próprio sentido da palavra evangelho derruba esse ponto de vista. Sabemos que o
próprio Cristo denominou sua palavra de evangelho, pois ele diz em Mc 16.15:
"Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura". Para
que se pudesse compreender o sentido em que ele estava empregando a palavra
evangelho, ele apresenta o conteúdo deste nos seguintes termos concretos:
"Quem crer e for batizado", etc. Se a doutrina de Cristo fosse uma
lei, ela não seria uma boa notícia, mas, sim, uma péssima notícia.
{Se a doutrina de Cristo fosse uma lei, ela não seria
uma boa notícia, mas, sim, uma péssima notícia.}
Examinando o Antigo Testamento, vemos que, mesmo ali,
já está expresso o caráter da doutrina de Cristo. Lemos em Gênesis 3.15:
"Este (o descendente da mulher) te ferirá a cabeça". o Messias, o Redentor, o Salvador não viria com o propósito de nos
revelar o que deveríamos fazer, que obras deveríamos praticar para escapar do
terrível domínio das trevas, do pecado e da morte. Esses feitos, o Messias não
deixaria para que nós executássemos, mas ele próprio faria tudo. "Ele
ferirá a cabeça da serpente" significa que ele destruirá o reino do diabo.
Tudo que o homem tem a fazer é tomar conhecimento de que ele foi resgatado, que
ele foi libertado da prisão, que ele não tem outra coisa a fazer senão crer e
aceitar essa mensagem e alegrar-se em função dela. Se o texto dissesse:
"Você precisa salvar-se a si mesmo", isto não seria tão confortador;
ou, se dissesse: "Você deve crer nele", ficaríamos perplexos em saber
o que se entende por essa fé. Este primeiro evangelho era a fonte donde
emanava o conforto dos crentes do Antigo Testamento. Era-lhes importante
saber: "Está por vir Alguém que não somente nos dirá o que devemos fazer
para alcançar o céu, mas ele próprio, O Messias, fará tudo
para nos levar até lá". Já que o poder do diabo foi destruído, nada do que
eu deva fazer pode entrar em consideração. Se o domínio do diabo foi destruído,
eu sou livre. Nada me resta a fazer senão apropriar-me disso. É isto que a
Escritura tem em mente, quando diz "Creia". Significa: "Declare
que é seu aquilo que Cristo obteve".
Em Jeremias 31.31-34, Eis aí vêm dias, diz o
SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá. Não
conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para
os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não
obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é aliança que
firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente,
lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o
seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próximo,
nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece ao SENHOR, porque a todos me
conhecerão desde o menor até o maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei as suas iniqüidades e de seus
pecados jamais me lembrarei. Deus diz
que vai fazer uma nova aliança. Esta não será uma aliança baseada na lei,
idêntica àquela que ele estabeleceu com Israel no Monte Sinai. O Messias não
dirá: “ É necessário que vocês sejam pessoas desta ou daquela natureza; seu
modo de viver deve ser conforme este ou aquele padrão; vocês devem fazer estas
e aquelas obras".
Nenhuma doutrina dessa espécie
será trazida pelo Messias. Ele inscreve sua lei diretamente no coração, o que
faz com que a pessoa que vive nele sirva de lei para si mesma. Tal pessoa não é
coagida por uma força externa, mas é impulsionada por uma força interior.
"Pois, perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me
lembrarei" - esse é o fundamento, a causa para a afirmação anterior. Estas
palavras resumem o evangelho de Cristo: perdão de pecados pela graça ilimitada
de Deus, por causa de Jesus Cristo. Portanto, todo aquele que imagina que
Cristo é um novo legislador e que nos trouxe novas leis, anula toda a religião
cristã.
A religião cristã diz: "Você
é um pecador perdido e condenado; você não pode ser seu próprio Salvador. Mas
não desespere por causa disso. Há alguém que obteve salvação para você. Cristo
abriu as portas do céu para você e o convida: Venha, porque tudo já está
preparado. Venha para as bodas do Cordeiro". Essa é também a razão por que
Cristo diz: "Eu curo os doentes, não os sãos. Eu vim para buscar e salvar
o perdido. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores ao
arrependimento".
Por toda parte, vemos o Senhor
Jesus rodeado de pecadores, sob a espreita dos fariseus. Pecadores famintos e
sedentos estão a sua volta Apesar da majestade divina que emana dele, eles
não receiam aproximar-se dele; eles confiam nele. Os fariseus repreendem-no
severamente: "Este homem recebe pecadores e come com eles". E o
Senhor ouve essa reprimenda. Ele confirma a veracidade da censura deles, dando
continuidade à ação censurada, como que querendo dizer: "Sim, eu quero
pecadores ao meu redor"; e então ele passa a demonstrar isso, contando a
parábola da ovelha perdida. O pastor ajunta a ovelha perdida, não importando
quão ferida e machucada ela esteja. Ele coloca-a sobre os ombros e, cheio de
júbilo, leva-a de volta ao curral. O Senhor, igualmente, explica seu modo de
agir através da moeda perdida. A mulher procura a moeda perdida por toda a
casa, até mesmo na imundície. Quando ela a encontra, chama as amigas, dizendo:
"Alegrem-se comigo, porque achei a minha moeda perdida" . Finalmente,
o Senhor acrescenta a parábola do filho pródigo. De maneira prática, ele diz:
"Aqui vocês têm minha doutrina. Eu vim para buscar e salvar o perdido".
Se você examinar toda a vida de
Jesus, notará que ele não se apresenta
como um filósofo orgulhoso nem como um moralista, rodeado por heróis na
prática de virtudes, aos quais ele ensina como podem alcançar o mais alto
estágio da perfeição filosófica. Não, ele caminha em busca de pecadores
perdidos e não receia dizer aos arrogantes fariseus que as meretrizes e
publicanos os precedem no reino de Deus. Assim ele nos mostra claramente em
que consiste seu evangelho.
Por diversas vezes, em suas confissões, os papistas
afirmam que Cristo revelou muitas leis que eram desconhecidas a Moisés. Por
exemplo, a lei do amor aos nossos inimigos; a lei que não se deve buscar
vingança pessoal; a lei de não exigir de volta o que nos foi tirado, etc. A
tudo isso os papistas denominam de "novas leis". Isso está errado;
pois mesmo Moisés já disse: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força" (Dt 6.5) e
"Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Lv 19.18). Assim sendo,
Cristo não ab-rogou essa lei de Moisés, nem promulgou quaisquer novas leis. Ele
apenas esclareceu o sentido espiritual da lei. Pois afirma em Mateus 5.17:
"Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar,
vim para cumprir". Isso significa que ele não veio para promulgar novas
leis, mas para cumprir a lei em nosso lugar, de modo a podermos usufruir desse
cumprimento.
{Cristo não veio para promulgar novas leis, mas para
cumprir a lei em nosso lugar, de modo a podermos usufruir desse cumprimento.}
“Jesus não se apresenta... como
um moralista, rodeado de heróis na prática de virtudes... assim ele nos mostra
claramente em que consiste o evangelho”
6ªTESE
Em segundo lugar, a
palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a lei deixa de ser pregada
em todo o seu rigor e o evangelho, em toda a sua doçura; quando ao contrario,
componentes do evangelho são adicionados à pregação da lei, e componentes da
lei são adicionados ao evangelho.
{É de pouca relevância desver a fé e os seus processos. Antes pregue de
modo que as pessoas se apegue a Jesus com consolo e alegria. A fé é esse
apegar-se.
Confundem-se lei e evangelho, quando elementos que são
próprios do evangelho são adicionados à pregação da lei e vice-versa.
Examinemos o testemunho da Escritura a respeito desta questão. Inicialmente, o
que diz ela a respeito da lei? De que maneira demonstra ela que não devemos
adicionar nenhum ingrediente evangélico à pregação de lei?
{A fé que crê não pode estar divorciada da fé na qual
se crê. A fé confiança não existe sem a pregação do evangelho, indica o
objetivo da fé. Pregação que não visa a esta confiança, não é pregação cristã.}
Gálatas 3.11 ,12: E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus,
porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não procede de fé,
mas: Aquele que observar os seus
preceitos por ele viverá. O homem é
justificado diante de Deus pela fé somente. A lei a ninguém pode justificar
pelo simples fato de não conhecer nada a respeito de fé justificadora e
salvadora. Essa informação está contida apenas no evangelho. A lei nada sabe a
respeito da graça salvadora.
Romanos 4.16: Essa
é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, afim de que seja
firme a promessa para toda descendência, não somente ao que está no regime da
lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos
nós.) A fé é exigida de nós, não em
virtude do fato de haver ao menos uma pequena obra que nos compete realizar. Se
o caso fosse esse, não haveria diferença entre os que vão para o inferno e os
que vão para o céu. Não; a justificação provém da fé, para que ela seja segundo
a graça. Ambas as afirmações se equivalem. Se eu digo: "O homem é
justificado diante de Deus pela fé", isso equivale a dizer: "Ele é
justificado gratuitamente, segundo a graça, através do presente da
justificação que Deus lhe dá". Nada se exige do homem; apenas é lhe dito:
"Apegue-se ao que lhe é oferecido e você o terá". A fé é esse
apegar-se. Vamos supor que uma pessoa nunca tenha ouvido algo a respeito da fé.
Entretanto, ao ouvir o evangelho, ela se alegra, aceita-o, deposita sua confiança
nele, consola-se em suas palavras. Essa pessoa tem a fé verdadeira, genuína,
apesar de nunca ter ouvido uma palavra sequer a respeito da fé.
{A fé é esse apegar-se. Vamos supor que
uma pessoa nunca tenha ouvido algo a respeito da fé. Entretanto, ao ouvir o
evangelho, ela se alegra, aceita-o, deposita sua confiança nele, consola-se em
suas palavras. Essa pessoa tem a fé verdadeira, genuína, apesar de nunca ter
ouvido uma palavra sequer a respeito da fé.
Nenhum elemento do evangelho
deve, por conseguinte, ser misturado com a lei. Todo aquele que explica a lei,
introduzindo nela a graça, o Deus gracioso, amável e paciente, deturpa-a
vergonhosamente. É necessário que o pregador anuncie a lei de tal maneira, que
ela não contenha nada de agradável aos ouvidos dos pecadores perdidos e
condenados. Qualquer ingrediente adocicado que se adicione à lei, é veneno;
neutralizará o efeito desse remédio celestial.
Mateus 5.17-19: Não penseis que vim revogar a lei
ou os profetas; não vim para revogar,
vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou
um til jamais passará da lei, até que
tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos
menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos
céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande
no reino dos céus. Ao pregar a lei você deve ter em mente que ela não faz concessão de espécie
alguma. É completamente alheio à natureza da lei fazer concessões,
ser condescendente; ela apenas faz exigências. A lei diz: "Você deve fazer
isto; se deixar de fazê-lo, de nada lhe adiantará a paciência, bondade e
longanimidade de Deus; você invariavelmente irá para a perdição". Visando
a deixar isso bem claro ante os nossos olhos, o Senhor diz: "Aquele, pois,
que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado o mínimo no reino dos céus". Isto não significa
que lhe será destinado o lugar mais baixo no céu, mas, sim, que ele, de maneira
nenhuma, pertence ao reino dos céus.
Gálatas 3.10: Todos quantos, pois, são das
obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo
aquele que não permanece em todas as causas escritas no livro da lei, para
praticá-las. Se,
ao estimular as pessoas à prática de boas obras, você, para consolá-las, fizer
a seguinte observação: "Na realidade, você deveria ser perfeito;
entretanto, Deus não exige o impossível de nós. Dada a sua fraqueza, faça o
quanto puder; o que vale é a sinceridade de sua intenção!" - se você fizer
isso, estará pregando uma doutrina condenável; você estará deturpando a lei de
modo vergonhoso. No Sinai, Deus nunca se expressou em termos semelhantes.
Romanos 7.14: Porque bem sabemos que a lei é
espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à
escravidão do
pecado. Ao
pregar a lei, é absolutamente necessário que um pregador esteja consciente do
fato de que a lei é espiritual; ela age sobre o espírito, não sobre algum
membro do corpo; tem em mira o espírito do homem, sua vontade, seu coração, seus sentimentos. É desse
modo que ela age e não diferentemente.
Uma correta pregação da lei deve
enquadrar-se dentro das seguintes exigências: Não se devem atacar os vícios
abomináveis que se manifestam desenfreadamente na congregação, empregando uma
linguagem bombástica. O incessante "trovejar" de nada adiantará. É
possível que as pessoas abandonem as práticas recriminadas, mas, após duas semanas,
terão retomado ao mesmo caminho. Vocês devem, de fato, denunciar as transgressões
contra os mandamentos de Deus com seriedade, mas igualmente devem dizer ao
povo: "Mesmo que vocês abandonem seu constante amaldiçoar, jurar, etc.,
isso não os tomará cristãos. Vocês podem ir à perdição assim mesmo. Deus se preocupa é com atitude
seus corações".
{A lei modifica comportamentos,
mas não conquista os corações. Por isto a pregação legalista que modifica
comportamentos não visa ao objetivo da pregação cristã.}
Romanos 3.20: Visto que
ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei
vem o pleno conhecimento do pecado. Deus não deu a lei para que vocês tomem
as pessoas justas através dela. A lei não justifica ninguém; mas, quando ela
começa a agir efetivamente, o indivíduo que é objeto desta ação passa a
revoltar-se e enfurecer-se contra Deus.
Através do espetáculo no monte
Sinai, Deus nos ensinou como devemos pregar a lei. É claro que não podemos
reproduzir os trovões e relâmpagos daquele dia, a não ser espiritualmente. Se
procedermos assim, nosso sermão será benéfico. Poderá haver muitos dentre os
ouvintes que chegarão à seguinte
conclusão: "Se este homem está falando a verdade, então eu estou
perdido."
Alguns, na verdade, poderão
argumentar, dizendo que não convém que um pregador do evangelho pregue nestes
termos. Mas é este o caminho que ele deve seguir; ele não seria pregador
evangélico, caso não pregasse a lei. Se a lei não preceder o evangelho, este
não terá efeito. Em primeiro lugar, vem Moisés, depois Cristo; ou: Em primeiro
lugar João Batista, o precursor, então Cristo. A princípio, as pessoas dirão:
"Isto é simplesmente terrível!" Mas segue-se logo a pregação do
evangelho e, então, as pessoas se animam. Elas compreendem o porquê do
pregador ao se expressar daquela maneira: pretendia mostrar-lhes o quão
manchados de pecado eles estavam e o quanto necessitavam do evangelho.
7ªTESE
Em terceiro lugar, a palavra de
Deus não é aplicada corretamente, quando o evangelho é pregado antes da lei; a
santificação antes da justificação; a fé antes do arrependimento; as boas obras
antes da graça.
A palavra de Deus é empregada
erroneamente, quando as diversas doutrinas são apresentadas fora da seqüência
correta; quando algo que deveria vir por fim é colocado no princípio. São
quatro as seqüências incorretas que podem surgir.
{Não podes pensar que dividiste
corretamente a lei e evangelho, se anunciaste a Lei em uma parte e o Evangelho
na outra parte. Tal divisão topografia é inútil. Ambas podem estar na mesma
frase. Mas a impressão que fica no ouvinte deverá ser lei ou evangelho (Proper
Distinction. P.25)
Em primeiro lugar, inverte-se a
ordem, quando se prega o evangelho antes da lei.
Marcos 1.15: Dizendo: O tempo
está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no
evangelho. O "arrependei-vos" é, sem dúvida alguma, uma palavra
da lei. Na pregação de nosso Senhor, esta palavra vem em primeiro lugar,
seguida pelo resumo do Evangelho: "Crede no evangelho".
Atos 20.21: Testificando tanto
a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor
Jesus [Cristo]. O apóstolo pregou, em primeiro lugar, o arrependimento e
depois a fé; primeiramente a lei, então o evangelho.
Nosso Senhor disse que em seu
nome se deveria pregar arrependimento para remissão de pecados a todas as
nações, começando em Jerusalém. O Senhor não mudou a ordem divina para:
"Perdão de pecados e arrependimento". A seqüência que ele indica é
"arrependimento e perdão de pecados".
O segundo caso em que se perverte
a ordem correta acontece, quando a santificação da vida é pregada antes
da justificação, a mensagem do perdão de pecados. Sim, justificação pela graça
não é outra coisa senão perdão de pecados. Sou justificado no momento em que
me aproprio da justiça de Cristo.
{Quando Walter sublinha esta
ordem, não se refere a uma seqüência mecânica mas aos princípios que legitimam
a oferta e a fé na oferta de Deus. Visa a que o ouvinte não recolha a impressão
de que a fé pode existir sem contrição e arrependimento, ou de que contrição e
arrependimento seriam a manifestação mais legítimas de fé, ou de que a
obediência a leis seja a condição para que Deus aprove a fé}
Salmo 130.4: Contigo, porém,
está o perdão, para que te temam. Na verdade, o salmista está querendo
dizer para Deus: "Primeiro precisas dar-nos teu perdão; depois disto
passaremos a reverenciar-te através de uma vida nova, uma vida
santificada".
Salmo 119.32: Percorrerei o caminho dos teus
mandamentos, quando me alegrares o coração .Em primeiro plano, está o consolo de Deus, a justificação, o presentear do
perdão ao pecador, a remissão dos pecados. Depois de tudo isso, o salmista
espera "percorrer o caminho dos mandamentos de Deus".
1 Coríntios 1.30: Mas vós sais dele, em Cristo
Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção. A primeira coisa necessária é que alcancemos
sabedoria, conhecimento do caminho da salvação. Esse é o primeiro passo. A isso
segue-se a justiça, a qual obtemos pela fé. Apenas depois da justificação é que
vem a santificação. Preciso, antes de mais nada, saber que Deus perdoou os meus
pecados, para que esse fato me dê a verdadeira alegria de viver uma vida
santificada. Antes disso, uma grande carga pesava sobre mim. A princípio, eu
estava furioso com Deus; eu o odiava por exigir tanto de mim. Meu desejo era
ter podido destroná-lo. Meu pensamento era que seria melhor mesmo, se Deus não
existisse. Mas quando ele me perdoou e declarou justo, eu me alegrei, não
somente por causa do evangelho, mas igualmente por causa da lei.
{Antes de mais nada, sabe que Deus perdoou os meus
pecados, para que esse fato me dê a verdadeira alegria de viver uma vida
santificada.}
João 15.5: Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem
permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis
fazer. A vontade do Senhor é que estejamos enxertados nele como os ramos
estão na videira. Isto significa que cremos nele de todo o coração, depositamos
nele nossa certeza e confiança, apegamo-nos totalmente a ele com os braços da
fé, de maneira que vivemos apenas nele, nosso Jesus que nos resgatou e salva.
Quando isso suceder, produziremos frutos. Desse modo, o Salvador mostra que,
antes de podermos viver uma vida santificada, é necessário que tenhamos sido
justificados. Se nos tomamos ramos cortados, separados da videira,
murchamos e deixamos de produzir fruto.
{A lei corta os ramos da videira. Razão por que o
pregador deve ter o extremo cuidado na sua utilização.}
Fazer confusão entre justificação e santificação é um
dos erros mais terríveis. O pecador somente poderá compreender e ter certeza de
que ele está sob a graça de Deus, quando se faz uma rigorosa separação entre
justificação e santificação; e essa compreensão lhe dará forças, para andar
numa nova vida.
Em terceiro lugar, altera-se a seqüência correta - a
saber, em primeiro lugar a lei, depois o evangelho - quando a pregação da fé
precede a do arrependimento. Se você quer crer em Cristo, você precisa primeiro
adoecer; porque Cristo é um médico apenas para aqueles que estão doentes. Ele
veio buscar e salvar o perdido; por isso, você precisa, primeiramente,
tornar-se um pecador perdido e condenado. Ele é o Bom Pastor que sai em busca
da ovelha perdida; portanto, você precisa, antes de mais nada, reconhecer que
é uma ovelha perdida.
Finalmente, a quarta inversão da ordem correta se dá,
quando se requerem boas obras antes de se ter anunciado a graça de
Deus.
Efésios 2.8-10: Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que
ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas
obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. O
apóstolo não diz: "Precisamos praticar boas obras para que Deus nos seja
gracioso". Ele afirma exatamente o contrário. Quando você recebeu a graça,
Deus fez de você uma nova criatura. Nesse novo estado, você pratica boas
obras; você não pode continuar debaixo do domínio do pecado.
Tito 2.11,12: Porquanto a graça de Deus se
manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a
impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e
piedosamente. Como primeiro passo, nos é revelada a graça, e esta então
passa a educar-nos. Somos colocados debaixo da divina pedagogia da graça. No
momento em que o indivíduo aceita a graça que fez com que Deus abandonasse os
céus e viesse ao mundo, esta graça principia nele um processo de educação. O
objetivo dessa educação é ensinar-lhe a praticar boas obras e viver uma vida
correta.
{No momento em que o indivíduo aceita a graça que faz
com que Deus abandonasse os céus e viesse ao mundo, esta graça principia nele
um processo de educação. Nesse processo acontece a santificação.}
A Carta aos Romanos contém a doutrina cristã em sua
totalidade. Nos três primeiros capítulos, deparamo-nos com a mais severa
pregação da lei. A isso segue-se, na parte final do terceiro capítulo e nos
capítulos 4 e 5, a doutrina da justificação - e nada além dela. A começar no
capítulo 6, o apóstolo não fala de outra coisa que não seja santificação. Temos
aqui um modelo exato da seqüência que se deve observar: em primeiro lugar a
lei, que ameaça os homens com a ira de Deus; segue-se o evangelho, a mensagem
das consoladoras promessas de Deus. Como complemento, segue a instrução quanto
ao que devemos fazer agora que somos novo homem. Igualmente os apóstolos, no
momento em que seus ouvintes se mostravam amedrontados, não faziam outra cousa
senão consolá-los e anunciar-lhes o perdão. Somente depois disso, eles diziam
aos seus ouvintes: "Agora vocês devem demonstrar sua gratidão a
Deus". Eles não emitiam ordens; eles não ameaçavam, quando os seus
mandados eram desconsiderados, mas apenas apelavam e rogavam a seus ouvintes
que, pelas misericórdias de Deus, se conduzissem como convém a cristãos.
Santificação genuína é aquela que segue a
justificação; justificação genuína é aquela que vem depois do arrependimento.
Os apóstolos não emitiam ordens e não ameaçavam quando
seus mandados eram desconsiderados... apelavam e rogavam a seus ouvintes...
pelas misericórdias de Deus.
8ªTESE
Em quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando a lei é pregada aos que já estão atemorizados em relação a
seus pecados, ou quando o evangelho é pregado aos que vivem tranquilamente em
seus pecados.
1 Timóteo 1.8-10 e Isaías 61.1-3 Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se
utiliza de modo legítimo, tendo em vista que não se promulga lei para quem é
justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e
profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de
homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe á sã doutrina.
{Onde
está escrito que todos devem ter o mesmo grau de contrição?}
O Espírito do
SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos
quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar
libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano
aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que
choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas,
óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito
angustiado; afim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo SENHOR
para a sua glória. Os textos deixam
claro que, de acordo com a palavra de Deus, nem um pingo de consolo evangélico
deve ser dado àqueles que vivem tranqüilamente em seus pecados. Por outro lado,
os de coração abatido não devem ouvir uma ameaça ou censura sequer, senão
apenas as promessas, o consolo e a graça, o perdão de pecados e a justiça, vida
e salvação.
Esse também era o modo de proceder de nosso Senhor.
Certa ocasião, aproximou-se dele uma mulher "pecadora" (Lc7 .37) que,
sob o olhar dos orgulhosos fariseus, se ajoelhou e, com suas lágrimas lavou os
pés do Senhor, enxugando-os com seus próprios cabelos. Ela estava arrasada. Não
havia ninguém que a consolasse. Mas, ela veio a Jesus, pois reconhecera nele a
fonte de toda a graça. O Senhor, de maneira alguma, repreendeu-a por causa de
seus pecados - não, não lhe disse uma só palavra de censura. Simplesmente
disse-lhe: "Teus pecados estão perdoados". Em outra ocasião, semelhante
a esta, ele despediu a mulher culpada, assegurando-lhe: "Nem eu tampouco
te condeno", acrescentou a breve admoestação: "Vai, e não peques
mais".
{A
mulher pecadora veio a Jesus porque ele se mostrava como fonte de toda a graça
e ela o reconhecera como fonte de toda a graça e ela o reconhecera como fonte
de toda a graça. E Jesus não o decepcionou.}
Com Zaqueu, o procedimento do
Senhor foi idêntico. Zaqueu chegara à conclusão de que precisava mudar, que ele
não poderia continuar levando aquela vida pecaminosa. Ao saber que o Senhor
passaria pela circunvizinhança, ele subiu a um sicômoro, pois desejava ver este
santo homem de perto. Olhando para cima, o Senhor disse-lhe: "Zaqueu,
desce depressa, pois me convém ficar hoje em tua casa". Zaqueu certamente
esperava que o Senhor fizesse um relatório completo de seus pecados e lhe
mostrasse todo o mal que havia praticado. Mas Jesus não fez nada disso. Ao
contrário, na casa de Zaqueu, ele afirmou: "Hoje houve salvação nesta
casa, pois que também este é filho de Abraão". Zaqueu, por sua vez, diz:
"Senhor, resolvo dar aos pobres a metade de meus bens; e, se nalguma
cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais". O Senhor não
exigiu que ele fizesse isso. Sua própria consciência, primeiramente despertada,
mas agora já tranqüilizada, exigia que ele praticasse esse grande ato de
generosidade para com os pobres.
Esta mesma verdade é ilustrada na
parábola do filho pródigo. O Senhor nos apresenta o filho pródigo voltando à casa de seu pai, de coração contrito, após
ter esbanjado tudo o que possuía. Sem censuras, o pai recebe-o de volta,
dizendo: "Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e
reviveu, estava perdido e foi achado". Houve um banquete, e não se disse
uma só palavra de repreensão.
{O evangelho não está somente nas
palavras. A palavra do evangelho está também, no ambiente que o pai criou e no
qual recepciona o filho.}
Atitude idêntica o Senhor
conserva mesmo estando pregado à cruz. A seu lado, está crucificado um homem
que levara uma vida infame. O paciente padecer de Cristo faz com que reconheça:
"Nós, na verdade, com justiça, recebemos o castigo que os nossos atos
merecem; mas este nenhum mal fez". Então, dirigindo-se a Jesus, ele
acrescenta: "Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino". Ele
reconhece que Jesus é o Messias. E convém notar que o Senhor não lhe respondeu:
"O quê?! Lembrar-me de ti? Tu que fizeste tanta coisa errada?" Não,
o Senhor em absoluto lhe apresenta seus pecados. Ele apenas diz: "Hoje estarás
comigo no paraíso".
Através disso, o Senhor nos
ensina como devemos agir ao termos diante de nós um pecador arrasado, contrito,
aterrorizado em relação a seus pecados. Mesmo que sua vida passada seja
totalmente reprovável, não se deve perder tempo com censuras e reprimendas; deve-se, isto sim, perdoar e
consolar. Quem age assim, demonstra que sabe diferenciar lei e evangelho.
{Mesmo
que a vida passada de alguém que busca perdão seja totalmente reprovável, não
se deve perder tempo com censuras e reprimendas; deve-se, isto sim, perdoar e
consolar.}
O procedimento
dos apóstolos era idêntico ao do Senhor Jesus. Basta que se relembre a história
do carcereiro de Filipos. O carcereiro estava a ponto de suicidar-se, quando
Paulo bradou em voz alta: "Não te faças nenhum mal, que todos estamos
aqui". Durante toda a noite, ele tivera a oportunidade de ouvir Paulo e
Silas cantando louvores a Deus e isso, sem dúvida, deu-lhe um bom conhecimento.
Ao ouvir o grito de Paulo, ele veio e, trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e
Silas, dizendo:
"Senhores, que devo fazer para que seja
salvo?" E a resposta não é que deve fazer primeiramente isto ou aquilo, ou
então, que deve sentir-se contrito. Não;'eles apenas respondem: "Crê no
Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa". Pura e simplesmente
convidam-no a aceitar a misericórdia de Deus; porque a fé não é outra coisa
senão a aceitação da graça de Deus.
{O
publico alvo no culto não são os endurecidos ou indiferentes, mas os que querem
crescer na fé e no amor. De tal maneira que tanto os fariseus (que se louvam de
suas obras quanto os incrédulos e debochados se sintam excluídos do consolo
enquanto não houver mudança de mentalidade}
A segunda parte da tese afirma que a palavra de Deus é
aplicada erroneamente, quando se prega o evangelho àqueles que vivem
tranqüilamente em seus pecados.
Este erro é tão grave quanto o primeiro. Se eu ofereço
o consolo do evangelho a pecadores impassíveis em seus pecados, ou então, se
eu prego de uma maneira tal que esses pecadores podem concluir que o consolo
do evangelho se dirige a eles, isto implica um dano incalculável. O evangelho
não se dirige a pecadores tranqüilos em seus pecados. É claro que não podemos
impedir que eles compareçam a nossos cultos e ouçam o evangelho. Este fato não
pode fazer com que o pregador deixe de apresentar o conforto do evangelho em
toda a sua doçura. Ele deve fazê-lo; contudo, de uma maneira tal que os
pecadores endurecidos compreendam que esse conforto não é para eles. A própria maneira como o pregador apresenta sua mensagem
deve tornar isso claro.
{A presença de pecadores endurecidos não pode fazer
com que o pregador deixe de apresentar o conforto do evangelho em toda a sua
doçura. Ele deve faze-lo.}
Mateus 7.6: Não
deis aos cães o que é santo, nem lancei ante os porcos as vossas pérolas, para
que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. O que se entende por "c que é santo"? Nada
mais, nada menos do que a palavra de Cristo. O que se entende por
"pérolas"? É o consolo do evangelho,
sua mensagem que anuncia a graça, a justiça e a salvação. Os cães, isto é, os inimigos
do evangelho, não devem ouvir nada a respeito disso. Nem tampouco os porcos,
ou seja, aqueles que querem permanecer em seus pecados e procuram seu céu e sua
felicidade em meio à imundície de seus pecados, devem ouvir a mensagem do
evangelho.
Isaías 26.10: Ainda que se mostre favor ao
perverso, nem por isso aprende a justiça; até na terra da retidão ele comete
iniqüidade e não atenta para a majestade do SENHOR. É praticamente inútil
oferecer misericórdia aos ímpios Eles pensam, ou que não necessitam dela, ou
então que já a têm em sua plenitude. Os insignificantes pecados que cometeram
já lhes foram perdoados há muito, dizem eles. A uma pessoa dessa espécie não se
deve pregar o evangelho. Não devo oferecer-lhe misericórdia - e o evangelho
não é outra coisa senão este oferecer da misericórdia - porque de nada lhe
adianta. O indivíduo sem Deus, que insiste em permanecer nos seus pecados,
"não atenta para a majestade do Senhor". Ele não percebe o grande
tesouro que lhe está sendo oferecido. Ele simplesmente não compreende a
doutrina da salvação por graça; ou ele a despreza, ou então emprega-a
tremendamente mal. Ele raciocina: "Se é verdade que, para ser salvo,
basta ter fé, então os meus pecados também estão perdoados. Posso continuar levando
esta minha vida e, mesmo assim, ir para o céu. Eu também creio em meu Senhor
Jesus Cristo".
{Os ímpios, ou fariseus, são
aqueles que, seguros de sua fé e das sua interpretação da vontade de Deus,
manifestam desprezo pela mensagem de Deus tal como era demonstrado por Jesus no
seu trato com os pecadores.}
Nossa pregação deve seguir o
padrão que encontramos, em primeiro lugar, na pregação de Cristo. Examinando
sua conduta, observamos que toda vez que se deparava com pecadores tranqüilos
em seus pecados, - e os fariseus de seu tempo certamente o eram - ele não tinha
nem um pingo de conforto a dar. Sua atitude para os fariseus foi esta:
denominou-os de serpentes e raças de víboras; pronunciou uma série de dez
"ais" contra eles; revelou sua abominável hipocrisia; apontou-lhes a
perdição e disse que não escapariam da condenação eterna. Apesar de saber que
seriam precisamente esses que o pregariam à cruz, ele, sem vacilar, disse-lhes
a verdade. Convém que os pregadores se dêem conta disso. Mesmo sabendo, de antemão,
que sua sorte não será nada diferente da do Senhor Jesus, eles devem pregar a
lei em todo o seu rigor aos pecadores impassíveis, indiferentes, hipócritas e
inimigos. Toda vez que o pregador tiver, diante de si, esta classe de pessoas,
ele não pode pregar outra cousa que não seja a lei. Além disso, quando o pregador fala para uma multidão, ele deve deixar
claro que aquilo que ele diz não se aplica indiscriminadamente a todos, mas sim
àqueles que confiam na justiça própria e, ainda assim, querem o evangelho para
si.
É
verdade que o Senhor afirma: "vinde
a mim, TODOS;" contudo, ele imediatamente acrescenta: "os que estais
cansados e sobrecarregados". Com isso, ele deixa claro que não está
convidando os pecadores impassíveis.
Certo dia, um jovem rico veio a Jesus, perguntando:
"Bom Mestre, que farei eu de bom para alcançar a vida eterna?" Jesus,
tendo rejeitado o título pelo qual o jovem denominara, lançou-lhe o desafio:
"Guarda os mandamentos". Quando o jovem perguntou "quais",
Jesus passou a enumerar: "Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não
dirás falso testemunho, honra a teu pai e tua mãe, amarás a teu próximo como a
ti mesmo". O jovem replicou: "Tudo isso tenho observado: que me falta
ainda?" E qual foi a resposta de Jesus? Respondeu ele, por acaso, o que te
falta é a fé!? Não! Acontece que ele tinha pela frente uma pessoa infeliz, um
pecador despreocupado e que confiava na justiça própria. Por isso, Jesus não
lhe prega nada do evangelho. Ele apenas diz, acertadamente: "Se queres ser
perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu;
depois vem e segue-me". Então o evangelho relata: "Tendo, porém, o
jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste, por ser dono de muitas
propriedades". Ele retirou-se e sua consciência certamente o acusava,
dizendo: "Essa é, de fato, uma doutrina diferente da que eu conheço. O
que este Jesus quer de mim eu não posso fazer. Estou por demais preso às minhas
propriedades. Se é necessário desfazer-me delas, então não posso segui-lo.
Longe de mim, perambular com ele, país afora, feito um mendigo!" Sua consciência
certamente também lhe assegurou que, de acordo com ensino de Cristo, ele estava
condenado, que seu destino era inferno. E essa era exatamente a reação que o
Senhor intentara provocar no jovem. Esse episódio deve servir-nos de exemplo
quanto ao modo de tratar aqueles que continuam despreocupados nos pecados e
confiam na justiça própria.
Os apóstolos adotaram o mesmo método de seu Senhor. Em
primeiro lugar, pregavam a lei energicamente, a ponto de calar fundo no coração
de seus ouvintes.
Em seu
primeiro sermão proferido no dia de Pentecostes, Pedro assegura a seus ouvintes
que todos eles têm culpa da morte de Cristo. E estas palavras surtiram efeito.
Atemorizados, eles perguntaram: "Que faremos, irmãos?" Pedro responde:
"Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo
para a remissão dos vossos pecados". Pedro anuncia o evangelho e garante
que para seus pecados também há perdão, mesmo para os mais repugnantes. Os
apóstolos procediam assim em toda a parte, não apenas em Jerusalém, mas também
em Atenas, Corinto, Éfeso, etc. Aonde quer que fossem, em primeiro lugar,
pregavam o arrependimento e, então, a fé. Eles estavam certos de que em toda a
parte, via de regra, havia diante deles pecadores impassíveis, ou seja, pessoas
que ainda não tinham reconhecido sua miserável situação de pecadores. Eles,
entretanto, não somente pregavam a lei em todo o seu rigor aos que nada
conheciam de religião cristã; pregavam-na, também, àqueles que se consideravam
cristãos e, mesmo assim, viviam tranqüilamente em seus pecados.
Os dois últimos capítulos da segunda Carta aos
Coríntios são um notável exemplo deste modo de proceder dos apóstolos. O santo
Apóstolo escreve: "Temo, pois, que, indo ter convosco, não vos encontre na
forma em que vos quero, e que também vós me acheis diferente do que esperáveis,
e que haja entre vós contendas, invejas, iras, porfias, detrações, intrigas,
orgulho e tumultos". O apóstolo está dizendo: "Vocês imaginam que eu
vá e lhes pregue o evangelho. Mas, vocês vão se surpreender com o que vou
pregar, quando for visitá-los". Ele não diz que vai pregar contra pecados
tais como travessuras, prostituição, roubo, blasfêmia, assassinato; ele vai
atacar, isto sim, aqueles pecados que, mesmo hoje, ainda infestam as congregações
cristãs, especialmente a hipocrisia. Ele prossegue no versículo 21:
"Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu
venha a chorar por muitos que outrora pecaram e não se arrependeram da
impureza, prostituição e lascívia que cometeram". Presentemente, eles não
estavam vivendo em prostituição e impureza, mas esta havia sido a sua vida
passada. Eles se tornaram cristãos através de uma mera convicção intelectual.
Faltava-lhes o verdadeiro arrependimento de seus pecados. Professavam seu
cristianismo com os lábios; faltava-lhes a fé no coração. Ainda não haviam sido
regenerados e renovados pelo Espírito Santo. O apóstolo continua: "Esta é
a terceira vez que vou ter convosco. Por boca de duas ou três testemunhas toda questão será
decidida. Já o disse anteriormente, e tomo a dizer, como fiz quando estive
presente pela segunda vez; mas agora, estando ausente, o digo aos que outrora
pecaram, e a todos os mais, que, se outra vez for, não os pouparei" (2 Co
13.1,2).
Esse é um magnífico exemplo a ser
seguido pelo pregador. Quando as pessoas se entregam à prática de toda a sorte
de pecados e julgam que todos devem considerá-las fiéis cristãos, desde que
venham aos cultos e participem da Santa Ceia, então o pastor precisa chegar à
seguinte conclusão: "Está mais do que na hora de pregar-lhes a lei, para
que não suceda que, enquanto eu vivo despreocupado, meus ouvintes rumem para o
inferno e no Último Dia me acusem, dizendo que sou o culpado pelo fato de eles
agora terem de sofrer o tormento eterno".
{Quando as pessoas se entregam à pratica de toda sorte de
pecados e julgam que todos devem considera-los fiéis cristãos, desde que venham
aos cultos e participem da Santa Ceia, isto não pode ser ignorado no sermão.}
Paulo
não eliminou a possibilidade de, reassumindo o trabalho na congregação de
Corinto, ainda encontrar membros impenitentes em seu meio, o que tornaria
imperioso que ele os despertasse. Pouco lhe importava se sua atitude pudesse
despertar oposição e inimizade da parte do povo, numa época pagã e sodomita
como aquela. Ele avisa que não vai poupá-los. Procuraria fazer com que
compreendessem que estavam destinados para a condenação eterna, caso não
houvesse arrependimento. Ele iria censurá-los por pretenderem ser considerados
cristãos, apesar de ainda continuarem a pecar contra sua consciência.
Assim sendo, não podemos pregar o
evangelho aos pecadores endurecidos; devemos, isto sim, anunciar-lhes a lei.
Se quisermos levar nossos ouvintes para o céu, é necessário que, em nossa
pregação, primeiramente os conduzamos numa viagem através do inferno. Nossa
pregação deve levar os ouvintes à morte, para que possam receber vida através
do evangelho. Em primeiro lugar, precisam ser levados a dizer de coração:
"Eu sou uma pessoa perdida e condenada", para que, depois disso,
sejam levados pelo evangelho a clamar com júbilo: "Que pessoa feliz que
sou!" Primeiramente a lei deve reduzi-los a nada, para que, através do
evangelho, possam ser algo para a glória da graça de Deus.
{Em
primeiro lugar, precisam ser levados a dizer de coração: “Eu sou um pessoa
perdida e condenada”, para que depois disso, sejam levados pelo evangelho a
clamar com júbilo: “Que pessoa feliz que sou!”}
9ªTESE
Em quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando, ao invés da palavra e dos sacramentos, se indica o
caminho das orações e lutas com Deus aos pecadores que foram atingidos e
atemorizados pela lei, para que dessa maneira, alcancem o estado da graça. Em
outras palavras: quando lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até
sentirem que Deus os recebeu em sua graça.
Convém que examinemos alguns
exemplos da Escritura Sagrada para que, deste modo, sejamos certificados por
Deus quanto à maneira correta de aplicar (bem) a palavra, bem como para fazer
frente aos erros mencionados nesta tese. Volvamos nossa atenção para os
apóstolos de Cristo que, certamente souberam aplicar a palavra de Deus
corretamente, bem como indicar o caminho certo aos pecadores atemorizados que
estavam em busca de sossego, paz e certeza de que se achavam no estado da
graça, com Deus.
Atos 2: Tão logo as palavras do
apóstolo tinham surtido efeito no coração das pessoas, elas "perguntaram a
Pedra e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos?"
Pedro respondeu-lhes:
"Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome Cristo para a
remissão dos vossos pecados". Metanoìte (arrependei-vos) significa:
"Mudai de mentalidade". Refere-se, obviamente, à assim denominada
segunda parte do arrependimento, isto é, refere-se à fé. A expressão
"arrependei-vos" é uma sinédoque, isto é, uma figura de linguagem em
que se menciona o todo, o arrependimento, querendo indicar apenas uma parte, a
fé. Isto porque a lei já surtira efeito nesses ouvintes; faltava-lhes apenas a
fé. Logo, não era a intenção de Pedro levar essas pessoas à salvação através
de um sentimento de angústia, agonia e terror maior ainda do que aquele
que estavam experimentando. Seus corações tinham sido quebrados e, com isso,
ele se deu por satisfeito. Essas pessoas estavam preparadas para ouvir o
evangelho e recebê-lo em seus corações. Por esse motivo, o apóstolo diz:
"vocês precisam mudar de mentalidade e crer no evangelho do crucificado;
abandonem todos os seus erros passados e se deixem batizar imediatamente em
nome de Jesus Cristo para o perdão dos pecados".
{Para aqueles que têm consciência dos próprios erros e
buscam perdão, a pregação de arrependimento tem o sentido de confiem, acreditem
no perdão, busquem consolo na doce mensagem do evangelho.}
Este foi o único pedido que o
apóstolo fez a seus ouvintes: que dessem ouvidos às suas palavras e buscassem
consolo nesta doce mensagem, nesta promessa do perdão dos seus pecados, de vida
e salvação. Nada nos é dito a respeito de medidas tais como as adotadas pelas
seitas de nossos dias.
Atos 16.26,27: "De repente, sobreveio
tamanho terremoto, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se
todas as portas,' soltaram-se as cadeias de todos. O carcereiro despertou do sono e,
vendo abertas as portas do cárcere, puxando da espada, ia suicidar-se, supondo
que os presos
tivessem fugido". Caso os prisioneiros fugissem da prisão, o carcereiro era considerado
responsável. Quando se tratava de indivíduos realmente perigosos, o carcereiro
estava sujeito à pena de morte. Tendo isso em mente, o carcereiro de Filipos
chegou à conclusão: Já que de qualquer maneira estou condenado à morte, de que
me adianta continuar vivendo? É preferível que eu mesmo dê cabo da minha vida.
"Mas Paulo bradou em alta
voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos!" (v. 28) Esse brado
deve ter causado uma tremenda impressão sobre o carcereiro!
Os salmos que os apóstolos haviam
cantado, certamente, fizeram-no ver que se tratava de homens que queriam
anunciar ao povo como alcançar um destino feliz além do Hades. Extremamente
aterrorizado, ele suplica: "Senhores, que devo fazer para que seja
salvo?" (v. 30) Se os apóstolos tivessem sido entusiastas, fanáticos,
certamente teriam dito: "Meu caro amigo, isto não é tão simples assim.
Para que um indivíduo ímpio, infame, como você, possa ser salvo, é necessário que lhe prescrevamos
uma complexa e demorada cura". Mas eles não disseram nada disso.Viram no
carcereiro uma pessoa preparada para ouvir o evangelho. Ele era ainda
tão pagão quanto tinha sido anteriormente. Ele ainda não estava em condições de
odiar o pecado. Ele não diz nada a respeito disto tudo. Tudo o que ele deseja é
escapar da punição do pecado e alcançar um feliz e abençoado destino
pós-túmulo.
{Ele era ainda tão pág]ap quanto
tinha sido anteriormente. Ele ainda não estava em condições de odiar o pecado.
Mesmo assim foi recebido na comunhão da fé.}
Naquela
mesma noite, o carcereiro foi convertido, recebeu a fé e a certeza de que Deus
o aceitara e estava reconciliado com ele. Tornou-se, assim, um filho amado de
Deus.
Que
medidas tomaram os apóstolos? Nada além de anunciar-lhe o evangelho de modo
incondicional. Sem impor condições de espécie alguma, eles lhe disseram: “Crê
no Senhor Jesus". Esse fato demonstra o procedimento dos apóstolos.
Sempre que, através da palavra, a
fé tinha sido criada, imediatamente batizavam. Eles não disseram:
"primeiramente precisamos administrar-lhe um extensivo curso para que
você possa entender todos os artigos da fé cristã de modo exato e em
profundidade. Depois disso, você passará por um período de experiência para
vermos se você tem condições de ser um cristão realmente aprovado". Nada
disso. O carcereiro quer ser batizado, porque sabe que, através do batismo, ele
entrará no reino de Cristo: e ele foi batizado imediatamente.
{Em outras palavras a congregação
quando demora a dar aos seus novos membros certeza de que permanecem no corpo
de Cristo, de que fazem parte de um grupo (Koinonia), torna-se culpado do
afastamento dos mesmos.}
Atos 22: Ananias não disse a
Paulo: "Em primeiro lugar você precisa orar até sentir a graça
internamente". Não; ele disse apenas: "Agora que você conheceu o
Senhor Jesus, seu primeiro passo deve ser o batismo para que sejam lavados os
seus pecados. E então invoque o nome do Senhor Jesus". Esta é a ordem
salvífica correta: o homem somente pode orar pela graça de Deus depois que ele
já a recebeu. Antes disso, ele simplesmente não pode orar.
Neste incidente nos é apresentado
o modo de agir do próprio Senhor. Este certamente deve saber como tratar com
pobres pecadores. Tão logo Saulo estava atemorizado por causa de seus pecados,
Jesus trouxe-lhe o seu consolo. Ele não exigiu que experimentasse
primeiramente toda sorte de sentimentos, mas, sim, imediatamente anunciou-lhe
a palavra da graça. Isso nos mostra como o verdadeiro ministro de Cristo deve
proceder quando tem por objetivo levar os pecadores, arrasados pela lei, à
certeza da graça de Deus em Cristo Jesus.
{Pregação da lei que não visa a
oferecer a certeza da graça de Deus de Cristo Jesus não tem função espiritual.}
O método das seitas é precisamente o
inverso desse. É verdade que elas também pregam a lei em primeiro
lugar. Pregam-na energicamente, o que está correto. O único aspecto em que
erram, nesta parte de sua pregação, diz respeito à maneira como descrevem os
tormentos infernais. Fazem-no de um modo tão drástico que, ao invés de tocar o
fundo do coração, ativam a fantasia na imaginação do ouvinte. Em geral, suas
pregações sobre a lei e suas terríveis ameaças são excelentes; falham apenas
quanto ao não apresentá-la em seu sentido espiritual. Ao invés de levarem seus
ouvintes ao reconhecimento de que são pecadores miseráveis, perdidos e condenados, merecedores
do castigo eterno, levam-nos a um estado mental que os faz dizer: "Não é
algo terrível, ouvir Deus proferindo ameaças tão horrorosas por causa do
pecado?" Se, através da pregação da lei, você não levar o homem a se
desfazer completamente do manto da justiça própria e declarar-se uma criatura
miserável, um homem perverso, que a todo instante está pecando através de más
inclinações, pensamentos, desejos, disposição de espírito e aspirações de toda
sorte, esteja certo de que você não pregou a lei corretamente. Quem prega a lei
deve fazer com que a pessoa suspeite de si mesma constantemente, até a hora de
sua morte, e confesse: "Eu sou uma criatura miserável! O bem que faço, é
na verdade algo que Deus realiza através de mim". Se o coração do
indivíduo não estiver neste estado, ele não estará devidamente preparado para
receber o evangelho.
Mas, a incorreta pregação da lei
ainda não é o aspecto mais negativo nas seitas. O pior é que elas deixam de
pregar o evangelho aos atemorizados e angustiados. Pensam que cometeriam o pior
pecado, caso imediatamente apresentassem o consolo para tais pessoas.
Apresentam, então, uma extensa lista de pré-requisitos que devem ser cumpridos
pela pessoa para orar, com que intensidade deve lutar, contender e gritar até
que finalmente possa
dizer: Agora sinto que recebi o Espírito Santo e a graça divina" e
então se levante, gritando: "Aleluia!"
{Erram
aqueles que não apresentam lgo o consolo para pessoas angustiadas. Erram também
ao lhe apresentar uma extensa lista de pré requisitos que, se possível, devem
ser cumpridos pela pessoa para que ela seja recebida na graça e no convívio
pleno da igreja.}
Esses sentimentos que se requerem
podem, entretanto, ter uma origem bem diversa da que eles imaginam. É possível que, ao invés do testemunho do Espírito Santo, seja um efeito
físico resultante da vigorosa mensagem do pregador. Isso explica por
que muitas pessoas das mais bem-intencionadas, que se tomaram crentes, em
determinado momento sentem que têm
o Senhor Jesus e, logo depois,
sentem que o perderam novamente; em determinado momento, imaginam que estão na
graça e, em seguida, afirmam que decaíram da graça.
{Vigorosa mensagem no sentido de
empregar técnica ou método de persuasão que anula ou intimida o ouvinte. Também
se identifica como “lavagem cerebral” ou “pressão do grupo de individuo”,
técnicas estas largamente difundidas hoje também me igrejas.}
Esta prática errônea é resultante
de três terríveis equívocos:
Primeiro: As seitas não crêem nem ensinam a
verdadeira e completa reconciliação entre Deus e o homem. Isto porque julgam que nosso Pai celeste é um
Deus extremamente rigoroso, que precisa ser comovido através de amargos
clamores, intercessões e lágrimas. Isso implica negar o mérito de Jesus Cristo
que, há muito tempo, reconciliou o mundo com Deus, fazendo com que Deus agora
tenha uma disposição favorável para com os homens. Deus não deixa nada pela
metade, inacabado. Em Cristo, ele ama todos os pecadores indistintamente. Os
pecados de todos os pecadores foram cancelados. Toda a dívida foi paga. Não há
nada que o pobre pecador tenha a temer, quando se aproxima de seu Pai celeste,
com o qual está reconciliado por causa de Cristo.
Entretanto, os homens imaginam
que, depois que Cristo fez a sua parte, cumpre igualmente a nós realizar nossa
parcela. Julgam que o esforço conjugado de Cristo e do homem é que
efetua a reconciliação. Para as seitas, reconciliação é isto: o Salvador fez
com que Deus se mostrasse disposto a salvar os homens, desde que estes, por sua
vez, se demonstrem dispostos a serem reconciliados. Esse, contudo, é um
antievangelho. Deus está reconciliado! Por isso, Paulo roga que nos
reconciliemos com Deus (2 Co 5.20). Isso equivale a dizer: Deus está
reconciliado com vocês por causa de Jesus Cristo! Por isso, agarrem-se à mão
que o Pai celeste está estendendo. Além disso, o apóstolo declara: "Um
morreu por todos, logo todos morreram" (2 Co 5.14). Isso vem a significar:
Cristo morreu pelos pecados de todos os homens; logo, a morte de Cristo é como
se todos os homens tivessem morrido em pagamento do resgate de seus pecados.
Por isso, da parte do homem nada se requer com vista à reconciliação; Deus já
está reconciliado. A justificação já é uma realidade, não cabe ao homem tratar
de consegui-la. Toda tentativa do homem, nesse sentido, é um crime horrendo,
uma luta contra a graça, contra a reconciliação e a perfeita redenção do Filho
de Deus.
{O “Antievangelho”, armadilha
sutil à espreita de cada pregador tentando a avaliar as “demonstrações”de fé de seus ouvintes no
sermão.}
Segundo: As seitas erram no que ensinam a
respeito da fé. Consideram o evangelho uma mera instrução que mostra ao homem o
que deve fazer para que receba a graça de Deus. Isto está errado; o evangelho
não é outra coisa senão a mensagem de Deus ao homem, que diz: "Vocês foram
redimidos de seus pecados; vocês estão reconciliados com Deus; seus
pecados estão perdoados".
{O evangelho é a afirmação de
Deus de salvação incondicional que o pregador cristão deve aos que ouviram a
lei.}
Terceiro: As seitas erram no que ensinam a respeito da fé.
Consideram-na uma qualidade dentro do homem, que tem
por objetivo aperfeiçoá-la. E pelo fato de a fé aperfeiçoar, melhorar o homem
é que eles a julgam tão importante e salutar.
É evidente que não se pode negar que a fé genuína
transforma o homem completamente. A fé faz com que o amor inunde o coração
humano. Onde há fogo, há calor; do mesmo modo, onde existe fé, é inevitável que
haja amor. Todavia, não é esse aspecto da fé que nos justifica, que nos dá o
que Cristo já adquiriu para nós e que, portanto, já é nosso, desde que seja
aceito. Para a pergunta: "Que devo fazer para que seja salvo?" a
Escritura tem a seguinte resposta: "Você deve crer; não resta nada que
você mesmo possa fazer". Foi assim que o apóstolo respondeu a essa
pergunta. O que ele disse ao carcereiro na realidade foi isto: "Nada lhe
resta a fazer senão aceitar o que Deus fez por você; você vai recebê-lo e será
uma pessoa feliz" .
{A fé produz o amor. Mas não é esse aspecto da fé que
nos justifica, que nos dá o que Cristo já adquiriu para nós e que, portanto, já
é nosso. As pessoas devem ser asseguradas da sua paz com Deus, não porque amam
muito Deus, mas porque confiam no amor de Deus.}
Nenhuma doutrina da Igreja Evangélica Luterana é mais
repulsiva aos reformados do que a doutrina que afirma que a graça de Deus, o
perdão dos pecados, a justiça diante de Deus, a salvação eterna são obtidos
exclusivamente através da confiança que o cristão deposita na palavra escrita,
no batismo, na santa ceia e na absolvição. Os reformados argumentam que este
caminho para o céu é por demais mecânico e, por isso, denunciam a doutrina
luterana. Eles dizem: "De que adianta comer e beber o sangue natural de
Cristo? O verdadeiro alimento que mata a fome e a verdadeira bebida que mata a
sede da alma é a verdade que desceu do céu". Por último, dizem: "De
que me adianta um homem mortal, pecador, que não pode sondar o meu coração,
afirmar que meus pecados estão perdoados? Meus pecados somente são perdoados,
quando o próprio Deus diz a meu coração que estou perdoado e permite que eu
sinta essa verdade".
O batismo, segundo a
Escritura Sagrada, não é um mero lavar com água terrena. O Espírito de Deus,
sim, o próprio Jesus com seu sangue está ligado a esta água para purificar-me
dos meus pecados. Por essa razão, Ananias diz a Saulo: "Recebe o batismo e
lava os teus pecados" (At 22.16); e Jesus diz a Nicodemos: "Em
verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito, não pode
entrar no reino de Deus" (J o 3.5). Ele menciona em primeiro lugar a água
e então o Espírito. Isso, porque é através deste batismo com água que me é
concedido o Espírito.
Em Gálatas 3.27, O apóstolo
afirma clara e inequivocadamente: "Pois todos quantos fostes batizados em Cristo, de
Cristo vos revestistes"; e em Tito 3.5-7: "Deus, segundo sua misericórdia, nos salvou
mediante o lavar regenerador e renovador de
Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo
nosso Salvador,
a fim de que, Justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a
esperança da vida eterna. Fiel é esta palavra".
Segundo a Escritura Sagrada, a
santa ceia não é uma ceia terrena, mas uma ceia celestial na terra, na qual
recebemos não apenas pão e vinho, ou apenas o corpo e sangue de Cristo, mas,
junto com estes, nos são dados e assegurados o perdão dos pecados, vida e
salvação. "Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em
memória minha". Com as palavras "por vós" Cristo quer alertar os
discípulos para o fato de que, naquele momento, eles estavam recebendo e
comendo aquele corpo cuja morte na cruz resgataria o mundo inteiro. Ele quer
alertá-los para o fato de que eles deveriam estar saltando de alegria e
contentamento, visto que o resgate pago pelos pecados de todo o mundo lhes
estava sendo, por assim dizer, colocado na boca. Ao entregar o cálice que
abençoara, Cristo disse: "Este cálice é o novo testamento no meu sangue,
que é derramado por vós". Por que razão acrescentou ele as palavras
"derramado por vós?" É que ele queria dizer: "Ao receber, nesta
santa ceia, o sangue de redenção, vocês estão, ao mesmo tempo, recebendo o que
foi adquirido na cruz através deste sacrifício. "
{Ele quer alerta-los para o fato
de que eles deveriam estar saltando de alegria e contentamento, visto que o
resgate pago pelos pecados de todo o mundo lhes estava sendo, por assim dizer,
colocado na boca.}
Por último, de acordo com a
Escritura Sagrada, a absolvição anunciada por um pobre e pecaminoso pregador
não é sua absolvição, mas a absolvição do próprio Jesus Cristo. Isso porque o
pregador absolve em função da ordem de Cristo, em lugar de Cristo, em nome de
Cristo. Cristo disse a seus discípulos: "Assim como o Pai me enviou, eu
também vos envio" (Jo 20. 21). Qual é o significado dessas
palavras? Simplesmente este: "Eu fui enviado por meu Pai. Quando eu me
dirijo a vocês, estas minhas palavras são as de meu Pai. Vocês não devem levar
em conta a forma humilde em que me apresento. Eu venho em nome do Pai, em lugar
do Pai, e as promessas que faço são palavras de meu Pai. Do mesmo modo como meu
Pai me enviou, eu estou enviando vocês. Vocês também devem falar em meu nome,
em meu lugar". Por isso, ele acrescenta: "Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perda
ardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos".
O Espírito Santo vem aos homens
através da palavra. Um indivíduo pode imaginar que está cheio do Espírito a
ponto de transbordar, quando, na verdade, tudo não passa de seu próprio
espírito que está imbuído de fanatismo. O verdadeiro Espírito é recebido
apenas mediante a palavra de Deus. Em cada passagem da Escritura Sagrada, em
que se relata a conversão de pessoas, vemos que Deus quer tratar com o homem
apenas mediante palavra e sacramentos.
A uma pessoa que está em
condições de ouvir, posso anunciar o evangelho mediante palavras. Em se
tratando de uma pessoa surda, que não pode ser atingida por palavras, posso
atingir meu alvo, tomando um quadro do nascimento de Cristo com os anjos saindo
dos céus, ou um quadro da sua crucificação. Por meio de gestos, posso instruir
o surdo sem dizer uma única palavra. É exatamente isso que Deus faz nos
sacramentos; estes, por assim dizer, nos apresentam, através de um quadro,
aquilo que Deus proclama de modo audível na palavra. "Os sacramentos são a
palavra visível". O autor desse belo axioma é Agostinho. Por esse motivo,
quem deprecia e despreza os sacramentos, na verdade, está desprezando a
própria palavra. Ridiculariza a Deus, fazendo com que ele não passe de um
inditoso mestre de cerimônias, que nos prescreveu toda sorte de pantomimas
apenas para exercitar nossa fé.
As assim denominadas igrejas
protestantes que se encontram fora do círculo da Igreja Evangélica Luterana,
nada sabem do verdadeiro acesso ao perdão dos pecados que se dá através da
palavra e, de modo mais generalizado, através dos meios
da graça. Isso se demonstra, em especial, no fato de rejeitarem a absolvição que o
pastor anuncia em público e no aconselhamento pastoral privado. Essas assim
denominadas igrejas protestantes afirmam que, de todas as igrejas protestantes,
a que menos foi reformada é precisamente a Luterana. Isto porque, segundo eles,
a Igreja Luterana ainda conserva muito do fermento da Igreja Romana, sendo que
o pior de tudo é a absolvição.
{Da mesma forma deve-se dize: O
pregador luterano que sonega aos seus ouvintes, ou não recebe nesta graça,
ampla, incondicional, esta induzindo o menosprezo a graça à qual deve conduzir
os seus ouvintes uma vez que tenha ouvido a lei de Deus.}
Contudo, o que nós ensinamos é
completamente diferente do que aquilo que eles pensam. Ensinamos que "o
ofício das chaves é o poder peculiar que
Cristo deu à sua igreja na terra, para perdoar os pecados aos pecadores
penitentes e reter os pecados aos impenitentes, enquanto não se
arrependerem". Convém notar esta frase: "o poder peculiar que Cristo
deu à sua igreja!" Essas palavras deixam claro que este
poder foi dado, não aos pregadores, mas, sim, à igreja. Os pregadores não são a
igreja; eles são servos da igreja. Se eles são cristãos, também são detentores
do ofício das chaves, juntamente com os demais cristãos. Entretanto, o ofício
das chaves não é exclusividade dos pregadores; ele pertence à igreja, a cada
um dos membros da igreja. O mais humilde empregado possui as chaves, tanto
quanto o mais estimado superintendente geral.
Os luteranos praticam a absolvição baseados nos seguintes fatores:
1. Cristo, o Filho de Deus, tomou sobre si e atribuiu
a si todos os pecados de cada um dos pecadores, considerando-os como sendo seus
próprios pecados. Por esse motivo, João Batista aponta para Cristo, dizendo:
"Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!" (J o 1.29)
2. Cristo, através de sua vida humilde, seu
sofrimento, crucificação e morte, apagou os pecados e adquiriu remissão de
todos eles. Nenhum homem foi excluído desse plano, desde Adão até o último que
vier a nascer sobre a face da terra.
3. Ressuscitando a Jesus dentre os mortos, Deus Pai
confirmou, colocou o selo da aprovação sobre a cruz. Através da ressurreição
de Cristo, Deus declarou: "Sobre a cruz, este meu Filho clamou: 'Está
consumado'; e eu agora anuncio: 'Está consumado de fato!' Vocês, pecadores,
estão salvos. Há perdão de pecado para todos. O perdão já é uma realidade; não
lhes resta mais nada a fazer".
4. Cristo ordenou que se pregasse o evangelho a toda a
criatura. Ordenou, também, que se pregasse perdão de pecados a todos os homens
e que se lhes levasse a boa notícia: "Tudo o que é necessário para a
salvação de vocês já foi feito. Se vocês perguntam: 'que devemos fazer para que
sejamos salvos?’ então lembrem-se de que tudo já foi feito. Nada mais resta a
fazer. Basta que vocês creiam que tudo isso foi feito por vocês, e vocês serão
salvos".
5. Cristo não apenas ordenou que seus apóstolos e
sucessores de ofício pregassem o evangelho e o perdão dos pecados em geral,
mas, também, que anunciassem este doce conforto:
"Você está reconciliado com Deus" a
indivíduos que desejam ouvi-lo em particular. Porque, se o perdão de pecados
foi adquirido para todos, então ele também o foi para cada um individualmente.
Se eu posso oferecê-lo para todos, posso igualmente oferecê-lo a cada um em
particular. Não somente posso fazê-lo; foi-me ordenado que o fizesse. Caso me
negar a fazê10, serei um servo de Moisés e não um servo de Jesus
Cristo.
6. Agora que o perdão dos pecados já foi adquirido,
não somente o pastor está, de modo especial, incumbido de sua proclamação; cada
cristão, homem ou mulher, adulto ou criança, tem a incumbência de fazê-lo. A
absolvição anunciada por uma criança é tão segura como a de S. Pedro, sim, tão
certa como a absolvição do próprio Cristo, caso ele novamente estivesse diante
dos homens de modo para anunciar: "Seus pecados estão perdoados". Não
há diferença alguma; o que importa não é o que o homem pode fazer, mas o que já
foi feito por Cristo.
{A absolvição na boca de cada cristão e cristã é tão
segura como a absolvição de S. Pedro, sim, tão certa como a absolvição do
próprio Cristo... o que importa não é o que o homem pode fazer, mas o que já
foi feito por Cristo.}
A remissão dos pecados não se fundamenta em algum poder
misterioso do pastor, mas, sim, no fato de que Cristo, muito tempo atrás, tirou
os pecados do mundo e que, agora, cada um está incumbido de falar a seu
semelhante a respeito disso. É claro que esta é uma incumbência que compete, de
modo especial, aos pregadores, todavia não em virtude de algum poder inerente a
eles, mas porque Deus instituiu seu oficio para a administração dos meios da
graça: palavra e sacramentos. É evidente que, numa emergência, um leigo tem
autoridade para realizar o que um prelado ou um superintendente faz, e isto de
modo legítimo e eficaz.
{O Ofício do ministério exite em função do seu
objetivo: para administração dos meios de graça ou levar os pecadores à certeza
de Deus em Cristo Jesus.}
A contrição é necessária, todavia não para servir de
meio para a aquisição do perdão dos pecados. Se eu sou um orgulhoso fariseu,
por que haveria de me preocupar com o perdão dos pecados? Minha atitude será
idêntica à do glutão, saciado, que despreza a melhor comida e bebida que lhe são
oferecidas.
Convém que não interpretemos mal a Lutero. Ele não ofereceu
o consolo do evangelho a pecadores que viviam em segurança carnal; para esses,
ele não tinha nada de conforto a dar. Mas quando se tratava de uma pessoa
contrita e que ansiava pelo perdão dos pecados, ele prontamente dizia: Aqui
está o perdão; aceite-o e você o terá.
Lutero está igualmente certo, quando aconselha que não
se deve procurar investigar a respeito da qualidade ou da suficiência da
contrição. Isto porque qualquer um que quer depositar nisso sua confiança,
fatalmente estará edificando sobre areia. Pelo contrário, o que o indivíduo
deve fazer é louvar a Deus pelo fato de já ter recebido a absolvição; e então
sua contrição também será boa. Não devemos fundamentar a validade de nossa
absolvição sobre a contrição; ao contrário, a contrição é que deve fundamentar-se
na absolvição.
Lutero
insiste em que se tenha fé nas palavras de Cristo:
"Seus pecados estão perdoados". Duvidar
dessa afirmação equivale a fazer Cristo de mentiroso. Mesmo que o pastor anunciasse
o perdão a uma tal pessoa por dez vezes consecutivas, isto de nada lhe
adiantaria. Não podemos auscultar os corações das pessoas. Mas isso também não
é de todo necessário. O que devemos fazer é voltar os nossos olhos tão somente
para a palavra de nosso Pai celeste, a qual nos informa que Deus absolveu todo o
mundo. E esse fato nos dá a certeza de que todos os pecados de todos os homens
foram perdoados.
Isto vale, também, para o malfeitor da pior espécie
que planeja um arrombamento para roubar e saquear? Há perdão para este? É
evidente! O motivo, porém, por que esta absolvição de nada lhe aproveita é que
ele não aceita o perdão que lhe é oferecido; ele não crê na sua absolvição. Se
ele desse crédito ao Espírito Santo, deixaria de roubar.
Seria correto dar a absolvição a um patife desta
espécie? Se você souber quem é, estará errado, pois você sabe, de antemão, que
ele não vai aceitar o perdão. Estar consciente disso e, mesmo assim,
administrar-lhe o sagrado ato da absolvição, implica cometer um grande e
terrível erro. Entretanto, a absolvição em si sempre é válida. Se Judas
tivesse ouvido a mensagem do perdão, Deus teria perdoado os seus pecados;
contudo, teria sido necessário que ele aceitasse o perdão. Para obter esse
grande tesouro que é o perdão, deve haver alguém que o conceda e um outro
alguém que o receba. Uma pessoa descrente pode pensar e até mesmo afirmar que
aceita o perdão, todavia em seu coração ela está determinada a levar adiante A
última parte da nona tese nos mostra, em especial, que a palavra de Deus não é
aplicada corretamente "quando ... se indica o caminho das orações e lutas
com Deus aos pecadores que foram atingidos e atemorizados pela lei, para que,
dessa maneira, alcancem o estado da graça. Em outras palavras: quando lhes é
dito que devem permanecer em oração e luta até sentirem que Deus os recebeu em
sua graça.
Há pessoas que se consideram cristãos fiéis quando,
na realidade, são espiritualmente mortos. Nunca sentiram uma verdadeira
angústia por causa dos seus pecados. Nunca foram aterrorizados por causa
deles; o inferno que merecem jamais os amedrontou. Nunca caíram de joelhos
diante de Deus, chorando amargamente sua terrível, maldita condição sob o jugo
do pecado. Muito menos ainda choraram de alegria e glorificaram a Deus por sua
misericórdia. Lêem e ouvem a palavra de Deus sem que esta lhes cause um impacto
especial. Vão ao culto, recebem a absolvição, contudo não se sentem reconfortados;
participam da santa ceia sem sentir absolutamente nada, permanecendo frios.
Quando, esporadicamente, em seu íntimo, passam a preocupar-se com sua
indiferença em assuntos pertinentes à salvação e com sua
falta de consideração para com a palavra de Deus, então procuram acalmar seus
corações, dizendo que a Igreja Luterana ensina que a falta de sentimento não
quer dizer nada. Argumentam que essa falta de sentimento não vai prejudicá-los
e que, apesar disso, continuam sendo fiéis cristãos, porque julgam que têm fé.
Entretanto, eles estão terrivelmente enganados. Quem
se encontra na situação acima descrita, não tem nada além de uma fé morta, uma
fé no intelecto, uma fé ilusória, ou - para ser mais drástico - uma fé apenas
de boca. Seus lábios dizem, "eu creio", mas o coração não está
consciente disso. O indivíduo que não pode afirmar, conforme o Salmo 34.8, que
ele provou e viu que o Senhor é bom, este não deve afirmar que se encontra no
estado da fé verdadeira. Além disso, o apóstolo Paulo diz (Rm 8.16): "O
próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus".
É possível que o Espírito Santo testifique dentro de nós sem que o sintamos? Diante dum tribunal, a
testemunha deve falar de um modo que possibilite ao juiz ouvir o que ela está
dizendo. O mesmo é necessário em nosso caso. De acordo com a palavra de Deus,
quem nunca sentiu o Espírito testemunhando que ele é filho de Deus, este
é espiritualmente morto. Ele não pode apresentar testemunho a seu favor e erra
quando, apesar de tudo, se considera um fiel cristão.
{A
fé como experiência interior da misericórdia de Deus se traduz em paz e
alegria.}
Romanos 5.1: Justificados, pois,
mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. A paz objetiva, estabelecida
através do sangue de Cristo, já é uma realidade antes mesmo de nossa
justificação. Logo, o apóstolo deve estar falando de uma paz que se percebe,
sente e experimenta.
Romanos 14.17: Porque o reino de Deus não é comida e nem
bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. O apóstolo não
se refere a uma alegria mundana ou carnal, mas, sim, à alegria no Espírito.
Quem experimentou todas as demais, menos a alegria no Espírito, este é
espiritualmente morto.
O exemplo que temos na vida dos
santos vem ao encontro desse ponto de vista. Seus corações continuamente
irrompiam em louvores a Deus por tudo o que Deus fizera com eles. Esse louvor
pressupõe que seus corações estavam conscientes da misericórdia do Senhor para
com eles. Poderia ter Davi exclamado: "Bendize, ó minha alma, ao Senhor,
e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao
Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa
todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as tuas enfermidades" sem que
para tanto tivesse tido uma experiência interior?
{....seu coração se comove toda
vez em que lhe vem à mente o amor de seu
Salvador. Por outro lado, ele também dirá que , apesar certeza de ter
alcançado a graça, ele é frequentemente sobressaltado por temores e angustias
em vista da lei.}
Por último, pergunte a qualquer
indivíduo que apresenta todas as características de um cristão fiel, se ele
experimentou todas essas coisas das quais ele fala, e você verá que sua resposta
vai ser afirmativa. Ele vai assegurar-lhe que seu coração se comove toda vez em
que lhe vem à mente o amor de seu Salvador. Por
outro lado, ele também dirá que, apesar da certeza de ter alcançado a graça,
ele é freqüentemente sobressaltado por temores e angústias em vista da lei.
Muitas
pessoas afirmam que, para obter a certeza do perdão dos pecados, é necessário que se ore, lute e faça um empenho tal
até que, finalmente, um sentimento de alegria brote no coração do indivíduo,
indicando, de um modo misterioso, que a graça está em seu coração e que agora
ele pode consolar-se com o perdão de seus pecados. Quem afirma isso, faz uma
grave confusão entre lei e evangelho. Por outro lado, a graça propriamente dita
nunca está no coração do homem, mas, sim, no coração de Deus. Em primeiro
lugar, a pessoa deve crer; depois disto ela poderá igualmente sentir. O
sentimento provém da fé, e nunca o inverso. Se a fé do indivíduo provém do
sentimento, esta certamente não será a fé genuína; porque a fé requer uma
promessa divina à qual ela se apega. Logo, podemos estar certos da genuinidade
de fé daqueles que podem dizer: "Nada no mundo tem tanto valor para mim
quanto o precioso evangelho. Sobre este eu edifico minha vida".
{O Sentimento provém da fé, e
nunca o inverso. ... podemos estar certos da genuidade de fé daqueles que podem
dizer: “Nada no mundo tem tanto valor para mim quanto o precioso evengelho.
Sobre este eu edifico minha vida”.}
1 João 3.19,20: E
nisto conheceremos que somos da verdade, bem como, perante ele,
tranquilizaremos o nosso coração,' pois, se o nosso coração nos acusar,
certamente, Deus é maior do que
nosso coração e conhece todas as cousas. Há momentos em que o cristão sente a acusação de seu coração. Na
tentativa de tranqüilizá-lo, uma voz lhe dirá que ele não passa de um
condenado, que não há perdão de pecados nem misericórdia para ele, que ele não
é filho de Deus e que, portanto, não pode contar com a vida eterna. Para aquele
que passa por essa experiência, o apóstolo diz: "Se o nosso coração nos
acusar, certamente Deus é maior do que nosso coração" . Isto significa: O
nosso coração na verdade é um juiz; todavia, não passa de um juiz subalterno.
Um juiz superior, isto é, Deus está acima do nosso coração. Por esse motivo,
posso dizer a meu coração: "Tranqüiliza-te!"; e à minha consciência:
"Cala-te!" E isso porque apelei ao supremo tribunal e inquiri de
Deus, o Supremo Juiz, se estou livre de meus pecados ou não; e o supremo
tribunal, que sempre pode alterar a sentença de um tribunal de instância
inferior, decretou que meus pecados estão perdoados, porque estou apegado à
palavra de Deus. Feliz é aquele que, pela graça de Deus, realmente crê nisso!
Ainda que todos os demônios gritem desde o inferno: "Você está
condenado!", ele pode responder-lhes: "De maneira nenhuma; eu não
estou condenado mas, sim, estou salvo para sempre. Aqui está a evidência
escrita na palavra de Deus". E a seu tempo, a sensação da graça voltará a
tomar conta de sua vida. É possível que, no
preciso instante em que determinado cristão imagina que lhe falta o sentimento,
ele não passa de um indivíduo frio, morto, miserável, perdido, para quem a
palavra de Deus tem gosto de podridão, que não aprecia o perdão e carece do
testemunho do Espírito dentro de si - é possível que, num momento desses,
inesperadamente, um sentimento de grande alegria inunde seu coração. Deus não
permitirá que ele fique no lamaçal do desespero.
Deve ficar claro, entretanto, que não podemos
prescrever normas para Deus. Existe uma grande diferença de cristão
para cristão. Alguns têm a ventura de serem conduzidos por Deus através de um
caminho sem muitos obstáculos; desfrutam uma sensação agradável contínua e
nunca são sobressaltados por fortes conflitos. Porque as pessoas que notam que
suas experiências harmonizam com a palavra de Deus, não precisam mais lutar
por essa harmonia. Outros, entretanto, são quase que continuamente conduzidos
por Deus através de caminhos tenebrosos, caminhos de grande angústia,
tremendas dúvidas e aflições as mais diversas. Neste último caso, devemos
saber distinguir entre aquele que é espiritualmente morto e aquele que está
aflito. Essa distinção não é difícil. Se eu me preocupo com a falta de um maior
sentimento da graça em minha vida, e se eu o desejo ansiosamente, esse fato vem
provar que eu sou cristão. Porque aquele que deseja crer, já é crente. Ou seria
possível que alguém se mostrasse disposto a crer em algo que ele considera falso?
Ninguém deseja ser iludido. Tão logo eu desejo crer em algo, eu, na verdade, já
estou crendo, secretamente.
{Deus não estabeleceu um cristão padrão. Pregar tendo
em vista um cristão “ideal” em qualquer aspecto contradiz o ensinamento do
evangelho. Deus decidiu aceitar todos e conceder a cada um dons diferentes que
se desenvolvem na experiência da fé.}
João 20.29: Disse-lhe Jesus: Porque me viste,
creste? Bem-aventurados os que não viram e creram. A admoestação
que o Senhor dirige a Tomé mostra que, em primeiro lugar, devemos crer para
somente então ver, e não primeiramente querer ver para crer. Se isso é assim,
então também fica claro que não devemos, em primeiro lugar, sentir, mas crer e
então esperar que Deus nos conceda a doce sensação de que nossos pecados nos
foram tirados.
Hebreus
11.1: Ora, a fé é a certeza de causas que se esperam, a convicção de fatos
que se não vêem. Se essa é a definição de fé, a saber, uma confiança
inabalável, segura, um não duvidar, não vacilar, então é evidente que essa fé
não deve ser baseada se vê, sente e experimenta. Se assim for, estaremos edificando sobre a areia. E a estrutura
edificada sobre a areia desmorona em pouco tempo.
O grande erro que todas as seitas têm em comum é o seguinte:
elas confiam, antes de tudo, naquilo que se passa em seu íntimo ao invés de
confiar unicamente em Cristo e sua palavra. Via de regra, imaginam que tudo
está bem em suas vidas, porque se converteram. Como se isso fosse garantia de
que se vai alcançar o céu! Para essa garantia ter certeza não devemos voltar
nossos olhos para a nossa conversão; ao contrário, devemos, sempre de novo,
dia após dia, recorrer ao nosso Salvador como se, na verdade, nunca tivéssemos
sido convertidos. Minha conversão no passado de nada me adiantará, se eu me
transformar num pecador impassível. Devo dirigir-me diretamente ao trono da
graça. Caso contrário, isto é, se depositar a confiança em minha conversão,
que se deu no passado, estarei fazendo com que essa conversão seja meu
salvador. Isso seria terrível; porque, em última análise, eu mesmo seria meu
salvador.
O TRABALHO PASTORAL VISA A PROMOVER A FÉ MA PROMESSA
DE DEUS. ENTÃO, DEUS CONCEDE AO OUVINTE A DOCE SENSAÇÃO DE QUE SEUS PECEDOS
FORAM TIRADOS.
10ª TESE
Em sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o pregador descreve a fé de um modo que a entender que uma
mera aceitação passiva de certas verdades justifica e salva diante de Deus,
mesmo que se esteja vivendo em pecado mortais; ou; também, quando se dá a
entender que a fé justifica e salva, porque produz o amor e transforma a vida
das pessoas.
{“Jamais passou pela cabeça de Lutero apregoar uma fé
que somente devesse crer o que a igreja crê (Edição ampliada)}
Lutero ensinava que todo aquele que desejava ser salvo
deveria ter uma fé que se manifestasse em amor espontâneo e fosse operosa em
boas obras. Isto não significa que a fé salva em virtude do amor que emana
dela, mas, sim, que a fé, que é obra do Espírito Santo e não pode senão
manifestar-se através de boas obras, justifica pelo fato de se apegar às
graciosas promessas de Cristo, pelo fato de apreender a Cristo. Ela se
manifesta em boas obras, precisamente, por se tratar da fé verdadeira. Não é
preciso que se exorte um cristão à pratica de boas obras; sua fé as fará espontaneamente.
A motivação, nesse sentido, não deve ser um senso de dever em relação ao
perdão dos pecados; a questão simplesmente é esta: ele não pode de modo
diferente. É absolutamente impossível que a fé verdadeira no coração do crente
não se manifeste em amor e boas obras.
{A fraca manifestação das obras de amor na vida do
cristão evidencia, ou pobreza na afirmação do evangelho ou resistência à
manifestação da graça de Deus.}
Gálatas 5.6: Porque,
em Jesus Cristo, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a
fé que atua pelo amor. Se a fé é
inoperante e não se manifesta em amor, isto não se deve ao fato de haver uma
falta de amor, mas ao fato de a fé que existe ser irreal, incorreta. O amor não
é algo que deve ser acrescentado à fé; ele emana da fé. Uma árvore frutífera
não produz frutos, porque alguém lhe ordena que assim seja. Não; enquanto há
vitalidade nela; enquanto ela não está seca, ela vai produzir frutos
espontaneamente. A fé é uma tal árvore; demonstra sua vitalidade, produzindo frutos.
Atos 15.9: E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles,
purificando-lhes pela fé o coração. Quem
afirma possuir uma fé inabalável, a qual ele nunca abandonará, mas ainda tem o
coração impuro, deve saber que ele se encontra em densas trevas e que, em
última análise, não tem fé. Você pode considerar verdadeiras todas as doutrinas
pregadas na Igreja Luterana; contudo, se o seu coração permanece no estado original,
possuído de amor ao pecado, se você ainda peca contra sua consciência, então saiba
que sua fé não passa de simulação. Sua fé certamente não é aquela à qual o
Espírito Santo se refere, quando emprega o termo 'fé' nas Escrituras Sagradas.
Isto porque esta fé - a genuína, a verdadeira - purifica o coração.
João 5.44: Como podeis crer, vós os que
aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do
Deus único? Estas palavras constituem uma terrível sentença do Salvador
contra aqueles que procuram a glória dos homens: eles não têm fé. Um dos frutos
da fé é precisamente este: a partir do momento em que é implantada no coração,
ela faz com que toda a glória seja dada somente a Deus.
Por natureza, todos nós somos arrogantes, orgulhosos e
ambiciosos. Somente o Espírito Santo pode banir esta tendência perniciosa de nossos
corações. Contudo, nunca nos livramos dela por completo; um resquício de mal
permanece no coração. Quando um cristão se dá conta de sua presença, ele o
detesta, recrimina a si mesmo, sente-se envergonhado a respeito de si mesmo e
pede a Deus que o livre destas abomináveis tendências para o orgulho.
As palavras do Salvador são uma pergunta retórica e
significam: vocês não podem crer simplesmente, porque crer e buscar a glória
que vem dos homens são duas coisas que não podem existir juntas. Quando a fé
toma conta do coração, ela faz com que a pessoa que crê se torne humilde diante
de Deus e diante dos homens.
Tiago 2.1: Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso
Senhor ., Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. Quem
considera o rico e despreza o sobre, somente por causa da riqueza daquele,
estará levando em conta a aparência das pessoas. E isso é algo que a fé não
pode tolerar. O cristão não considera seu semelhante do ponto de vista de sua
personalidade, mas, sim, do ponto de vista de seu relacionamento com Deus.
Para ele, um pobre mendigo, que também foi resgatado pelo sangue do Filho de
Deus, é tão digno quanto um rei ou um imperador.
Tais milagres são operados pela fé em nossos corações!
Entretanto, descrever a fé
justificadora e salvadora como sendo uma mera aceitação passiva de certas
verdades, que pode coexistir a pecados mortais, implica transformar a fé em
obra que o próprio homem pode operar em si e conservar dentro de si, mesmo
enquanto está cometendo pecado. A fé verdadeira é um tesouro que somente o
Espírito Santo nos pode conceder.
Fé e boa consciência andam de
mãos dadas. A pessoa que não tem a consciência tranqüila, certamente carece da
fé. De tais pessoas o apóstolo afirma que elas "vieram a naufragar na fé " (l Tm 1.19).
Até mesmo depois de nossa
conversão, falta-nos muito do verdadeiro temor de Deus, e todos os nossos
pecados continuam sendo pecados de vulto. Mesmo os assim denominados pecados de
fraqueza, dos quais o justo não consegue se livrar, não devem ser considerados
de pouca importância. Apesar de não extinguirem a fé, não devem ser levados na
brincadeira.
A segunda parte desta décima tese
afirma que a palavra de Deus, lei e evangelho, não é aplicada corretamente,
quando o pregador descreve a fé de um modo que dá a entender que ela justifica
e salva, porque produz amor e transforma a vida das pessoas.
O elemento, o aspecto da fé que justifica e
salva o homem, não é a renovação do coração, o amor e as boas obras que ela
produz.
Romanos 4.16: Essa é a razão por que provém da
fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda
a descendência, não somente ao que está no regime ia lei, mas também ao que é
da fé que teve Abraão (porque "Abraão é pai de todos nós). Justamente esta é a razão porque
ensinamos a justificação pela fé, diz Paulo, porque também ensinamos que a
pessoa é salva e justificada diante de Deus pela graça. Entretanto, se a fé nos
justificasse em virtude de alguma boa qualidade dentro de nós, seria falsa a
conclusão de que esta é a fé que justifica, tendo em vista que a graça que
salva e justifica. A justificação se dá por graça, através ia fé; entretanto,
não em função das boas qualidades que acompanham a fé. Essas não entram em
consideração na questão ia justificação. Na justificação, entra em consideração
apenas o fato de que
Jesus Cristo, há muito tempo, redimiu o mundo, fez e sofreu tudo aquilo que os
homens deveriam ter feito e sofrido, bem como o fato de que agora os homens
precisam , apenas aceitar essa obra como se tivesse sido realizada por eles
próprios. Logo, o caminho da salvação é este: nós não fazemos nada,
absolutamente nada para a nossa salvação; Cristo já fez tudo por nós. Basta que
nos apeguemos ao que ele fez, busquemos consolo nessa sua obra redentora
concluída e confiemos nele para a nossa salvação. Se alguma coisa que nós
devemos fazer fizesse parte da fé, à medida que ela nos justifica, então, nesta
passagem, o apóstolo estaria tirando uma conclusão falsa.
Filipenses 3.8,9: Sim, deveras
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como
refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que
procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de
Deus, baseada na fé. O apóstolo declara-se justo. Entretanto, a justiça que
ele obteve através da fé não é uma justiça própria, mas, sim, a justiça de
Cristo. Logo, se somos justificados pela fé, então o somos através de uma
justiça alheia. Deus não vê em nós absolutamente nada que ele pudesse levar em
conta para nossa justificação. Através da fé, recebemos a justiça de Alguém
Outro. Nós não a conseguimos por nós mesmos, nem contribuímos com algo para que
ela viesse a existir.
Romanos 4.5: Mas, ao que não
trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída
como justiça. Todo aquele que tem fé verdadeira reconhece que, no passado,
ele não era nada mais que um Ímpio e que um milagre da graça de Deus aconteceu
em sua vida, quando Deus, no momento em que ele creu em seu Salvador, lhe
disse: "Você agora é considerado justo. Em você não vejo nada que pudesse
justificar; contudo, eu o envolvo com a justiça de meu Filho e, de agora em diante,
não vejo em você outra cousa que não seja justiça". Todo aquele que não
vem a Cristo na qualidade de Ímpio, de maneira nenhuma pode vir a ele.
Efésios 2.8,9: Porque pela
graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de
obras, para que ninguém se glorie. Estas palavras soam como se o apóstolo sentisse que ainda não tinha dito o
suficiente, para evitar que seus leitores se desviassem para o caminho da justiça
própria. Para começar, ele diz: "Pela graça sois salvos"; então ele
acrescenta: "mediante a fé". Temendo que alguém pensasse que adquiriu
a graça através da sua fé, o apóstolo continua: "e isto não vem de
vós". Donde vem, então? "É Dom de
Deus". E, para eliminar por completo o mérito pessoal, ele acrescenta:
"não de obras", tais como o amor, a caridade. E ele conclui,
afirmando: "para que ninguém se glorie" .
Romanos 11.6: E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça. O
apóstolo esforça-se por esclarecer a questão da graça. Ele leva seus leitores a
concluir que, se admitem que sua salvação é "pela graça", ela não
pode, de maneira nenhuma, ser pelas obras, pois isso fatalmente destruiria o
conceito "graça". Adicionando-se o mérito à graça, anula-se esta
última. Por outro lado, se a salvação é pelo mérito das obras, então a graça
não entra em consideração, pois, se fosse assim, o mérito deixaria de ser
mérito. Nada resta ao indivíduo fazer, senão crer firmemente que ele foi
declarado justo pela pura, eterna, misericórdia de Deus, através da fé. O fato
de sua fé produzir bons frutos vem depois, depois que ele já recebeu tudo o que
é necessário para sua salvação. Primeiramente a pessoa é salva, e só então ela
passa a viver uma vida piedosa. Em primeiro lugar, ela deve ser herdeira do
céu, e então ela será uma pessoa diferente.
Por este motivo, Lutero diz que a religião cristã é,
em resumo, uma religião de gratidão. Todo o bem que o cristão realiza, ele
não o realiza para merecer algo. Nós também nem saberíamos o que fazer para
merecer algo. Tudo já nos foi dado: justiça, nossa herança eterna, nossa
salvação. O que nos resta fazer é agradecer a Deus. Deve-se, ainda, considerar
que Deus, em sua bondade, se dispõe a conceder uma glória especial, além da
salvação, àqueles que são fiéis de modo especial. E isso, na eternidade, não é
algo insignificante. Pois quando o Deus do amor concede estes dons de glória,
ele os dá sem medida. Na eternidade, haverá uma grande diferença de cristão
para cristão. Isso porque o insignificante "mais" que um dos santos
receber além de seus co-herdeiros, no céu, será algo extremamente
significativo, porque será de caráter eterno.
As verdadeiras boas obras são, portanto, aquelas que
fazemos impulsionados pela gratidão a Deus. Quem tem a fé verdadeira nunca vai pensar que merece algo de bom para
si em troca do que faz. Ele não pode fazer outra coisa, senão expressar sua
gratidão em amor e boas obras. Seu coração foi transformado; foi mitigado pela
riqueza do amor de Deus que experimentou. Além e acima disso, Deus é tão
gracioso que recompensa mesmo as boas que ele realiza em nós. Porque as boas
obras que o cristão faz, são, na verdade, obras de Deus.
11ªTESE
Em sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando se pretende apresentar o consolo do evangelho somente
àqueles que estão contritos pela lei, porque amam a Deus e não porque temem o
furo e o castigo de Deus.
Desde a queda em pecado, a lei exerce apenas uma
função: levar os homens ao conhecimento do pecado. A lei não tem força para
fazer o homem renascer. Este poder está exclusivamente no evangelho. Somente a
fé opera em amor; a tristeza por nossos pecados não pode fazer com que sejamos
ativos em amor. Ao contrário, nós odiamos a Deus, enquanto desconhecemos que,
em Cristo, ele se tomou nosso Deus e Pai reconciliado. Se uma pessoa não convertida
diz que ama a Deus, ela afirma uma inverdade e está vivendo em terrível
hipocrisia, mesmo que não esteja consciente disso. Tudo não passa de uma
pretensão ilusória, porque somente a fé no evangelho pode regenerar o homem.
Logo, ninguém pode amar a Deus, enquanto não tem fé. Pervertem-se lei e
evangelho, quando se exige que um miserável pecador se atemorize e lamente seus
pecados por amor a Deus.
Eis a doutrina bíblica: O pecador deve vir a Jesus tal
como está, mesmo que tenha que reconhecer que, em seu coração, só existe ódio a
Deus e ignore onde possa haver um refúgio salvador. Um verdadeiro pregador do
evangelho mostrará a tal pessoa o quão fácil é ser salvo: Quem reconhece em si
um pecador perdido e condenado, que não encontra a ajuda que procura, deve vir
a Jesus, com seu coração perverso, com todo o seu ódio contra Deus e sua lei; e
Jesus vai recebê-lo assim como ele está. Quando os homens dizem: "Jesus
recebe pecadores", isto representa o máximo para Jesus. O pecador não
precisa se tomar uma pessoa diferente, purificar-se, mudar a sua conduta antes
de vir a Jesus. A única pessoa que pode transformar a vida dele é precisamente
Jesus; e ele o fará, desde que o pecador creia.
Romanos 3.20: Visto
que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que
pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. A lei não produz amor, mas, sim, leva ao pleno conhecimento do pecado.
E esse conhecimento uma pessoa pode ter mesmo sem amar a Deus.
Rm 5.20: Sobreveio a lei para que
avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Muitos pecados se abrigam no coração daquele que ignora a
lei. Quando, entretanto, a lei lhe é pregada com todo o rigor, quando esta se
abate sobre sua consciência com a força de um raio, este indivíduo não vai
ficar melhor; pelo contrário, piorará. Ele passará a se opor a Deus, dizendo:
"O quê? Eu vou ser condenado eternamente? É verdade, eu sei que sou
inimigo de Deus. Mas isso não é culpa minha; que posso eu fazer?" Esse é o
resultado da pregação da lei. Ela leva o homem ao desespero. Feliz é
aquele que foi levado a esse ponto; ele deu um grande passo rumo à sua
salvação. Ele aceita o evangelho com grande alegria, enquanto que outros, que
nunca tiveram uma experiência I semelhante, ao ouvirem o
evangelho, bocejam e dizem: "Este é de fato um caminho fácil para chegar
ao céu!" Somente um pecador miserável, que se encontra à beira do
desespero, reconhece quão boa notícia é o evangelho e o aceita com júbilo.
Leia também as passagens de Rm 4.15; 7.7-8; Gl3.21; 2 Co 3.6.
Alguns exemplos da Escritura, que
relatam com exatidão o procedimento de certas pessoas antes da conversão e
depois que receberam a fé, ilustram esses textos bíblicos.
No primeiro Pentecostes cristão,
estava reunida uma grande multidão que ouviu a mensagem do apóstolo Pedro. O
conteúdo central de sua mensagem foi este: "Vocês assassinaram o Messias,
Jesus de Nazaré. Preparem-se para o juízo de Deus!" Eles haviam
acompanhado todo o discurso de Pedro, contudo, no momento em que este lançou a
acusação contra eles, inquietaram-se, por ação do Espírito Santo. O relato diz
que "compungiu-se-lhes o coração". Eles chegaram à conclusão:
"Se nós fizemos isto, então estamos perdidos". Nada nos é relatado de
que tenham dito: "Oh, lamentamos muito o fato de termos ofendido o nosso
Deus fiel". Foi o medo e terror, e não o amor a Deus, que os fez clamar:
"Que faremos, irmãos?" E o apóstolo também não lhes disse:
"Estimado povo, vamos primeiramente investigar se sua contrição é
proveniente do amor a Deus ou do medo do castigo e do inferno que vocês merecem".
Ele lhes disse: "Arrependam-se, e cada um seja batizado em nome de Jesus
Cristo, para que sejam perdoados". E eles foram batizados imediatamente. A
mudança em sua mente consistiu nisto: agora não mais desejavam ser assassinos
de Jesus, mas, sim, queriam crer nele. Assim sendo, os apóstolos os receberam e
eles foram contados entre a congregação dos que eram salvos.
O exemplo do carcereiro de Filipos também ilustra este
fato. Imaginando que todos os prisioneiros haviam fugido durante o terremoto,
ele foi tomado de desespero e estava por suicidar-se. Então Paulo gritou:
"Não faça isso! Todos nós estamos aqui!" Desfigurado e trêmulo, ele
caiu aos pés dos apóstolos, implorando: "Senhores, que é que eu devo fazer
para me salvar?" Tão-somente medo e terror levaram-no a proceder assim.
E Paulo não lhe diz: "Primeiramente você deve estar contrito por amor a
Deus", mas, sim: "Creia no Senhor Jesus, e você será salvo - você e
sua família".
Saulo passou pela mesma experiência. Quando o evangelho,
com seu poder, penetrou seu coração, este miserável homem foi arrancado da
miséria e desolação em que se encontrava. E a este pecador, a princípio
aterrorizado e arrasado, mas agora já consolado, o Senhor não prescreve outra
cousa senão que, ao invés de persegui-lo, deveria agora passar a confessá-lo. Deveria também receber o batismo como selo do perdão
dos seus pecados.
Quando vocês pregam, não sejam econômicos em relação
ao evangelho; levem o conforto evangélico a todos, mesmo aos pecadores da pior
espécie. Se eles estão perturbados por causa do furor de Deus e do inferno,
estarão suficientemente preparados para receber a mensagem do evangelho. É verdade, isso
entra em choque com nossa razão. Julgamos estranho que se deva oferecer o
conforto do evangelho a tais malandros imediatamente; em nossa concepção, eles
deveriam antes passar por uma maior agonia em suas consciências.
Uma das passagens da Escritura que
freqüentemente é interpretada mal é 2 Coríntios 7.10: "Porque a
tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz
pesar; mas a tristeza do mundo produz morte". Pensa-se que a
"tristeza segundo Deus" é aquela que procede da contrição por amor a
Deus. Isso está errado. O apóstolo fala da tristeza que não é produzida pelo
próprio homem, mas que é resultante da ação de Deus nele, através da palavra.
Outra grave perversão da doutrina cristã é esta: Diz-se ao pecador que ele deve
experimentar contrição; quando ele pergunta o que deve fazer para que isto
aconteça, responde-se-lhe que deve sentar, meditar e procurar fazer com que o
arrependimento brote, emane de seu coração. Não existe ninguém em todo o mundo
que possa realizar a contrição em si mesmo. Requer-se tristeza segundo Deus,
porque se requer fé. Deus quer produzir essa tristeza, atemorizando-nos. A
contrição não é uma boa obra que nós
fazemos; é algo que Deus realiza em nós. Deus vem com o martelo da lei e atinge
nossa alma. Quem quer entristecer-se a
si mesmo, este tende a aumentar cada vez mais esta tristeza por causa do
pecado. Mas, quem está possuído da verdadeira
tristeza, este anseia por se ver livre dela novamente.
As Confissões Luteranas têm, para
miseráveis pecadores, o doce conforto, o qual diz que, no momento em que Deus
lhes concedeu a bênção de estarem preocupados por causa de seus pecados, eles
já estão preparados para se aproximarem do trono da graça, onde receberão
perdão - o verdadeiro remédio para
seus males. Eles devem efetivamente estar contritos; contudo, não com o
propósito de, através da contrição, adquirir
algum mérito, mas, sim, para que possam, com alegria, aceitar o que Jesus lhes oferece.
Quando a lembrança dos
meus pecados, quando a realidade do
inferno, da morte e da condenação me atemorizam; quando percebo que Deus está irado comigo e que, estando
sob sua ira, fatalmente estou condenado por causa de meus pecados então estou experimentando a tristeza segundo Deus,
que pode me levar à mesma situação em que se encontrava Lutero antes de ter o
conhecimento correto do evangelho. Uma tal tristeza vem de Deus. Quando, por
outro lado, um fornicador, um farrista, um beberrão se entristece, porque jogou
fora os belos anos de sua juventude, arruinou sua saúde, envelheceu prematuramente - ele não experimenta outra coisa senão a
tristeza deste mundo. Quando uma pessoa orgulhosa se entristece por seus
pecados tão-somente porque estes fizeram com que perdesse parte de seu prestígio; quando o ladrão lamenta
sua conduta, porque esta o levou à prisão - eles estão
experimentando a tristeza do mundo. Entretanto, quando alguém está aflito por
seus pecados, porque vê diante de si o inferno, onde será castigado pelo fato de ter insultado o santo Deus, ele
está triste segundo Deus, desde que essa tristeza não tenha sido produzida pela imaginação e esforço próprio do indivíduo. A
genuína tristeza segundo Deus é obra exclusiva de Deus.
12ªTESE
Em oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o pregador descreve a contrição, ao lado da fé, como sendo
a causa do perdão dos pecados.
É inquestionável que a
contrição é necessária para que alguém
receba perdão para seus pecados. Na primeira oportunidade em que o Senhor exerceu seu ministério
publicamente, ele anunciou: "Arrependei-vos e crede no evangelho". Em
primeiro lugar, ele cita o arrependimento. Sempre que o
termo 'arrependimento' é apresentado em oposição à fé, ele não designa outra cousa senão contrição. Quando Cristo se
reuniu com seus apóstolos pela última vez, ele lhes disse: "Assim está
escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no
terceiro dia e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão dos pecados" (Lucas
24.46,47). Por que se requer o arrependimento? Não basta a fé? Nosso Senhor expõe o motivo, dizendo: "Os sãos não
precisam de médico, e sim os doentes ... não vim chamar justos e sim
pecadores" (Mateus 9.12,13). Com essas palavras, o
Senhor deixa claro que a contrição é absolutamente necessária, pois, sem ela,
ninguém está em condições de ser levado à fé. Ele está satisfeito e despreza o
convite para as bodas celestiais. Já Salomão afirma em um de seus provérbios:
"A alma farta pisa o favo de mel" (Provérbios 27.7). Onde não se tem
fome e sede espirituais, ali também não se aceita o Senhor Jesus. Enquanto o indivíduo não reconhece em si um pecador
miserável, perdido e condenado, ele fará pouco caso do
Salvador dos pecadores.
Entretanto, a
contrição não é causa do perdão dos pecados. A contrição é necessária, não por
causa do perdão dos pecados, mas por causa da fé, que apreende o perdão dos
pecados. Por que afirmamos que é confusão entre lei evangelho ensinar que a
contrição é a causa do perdão dos pecados? Pelas seguintes razões:
l.Contrição é um efeito unicamente da lei. Dizer que a contrição é a causa do perdão dos pecados,
implica transformar a lei em mensagem da graça, e o evangelho em lei -
inversão esta que derruba por completo a religião cristã.
{A lei não
argúi o pecado sem a ação do Espírito Santo. Ele age para que tenham prazer na
lei do senhor e dá a vontade para que a cumpram”. Lutero Obras Selecionadas,
volume 4, pp 400 e 401.
2. Contrição nem mesmo é uma boa
obra. A contrição que precede a fé
não é outra coisa senão um sofrimento do homem. Consiste numa angústia, uma
dor, um tormento, um sentimento de que se está sendo esmagado, resultantes da
ação de Deus no homem através do martelo da lei. Não é uma angústia que o homem produziu em si mesmo, pois ele bem
que gostaria de se ver livre dela; contudo, ele está impossibilitado para
tanto, porque Deus lhe sobreveio com a lei, e ele não vê como escapar do juízo.
Se uma pessoa senta para meditar e pretende, dessa maneira, produzir contrição
em si mesma, ela nunca atingirá seu alvo. Ela não pode efetuar contrição por si
mesma. O verdadeiro arrependimento é produzido apenas por Deus, quando a lei é
pregada em todo seu rigor, e o homem não se opõe deliberadamente à sua
influência.
Devido à falta de
experiência pessoal, muitos pregadores temem que eventualmente possam levar
alguém ao desespero. Pregam que a contrição deve preceder a fé, como de fato
deve acontecer, mas, receiam que um ou outro membro da congregação desespere, a menos que acrescentem uma sentença
salvadora. Por isso, modificam suas palavras, dizendo que o tormento que se
deve sentir na contrição não precisa necessariamente
ser tão agudo assim, e que o indivíduo será aceito por Deus desde que manifeste
disposição em estar contrito. Quem apresenta esse falso conforto, na verdade,
faz da contrição a causa do perdão dos pecados. O que o pregador deve dizer é
isto: "Preste atenção! No momento em que você tem fome e sede da graça de
Deus, você está devidamente contrito. Deus não exige a contrição para que,
através dela, você expie seus pecados, mas, apenas para que você seja despertado de sua segurança e diga: 'Que devo fazer para
que seja salvo?'
Visto,
portanto, que a natureza do homem é corrupta e cegada pelo veneno do diabo no
paraíso para que não perceba a magnitude do pecado, não sinta nem receie a ira
de Deus e a morte eterna, é preciso conservar na igreja a doutrina que põe
esses males a descobertos e os revela. E esta é a lei. Assim, por outro lado,
para que não desesperemos por meio desses males que nos foram revelados e
mostrados pela lei também deve ser preservada na igreja a outra doutrina, que
ensina consolação face às acusações e os terrores da lei, e a graça em oposição
à ira de Deus, a remissão dos pecados e a justiça em oposição ao pecado, a vida
em oposição à morte. Essa doutrina, porém, é a doutrina do Evangelho, que
ensina que Deus encerra a todos sob o pecado, para comiserar-se de todos (cf Rm
11.32); que com toda certeza quer perdoar os pecados de todos, libertar da
morte e dar justiça e a vida aos que reconhecem sua miséria, a injustiça e a
perdição; e que esses benefícios, não obstante, certamente passam a pertencer
de graça aos crentes, sem qualquer mérito nosso por causa de Cristo.
Lutero. Obras
Selecionadas, vol 4 p. 395.
Por
isso, Lutero diz que, depois que ele compreendeu o verdadeiro sentido da palavra penitência, nenhuma palavra lhe era mais doce do que esta.
Isto porque ele percebeu que seu sentido não era de que ele próprio deveria
expiar seus pecados, mas, simplesmente, que ele deveria estar alarmado
por causa deles e ansiar pela misericórdia de Deus. O termo penitência representava, para ele, o próprio evangelho,
porque reconheceu que, no momento em que Deus o tinha levado ao
reconhecimento de sua situação de pecador miserável e perdido, ele estava em condições de ser objeto da atenção
de Jesus e podia aproximar-se dele na certeza de que seria aceito assim como
estava, com todos os seus pecados, sua angústia e miséria.
{Repentance
Busse, poenitentia: penitencia, não no sentido de dar satisfação pelo pecado,
mas de consciência do pecado diante da lei de Deus.}
Ninguém
deve inquirir se sua contrição é suficiente para ser aceito por Jesus. O
próprio fato de ele se preocupar em relação à sua dignidade, demonstra que ele
pode vir a Jesus. Se alguém deseja vir a Jesus, ele está verdadeiramente
contrito, mesmo que não o sinta. A situação é idêntica àquela em que um
indivíduo começa a ter fé.
{“Assim
devemos pregar o evangelho, que é a doutrina comum a todos, mas a fé não é de
todos. Também a lei é pertinente a todos, mas a penitência não é de todos. Os
que a têm recebem-na pelo ministério da lei... Assim eu faço penitência quando
Deus me atinge com a lei e o evangelho.” Lúteo, em Contra os Antinomistas, 3º
argumento. Obras Selecionadas de Lutero volume 4 p 399.}
O
pastor incorre no mesmo erro, quando se dá por satisfeito ao mais leve indício de contrição em seus
congregados. É
possível que a consciência de indivíduos
perversos, que há muito tempo vivem em pecado e conduta vergonhosa, subitamente desperte, acusando-os de perjúrio, por exemplo.
Diante das conseqüências, grande temor apodera-se deles. Ou então, é possível
que suas consciências venham a acusá-los de assassinato. Essas pessoas, entretanto, não estão
preocupadas porque se consideram miseráveis pecadores, mas, porque
aquele determinado pecado as atemoriza. Afora disso, julgam que têm bom
coração. Existem muitos patifes dessa espécie, e que já ouviram sua sentença de
condenação. É
possível que admitam, diante do pastor, que erraram nisto, naquilo, ou,
que em determinado ponto inevitavelmente escorregaram; contudo, insistem em que, no fundo, têm um bom coração. Caso o
pastor se satisfaça com uma contrição parcial destas, ele estará considerando a contrição como meritória.
Outros dizem a seus ouvintes que a
contrição é necessária e que sua própria razão deve mostrar-lhes que Deus não
pode perdoar os pecados dos quais eles fazem pouco caso. Prescrevem-lhes, então, o tipo de contrição que devem
experimentar, à base de textos como o Salmo
38.6-8. Pastores legalistas inquirirão de seus consulentes se podem dizer o
mesmo a respeito de si: se se sentiram encurvados e andaram de luto o dia
todo, se, em algum instante, seus lombos arderam, se podem afirmar que não há
parte sã em seu corpo, etc. Se o indivíduo não preenche requisitos requeridos acima e considerados
pelos pastores legalistas
como sinais de contrição genuína, eles lhe asseguram que não pode pensar que
esteja realmente contrito.
Esse
método está errado. É verdade: o texto citado descreve o arrependimento de
Davi. Entretanto, onde está escrito que todos devem ter o mesmo grau de
contrição? Em parte alguma! Ao contrário, constatamos que, no primeiro Pentecostes
cristão, quando o coração dos ouvintes de Pedro se compungiu e eles clamaram:
"que faremos?", imediatamente foi-lhes anunciada a mensagem da
misericórdia de Deus. O próprio exemplo de Davi ilustra esse fato. Durante todo
um ano, ele vivera em impenitência. Veio, então, Natã e mostrou-lhe seu
pecado. Com o coração contrito, Davi confessou: "Pequei contra o
Senhor". Nada mais do que isso. Imediatamente o profeta Natã percebeu que
Davi estava aniquilado e arrasado. Por isso, assegurou-lhe: "Também o
Senhor te perdoou o teu pecado" (2 Samuel12.13). O mesmo aprendemos na história
do carcereiro de Filipos. Apenas alguns momentos antes, ele estivera
terrivelmente perturbado a ponto de pretender tirar sua própria vida. Quando
caiu aos pés dos apóstolos, clamando: "Senhores, que é que eu devo fazer
para me salvar?", estes não lhe disseram que, primeiramente, deveria
produzir uma séria de profunda contrição em si; eles não lhe apresentaram o
exemplo de arrependimento de Davi, mas disseram-lhe imediatamente: "Crê no
Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa". Os apóstolos viram claramente
que esse homem estava arrasado e clamava por misericórdia; e isso foi-lhes o
suficiente. Quando o indivíduo passa a ter fome e sede de misericórdia, então
a contrição alcançou seu objetivo nele.
Se,
do ponto de vista humano, verificamos que um indivíduo não confia mais na
justiça própria e deseja ser salvo somente pela graça, então, por vontade de
Deus, devemos, tranqüilamente, pregar-lhe o evangelho. Não será cedo demais.
Nunca é cedo demais para alguém vir a Jesus. O problema é que, muitas vezes, as
pessoas realmente não vêm a Jesus; dizem-se pecadores miseráveis, contudo não
o são; querem trazer algum mérito pessoal diante de Deus. Não passa de hipocrisia,
quando afirmam que estão vindo a Jesus, porque, na realidade, não vêm como
pobres mendigos, com todos os seus pecados. O indivíduo a quem Deus deu a graça
de ter sido quebrado e arrasado, que está sem consolo algum, que busca conforto
ansiosamente, esse está verdadeiramente contrito. A este não se deve dizer que
está vindo a Jesus antes do tempo; deve-se-lhe pregar o evangelho. Ele deve
saber, não somente que pode, mas que, decididamente, deve vir a Jesus e deixar
de imaginar que está vindo cedo demais.
Um
dos principais motivos que faz com que, nessa questão, muitos misturem lei e
evangelho, é que eles não distinguem o arrependimento diário dos cristãos
daquele que precede a fé. O arrependimento diário é descrito no Salmo 51. Davi
considera-o um sacrifício que ele apresenta a Deus e com o qual Deus se agrada.
Ele não está falando do arrependimento que precede, mas, sim, daquele que
segue a fé. A grande maioria dos cristãos sinceros, que têm a doutrina pura,
experimentam muito mais o arrependimento que segue a fé do que aquele que a
precede. Isso porque, tendo pregadores corretos, foram conduzidos a Cristo
através do caminho certo. Enquanto estão em Cristo, sempre é possível que sua
justiça própria anterior tome a se manifestar, apesar de ter sido destruída
muitas vezes. Torna-se necessário, então, que Deus sempre de novo atinja esses
pobres cristãos com sua lei, para que se mantenham humildes. O exemplo de Davi
ilustra esse fato. Ele recebeu a fé num abrir e fechar de olhos; mas, quanta
miséria ele teve que passar posteriormente! Um profeta trouxe-lhe a palavra do
Senhor; todavia, até a morte, seu coração era constantemente afligido por
angústias, aflições e miséria. Deus cessara de favorecer seus empreendimentos;
ele deparou-se com desgraça após desgraça, até o dia em que Deus lhe deu alívio
na morte. Contudo, durante todo esse tempo, contrição e fé coexistiram no
coração de Davi. Esse é, de fato, um sacrifício do qual Deus se agrada. Uma
contrição desse tipo não é um mero efeito da lei, apenas causado pela lei,
mas é, ao mesmo tempo, um efeito do evangelho. O evangelho introduz o amor de
Deus no coração do homem; e, quando a contrição procede do amor de Deus, ela é,
na verdade, uma tristeza suave, que é aceita por Deus. Deus se agrada com ela;
porque não lhe podemos conferir maior honra do que quando nos lançamos ao pó
diante dele, confessando: "Tu, ó Senhor, és justo; eu sou pobre pecador.
Tem misericórdia de mim por amor de Jesus Cristo".
{Quando a contrição procede do amor de Deus ,
ela é na verdade, uma tristeza suave, que é aceita por Deus.
Contrição desse tipo não é um mero efeito da
lei, apenas causados pela lei mas é, ao mesmo tempo, um efeito do evangelho. O
evangelho introduz o amor de Deus no coração do homem...
13ªTESE
Em nono lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente, quando, ao invés de procurar criar a fé no coração de
alguém apresentando as promessas do evangelho, se faz um apelo à fé que dá a
entender que o homem, a si mesmo, pode dar a fé, ao menos, cooperar para tal
aconteça.
Esta tese não condena o apelo que o pastor faz para
que seus ouvintes creiam no evangelho, mesmo que este seja feito com
insistência. Esse apelo era parte integrante da pregação de todos os profetas,
de todos os apóstolos e do próprio Senhor Jesus Cristo. Quando fazemos o apelo
à fé, não estamos apresentando uma exigência da lei, mas, sim, fazemos o mais
doce convite, nestes termos: "Vinde, porque tudo já está preparado"
(Lucas 14.17).
Se eu convido um indivíduo quase morto de
fome a que se assente a uma mesa bem suprida e coma do que realmente gosta,
certamente ele não vai me responder que não está disposto a cumprir uma ordem
minha. Da mesma forma, o apelo à fé não deve ser visto como uma exigência da
lei, mas, sim, como um convite do evangelho.
{Um pregador dever ser capaz de apresentar um sermão
voltado à fé sem que, para tanto, empregue palavra fé. O importante não é que
seus ouvintes ouçam a palavra fé; o que realmente importa é que ele apresente
sua mensagem de um modo tal, que, em cada pobre pecador, nasça o desejo de
depositar a carga dos seus pecados diante do Senhor Jesus dizendo: “Tu és meu,
e eu sou teu”.}
Esta tese volta-se contra o erro de que o homem pode
dar a fé a si mesmo. Um apelo, nesse sentido, seria uma exigência , da lei e
transformaria a fé em obra humana. Teríamos, então, uma evidente confusão entre
lei e evangelho. Um pregador deve ser capaz de apresentar um sermão voltado à
fé sem que, para tanto, empregue a palavra fé. O importante não é que
seus ouvintes ouçam a palavra fé; o que realmente importa é que ele
apresente sua mensagem de tal modo, que, em cada pobre pecador, nasça o desejo
de depositar a carga dos seus pecados diante do Senhor Jesus, dizendo: "Tu
és meu, e eu sou teu".
É nesse aspecto que Lutero revela toda sua grandeza. Raramente ele
apelava para que seus ouvintes cressem; mas, pregava sobre a obra de Cristo, a
salvação por graça e as riquezas da misericórdia de Deus em Cristo Jesus de um
modo tal, que os ouvintes percebiam que tudo o que tinham a fazer era aceitar
o que lhes estava sendo oferecido e encontrar repouso no regaço da graça
divina.
Suponha que você esteja entre uma tribo de índios,
descrevendo-lhes o
Senhor Jesus, dizendo que ele é o Filho de Deus que desceu dos céus para salvar
os homens dos seus pecados, tomando sobre si a ira de Deus, que venceu a morte,
o diabo, o inferno em seu lugar e abriu o céu para todos os homens, e que agora
cada um pode ser salvo desde que aceite aquilo que nosso Senhor Jesus Cristo
nos trouxe. Suponha, então, que, nesse preciso instante, você deixe para trás
uma pequena congregação de índios, mesmo que não tenha, uma vez sequer, pronunciado
a palavra fé diante deles. Isto porque cada um daqueles seus ouvintes, que não
se opôs à graça de modo maldoso e deliberado, deveria ter concluído que ele
também foi redimido.
Por outro lado, você pode gastar
inúmeras horas, dizendo para as pessoas que devem crer para que sejam salvas,
e, como resultado, elas terão a impressão de que se está exigindo algo que elas
precisam fazer. Ficarão preocupadas se, de fato, são capazes de fazer isso e,
depois que tentaram, se era exatamente isso que se estava requerendo da parte
delas. Assim sendo, é possível que você tenha pregado longamente sobre a fé
sem, contudo, ter dado um sermão com vistas à fé. Aquele que reconhece que algo
lhe está sendo oferecido, e de fato o aceita, este tem a fé. Ser salvo pela fé
significa concordar com o plano da salvação de Deus, simplesmente aceitando-o.
{Muitos pregadores incorrem no
erro de falar a respeito de falar a respeito da fé de modo que o ouvinte deduza
que sua fé talvez ainda não seja suficientemente boa. Infelizes ouvintes, pois
a palavra fé não lhes traz conforto.
Com isso, em absoluto, quero
dizer que você não possa pregar sobre o tema "fé". Em nossa época, de
modo especial, falta uma correta compreensão desse assunto. Os melhores pregadores
pensam que fizeram uma grande coisa, quando conseguiram inculcar em seus
ouvintes o axioma: "Somente a fé salva". Entretanto, com seu sermão,
não fizeram outra coisa senão levar seus ouvintes a exclamar: "Oh, quem me
dera ter fé! Fé deve ser algo muito difícil de conseguir, pois eu ainda não a
obtive". Esses infelizes ouvintes sairão da igreja e voltarão para suas
casas com o coração entristecido. A palavra fé ainda ressoa em seus ouvidos,
todavia não lhes traz conforto algum.
{O Pregador cristão não tem como
seu objetivo inculcar a verdade: Somente a fé salva. A fé não é algo que
requer, nem exige, nem prova. O pregador cristão oferece consolo, conforto e
paz em Cristo, com vistas à fé.}
Dizer que se requer fé para a salvação não implica dizer
que o homem pode criar essa fé dentro de si mesmo. A Escritura requer tudo do
homem; cada mandamento é uma exigência que diz: "Faze isto, e
viverás". A Escritura requer que "limpemos o coração" (Tiago
4.8). Somos admoestados: "Desperta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os
mortos, e Cristo te iluminará" (Efésios 5.14). O simples fato de se fazerem tais exigências
não prova que o homem está em condições de cumpri-las. Quando um credor exige
pagamento, isso não prova que o devedor esteja em condições de efetuar o
pagamento. Na vida diária, pode suceder que um credor, mesmo sabendo que seu
devedor está falido, exija pagamento da dívida pelo simples fato de notar que
seu devedor é displicente e, além de tudo, vaidoso e presunçoso. O objetivo do
credor, ao fazer a exigência, é levar o devedor ao abandono dessa conduta
orgulhosa, bem como humilhá-lo. Deus trata conosco de modo idêntico. Anunciando
que lhe devo obediência em todos os seus mandamentos, Deus me leva a
reconhecer que, mesmo que faça todo o esforço possível, não posso cumprir
minhas obrigações. E então, quando ele me humilhou, ele vem a mim com o seu
evangelho.
{Quando o pregador indica aos ouvintes
certas obras, ou atitudes, como coerentes com a fé cristã, ele não pode, ao
mesmo tempo, fazer depender a qualidade da fé dos seus ouvintes do cumprimento
de tais obras, sob pena de não ser mais um pregador cristão.}
Walter prossegue: exatamente isto
é o que falta hoje. Hoje quando as pessoas expressam: “Não consigo ter fé,” ouvem
como resposta: “Sim podes ter fé! Basta querer! Podes livrar-te dos pecados!
Basta lutar contra eles!”
Esta é uma forma infame de
pregação.
Edição alemã p. 251
14ªTESE
Em
décimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se requer
fé como condição necessária para justificação e salvação, como se o homem fosse
justificado, não somente através da fé, mas também devido à fé, por causa da
fé, e à vista da fé,
{Esta doutrina derruba o evangelho por completo: “Não
é assim sem mais nem menos que o homem; agora que ele foi redimido, entra no
céu. O homem também deve fazer sua parte, algo realmente expressivo – deve
crer.”
Quando a palavra de Deus diz que
o homem é justificado e salvo somente através da fé, ela não quer dizer outra
coisa senão isto: o homem é salvo, não através de seus próprios feitos, mas
somente através da vida e morte de seu Senhor e Salvador Jesus Cristo, o
Redentor de toda a humanidade. Teólogos recentes, entretanto, afirmam que, na
salvação do homem, entram em consideração dois tipos de atividade. Em primeiro
lugar, é necessário que Deus faça algo. A ele cabe a parte mais difícil, a
saber, a redenção do homem. Todavia, em segundo lugar, exige-se igualmente algo
da parte do homem. Pois não é assim sem mais nem menos que o homem, agora que
ele foi redimido, entra no céu. O homem também deve fazer sua parte, algo
realmente expressivo - deve crer. Essa doutrina derruba o evangelho por
completo.
Crer no evangelho seria, de fato, algo imensamente remoto
e difícil para nós homens, caso Deus não operasse a fé em nós. Entretanto,
suponhamos que não se tratasse de algo por demais remoto e difícil; mesmo que
Deus, com vistas à salvação, tivesse colocado
diante de nós uma condição que facilmente poderíamos cumprir, permaneceria
de pé a grande verdade de que, nesse caso, a salvação não seria um dom
gratuito; nesse caso, Deus não teria dado seu Filho por nós, mas apenas oferecido
sob certa condição. Não foi isso que Deus fez. O apóstolo Paulo diz:
"Sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que
há em Cristo Jesus" (Romanos 3.24). Somos justificados gratuitamente, sem
que se exija nada, absolutamente nada de nossa parte. Por isso, nós, pobres
pecadores, louvamos a Deus pelo refúgio que ele nos preparou, onde podemos nos
abrigar, mesmo quando nos aproximamos dele como pessoas completamente perdidas,
como mendigos que não têm a menor possibilidade de apresentar a Deus algo que
eles próprios conseguiram. Tudo que nós podemos apresentar a Deus são nossos
pecados, e nada mais. É exatamente por causa disso que Jesus vê em nós o objeto
certo de sua atenção.
Nós o honramos como nosso fiel Salvador, fazendo do seu evangelho, nosso
refúgio; entretanto, nos a negamos caso nos apresentemos diante dele,
oferecendo algo por aquilo que ele nos dá. Diante da afirmação de Pedro: "E não há salvação em
nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os
homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12), deve ficar claro
que exigir a fé como condição para que o homem seja justificado e salvo é uma
terrível perversão do evangelho.
{Afirmar que as bênçãos de Deus estão reservadas para
aqueles que têm uma fé capaz de tais e tais respostas de gratidão não é ensino
cristão porque condiciona a Deus. ... nesse caso, Deus não teria dado seu filho
por nós, mas apenas oferecido sob certa condição. Não foi isso que Deus fez.}
Exigir a fé como condição para que o homem seja
justificado e salvo é uma terrível perversão do Evangelho.
15ªTESE
Em décimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente , quando o evangelho é transformado em pregação de
arrependimento.
{São necessários
cuidado e clareza sobre os textos bíblicos: A palavra arrependimento pode ser sinônimo ou
de evangelho ou de contrição.}
Para entender corretamente esta tese, é necessário que
você lembre o seguinte: a palavra evangelho tem um uso semelhante ao termo
arrependimento. Nas Escrituras Sagradas, a palavra arrependimento tem um
sentido amplo bem como um sentido restrito. Quando usada no sentido amplo, ela
se refere à conversão em seu todo, a saber: reconhecimento do pecado, contrição
e fé. É este o sentido da palavra em Atos 2.38, onde lemos:
"Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado ...". O apóstolo não
diz: "Arrependei-vos e crede". Logo, ele refere-se à conversão em
seu todo, incluindo a fé. Ele, igualmente, não poderia ter dito:
"Mostrai-vos contritos e cada um de vós seja batizado". Ao falar em
arrependimento, ele certamente estava pensando em contrição e fé. O que ele, na
verdade, estava querendo dizer era o seguinte: "Se vocês reconhecem seus
pecados e crêem no evangelho que eu lhes anunciei, então submetam-se ao
batismo para perdão dos pecados".
A palavra arrependimento
tem, também, um sentido restrito, e
significa, então, reconhecimento do pecado, coração quebrantado e contrição. Em
Marcos 1.15, está escrito: "Arrependei- vos e crede no evangelho".
Nessa passagem, João Batista certamente não inclui a fé sob o conceito
arrependimento, pois então teríamos uma tautologia, isto é, uma repetição
inútil, visto que ele se refere expressamente à fé, ao
dizer: "crede no evangelho". Na passagem de Atos 20.21, Paulo relata
que ele estava "testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento
para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus". Já que, nesse texto, a fé é
citada separadamente, toma-se evidente que a palavra arrependimento não pode
abarcar reconhecimento do pecado mais contrição e fé. De modo idêntico, o
Senhor refere-se aos judeus, dizendo que, apesar da pregação de João Batista,
eles não se arrependeram para que pudessem crer nele. (Mateus 21.32). Por
arrependimento, ele entende os efeitos da lei. O que ele quer dizer é que,
devido ao fato de eles não terem se preocupado com seus pecados, foi-lhes
impossível virem à fé. Não pode haver fé num coração que, primeiramente, não
esteve atemorizado.
Com a palavra evangelho
sucede o mesmo; às vezes, ela tem um sentido amplo; às vezes, um sentido restrito. O
sentido restrito é seu sentido próprio; em seu sentido amplo, esta palavra é
usada apenas como uma sinédoque, e compreende, então, toda a pregação de
Jesus, inclusive sua severa pregação da lei como, por exemplo, a do Sermão do
Monte e as censuras que dirigiu aos homens perversos. Além disso, a palavra
evangelho é usada em contraste ao Antigo Testamento, o qual, muitas vezes,
significa apenas "doutrina da lei".
Romanos 2.16: No
dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens de
conformidade com o
meu evangelho. Nesta passagem, o apóstolo não pode estar empregando o
"evangelho" em seu sentido restrito, pois este não tem nada a ver com
o julgamento. Pelo contrário, a Escritura declara: "Quem crê não é
julgado" - "não entra em juízo" (João 3.18; 5.24). Nesse texto,
Paulo entende por evangelho a doutrina que ele anunciou e que compreende tanto
a lei quanto o evangelho.
Em Romanos 1.16, Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a
salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Indiscutivelmente, usa-se a palavra evangelho no
sentido restrito. Em primeiro lugar, fala-se dele como um evangelho de Jesus
Cristo; em seguida, diz-se que ele é um evangelho que salva todo aquele que
crê. Quem requer isso de nós não é a lei. A lei, devemos cumprir. Logo, nessa
passagem, Paulo está falando da dádiva de Deus ao mundo e da fé. Aqui se usa
evangelho no sentido restrito, excluindo, por conseguinte, a lei.
{Misturam-se lei e evangelho, quando o evangelho de
Cristo, isto é, o evangelho no sentido restrito é transformado em pregação de
arrependimento.}
Efésios 6.15 Calçai
os pés com a 'preparação do evangelho da paz. Fala do "evangelho da paz". A lei não
estabelece paz, antes, discórdia. Aqui o apóstolo emprega evangelho em seu
sentido restrito, isto é, ele fala da boa notícia de que Jesus Cristo veio ao
mundo para salvar os pecadores.
Nossas Confissões Luteranas, a exemplo da Bíblia, usam
o termo evangelho, ora em sentido amplo, ora em sentido restrito. Esse
fato explica a seguinte afirmação contida nas Confissões: "O evangelho
prega o arrependimento". É necessário
que você tenha isso em mente, para que compreenda bem nossa tese: misturam-se*
lei e evangelho, quando o evangelho de Cristo, isto é, o evangelho no sentido
restrito, é transformado em pregação de arrependimento.
{No
original, Walter acrescenta a palavra “greuliche”, isto é, ... misturam-se
horrivelmente.}
Não é apenas altamente perigoso, mas de fato
prejudicial para as almas das pessoas, quando a pregação do pastor faz com que
os ouvintes concluam que ele considera o evangelho, em seu sentido restrito e
próprio, uma mensagem da lei e da fúria de Deus sobre os pecadores, chamando-os
ao arrependimento. Descuido no emprego de palavras, é um grande e sério
defeito, mesmo por parte de pregadores que têm a fé verdadeira.
Chamo atenção para duas objeções que são levantadas
contra esta tese.
Em primeiro lugar, objeta-se que a própria Escritura
considera o evangelho uma lei e que, conseqüentemente, pode-se que o evangelho
é uma pregação para arrependimento, já que a lei tem por finalidade levar os
homens ao arrependimento. Cita-se a passagem de Romanos 3.27, onde lemos:
"Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? das obras?
Não, pelo contrário, pela lei da fé". Os que se opõem a esta tese dizem
que, segundo a terminologia do próprio apóstolo, o evangelho também é uma lei.
Esta é, entretanto, uma conclusão falsa que se tira dessas palavras de Paulo
onde ele emprega uma figura denominada antanáclase: para refutar seu adversário,
ele cita a mesma palavra que este empregou, apenas com um outro significado.
{A lei também faz promessas. As promessas da lei são
condicionadas: se isto... então aquilo. As do evangelho são apresentadas como
ofertas de Deus, dons de Deus. Por isso, sempre que se implica que a conduta do
cristão influencia Deus no sentido de aprovar sua fé, o evangelho, o evangelho
foi abafado pela lei. Cf Walter, The
Proper Distinction, p. 27.}
Outra objeção que se levanta está baseada em Romanos
10.16: "... nem todos obedeceram ao evangelho". Partindo da premissa
de que é a lei quem requer obediência, argumenta-se que o evangelho não é uma
mera mensagem de alegria, mas uma lei aperfeiçoada. Entretanto, perverte-se
totalmente esse texto, quando se quer provar, com ele, que o evangelho, no
sentido restrito, é uma pregação de arrependimento. Devemos obedecer, não
somente à vontade de Deus, segundo sua vontade graciosa. Esta, contudo, não é
uma vontade da lei. Deus nos oferece e dá todas as coisas. Se aceitamos o que
ele nos dá, diz-se que somos obedientes a ele. É um ato de bondade da parte de
Deus chamar isso de obediência. Efetivamente, obedecendo-lhe nesses moldes,
estamos cumprindo também o Primeiro Mandamento; porque a fé é algo que a lei
requer, não o evangelho. O evangelho é, antes, uma "boa notícia"; e
aquilo que me incumbe da realização de determinada tarefa, certamente não pode
ser uma boa notícia. Notícia realmente boa só é
aquela que me diz que devo abandonar todo o temor, porque Deus é
gracioso e vem ao meu encontro.
{“O requisito para ser cristão
fiel é a fé genuína. Entretanto, para ser um pregador fiel, a fé genuína não é
suficiente. Deve-se acrescentar à fé a habilidade de expressar em termos
adequados as coisas que devem ser cridas.”}
Consideremos, agora, as passagens bíblicas que falam
do evangelho no sentido restrito e descubramos quais os elementos que nos
levam a tal conclusão.
1. Sempre que o evangelho é contrastado com a lei, é
absolutamente certo que se está falando do evangelho no sentido restrito, e
não no sentido amplo. Efésios 2.14-17: Em primeiro lugar, vem a lei, que não
estabelece a paz; segue-se a pregação do evangelho, que toma a paz uma
realidade.
2. Sempre que o evangelho é apresentado como a
doutrina de Cristo, ou, então a doutrina que anuncia a Cristo, ele exclui, por
completo, qualquer elemento da lei.
João 1.17: Porque a lei foi dada por intermédio de
Moisés; ; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Jesus Cristo
não veio trazer a lei. Entretanto, para que se possa aceitar o evangelho, é
necessário que se tenha a adequada compreensão da lei. Por isso, Jesus
purificou a lei das falsas interpretações dos fariseus.
Lucas 4.18,19: O Espírito do Senhor está sobre mim,
pelo que me ungiu para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos
cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,
e apregoar o
ano aceitável do Senhor. O Senhor Jesus apresenta a missão que ele tem no
mundo, e o que ele deve pregar na qualidade de Cristo, o Salvador do mundo. Ele
conclui a afirmação acima, dizendo (v.21): "Hoje se cumpriu a Escritura
que acabais de ouvir" . Ele não pronuncia uma palavra sequer da lei, mas
refere-se apenas à doutrina que é oferecida aos pobres, aos doentes, aos de
coração ferido, àqueles que estão sob a escravidão do pecado e do diabo.
3. Sempre que o evangelho se destina a miseráveis
pecadores, fala-se do evangelho no sentido restrito. (Mateus 11.5; Lucas
4.18).
4. Sempre que se menciona o perdão dos pecados, justiça
e salvação por graça como resultantes do evangelho, pensa-se no evangelho em
sentido restrito. (Romanos 1.16; Efésios 1.13)
5. Toda vez que a fé estiver relacionada ao evangelho,
emprega-se este último no sentido restrito. (Marcos 1.15; Marcos 16.15,16).
{...a fé é algo que a lei requer, não o evangelho. O
evangelho é antes, uma boa noticia; é aquilo que me incumbe da realização de
determinada tarefa, certamente não pode ser uma notícia. Notícia realmente boa
só é aquela que me diz que devo abandonar todo o temor, porque Deus é gracioso e vem ao meu
encontro.}
16ªTESE
Em décimo segundo lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente, quando se prega que o abandono de certos vícios e a
prática de certas obras piedosas e virtudes são prova suficiente de que se esta
verdadeiramente convertido.
Você perceberá a grande
importância desta décima sexta se no momento em que se der conta de que a
confusão entre lei e evangelho, abordada por ela, é a pior que pode existir. Ai
do pregador que, através do modo como prega, faz com que seus ouvintes
concluam: "No momento em que deixo de furtar roubar sou um bom cristão e,
pouco a pouco, me verei livre todas as minhas fraquezas". Estes
transformam o evangelho em lei, porque fazem da conversão uma obra humana, enquanto que a
conversão genuína, que cria uma fé viva na pessoa, é fruto tão-somente da ação
do evangelho.
{Apontar obras, atitudes e
virtudes como prova de conversão verdadeira é a pior confusão entre lei e
evangelho que pode existir.}
Esta confusão tão grosseira entre
lei e evangelho é o mais grave erro dos racionalistas. A essência de sua religião consiste em ensinar aos
homens que eles se tornam novas criaturas, quando abandonam seus vícios e
vivem uma vida cheia de virtudes. Contrário a isso, a palavra de Deus nos
ensina que, primeiramente, devemos tornar-nos novas criaturas, para, somente
então, abandonar estes e aqueles pecados, passando à prática de boas obras.
Apreciam por demais citar o ditado familiar: "O verdadeiro arrependimento
consiste em mudança de conduta". Este ditado pode ser usado num bom
sentido, ele o foi por nossos pais na fé. Com ele, eles queriam dizer: 'Vocês
que se vangloriam, dizendo que têm a fé verdadeira, nas levam uma vida devassa,
deixem de tagarelar a respeito ia fé; o verdadeiro arrependimento consiste em
mudança de conduta". Os racionalistas, entretanto, empregam-no neste sen:ido:
"Não há por que se preocupar' O que Deus requer de um fiel cristão é que
ele deixe de fazer o que estava fazendo, que mude de conduta. Esse é o genuíno
arrependimento". Esse é o abominável ensino dos moralistas. A religião cristã nos apresenta
o ensino correto numa palavra apenas: metanoeite,
que significa: "mudem de mentalidade". Com essa
palavra, o Senhor confronta o pecador e lhe diz que, antes de qualquer outra
coisa, deve ocorrer uma mudança em seu íntimo. O que ele requer é uma nova
mentalidade, um novo coração, um novo espírito,
e não o abandono dos vícios e a prática de boas obras. Ao fazer disso o
requísito básico para que se possa ser cristão, nosso Senhor ataca o mal pela
sua raiz.
{Não a conduta mas a mentalidade muda como fruto da
fé, e fé na palavra na palavra da graça de Deus.}
João 3.3: A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em
verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus. O Senhor deixa claro diante de. Nicodemos:
"Tudo o que você se propuser fazer enquanto
estiver em sua natureza carnal, será pecado. Você precisa, primeiramente,
tornar-se espiritual e, então, os genuínos frutos espirituais aparecerão em
sua vida".
Mateus 12.33: Ou fazei a árvore boa e seu fruto bom
ou a árvore má e seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. A
menos que uma pessoa esteja completamente transformada, a menos que ela se
tenha tornado uma nova criatura, a menos que tenha sido regenerada, tenha uma
nova mentalidade, todos os seus atos serão frutos maus; porque, por natureza,
todo homem é árvore má.
Mateus 15.13: Ele, porém, respondeu: Toda planta
que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Somente aquelas obras que
o próprio Deus operou podem ser consideradas boas obras. Qualquer obra que o
indivíduo levou a efeito pelo poder sua razão e desejo natural, é uma planta
que terá de ser arrancada. Deus não tomará conhecimento dela; antes, ordenará que
seja removida de sua presença, e a considerará pecado e abominação, porque
partiu de um coração corrupto, um coração que não se preocupa com Deus.
1 Coríntios 13.3: E ainda que eu distribua todos os
meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser
queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O que realmente
importa não são as obras em si, mas, sim, o amor do qual emanam. Admitamos que
eu fosse tão pobre, a ponto de me ser impossível realizar uma obra sequer.
Apesar disso, posso ser considerado rico em boas obras diante de Deus desde
que, enquanto estou em miséria por vontade de Deus, o amor acenda em mim o
desejo de fazer o bem a todos os homens.
Até mesmo pastores que têm a fé verdadeira podem, inconscientemente,
incorrer no terrível erro de misturar lei e evangelho, não tanto em seus sermões, quanto em seu
aconselhamento a indivíduos e no exercício da disciplina eclesiástica. Pode
suceder que estejam tratando com um beberrão que prontamente se declara
entristecido por seus pecados, como essas pessoas geralmente costumam fazer. O
pastor inexperiente facilmente é enganado por uma tal declaração. Pode
acontecer que o beberrão seja suspenso da congregação por um período de três
meses. Em breve, um dos irmãos aparece com a boa notícia de que o beberrão se
manteve sóbrio durante todo este tempo, e então o pastor chega à conclusão de
que agora ele está convertido, quando na realidade, ele ainda continua sendo
tão ímpio quanto sempre fora. Tome cuidado para não suceder que seja, assim,
enganado! Caso semelhante pode acontecer quando um blasfemador, tendo sido
admoestado pela congregação, abandona este seu modo de proceder por um certo
tempo.
Ou, considere o caso de um
indivíduo que é negligente na freqüência aos cultos e que, por causa disso,
certamente não é cristão. Após trazido diante da congregação, é possível que
ele se faça presente aos cultos por alguns domingos consecutivos. Contudo, este
ato puramente externo faz dele um cristão?
De maneira nenhuma; qualquer ímpio
pode fazer o que ele está fazendo. As pessoas envolvidas nos casos específicos
acima mencionados devem ser levadas a reconhecer que nenhum cristão age da
maneira como estão agindo; se alguém o faz, é praticamente impossível que se
encontre no estado da graça. Entretanto, requer trabalho da parte do pastor
para que essas pessoas renasçam pela palavra de Deus. Se o pastor não está
disposto a assumir essa tarefa, ele se faz negligente para com as almas dessas
pessoas.
{Disciplina
eclesiástica que se limita a expor os erros das pessoas ou torna-las obedientes
à igreja trai os objetivos do evangelho e é negligente quanto às almas das
pessoas}
Ou então, considere o caso de
comungantes negligentes que, após terem sido repreendidos pelo pastor, tomam a
participar do sacramento. Satisfazendo-se com isso, o pastor incorre em
confusão entre lei e evangelho. Tomemos o caso da avareza. Uma congregação pode
ser tão mesquinha a ponto de se recusar a levantar uma coleta; ou então, não
paga o salário do pastor. Num caso desses, o pastor não deve decidir-se pela
pregação de um sermão penetrante para, desse modo, abrir seus bolsos e
carteiras. Abrir carteiras através da lei não é nenhuma façanha. O que ele
deve fazer, isto sim, é pregar visando a acordá-los de sua sonolência e morte
espirituais. Quem não procede dessa
maneira, erra contra esta nossa décima sexta tese.
Lutero insiste em que se tratando de uma pessoa
regenerada, tudo o que ela faz é obra de Deus. Mesmo quando está saboreando um
bom prato, come ou dorme, está fazendo uma boa obra e não apenas quando se
envolve num grande empreendimento. Um servo da lei pode trabalhar e labutar
até o esgotamento e, apesar de tudo isso, seu esforço não passará de martírio
que o conduzirá ao inferno. Um cristão tem a mentalidade correta em tudo que
isso, todos os seus atos agradam a Deus. De uma
boa fonte só pode procede água
boa, água doce e cristalina.
{O cristão verdadeiro rapidamente reconhece se a sua
boa obra foi produzida por Deus ou seu velho Adão, se foi um genuíno ato de
amor de Deus e ao próximo, ou se foi realizado de forma mecânica ou para
demonstrar o seu cristianismo. Ed. Alemã. P. 290}.
{O pastor deve ser zeloso do seu ministério mesmo que
isso lhe acarrete resistências. Ser morno ou frio diante do que acontece ao seu
redor é grave pecado. Entretanto, também
é pecado grave quando, na sua apresentação do cristianismo e das
exigências que faz aos cristãos, vai além daquilo que a palavra de Deus permite
declarar. Ed. Alemã. P. 296}
Jesus
esclareceu a Nicodemos, fiel, zeloso e piedoso cumpridor dos seus devedores:
você precisa nascer de novo, isto é, ser uma pessoa com coração circuncidado
pela bondade de Deus. Fidelidade, zelo e piedade por si só não fazem o cristão.
Lutero,
citado, por Walter. Ed alemã, pp 292 a 294.
17ªTESE
Em décimo
terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se faz
uma descrição da fé, no que diz respeito à sua firmeza, conscientização e
operosidade, que não se adapta a todos os cristãos em todas as épocas.
Pastores jovens e inexperientes geralmente cometem
esse engano.
O que eles querem é impressionar seus congregados arrancá-los
de sua acomodação natural. Julgam que, para evitar que hipócritas se considerem
cristãos, nunca se pode exigi demais daqueles que são cristãos. Esse,
entretanto, é um ponto em que o pastor deve tomar cuidado, para que não vá além
da palavra de Deus; caso contrário, por causa de seu zelo, ele causará terrível
dano às almas de seus ouvintes. Os cristãos em muitos aspectos, são totalmente
diferentes da maneira come são descritos em sermões, mesmo tratando-se de
descrições bona fide. A intenção do pastor é despertar as pessoas de sue
sonolência e alertá-las contra a auto-ilusão. Esse, entretanto: não pode ser
o objetivo último do pastor. Seu objetivo último deve ser este: fazer com
que seus ouvintes tenham a certeza de que seus pecados estão perdoados diante
de Deus, a certeza da esperança da vida eterna e a certeza de que podem
enfrentar a morte com tranqüilidade. Todo aquele que não faz disso seu objetivo
último, não é pastor evangélico. Eis porque o pastor deve tomar cuidado para,
por amor de Deus, não dizer: "Todo aquele que faz isto e aquilo não é
cristão", a menos que esteja absolutamente seguro de sua afirmação.
Freqüentemente, um cristão age de modo que não condiz com os princípios cristãos.
{Zelo excessivo é perigoso
podendo causar dano terrível às almas dos ouvintes. Este zelo, segundo Rm 10.2
ss não é somente fruto de imaturidade teológica ou pastoral típica do jovem.
Sendo mais comum no pastor jovem esta imaturidade que se manifesta em
lagalismo, não se circunscreve a uma faixa etária.}
{ O objetivo último de um
sermão e do trabalho da igreja é fazer
com que os ouvintes tenham certeza do perdão de Deus e da vida eterna. Todo
aquele que não faz disso seu objetivo último, não é pastor evangélico.}
Romanos 7.18: Porque eu sei que em mim, isto é, na
minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em
mim,; não, porém, o afetuá-lo. O apóstolo apresenta o cristão como
um ser dividido. O cristão fiel sempre deseja fazer o bem, contudo,
freqüentemente, ele não atinge seu alvo. Por esse m0tivo, o pregador estará
traçando um quadro que não é bíblico
caso afirme que, no fundo, o cristão não deseja fazer o bem, já que ele não o
pratica em sua totalidade. O que realmente importa no cristão é que ele procure fazer o bem.Muitas vezes,
ele não vai além da boa intenção de praticá-lo. Antes que se dê conta,
desviou-se do alvo proposto, o pecado tomou forma e ele está envergonhado de si
mesmo. Mas isso de maneira nenhuma faz com que tenha decaído da graça.
{O pregador é antibíblico quando põe sob desconfiança
a fé daqueles que deixam por realizar a que deles é esperado}
Romanos 7.14: Porque
bem sabemos que a lei é espiritual; eu; todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. O cristão também experimenta a escravidão. A única
diferença, entretanto, é que ele não obedece de bom grado, assim como um servo
cristão obedece a seu Senhor; ele obedece com a maior relutância possível. Por
causa disso, Paulo exclama no versículo 24: "Desventurado homem que sou-!
Quem me livrará do corpo desta morte?" Quando se mostra a um cristão fiel
o miserável pecador que ele é, ele se apegará a Cristo com muito mais firmeza e
não dará ouvidos ao cochicho do diabo que diz que ele decaiu da graça e está
afastado de Deus.
Filipenses 3.12: Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas
prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo
Jesus. Nesta vida, constantemente
avançamos em direção ao alvo sem, contudo,alcançá-lo. É possível que um cristão
tenha a impressão de que houve momentos em sua vida em que era mais santo e
estava mais bem aparelhado para vencer o pecado. A situação pode, de fato, ser
essa, e seu estado atual seria, então, fruto de um retrocesso espiritual.
Entretanto, a explicação correta da sua situação atual pode também ser esta:
Agora ele vê mais nitidamente a frágil criatura que é, e os ataques à fé são
mais violentos do que antes.
{O
mal que mais perturba o cristianismo atual é a falta de segurança dos cristãos
sobre a sua salvação. A razão disto é não receberem ensino confiável. Ed.
Alemã. P. 298.
Gálatas
5.17: Porque a carne milita contra o
Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que
não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Um pregador não tem o direito de afirmar que alguém
não é cristão por não estar fazendo tudo o que deveria, desde que esse
indivíduo sustente que não é sua intenção praticar o erro. Se ele peca por
fraqueza ou por precipitação, isso não implica necessariamente que não seja
mais cristão.
Tiago 3.2: Porque todos tropeçamos em muitas cousas. Se alguém
não tropeçar no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo. Um cristão peca, não apenas por pensamentos, desejos,
gestos e palavras, mas também em seus atos. Isso demonstra, a todo o mundo, que
ele ainda é homem fraco, homem miserável.
{Muitos, como o fariseu, não conseguem conviver com
esta realidade. Por isso, precisam ostentar algumas boas obras para se sentirem
bem com Deus.}
Hebreus 12.1: Portanto,
também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas,
desembaraçando-nos de todo o peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos,
com perseverança, a carreira que nos está proposta. O cristão está se desembaraçando constantemente do
pecado, que o ataca de contínuo. Não consegue bani-lo do coração, e o pecado
até mesmo torna-o indolente para tanto. Se não precisasse arrastar consigo essa
sua mente carnal, sua conduta seria totalmente outra, e ele viveria feliz,
tendo Deus por seu herói.
Nosso Salvador ensinou todos os cristãos a pedirem
diariamente no Pai-Nosso: "Perdoa-nos as nossas dívidas". Cada dia
traz consigo e deposita sobre nosso coração e consciência uma nova dose de
culpa. Descrever o cristão como ele, de fato, não é, a saber, perfeito, ou
então, enumerar características que não são comuns a todos os cristãos, implica
apresentar um quadro deturpado do cristão e trará terrível dano consigo. Sim,
porque, a partir de tais caracterizações, os cristãos mais sensíveis
concluirão que não são cristãos. Por isso, o pastor deve dar o remédio aos
cristãos para que, pecando, prontamente se levantem de sua queda, já que seu
pecado não é intencional. Um pecado intencional, na verdade, expulsaria o
Espírito Santo do coração. Um cristão, todavia, em sua experiência, aprende a
pressentir o perigo; e, tendo pecado, ele imediatamente se sente impelido a
buscar seu Pai celeste, confessando seu pecado e pedindo perdão por amor de
Jesus. Em seu íntimo, ele também tem a certeza de que foi perdoado.
Seguidamente, descreve-se o cristão como sendo tão
paciente quanto Jó. O pregador afirma: "Você pode tirar do cristão tudo o
que ele tiver, e ele dirá, feliz: 'O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito
seja o nome do Senhor!" (Jó 1.21). O pregador pode pensar que essa sua
afirmação é totalmente bíblica. Jó, de
fato, pronunciou essas palavras, contudo, nem todos os cristãos têm essa
reação. Portanto, pregar daquela forma implica faltar com a verdade. Não são
poucos os cristãos que ficam impacientes, quando os problemas começam a
aparecer! Sua impaciência, mesmo com respeito a coisas triviais, pode terminar
num acesso de cólera. E então, quando, por assim dizer, volta a si
espiritualmente, ele se envergonha de si mesmo.
É impossível afirmar que é característico do cristão
nunca cometer um pecado grosseiro. Isso
acontece de vez em quando. Mas, nesse caso, ele submete-se incondicionalmente à
palavra de Deus, mesmo que isso não suceda de imediato. É possível que, a
princípio, ele esteja tão fascinado pelo diabo, que julgue ter agido
corretamente. Por fim, todavia, a palavra de Deus convence-o de seu erro e ele,
humildemente, suplica por perdão, ao passo que um hipócrita insiste até o
último que nada fez de mal.
Muitos pregadores descrevem o cristão como pessoa que
não teme a morte. Isso é grave deturpação da verdade. A grande maioria dos
cristãos tem medo diante da morte. Se um cristão não tem medo da morte e afirma
que está pronto para morrer a qualquer hora, então estamos diante de uma pessoa
que recebeu um dom especial de Deus. Alguns se expressaram assim antes de terem
ouvido, da parte do médico, que aquela seria sua última noite, mas, depois
disso, foram tomados por um medo terrível.
Pelo amor de Deus, não faça um quadro deturpado do
cristão. Toda vez que você descrever um cristão, veja primeiramente se você
se enquadra na descrição que está por fazer.
Até mesmo o orgulho pode manifestar-se de modo bem
acentuado na vida do cristão. Dentre os vícios, este é um dos piores, porque é
uma transgressão contra o primeiro mandamento. Todos somos orgulhosos por
natureza. Também é verdade que um está mais fortemente inclinado para esse
pecado do que o outro. Indivíduos de temperamento colérico, detentores de uma
assim denominada "vontade de ferro", bem como de grande energia, via
de regra, têm dentro de si grande parcela de autoconfiança e esperam que os
demais se mostrem reverentes para com eles - fruto do abominável orgulho. Esse
pecado, às vezes, se manifesta até mesmo na vida de cristãos fiéis. Basta
observar os discípulos do Senhor, discutindo entre si a respeito de quem era o
maior entre eles. Se esse fato não estivesse relatado na Bíblia, seria até difícil
acreditar que os apóstolos, quais crianças, tivessem discutido entre si a
respeito disso e que a mãe dos filhos de Zebedeu tivesse pedido que um de seus
filhos fosse colocado à direita e o outro à esquerda do Senhor. A partir do
relato de Lucas, percebe-se que os discípulos não estavam procedendo
vergonhosamente. Repreendidos, pelo Senhor, eles ficaram tão envergonhados,
que tiveram vontade de sumir do mapa.
De igual modo, é totalmente falso
e incorreto descrever o cristão como alguém que constantemente está em oração
fervorosa e que faz da oração sua mais apreciada atividade. Isso não é
verdade. Requer muita luta da parte do cristão, até que ele tenha disposição
para orar, ore com fervor, e tenha confiança de que Deus vai atender seu
pedido. Apesar de haver momentos em que os cristãos sufocam sua carne e sangue,
fazendo com que experimentem a maior felicidade, como se estivessem conversando
com Deus no céu, a grande verdade é que eles ainda conservam sua carne e sangue
naturais.
Os cristãos são até mesmo
tentados pelo desejo de enriquecer. Caso não fossem advertidos e admoestados,
eles seriam arrastados para perdição como que presos numa armadilha e se
perderiam para sempre.
Ao formar um juízo sobre
determinada pessoa, é de importância vital saber se ela ama a palavra de Deus
bem como o seu Salvador, ou, se ela está empedernida e leva uma vida
reprovável. Existem pessoas que querem dar um "show" de santidade,
evitando conversa, erguendo os olhos piamente para os céus, recitando as Escrituras
constantemente, lendo a Bíblia nas horas de lazer para impressionar as
pessoas com seu cristianismo exemplar. Não devemos pensar que somente aqueles
que ostentam santidade são cristãos fiéis. Não digo que todos eles não sejam
cristãos, contudo, estou certo de que aqueles que estão totalmente entregues ao
modo de agir acima mencionado não passam de miseráveis hipócritas. Leia os
evangelhos e verá como os discípulos conversaram com o Senhor e como se
portaram em sua presença. Se tinham algo a dizer, eles o diziam abertamente,
até mesmo João, o discípulo amado. Cristo, por esse motivo, não os teve por
pessoas não-convertidas, mas tratou-os como pessoas convertidas que, todavia,
ainda tinham uma considerável dose de velho homem dentro de si.
Em seus sermões, é evidente que
você pode citar o que cristãos fortes ou excepcionalmente fiéis realizaram.
Caso seus ouvintes cheguem à conclusão de
que eles ainda não atingiram tal nível de fidelidade, isso não vai lhes fazer
mal; será, antes de qualquer outra coisa, um incentivo a que progridam cada vez
mais em seu cristianismo.
Quando a
congregação está para receber novos membros e você conversa com eles, você não
os deve considerar ímpios, não-convertidos, caso eles não entrem de imediato
numa conversação religiosa com você. Existem pessoas que, apesar de apegadas a seu Salvador, não
são capazes de falar muito a respeito de sua fé, mesmo que, em outros assuntos,
sejam bons proseadores. Com outros, pode acontecer que tenham tido pouca
experiência, razão pela qual não têm muito a relatar.
{Pessoas
que se “atrevem” a discordar do pastor em posicionamentos éticos e/ou
teológicos facilmente são discriminados, ferindo-se o evangelho.}
18ª TESE
Em
décimo quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a
corrupção universal da humanidade é descrita de um modo tal, que causa a
impressão de que mesmo os verdadeiros crentes ainda vivem sob o domínio do
pecado e pecam intencionalmente.
Convém
notar que estou me referindo à afirmação de que a Corrupção universal da
humanidade inclui também o viver do crente sob o domínio do pecado e na prática
de pecados intencionais. Ninguém que conhece a doutrina pura faria a inoportuna
afirmação de que o cristão pode perfeitamente ser um fornicador
e um adúltero. Semelhante
pensamento não entraria na cabeça de um verdadeiro mestre na palavra de Deus. Entretanto, na
intenção de apresentar a corrupção universal da humanidade de modo bastante
drástico, o pregador facilmente cede à tentação de desviar-se da doutrina pura.
Quanto dano não se pode causar quando se anuncia às pessoas que nós, seres
humanos, vivemos em todas as abominações, atos vergonhosos e vícios possíveis,
sem que se faça a devida especificação: "por natureza o homem é
assim", ou, "enquanto alguém continua em seu estado de depravação
natural e ainda não foi regenerado". Feitas essas ressalvas, é claro que
você pode descrever, então, a horrível condição do homem natural do modo mais
drástico possível. Todavia, dirigindo-se a uma congregação cristã, você deve tomar
cuidado, para não insinuar que todos os cristãos ainda vivem na prática de
tais vícios e atos vergonhosos. A tentativa dos pietistas de dividir a humanidade
em tantas classes diferentes, na verdade, foi algo prejudicial e perigoso e
fez com que ninguém mais estivesse em condições de dizer a que classe
pertencia. Isso, por outro lado, não deve impedir que, em nossos sermões,
apresentemos as duas grandes classes em que a humanidade de fato está
distribuída, a saber: crentes e descrentes, santos e ímpios, convertidos e
não-convertidos, regenerados e irregenerados. Essa classificação é corrente
através de toda a Escritura. Confira Marcos 16.16; Mateus 5.45; 9.13; 13.38.
Seus ouvintes precisam saber que só podem ser, ou espiritualmente mortos, ou
espiritualmente vivos; ou convertidos, ou não-convertidos; que eles estão, ou
sob a ira de Deus, ou no estado da graça; que eles são, ou cristãos, ou
não-cristãos; que estão, ou entorpecidos em seus pecados, ou, estão lúcidos
para uma vida nova com Deus; que pertencem, ou ao reino do diabo, ou ao reino
de Deus.
{Mesmo que o cristão continue
por natureza, pecador, o pregador facilmente cede à tentação de “informar” os ouvintes de que
eles, como o mundo, também são totalmente corruptos. Em contrapartida empenha-se
muito pouco em informa-los da graça absoluta de Deus diante de quem agora,
crentes confessos, são santos e irrepreensíveis por causa de Jesus.}
Ao final desta vida, existem apenas dois destinos -
céu e inferno. Haverá apenas duas sentenças para os homens: ou a condenação, ou
a vida eterna. Logo, existem apenas duas classes de homens nesta vida. Os de
uma classe vão diretamente ao inferno; os da outra, para o céu (Mt 7.13-14).
Fazer confusão entre essas duas classes de homens consiste numa terrível
mistura entre lei e evangelho. A lei produz pecadores condenados; o evangelho,
homens livres e bem-aventurados.
{O Pregador cristão não pode deixar os seus ouvintes
na dúvida ou inseguros quanto às promessas do evangelho, porque somente existem
duas classes de pessoas: cristãos e ímpios; salvos e condenados. A Bíblia
desconhece cristãos em diferentes graus de conversão. Também o cristão frágil
na fé deve ser assegurado da sua salvação e coberto pelo manto da justiça de
Cristo na pregação, como Paulo faz aos Coríntios, Efésios e todas as cartas.
Cf. tese 9, destaques, pp.39 e 40}
Romanos 6.14: Porque
o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei e sim
da graça. O pecado não será capaz de
dominar os cristãos. É absolutamente impossível que alguém que se encontra no
estado da graça, possa permitir que o pecado domine sobre ele.
1 Coríntios 6.7-11: O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não sofreis,
antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano? Mas
vós mesmos fazeis a injustiça e fazeis o
dano, e isto aos próprios irmãos! Ou
não sabeis que os injustos não
herdarão o reino de Deus?
Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros nem efeminados, nem
sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem
roubadores herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos
lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do
Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. Nenhuma pessoa que incorre nos pecados mencionados
nessa passagem, herdará o reino de Deus, a menos que se arrependa. O
arrependimento do cristão consiste em que ele não mais deseja voltar à prática
desses pecados. Quem os comete intencionalmente tem, com base nisso, uma prova
de que não é cristão; é, isto sim, indivíduo condenado, que é impulsionado por
um espírito infernal e não pelo Espírito Santo.
2
Pedro 2.20-22: Portanto, se, depois de
terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento
do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos,
tornou-se o seu último estado pior que o primeiro.
Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o caminho da justiça do que, após conhecê-lo volverem para trás,
apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado. Com eles aconteceu o que diz
certo adágio verdadeiro: O cão voltou ao seu próprio vômito; A porca lavada
voltou a revolver-se no lamaçal. Nessa
passagem, o apóstolo Pedro fala de pessoas que uma vez eram filhos de Deus, que
tiveram um vivo conhecimento do Senhor Jesus, e estavam no estado da graça
divina. Como pode, então, alguém ser tão descarado a ponto de afirmar que a
pessoa, uma vez convertida, permanece neste estado mesmo que incorra em
determinado pecado, a exemplo de Pedro e Davi?
{Quando mencionar pecadores abomináveis o
pregador não pode se referir aos cristãos. Neles vemos fraquezas, que Jesus
cobre com o manto da justiça e vemos também boas obras que Deus realiza através
deles e das quais Deus se agrada. Assim a fé pode crescer. Fruto desta pregação
cada cristão deve saber aplicar a si a declaração de Deus: “Este é o meu meu
filho amado em quem me comprazo.” (Mt. 3.17)Ed Alemã, p. 308.}
Romanos 8.13,14: Porque, se viverdes segundo a
carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos
do corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de
Deus são filhos de Deus. Todos aqueles que não são guiados pelo Espírito Santo, e
sim pela sua carne, não são filhos de Deus; são servos de Satanás.
19ª TESE
Em décimo quinto lugar, a palavra de Deus não é
aplicada corretamente, quando o pregador se refere a determinados pecados como
sendo não-condenáveis em si, mas, sim, de natureza venial.
Já constatamos que se deve fazer uma diferenciação
entre pecados mortais e pecados veniais. Todo aquele que não faz essa
diferenciação, falha na correta separação de lei e evangelho. Entretanto,
deve-se ter bastante cuidado ao fazer a diferenciação entre esses dois tipos
de pecado. Deve-se deixar claro que se faz essa diferenciação apenas para
mostrar que existem determinados pecados que expulsam o Espírito Santo do coração
do crente. Expulsando-se o Espírito Santo, elimina-se igualmente a fé; porque,
sem o Espírito Santo, ninguém pode vir à fé, nem permanecer neste estado.
Denominamos de pecados mortais aqueles que expulsam o Espírito Santo e operam* em nós
a morte espiritual. Todo aquele que já foi cristão, imediatamente perceberá
quando o Espírito Santo o abandonou. Isso se demonstrará no fato de estar
impossibilitado de orar a Deus numa atitude filial, e por não estar mais em
condições de resistir às tentações como costumava fazer, isto é, ousada e
vigorosamente. Ele se sentirá como que acorrentado ao pecado, tal qual um
escravo. Feliz daquele que, ao menos, reconhece essa sua situação! Ele pode
ser reconduzido a Deus. Mas enquanto ele ainda se encontra neste estado, não
está em comunhão com Deus.
Denominamos de veniais
aqueles pecados que um cristão comete
sem que, com isso, elimine a ação do Espírito Santo dentro de si. São pecados
de fraqueza ou precipitação. Muitas vezes, são descritos como os pecados do
dia-a-dia do cristão.
Devemos ser extremamente cuidadosos para não criarmos
a falsa noção de que os pecados veniais são pecados com os quais o indivíduo
não precisa se preocupar muito, e pelos quais não precisa pedir perdão. Não
raras vezes, acontece que pregadores dão a entender que os cristãos não
precisam se preocupar com os pecados veniais. Já que todos são pecadores e
visto que ninguém consegue se livrar completamente do pecado, eles insinuam
que não há motivo para que alguém se inquiete por causa desses pecados.
Entretanto, uma tal pregação é, de fato, terrível e anticristã.
Mateus 5.18,19: Porque
em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i
ou um til jamais
passará da lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes
mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens será
considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar,
esse será considerado grande no reino dos céus. É interessante observar o contexto dentro do qual o
Senhor profere essas palavras. Justamente no versículo anterior, ele afirma
que veio para cumprir a lei. Visto, pois, que o Senhor teve de cumprir cada uma
das leis e todos os mandamentos em nosso lugar, é, na verdade, espantoso quando
um homem, um pecador e miserável verme, pretende dispensar uma lei de
Deus, julgando-a de somenos importância. Quem alimenta noções dessa espécie não
é cristão. Caso alguém, secretamente, tenha se consolado com essa idéia, esse
mentiu para si mesmo e enganou-se redondamente. Igualmente, nesta questão, o
cristão apresenta-se como alguém que teme pela prática de um só pecado que
seja.
{É terreno escorregadio para o pregador diferenciar e
classificar pecados. Jesus veio cumprir
a lei, porque todo e qualquer pecado é passível das penas do inferno.}
O Senhor também se refere a alguém que pretende
"ensinar aos homens". Já temos um grande mal, quando alguém pessoalmente
despreza determinada lei e vive desregradamente; contudo, pior do que isso é
quando ele prega essas suas noções ambíguas e, através de sua pregação, conduz
os homens para a perdição. Ele terá de prestar contas de sua pregação diante
de Deus, e, naquele dia, ele não poderá apresentar a desculpa de que se
tratava, apenas, de questões triviais que ele deixou de ressaltar devidamente,
fazendo com que ninguém precisasse se afligir por causa delas. Um cristão
aflige-se até mesmo por coisas insignificantes, mas os ímpios julgam que podem
escapar "por meio de sua iniqüidade" (SI 56.7).
Mateus 12.36: Digo-vos
que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia
do juízo. Esse exemplo concreto nos
mostra o quão abominável é dizer que existem pecados que são veniais em
si e que são automaticamente perdoados por Deus, porque ele não os considera
um mal tão grande assim. Aqueles que se expressam assim fazem do santo e justo
Deus um homem velho e fraco que, a exemplo de Eli, permite que seus filhos
pequem, e apenas diz: "Não, meus filhos" (1
Sm 2.24), pensando que, com isso, cumpriu
todo o seu dever. É verdade, Deus é Amor; contudo ele também é Santidade e
Justiça. Deus se transforma num terrível fogo consumidor para com aquele que se levanta contra
ele, e o fogo de sua ira vai ao encalço do pecador até o mais profundo inferno.
Toda a palavra frívola pela qual o homem for interrogado no dia do Juízo, já
será suficiente para a sua condenação. Pergunto, pois, qual é o cristão que,
ao final de um dia em que disse muitas coisas, pode afirmar que não proferiu
uma só palavra fútil? São poucos. Por uma única palavra fútil que seja, os
cristãos devem, de coração contrito, suplicar o perdão de Deus e prometer que,
no futuro, exercerão maior controle sobre sua língua. Se Deus não lhes
perdoasse as palavras frívolas proferidas, estas já seriam o bastante para
condená-los. Pecado venial em si, não existe; existem, isto sim, pecados que
não impedem que se creia em Jesus Cristo de todo o coração.
{Aqueles que se expressam assim fazem do santo e justo
Deus um homem velho e fraco, que a exemplo de Eli, permite que seus filhos
pequem e apenas diz: “Não, meus filhos”.}
Tiago 2.10: Pois qualquer que
guarda toda lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos.
Se alguém guardasse 999 de um total de 1000 mandamentos, seria culpado de
toda a lei. Isso aplica-se a cada um dos assim denominados pecados veniais. A
menos que um cristão tenha uma viva compreensão desse fato, ele deixará de ser
cristão. O que faz de alguém um cristão é o fato de ele reconhecer em fé que,
em primeiro lugar, ele não passa de um miserável e maldito pecador, que
estaria perdido para sempre, caso Cristo não tivesse morrido por ele; e, em
segundo lugar, que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai na eternidade,
e também verdadeiro homem, nascido da virgem Maria, redimiu-o, uma criatura perdida
e condenada, comprou-o e resgatou-o de todos os dos, da morte e do poder do
diabo. Um cristão deve reconhecer-se pecador perdido e condenado; caso
contrário, todo o seu palavrório a respeito da fé será vão e desprezível.
{É mais uma atitude de vida, do
que palavras piedosas e discurso contrito. Reflete-se diretamente na forma como interage com o próximo no
dia-a-dia, em qualquer circunstância.}
Gálatas 3.10: Todos quantos,
pois, são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito:
Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da
lei, para praticá-las. A maldição atingirá todo aquele que não permanecer
em todas as coisas escritas no livro da lei. Logo, não pode haver pecado que
seja de natureza venial. Os pecados são veniais apenas por causa de Cristo.
1 João 1.7: Se, porém,
andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros,
e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. O
apóstolo deixa claro: "de todo o pecado". Ele não diz: "de todos
os pecados mortais, de todos os pecados graves e grosseiros". Logo, o
sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, necessariamente também foi derramado
para apagar os assim denominados pecados veniais. Se isso é assim, então os
pecados veniais também devem ser mortais em si. O pecado é algo terrível por se
tratar de uma "anomia", isto é, um ato fora da lei. O pecado é rebelião
contra o santo, onipotente Deus, nosso supremo, celestial legislador.
Mateus 5.21,22: Ouvistes que
foi dito aos antigos: Não matarás; e:Quem matar estará sujeito a julgamento.
Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo J se irar
contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu
irmão estará sujeito a julgamento no tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará
sujeito ao inferno de fogo. Não existe cristão que não tenha motivo para queixar-se
por ter estado irritado com seu irmão, mesmo que tenha sido por pouco tempo.
Ele o fez num momento de fraqueza; não obstante, cometeu um pecado do qual deve
se envergonhar. Quando Cristo diz: "estará sujeito a julgamento", ele
coloca a raiva e o assassinato no mesmo plano. A palavra "raca"
denota aquela raiva no coração que se manifesta em palavras de ira e através de
gestos. A situação atinge seu pior estágio, quando a pessoa furiosa grita:
"tolo!" A lei, de imediato, destina uma tal pessoa encolerizada para
o fogo do inferno.
Todos esses textos examinados
provam que os assim denominados pecados veniais não são veniais em si, em sua
natureza, mas, sim, pecados que levam à condenação, pecados mortais. A
respeito daqueles que crêem, entretanto, está escrito:
"Agora, pois, já nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1). Contudo, é
precisamente o crente quem encara o pecado como assunto da maior seriedade.
{Porque se for, e quando for,
assegurado devidamente da graça de Deus, terá a coragem que Deus lhe dá na fé
de confessar-se sem temor e obter, através
do pregador, consolo, alivio e paz tornando-se assim, uma árvore que
produz frutos aceitáveis a Deus.
Pregação evangélica implica
ressaltar o pecado. O pregador deve emitir um severo juízo sobre o pecado,
pois cabe a ele anunciar o juízo de Deus. Nem mesmo dos pecados veniais você
deve fazer pouco caso. Convém lembrar que cada dia você peca em tal proporção,
que Deus se veria obrigado a lançá-la no inferno; entretanto, Deus não o fará,
porque você crê em Cristo. Lembre-se, constantemente, de que, caso Deus o
tratasse consoante sua justiça, você seria condenado ao inferno. Você deve temer e agir como se estivesse cheio
de pecados mortais.
Por último, a própria experiência cristã comprova que
nenhum pecado é venial em sua natureza. Qualquer cristão fiel lhe assegurará
que sua experiência é esta: tão logo peque, sente uma inquietação que persiste
até o momento em que suplica o perdão de Deus. O alarma da consciência é
imediatamente acionado dentro de todo o fiel cristão.
20ªTESE
Em décimo sexto lugar,
a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se faz com que a salvação
de uma pessoa dependa de sua filiação a uma igreja ortodoxa visível, e quando
se nega a salvação a todo aquele que erra em qualquer um dos artigos de fé.
Parece estranho que certos homens
tenham chegado à doutrina de que a Igreja Luterana visível é a igreja fora da
qual não há salvação. A mãe desse terrível erro que estamos estudando é a
doutrina que diz que a igreja é uma instituição visível que Cristo estabeleceu
na terra, que em nada difere de um estado religioso, e que é governada por
superintendentes, bispos, concílios eclesiásticos, pastores, diáconos, sínodos
e outros mais. Todo aquele que está, ao menos um pouco, familiarizado com a
palavra de Deus, sabe que esta é uma concepção errônea. Não é assim que diz o
Salvador: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16.18)? Esta pedra é Cristo.
Ninguém é Membro da igreja não ser aquele que está edificado sobre
Cristo. Ser edificado sobre Cristo não significa ligar-se mecanicamente à
igreja, mas, sim, depositar a confiança em Cristo e esperar receber justiça e
salvação apenas dele. Quem não procede dessa maneira não está edificado sobre
esta rocha e, conseqüentemente, não é membro da igreja de Jesus Cristo.
{Induzir pessoas a crer que sua
fé deve ser avaliada a partir de seu zelo a favor de uma instituição visível,
que também se chama igreja, é erro terrível.}
Efésios 2.19-22: Assim, já não
sais estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sais da família
de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo
ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais
sendo edificados para a habitação de Deus no Espírito. Ec1ificado sobre o
fundamento dos apóstolos e profetas está somente aquele que se apega à palavra
deles com uma fé inabalável. Logo, aquele que não tem fé viva, não é membro da
igreja. No que diz respeito a seu relacionamento com Cristo, ele não passa de
um estranho; a igreja, todavia, é a noiva de Cristo.
Cristo também é denominado de
Cabeça da igreja. Logo, somente pode ser membro da igreja aquele que recebe
luz, vida, poder e graça emanados de Cristo, o Cabeça. Todo aquele que não está nessa ligação espiritual com Cristo, não
o tem por seu Cabeça. Todo aquele que é seu próprio senhor, e não é governado
por Cristo, não pertence à igreja.
Numa outra passagem, o apóstolo chama a igreja de
corpo de Cristo. Esse fato levou muitos, mesmo dentre os mais fiéis luteranos,
a afirmar que, já que um corpo é algo que se vê, a igreja também deve ser
visível. Tal exegese, entretanto, é abominável. O ponto de comparação na
passagem acima mencionada não é a visibilidade da igreja, mas sim, que a
igreja, ao invés de ser constituída de muitas partes inertes, é um organismo
vivo, constituído de membros dentro dos quais flui uma fé e uma energia de fé.
Isso mostra, de modo irrefutável, que a igreja não é visível, e, sim,
invisível. Membro da igreja é somente aquele que experimenta o constante fluxo
de energia procedente de Cristo, o Cabeça da igreja.
Cristo também denomina sua igreja de seu rebanho.
Logo, ninguém é membro da igreja a menos que pertença ao rebanho de Cristo, a
menos que seja uma de sua ovelhas, apascentadas por ele e obedientes à sua voz.
Levanta-se a objeção de que Cristo compara a igreja a
um campo no qual crescem, tanto o trigo quanto o joio. Essa objeção,
entretanto, deve-se a uma interpretação errônea da parábola. Ele não diz:
"O campo é o meu reino". Nesse caso, a igreja seria uma sociedade
constituída de membros bons e maus. Entretanto, Cristo diz: "O campo é o
mundo" (Mt 13.38), A Apologia da Confissão de Augsburgo acentua esse fato,
O Salvador compara sua igreja a um campo onde trigo e joio crescem juntos; a
uma rede que apanha peixes bons e ruins: a uma festa de casamento à qual
comparecem também virgens néscias, e para a qual, segundo uma outra parábola,
certo homem teve acesso sem trajar a veste nupcial. Por meio de todas essas
parábolas, Cristo não pretende descrever a essência da igreja, e sim, o modo
como ela se apresenta externamente neste mundo, bem como deixar claro qual é a
sua sorte nesta terra, a saber: mesmo que seja constituída apenas de boas ovelhas,
de pessoas regeneradas, a igreja nunca se apresenta na forma de uma congregação
composta apenas de fiéis cristãos. Na sua forma visível, a igreja nunca se vê
livre de hipócritas e ímpios que se alojam nela. Somente depois da consumação
da vida eterna, a igreja será triunfante, totalmente pura e sem mácula,
separada daqueles que não estavam honesta e sinceramente ligados a ela, mas
que, por meio de uma adesão externa, buscavam apenas satisfazer seus próprios
interesses mundanos. Hipócritas e cristãos fingidos podem confessar Cristo com
os lábios, contudo seu coração está longe dele. Eles servem a seus próprios
desejos carnais e não ao Senhor tão somente. Em Lucas 14.26, o Senhor diz:
"Se alguém vem a mim, e não aborrece seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e
irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo."
Nessa passagem, Cristo pronuncia juízo sobre todos aqueles que não desejam
renunciar àquilo que possuem. Quando todos estiverem reunidos diante do trono
do juízo de Cristo, apenas então será revelada sua hipocrisia. Podemos ver
quando as pessoas vão para a igreja, contudo não podemos determinar se, de
fato, pertencem à igreja ou não. É impossível dizer se este ou aquele indivíduo é membro
da igreja verdadeiramente.
Nenhum homem o sabe, somente Deus. A igreja é visível
tão somente aos olhos de Deus; aos olhos dos homens, ela é invisível.
Esse erro que estamos analisando, constitui-se na
principal falsidade de nossos dias. Isso porque os adeptos dessa doutrina
falsa pretendem ser bons luteranos, opostos aos papistas, quando, na realidade,
apenas trocaram armas com os papistas. A princípio, os papistas defenderam essa
doutrina falsa; agora são os luteranos que ousam afirmar, contra aqueles, que
são a única igreja na qual há salvação. Desse estado de coisas, as únicas
conclusões que se seguem são de que, ou a igreja do papa é a verdadeira, ou a
igreja verdadeira havia perecido antes de Lutero. A Escritura, entretanto,
afirma que a igreja verdadeira não pode perecer; ela se manterá de pé até o
fim dos tempos. Todavia, uma igreja, denominada "luterana" não
existiu antes do décimo sexto século. É verdade, desde os dias dos apóstolos, nenhuma igreja
houve que tivesse tido a doutrina pura em tal proporção como nossos pais a
tiveram. Logo, ou a Escritura é falsa, ou a Igreja Romana era de fato a igreja
verdadeira e a reforma de Lutero, uma rebelião. Eis o intrincado dilema que se
antepõe a todos aqueles que pretendem sustentar uma tal doutrina errônea
concernente à igreja.
{A princípio, os papistas defenderam essa doutrina
falsa; agora são os luteranos que ousam afirmar, contra aqueles, que são a
única igreja na qual há salvação. Isto não é sempre dito assim. Mas
congregações e pastores agem como se realmente pertencer a determinada igreja
fosse essencial a fé.}
Mas o pior de tudo, sem dúvida, é isto: Fazer com que
a salvação de alguém dependa de sua filiação e comunhão com a igreja ortodoxa visível implica
anular a doutrina da justificação pela fé. As pessoas que se filiam à Igreja
Luterana já têm a fé verdadeira antes disso. É um grave engano pensar que Lutero, antes de se tomar luterano, não tinha a
fé verdadeira. Por mais que estimemos nossa igreja, longe de nós esse fanatismo
abominável de que a Igreja Luterana é a única igreja que salva! A
verdadeira igreja estende-se por todo o mundo e pode ser encontrada em todas as
seitas. A igreja não é um organismo externo, com organização própria, ao qual o
indivíduo deve adaptar-se para que se torne membro. Todo aquele que crê
em Jesus Cristo e é membro de seu corpo espiritual, é membro da igreja. Essa
igreja, por outro lado, não pode ser dividida; ela permanece unida, apesar de seus
membros estarem separados entre si por meio do tempo e do espaço.
{Fanatismo
abominável: induzir pessoas a crer que caso não obedeçam a regras estabelecidas
pela igreja, sua fé e filiação à igreja estão em perigo. Isto não é luterano.
Pelo contrario, é apostasia do luteranismo. E luteranismo é ensinar às pessoas
as que são salvas e justificadas pela graça.}
Tira-se uma conclusão falsa a
partir das referências que a Escritura faz a comunidades eclesiásticas externas
como às de Roma; Corinto, Filipos, Tessalônica, da Galácia e da Ásia Menor, às
quais o Senhor enviou cartas através de São João. Todas essas comunidades
visíveis são denominadas de igrejas. Logo, dizem alguns, a igreja é visível. -
Já o próprio Lutero, para evitar que o povo imaginasse que o papa é a igreja,
traduziu a palavra "ekkleesía" por "congregação"*, o que
está correto. A conclusão que se tira do emprego dessa palavra, indicando
igrejas locais, está errada, porque as Escrituras, via de regra, empregam o
termo "ekkleesía" quando têm em mira, não igrejas locais, mas sim, a
igreja no sentido absoluto. E essa é uma comunidade invisível. Emprega-se
"ekkleesía," quando se fala de organizações locais, porque a igreja
invisível está contida nelas. Coisa semelhante a isso acontece, quando falamos
de um monte de trigo, mesmo que nem tudo seja trigo, pois grande parte é capim
e palha. Ou então, falamos de um copo de vinho, apesar de lhe ter sido
acrescentada água. Em tais casos, o objeto recebe o nome a partir de seu
conteúdo principal. Da mesma forma, as comunidades visíveis são denominadas
"igrejas," porque, dentro delas, está a igreja invisível, porque
elas contêm uma semente celestial. Os cristãos infiéis e hipócritas também
recebem o nome de "membros da congregação", apesar de, na realidade,
não o serem. Já que eles confessam o nome de Jesus, atribuímos-lhes esse título
por consideração, na suposição de que eles de fato crêem o que confessam.
Também a Igreja Luterana, na qualidade de comunidade
visível, é denominada "igreja" num sentido sinedóquico. Por isso, é
um terrível engano afirmar que as pessoas só podem ser salvas dentro da Igreja
Luterana. Ninguém deve ser levado a filiar-se à Igreja Luterana por pensar que
ó a sim terá acesso à igreja de Deus. Em Isaías 55.11, temos a promessa:
"Minha e Palavra ... não voltará para mim vazia". Onde a palavra de
Deus ) ainda é proclamada e confessada, ou até mesmo lida durante o culto, ali
o Senhor também está reunindo um povo para si. A Igreja Romana, por exemplo,
ainda confessa que Cristo é o Filho de
Deus e que ele morreu na cruz para redimir o mundo. Isso já é verdade
suficiente, para que alguém chegue ao conhecimento da salvação. Quem nega esse
fato, igualmente é forçado a negar que
existem cristãos em algumas congregações luteranas dentro das quais afloraram
doutrinas falsas. Nessas congregações, sempre existem alguns que são filhos de
Deus. Isso porque eles têm a palavra de Deus que sempre produz fruto na
conversão de algumas almas para Deus.
A doutrina falsa referente à igreja, que estamos
abordando nesta tese, implica uma confusão fatal entre lei e evangelho. O
evangelho diz: "Crê no Senhor Jesus Cristo"! A Lei, ao contrário,
confronta o homem com toda sorte de exigências. Apresentar o cumprimento de
certa exigência como necessário para a salvação, ao lado da fé, da aceitação
das promessas do evangelho, é fazer confusão entre lei e evangelho. Sou membro
da Igreja Luterana pelo simples motivo de querer permanecer ao lado da verdade.
No momento em que reconheço que a igreja a que pertenço abriga doutrinas falsas
em seu meio, com as quais não quero me contaminar, eu abandono essa igreja. Não
desejo tornar-me cúmplice dos pecados de outros e, por isso, abandonando uma
comunidade herética, estou confessando a verdade pura e inalterada. Cristo diz:
"Portanto todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o
confessarei diante de meu Pai que está nos céus; mas aquele que me negar diante
dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus". (Mt
10.32-33). Paulo diz expressamente a Timóteo: "Não te envergonhes,
portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou
eu." (2 Tm 1.8).
Dizer que é possível que os homens se salvem dentro de
qualquer uma das seitas e que, em todas as igrejas sectárias, encontram-se filhos de Deus, de maneira nenhuma nos
leva a concluir que se pode permanecer em comunhão com uma seita. Muita gente
não consegue compreender esse fato; pensam que afirmar que um indivíduo pode
ser salvo em qualquer uma das seitas é um princípio totalmente unionista. Fato
é que pode haver salvação em qualquer uma das seitas; o motivo para tanto é
que somos salvos por fé, e esta alguns membros das seitas podem perfeitamente
ter. Entretanto, se reconheço o erro de minha comunidade sectária e não me
retiro dela, serei condenado ao inferno, porque, mesmo vendo o erro, não
estive disposto a dodona-lo.
A Igreja Luterana é, de fato, a verdadeira igreja
visível; entretanto, apenas no sentido de que ela tem a verdade pura,
inalterada. Tão logo você, ao falar da Igreja Luterana, fizer a observação de
que ela é a “única que salva”, você terá diminuído a doutrina da justificação
por graça através da fé em Cristo Jesus e feito confusão entre lei e evangelho.
21ªTESE
Em décimo sétimo lugar, a palavra
de Deus não é aplicada corretamente, quando se ensina que os sacramentos agem
salvificamente ex opere operato, isto é, pelo simples levar a efeito extremo de
um ato sacramental.
Quem ensina o grave erro abordado nesta tese são os papistas. Ensinam às pessoas que,
mesmo sendo descrentes, terão algum benefício do batismo simplesmente
submetendo-se a ele, desde que, no momento, não estejam vivendo em pecado
mortal. Afirmam que esse simples ato já lhes traz o favor de Deus, ou, faz com
que Deus se torne gracioso para com eles. Idêntico é o que ensinam quanto à
missa e à ceia do Senhor, a saber: obtém-se graça pelo simples participar
desses rituais. Essa doutrina é contrária à palavra de Deus, de modo especial
ao evangelho, que deixa claro que o homem é justificado diante de Deus e salvo
tão-somente por graça e que ele não pode praticar uma boa obra sequer antes de
sua justificação.
Romanos 3.28: Concluímos,
pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das
obras da lei. Se sou justificado, se
obtenho a graça, submetendo-me ao batismo, ou, pelo fato de participar da santa
ceia, então sou justificado por obras, e por obras tão mesquinhas que nem são
dignas de serem mencionadas. Sim, porque é precisamente nisso que resultam batismo
e santa ceia, quando encarados como obras que nós fazemos. Essa doutrina de
que a pessoa obtém a graça divina desde que faça uso externo dos sacramentos é
terrível e contradiz totalmente o ensino da Bíblia. Fato é que o batismo e a
santa ceia colocam o homem sob juízo, caso ele não se aproxime deles com fé em
seu coração. Eles são meios da graça apenas porque aos sinais externos (água,
pão e vinho) está ligada uma promessa de Deus. Tão-somente permitir que
derramem água sobre mim, de nada me aproveitará. Da
mesma forma, de nada me aproveita comer o pão e beber o vinho consagrados na
santa ceia, mesmo que nela eu receba, verdadeiramente, o corpo e o sangue do
Senhor. Participar da santa ceia sem fé, antes de tudo me será prejudicial,
porque me torno culpado do corpo e sangue do Senhor. É
da máxima importância que eu creia; que,
no batismo, eu considere, não a água, mas, sim, a promessa que está ligada à
água. É a promessa que
requer que se batize com água; isto porque a promessa foi ligada tão-somente à
água. O mesmo se aplica à santa ceia: imaginar que o ato de participar da mesa
do Senhor, cumprindo assim sua vontade, é mais um mérito que será contado a
nosso favor, na verdade não passa de um pensamento pagão. O Senhor diz:
"Tomai, comei; isto é o meu corpo, que é dado por vós." "Bebei
dele todos; este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por
vós para remissão dos pecados." Essas palavras encerram todo um céu de
graça divina para o comungante, e é em direção a elas que o comungante deve
dirigir sua fé. O simples ato de comer o pão com o corpo de Cristo e beber o
vinho com o sangue de Cristo, não produz efeito benéfico algum em nós. A graça não opera
química ou mecanicamente, senão que apenas através da palavra, em virtude do
fato de Deus continuamente dizer: "Teus pecados estão perdoados". A
essa pa1avra devo apegar-me, na fé. Se eu proceder assim, então posso,
no Último Dia, comparecer confiantemente diante de Deus. E mesmo que
ele estivesse por condenar-me, eu poderia dizer: "Tu não podes condenar-me
sem que, com isso, te faças mentiroso. Intimaste-me a depositar toda minha
confiança na tua promessa. Eu o fiz, logo, não podes condenar-me, como também
sei que não vais fazê-lo". Se Deus quisesse provar a fé de seus cristãos
ainda no Último Dia, todos os santos clamariam: "Não podemos ser
condenados ao inferno. Eis aqui Cristo, nosso Fiador e Mediador. Terás de
reconhecer, ó Deus, o resgate que teu Filho pagou pelos nossos pecados e pela
nossa culpa".
{ O Pregador não pode deixar nos seus ouvintes a
impressão de que o importante é a presença deles na santa ceia (obras). Devemos
antes falar de tal maneira que, em descrevendo os benefícios, os dons e a graça
de Deus, sintam-se assim atraídos a vir se temor e com alegria.}
Romanos 14.23: Mas aquele que tem dúvidas é
condenado se comer, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não' provém
de fé é pecado. Como pode, então, alguém que participa dos sacramentos sem
fé, tornar-se aceitável a Deus, ou obter a graça de Deus através deste ato, já
que ele peca ao fazer algo que não procede da fé? Relacionado a isso, deve-se
também considerar o que Hebreus 4.12 diz a respeito da ação da palavra de Deus
sobre o íntimo do homem.
Os
falsos mestres admitem que a pregação, a menos que seja recebida com fé, de
nada aproveita aos ouvintes, senão que apenas aumenta sua responsabilidade.
Insistem, entretanto, que, em se tratando dos sacramentos, a situação é
diferente, pois estes, segundo eles, têm a seguinte grande vantagem sobre a
palavra pregada: sempre que o homem simplesmente os utiliza, Deus, em sua
graça, opera através deles. Essa é um doutrina pagã! Os sacramentos não são
outra coisa senão; palavra de Deus ligada a um símbolo. Agostinho denomina-o:
magnificamente de "palavra visível" (verbum visible). A
palavra de Deus em nada aproveita àquele que não crê. Da mesma, forma, um
descrente em nada é beneficiado, submetendo-se ao batismo. Quando insistimos
com as pessoas para que creiam em seu batismo, nossa intenção é que creiam em
seu Pai celeste, que ligou uma tão gloriosa promessa ao batismo. A idéia de que Deus fica extremamente satisfeito, quando
alguém apresenta sua cabeça para que sobre ela seja derramada água, não passa
de um abominável abuso da palavra. Assim como a palavra não beneficia aquele
que não crê, também os sacramentos beneficiam apenas aqueles que se apegam aos
mesmos na fé.
O evangelho simplesmente diz: "Crê, e serás
salvo"; a lei, ao contrário, ordena: "Faze isto, e viverás". Se,
pois, o simples fato de ser batizado e participar da santa ceia concede graça a
alguém, então o evangelho foi claramente transformado numa lei, porque, nesse
caso, a salvação baseia-se naquilo que o homem faz. Além disso, a lei foi
transformada em evangelho, porque se promete a salvação como uma recompensa pelas
obras que alguém faz.
Alguém poderia pensar que é totalmente impossível que
um pregador cristão ensine que os sacramentos agem salvificamente ex opere
operato; entretanto isso sempre, de novo, acontece. Esse terrível erro é
ensinado precisamente por aqueles que pretendem ser 1uteranos bastante
rigorosos, e acontece toda vez que abordam os sacramentos como tema. Ao
concluírem sua exposição da doutrina do batismo, cada ouvinte tem a clara
impressão de que, para alcançar o céu, basta que alguém se submeta ao batismo.
Tendo concluído sua apresentação da doutrina da santa ceia, as pessoas estão
convictas de que, para receber o perdão de pecados, tudo o que se precisa fazer
é participar da santa ceia, já que Deus ligou sua graça a esse ato externo.
{Rigorosos em induzir os fiéis a pensar que Deus mais
espera deles que freqüentem os cultos, participem dos sacramentos e sem
comprometam com a igreja. Esta é uma doutrina pagã e abuso da palavra. “E quem
se aproxima do altar para cumprir um dever, este come e bebe para sua
condenação” The Proper Distinction P. 354}
Se a palavra pregada não beneficia o indivíduo, a
menos que ele creia nela, então também o ser batizado e participar da comunhão
de nada adiantará àquele que não tem fé. Anunciar alguém que ele será salvo
através da fé, não é outra coisa senão dizer que será salvo por graça. A
maioria das pessoas apresenta o assunto da seguinte maneira: "Se você quer
ser salvo, você não deve fazer esta ou aquela obra, mas sim - deve ter fé! É
isso que Deus requer de você." Contrário a isso, convém relembrar o que o
apóstolo diz em Romanos 4.16: "Essa é a razão por que (a justiça) provém
da fé, para que seja segundo a graça". Qualquer ensino que se levante
contra a doutrina de que o homem é salvo, não por suas próprias obras, sua
conduta, ou qualquer outro esforço de sua parte, mas tão-somente por graça, é
um erro que subverte por completo o fundamento da doutrina cristã. "Você
deve crer", significa: "Você deve aceitar o que lhe está sendo
oferecido". Nosso Pai dos céus oferece perdão dos pecados, justiça, vida
e salvação aos homens. Entretanto, de que aproveita um presente, se ele não é
aceito? Aceitar um presente não é uma obra através da qual se merece o
presente; significa, isto sim, tomar posse daquilo que está sendo oferecido.
Marcos 16.16: Quem crer e for batizado será salvo;
quem, porém, não crer será condenado. Jesus não diz: "Quem for
batizado e crer", mas, sim, "Quem crer e for batizado". A fé é a
necessidade de primeira ordem; o batismo é algo a que a fé se apega. Além
disso, o Senhor acrescenta: "Quem, porém, não crer, será condenado".
Isso deixa claro que, mesmo que não tenha sido possível a alguém submeter-se ao
batismo, ele será salvo, desde que creia.
Atos 8.36,37: Seguindo eles caminho fora, chegando
a certo lugar onde havia água, disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que
seja eu batizado? [Filipe respondeu: É lícito,
se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é
Filho de Deus.] A única coisa que
Filipe exigiu foi a fé. Ele praticamente disse ao eunuco: "Se você não
crê, de nada lhe adiantará ser batizado". No momento do nosso batismo,
não somos nós que fazemos uma obra, mas, sim, Deus.
Gálatas 3.26,27: Pois todos vós sais filhos de Deus
mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo
de Cristo vos revivestes.No batismo, somente aquele que crê se reveste de
Cristo. Essa passagem geralmente é interpretada como se todo aquele que é
batizado se revestisse de Cristo. Todavia, não é isto que o apóstolo quer dizer. Ele diz: "porque todos vós", a saber,
vós que sais "filhos de Deus mediante a fé". Estes de fato se
revestiram de Cristo no batismo. Um descrente, ao ser batizado, não se reveste
de Cristo, mas continua trajando a veste contaminada de sua carne pecaminosa.
Por ocasião da instituição da santa ceia, o Senhor diz:
"Tomai, comei; isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em
memória minha. Bebei dele todos; este cálice é o novo testamento no meu sangue,
que é derramado por vós para remissão dos pecados". O Senhor não diz
simplesmente: "Isto é o meu corpo"; ele acrescenta: "que é dado
por vós". Ele não diz apenas: "Isto é o meu sangue", mas
acrescenta: "que é derramado por vós para remissão dos pecados". Está
claro que ele pretende dizer: "o principal é que vocês creiam que este
corpo foi dado por vocês e que este sangue foi derramado para remissão de seus
pecados. É isso que vocês devem crer, caso desejem receber a verdadeira bênção
desta ceia celestial". E se Cristo acrescenta: "Fazei isto em memória
minha", ele quer dizer com isto: "Façam-no em fé". Certamente
não era sua intenção dizer: "Pensem em mim toda vez que partilharem o meu
corpo e sangue. Não se esqueçam de mim por completo!" Todo aquele que
julga que Cristo apenas admoestou seus discípulos a que não o esquecessem, não
conhece o Salvador. A verdadeira memória de Cristo consiste em que o comungante
reflita, na fé: "Este corpo foi dado à morte por mim; este sangue foi
derramado para a remissão dos meus pecados. Isso faz com que eu possa
aproximar-me do altar com confiança. Na fé, quero apegar-me a esta verdade e
ter em alta estima a garantia de meu Salvador" Porque, se Deus adiciona
uma garantia visível à sua palavra, quem ousará duvidar de que sua palavra é
verdadeira, e de que sua promessa de fato se cumprirá? Toda vez que você for
participar da santa ceia, tenha, diante de seus olhos, estas palavras:
"Dado por vós; derramado por vós para a remissão dos pecados". Caso
você não fizer isso; caso você pensar que, indo para a santa ceia, mais uma vez
cumpre sua obrigação, e que Deus vai levar em conta esse seu feito, então
sua participação da santa ceia será um ato condenável. Ir para a comunhão,
comer corpo de Cristo e beber seu sangue com tal mentalidade, é um atrevimento;
entretanto, não é nenhum atrevimento apegar-se à palavra de sua promessa.
Romanos 4.11: E
recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que
teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não circuncidados,
a fim de que lhes fosse imputada a justiça. Esta passagem nos diz que Abraão creu antes de ser circuncidado. A
circuncisão era para ser, nada mais nada menos, do que um selo da justiça que
Abraão obteve através da fé. Na verdade, trata-se de um ato da grande bondade
de Deus quando ele, sabendo quão tardos somos para crer, mesmo depois de termos
chegado à fé, acrescenta sinais externos à sua palavra e liga sua promessa a
eles; porque os sacramentos estão ligados à palavra e compreendidos nela. A estrela
luminosa que brilha nos sacramentos é a palavra.
Freqüentemente, acusa-se nossa igreja de ensinar que o
batismo opera a adoção de filhos de Deus ex opere operato e que a ceia
do Senhor opera o perdão dos pecados ex opere operato. Seria, de fato, terrível,
se disséssemos primeiramente: "O homem é salvo, não por obras", e
acrescentássemos: "Entretanto, através destas duas insignificantes obras,
o homem pode alcançar o perdão dos pecados". É verdade, muitos luteranos
determinam, pelo calendário, se está ou não na hora de participar mais uma vez
da ceia, porque julgam que o participar da santa ceia é uma obra que o cristão
deve fazer e, em relação à qual, ele não pode se dar o luxo de ser negligente.
O motivo que deve impulsionar alguém para a ceia é a promessa da graça que
Deus ligou aos sinais externos. Aquele que se aproxima do altar, confiando
nessa promessa, este deixará a mesa do Senhor com uma bênção no coração.
A Igreja Luterana dá uma ênfase tão grande aos
sacramentos, a ponto de os entusiastas sentirem verdadeira aversão em relação
a ela. A Igreja Luterana apega-se à palavra do Senhor: "Quem crer e for
batizado será salvo". Eis o motivo por que ela condena todos os falsos
mestres que dizem que o batismo não é outra coisa senão uma cerimônia através
da qual a pessoa é recebida na igreja. Segundo a doutrina luterana, o batismo
"opera perdão dos pecados, salva da morte e do diabo e dá salvação eterna
a todos que crêem, conforme as próprias palavras e promessas de Deus o
afirmam". A Igreja Luterana sustenta que o batismo é o "o lavar
regenerador e renovador do Espírito Santo"; que a água, no batismo,
conforme diz Pedro, "nos salva"; e que "todos quantos foram
batizados em Cristo, de Cristo se revestiram". Com respeito à ceia do
Senhor, a Igreja Luterana, resistindo a
todos os esforços que pretendem levá-la à dúvida, sustenta a veracidade das
palavras do Senhor: "Isto é o meu corpo, que é dado por vós; Isto é meu
sangue, que é derramado por vós". A Igreja Luterana encara os sacramentos
como o mais sagrado, gracioso e caro tesouro que há sobre a terra. Quando Deus
ordena um ato sacramental, ele ordena algo sobre o qual repousa nossa salvação.
Entretanto, em momento algum, a Igreja Luterana
afirmou que os homens são salvos através do simples uso externo dos
sacramentos. Essa é uma doutrina contra a qual ela sempre levantou sua voz,
sempre combateu e condenou.
O simples ato mecânico de ser batizado, caso não for
acompanhado por fé, não trará ao homem outra coisa senão perdição. A verdade
nesta questão é a seguinte: Deus é tão bondoso que, além de fazer com que sua
misericórdia seja pregada aos homens, ele os convida para o sacramento. E
através deste, ele sela a promessa da graça; basta que os homens creiam nele.
De modo idêntico, aquele que imagina obter perdão dos pecados pelo simples ato
de comer e beber a ceia do Senhor, está equivocado. O corpo de Cristo não
produz efeitos de natureza física, assim como os modernistas alegam, quando
afirmam que ele implanta a semente da imortalidade no homem. Esse pensamento
não passa de um sonho da teologia especulativa e não tem base escriturística.
Além do mais, assim como a Escritura não diz que o homem
é salvo pelo mero ouvir externo da palavra, ela também não ensina que os
sacramentos operam de modo semelhante. O mero símbolo, posto diante dos olhos
dos homens, não opera o efeito salvífico; ele apenas demonstra aquilo que a
palavra proclama. Nós batizamos com água. Isto significa que o batismo efetua
purificação do pecado, santificação, regeneração e renovação. Aquilo que eu
ouço na pregação, eu o vejo no elemento externo do batismo. No coração do
homem, entretanto, a palavra e o sacramento produzem o mesmo efeito.
22ªTESE
Em décimo oitavo lugar, a palavra de
Deus não é aplicada corretamente, quando se faz uma falsa distinção entre
despertamento e conversão, e quando se confunde o NÃO PODER crer com o NÃO
PERMITIR que se creia.
Quem incorreu nessa grave confusão entre lei e
evangelho, durante a primeira metade do século XVIII, foram, entre outros, os
assim denominados pietistas. Esses homens fizeram confusão entre lei e
evangelho, isto é, mantiveram as pessoas afastadas de Cristo. Isso se deu,
porque fizeram uma falsa distinção entre despertamento espiritual e conversão.
Declararam que, no que tange ao caminho da salvação, deve-se dividir a
humanidade em três classes: 1) aqueles que ainda não foram convertidos; 2)
aqueles que foram despertados, contudo ainda não convertidos; 3) aqueles que já
foram convertidos.
{Maneira mais refinada pala qual pregadores mantêm
pessoas afastadas de crsito: Qualquer tentativa, hoje, de classificar os
membros da igreja ou de vê-los em categorias (relapsos, ativos, comprometidos,
etc.) é uma forma de pietismo que promove barreiras dificilmente removíveis,
que afastam, não aproximam as pessoas de Cristo e da sua graça.}
Essa foi, sem dúvida, uma classificação totalmente
incorreta. Eles teriam tido razão, caso entendessem por despertados aqueles
que, de vez em quando, recebem um forte impacto da palavra de Deus, da lei e do
evangelho, mas que imediatamente abafam esse impacto a ponto de tomá-lo sem
efeito. De fato, existem pessoas que não conseguem mais continuar vivendo em
sua segurança carnal, contudo reprimem essa sua inquietação até que Deus, mais
uma vez, os esmiúça com o martelo de sua lei e, então, faz com que provem a
doçura do evangelho. Entretanto, esses indivíduos despertados, aos quais os
pietistas se referiam, não podem mais ser contados entre aqueles que ainda não
se converteram. De acordo com a Escritura, podemos admitir apenas duas
classes: a daqueles que estão e a daqueles que não estão convertidos.
É
bem verdade que existem pessoas que, caso
contrastadas a cristãos verdadeiros, poderiam muito bem ser consideradas como
despertadas. Isso, caso se desconsidere o padrão que temos na Escritura
Sagrada. Entre eles estariam, por exemplo, Herodes Antipas, Félix, Festo e
Agripa.
Indivíduos como esses não podem ser contados entre os
convertidos. Entretanto, não está correto referir-se a eles como sendo despertados.
Quando a Escritura fala em despertamento, ela refere-se sempre à conversão.
Vocês devem dividir a humanidade em apenas
duas classes. As passagens que seguem deixarão claro diante de seus olhos que a
Escritura entende o despertamento como conversão: Efésios 5.14; Pelo que diz: Desperta, ó tu que
dormes, levanta-te de entre os mortos, e
Cristo te iluminará. Efésios 2.4-6; Mas Deus, sendo rico em "misericórdia, por causa do grande amor com
que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente
com Cristo, -pela graça sais salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e
nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Colossenses 2.12. Tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo, no qual
igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou
dentre os mortos.
Os pietistas, entretanto, objetam que o indivíduo que
não experimentou uma genuína e profunda contrição em seu íntimo, ainda
não é convertido, mas apenas despertado. Por contrição profunda, eles entendem
uma contrição semelhante à de Davi, que passou noites inteiras chorando e
pranteando em sua cama e que, por diversos dias, andou de um lado para outro,
curvado e oprimido pela aflição. Todo aquele que não passou por tais experiências,
que ainda não foi selado com o Espírito Santo, que não está totalmente certo de
sua salvação e de que se encontra no estado da graça, que sempre se mostra
indeciso e insensível, que carece de verdadeira paciência e da devida
disposição em servir seu semelhante - tal pessoa, afirmam eles, certamente não
pode ser cristã; ela está despertada, contudo ainda não convertida. Essa é uma
falsa suposição. Alguém pode perfeitamente ter-se tomado cristão verdadeiro sem
ter passado por uma grande e terrível angústia como a de Davi. Isso porque,
apesar do fato de Davi realmente ter passado por tais experiências, não temos
nenhuma referência bíblica que indique que todos devem passar pelas mesmas
experiências e sofrer com a mesma intensidade. No que concerne ao selo com o
Espírito Santo, lemos em Efésios 1.13: "Em que também vós, ... tendo nele
... crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa". Esse selar
pressupõe fé, mesmo que seja uma fé bastante fraca, uma fé que constantemente
tem de lutar com ansiedades e dúvidas. Não é a todos que Deus, de imediato,
concede alegria na fé e coragem heróica. Que essa é a verdade pura e
inalterada, pode-se constatar em cada uma das passagens que relata a conversão
de pessoas. Considere, por exemplo, o auditório do primeiro Pentecostes
cristão. Aquelas pessoas foram como que
atingidas por uma flecha em seu íntimo e clamaram: "Que faremos,
irmãos?" E Pedro não lhes responde: "Tenham calma! Primeiramente
vocês devem passar por um rigoroso conflito penitencial; você's terão que
lutar com Deus e gritar por ele, até que o Espírito Santo lhes dê a certeza
interior de que receberam graça e estão salvos". De forma alguma; o
apóstolo apenas diz: "Arrependam-se, e cada um seja batizado". E
imediatamente eles foram batizados. "Arrependam-se" significa:
"Voltem-se para seu Senhor Jesus, creiam nele e, como selo de sua fé,
recebam o batismo; e então tudo estará bem com vocês". Um pouco adiante, é
nos relatado a respeito desses recém-convertidos: "E perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações"
(Atos 2.37-38,42).
Assim sendo, eles foram de fato convertidos em poucos
instantes.
O mesmo verificamos no caso do tesoureiro e administrador
das finanças da rainha da Etiópia. Filipe não diz outra cousa senão isto:
"Se você crê de todo o coração, é claro
que pode"; a saber, ser batizado. Quando o tesoureiro respondeu: "Eu
creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus," Filipe se deu por satisfeito;
porque ele estava ciente daquilo que o tesoureiro queria dizer com esta
confissão, a saber, que ele cria no Messias, Deus e homem. Após o batismo, seus
caminhos se separaram, e eles provavelmente nunca mais voltaram a encontrar-se.
Filipe, de modo algum, estava aflito, perguntando-se se este homem estava de
fato convertido ou não; ele estava absolutamente certo de sua conversão, porque
ele declarara: "Eu creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus"(Atos
8.37 ss).
O carcereiro da cidade de Filipos estava em desespero,
porque temia a pena de morte, por ter permitido que os prisioneiros fugissem.
Paulo barrou-o no intento de apunhalar-se, gritando: "Não faça isso! Todos
nós estamos aqui!" E então voltaram-lhe à mente os pensamentos que haviam
inquietado seu coração durante a noite, enquanto ele ouvia que os prisioneiros,
aos quais ele havia dispensado um tratamento tão cruel, louvavam e
glorificavam a Deus. Convencido da perversidade de seu coração e da magnitude
de seu pecado, ele caiu aos pés dos apóstolos, exclamando: "Senhores, que
é que eu devo fazer para me salvar?" E Paulo não lhe respondeu: "Isto
não pode mais ser feito nesta noite. Primeiramente precisamos instruí-lo e
certificar-nos do estado em que se encontra seu coração. Admitimos que você
está despertado, contudo, conversão é uma
outra história". Não; ele simplesmente disse: "Creia no Senhor Jesus,
e você será salvo - você e sua família" (Atos 16.27 sS). O carcereiro creu
e ficou muito contente em função disso. Isso foi tudo o que Paulo e Silas
fizeram. Eles o deixaram e, tendo recuperado a liberdade, prosseguiram a
viagem.
Tente encontrar uma única passagem das Escrituras em
que um profeta, apóstolo, ou qualquer outro santo, tenha indicado, às pessoas,
um caminho para a conversão diferente destes, dizendo que não se deveria
esperar que a conversão se processasse rapidamente e que se teria de passar
por estas e aquelas
experiências. Você não encontrará! Eles sempre
pregavam de maneira que seus ouvintes ficavam atemorizados e, tão logo,
reconheciam que não havia saída para eles, auto-condenavam-se, perguntando:
"Existe solução para o nosso caso?". Eles lhes respondiam:
"Creiam no Senhor Jesus, e tudo estará bem com vocês."
Os fanáticos declaram que essa seqüência na conversão
não está correta. Essa, de fato, não é a seqüência proposta pelos fanáticos; é
a seqüência proposta por Deus. Tão logo o evangelho ecoou nos ouvidos das
pessoas acima mencionadas, encontrou eco em seus corações, e eles se tomaram
crentes. A respeito de Davi, lemos que ele, depois de receber a absolvição,
ainda teve que passar por muita angústia. Mas, seus salmos de penitência são,
ao mesmo tempo, uma confissão da 'é certeza
que ele tinha de que Deus era gracioso para com ele. Trata-se de um esforço dispendido totalmente em vão,
quando um pregador conduz alguém, que está perturbado por causa de seus
pecados, por um caminho que se estende por meses e anos, até que ele,
finalmente, possa dizer: "Sim, eu creio". Tal pregador não passa de
um charlatão espiritual: ele não levou essa alma a Jesus, mas, sim, a uma confiança
em suas obras próprias. A todo o pecador que está em bancarrota espiritual e
que pergunta: Que devo fazer para que seja salvo?, você deve dizer: Isso é
muito simples; creia em Jesus, seu Salvador, e tudo estará bem.
Convém notar que, segundo as Escrituras, não é de todo
difícil ser convertido; o difícil mesmo é continuar nesse estado. Por isso,
aquele que relaciona as palavras do Senhor, "Entrai pela porta
estreita" (Mt 7.13), ao arrependimento, interpreta-as erroneamente. O
arrependimento não é uma porta estreita através da qual alguém precisa forçar
passagem. O arrependimento é algo que o próprio Deus tem de operar no homem.
Todo o arrependimento auto-fabricado, produzido pelo próprio esforço do homem,
é uma falsificação e abominação à vista de Deus. Nossa incapacidade de produzir
arrependimento em nós mesmos não nos deve preocupar nem um pouco. Devemos,
tão-somente, aplicar a palavra de Deus a nós e teremos a primeira parte do
arrependimento. A aplicação incondicional do evangelho, seguindo a isso, cria a
fé em nós. Ao ouvir o evangelho, tudo o que alguém deve fazer é aceitá-la. E
então, imediatamente, segue-se um conflito interior. O erro dos falsos
mestres, nesta questão, está no fato de colocarem esse conflito antes da
conversão. Uma pessoa não-convertida não está capacitada para tal conflito. O
conflito surge num estágio posterior, e é bastante agudo. O caminho estreito.
é a cruz que os cristãos têm de carregar, a saber: a mortificação de sua
própria carne, o suportar da zombaria, do desprezo e da desonra que o mundo
lança contra eles, a luta contra o diabo, a renúncia ao mundo com suas
vaidades, tesouros e prazeres. Isso não é fácil. É bem por isso que, não muito
depois da conversão, muitos se desviam e perdem a fé. Onde a palavra de Deus é
proclamada com demonstração de Espírito e poder de Deus, convertem-se muito
mais pessoas do que imaginamos. Se pudéssemos sondar os corações dos
participantes no culto de uma igreja em que a palavra é pregada poderosamente
com demonstração de Espírito e poder, e onde não se mistura o fazer do homem
com a doutrina da graça salvadora, observaríamos muitos dentre eles tomando a
decisão de, pela graça de Deus, tornarem-se cristãos; e isso porque estão
convencidos de que o pregador tem razão. Muitos, entretanto, mal saindo da igreja,
procuram suprimir essas sensações e persuadem-se de que acabaram de ouvir a
conversa de um fanático. Tais pessoas endurecem seus corações domingo após
domingo e ingressam num pós-conversão muito perigoso. O próprio Salvador diz
que muitos "ouvem a palavra ... com alegria"(Mt 13.20), mas sufocam a
semente que está germinando, quando surgem as tribulações. Por tribulações não
se entendem necessariamente as aflições que partem do diabo, mas, em geral, o
tédio em relação às coisas espirituais, o relaxamento na oração, a negligência
no ouvir a palavra de Deus, o desprezo da parte do mundo que os cristãos têm de
suportar, etc. Tudo isso pode desvanecer a impressão que a palavra causou no
coração dos cristãos. Contudo, não afirma o Senhor que eles crêem por algum
tempo (Lc 8.13)7 Logo, as pessoas dessa segunda classe de ouvintes, que
imediatamente aceitam o evangelho, iniciam na fé; mas impedem que a palavra
lance raízes em seus corações e, com a primeira tentação a que ficam expostos,
entregam-se novamente ao mundo e à sua própria carne, botando tudo a perder.
Não se iludam, pensando que os homens podem endurecer
seus corações, quando lhes é dito quão rapidamente se pode chegar ao
arrependimento e à conversão. Pelo contrário, considerem a grandeza da
misericórdia de Deus. Depois que alguém foi convertido, ele deve propor-se a,
dia a dia, progredir espiritualmente, exercitar-se no amor, na perseverança, na
bondade e lutar contra o pecado. Essa é uma tarefa para cristãos convertidos,
que passam a cooperar com a graça divina que age neles. Os fanáticos,
entretanto, em sua doutrina totalmente abominável, colocam esses conflitos
espirituais antes da conversão e, dessa maneira, tiram toda a honra que é
devida a Deus. Onde há sinal de verdadeira ânsia por misericórdia, ali existe
fé; porque fé não é outra coisa senão
ansiar por misericórdia. Quando isso acontece a alguém, ele não está apenas
despertado, no falso sentido da palavra, mas, sim, convertido. É
importante que, em Filipenses 2.12-13, o apóstolo
inicia, dizendo: "Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor", e
então conclui: "Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o
realizar, segundo a sua boa vontade." Devemos desenvolver nossa salvação
com temor e tremor, pelo simples motivo de que é nosso Pai celeste quem deve
realizar tudo o que é necessário para
nossa salvação. O apóstolo dirige essas palavras a pessoas convertidas. Alguém
que está com o coração endurecido, que é cego, morto, não pode desenvolver sua
própria salvação. Mas, um convertido pode, e ele realmente o faz. Se ele não o
fizer, então ele foi acometido de cegueira espiritual novamente e voltou ao
domínio da morte espiritual.
Os assim denominados pietistas de tempos passados, bem
como os pregadores das seitas entusiastas de nossos dias, não apenas fizeram
uma incorreta distinção entre despertamento e conversão e se recusaram a
considerar cristãos aqueles que estavam espiritualmente despertados, mas também
confundiram o não poder crer com o não permitir que se creia.
Quando os pietistas levavam alguém ao ponto de se
considerar um pobre, miserável pecador, incapaz de ajudar-se a si mesmo e
quando este perguntava o que deveria fazer agora, o pastor não lhe respondia, a
exemplo dos apóstolos: "Creia no Senhor Jesus Cristo, e você será
salvo". Não; por via de regra, eles lhe diziam exatamente o inverso.
Advertiam-no a que não passasse a crer antes do tempo. Admoestavam-no a que não
imaginasse que, após ter experimentado os efeitos da lei, poderia, de
imediato, crer que seus pecados haviam sido perdoados. Diziam-lhe que sua
contrição deveria se tornar mais perfeita; que ele deveria sentir-se contrito,
não tanto porque seus pecados suscitariam a ira de Deus e o levariam ao
inferno, mas porque amava a Deus. A menos que pudesse afirmar que lastimava
muito ter provocado a ira de seu misericordioso Pai celeste, sua contrição era
considerada sem efeito e sem valor. Asseguravam-lhe que deveria perceber que
Deus estava começando a ser misericordioso para com ele; que ele deveria chegar
ao ponto de poder ouvir uma voz interior dizendo: "Anime-se; seus pecados
lhe serão perdoados, Deus será misericordioso para com você". Ele deveria
continuar lutando até que passasse essa agonia. No momento em que estivesse
livre do amor ao pecado e inteiramente convertido, então ele poderia passar a
buscar conforto para si.
{Walter reflete aqui a sua experiência entre pietistas
antes de ter sido esclarecidos do ensino bíblico da graça incondicional de
Deus. Condena o fato de os pietistas deixarem o crente inseguro da sua salvação
como se a fé dependesse dele e com isto a oferta da graça de Deus fica em
segundo plano, e as pessoas ficam confusas.}
A verdade é esta: não devemos passar primeiramente
pela conversão e apenas então crer. Não devemos, em primeiro lugar, ter uma
sensação de que estamos na graça; devemos, isto sim, sem sentimento de espécie
alguma, crer que recebemos misericórdia. Depois disso, virá a sensação da
misericórdia, a qual Deus concede a cada um segundo sua graça. Algumas pessoas
passam considerável período de tempo sem tal sensação. Elas não vêem outra
coisa ao seu redor senão trevas; sentem a dureza de seus corações bem como a
violenta agitação e assolação que a inclinação para o mal e para o pecado provoca
em seus Íntimos. Por isso, emprega-se um método inadequado quando, ao se
indicar o caminho da salvação para alguém, se diz que ainda não lhe é
permitido que creia em sua salvação mesmo que esta pessoa reconheça em si um
pobre pecador perdido.
É
verdade, ninguém pode criar a fé em si
mesmo; Deus deve
operá-la em nós. É possível que um indivíduo se encontre num estado tal, que
está impossibilitado de crer e que Deus não se mostra disposto a conceder-lhe a
fé. Esse é o caso daquele que se considera são e justo; "A alma farta
pisa o favo de mel" (Provérbio 27.7). Uma alma saciada e bem suprida
pisoteia o consolo evangélico.
João 5.44: Como podeis crer, vós os que aceitais
glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?
Estas palavras, sem dúvida alguma, dirigem-se, de um modo todo especial,
aos fariseus. Enquanto alguém busca sua própria glória não pode vir à
fé; porque procurar a glória pessoal é um pecado que está no mesmo nível de
todos os demais, pecados mortais. Com isso, o Senhor deixou claro que, se alguém
não está disposto a abandonar determinado pecado, não pode vir a crer nele. A
lei, primeiramente, tem de esmiuçar o coração do pecador e, então,
deve-se fazer ouvir o doce consolo do evangelho. Desse fato, entretanto, de
maneira alguma se deve concluir que não se permite que o pecador creia. É, e continuará
sendo verdade, que a possibilidade da fé se abre a qualquer pessoa, a qualquer
hora. Mesmo que alguém tenha caído no mais grave pecado, se ele reconhece
subitamente que se afastou de Deus e volta com o coração contrito, não há nada
que impeça que ele creia. Todo aquele que diz a uma tal pessoa que ainda não
lhe é possível crer, não é cri tão, ou nada sabe a respeito dessa questão.
1 João 2.1,2: O que era desde
o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios
olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da
vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e
vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi
manifestada.) Dizer a alguém que ele não pode crer, vai contra a plena
expiação de todos os pecados que Cristo realizou, bem como conflita com a
perfeita reconciliação que ele estabeleceu. O mundo inteiro foi reconciliado.
A ira de Deus, que ameaçava o mundo inteiro, foi removida. Através de Jesus
Cristo, Deus se tornou o amigo de cada um dos seres humanos.
2 Coríntios 5.14: Pois o amor
de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos
morreram. Uma vez que Cristo morreu, isto equivale à morte de todos os homens por seus pecados, e uma morte como a
que Cristo teve que passar. A morte de Cristo é o mesmo como se todos os homens
tivessem expiado seus pecados, através de sua própria morte. Já que todo o
mundo foi redimido e reconciliado com Deus, não é o fato de se dizer a alguém
que não lhe é permitido crer que ele foi reconciliado, redimido e que há perdão
para seus pecados, uma doutrina verdadeiramente repugnante? Essa doutrina nega
clamorosamente a suficiência da redenção e reconciliação com Deus.
Além do mais, essa doutrina é contrária ao evangelho.
Após concluída a obra de redenção e reconciliação, Cristo disse a seus
discípulos: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda
criatura" (Marcos 16.15). Pregar o evangelho não é outra coisa senão levar
a todos os povos a boa-nova de que houve redenção, de que o céu está aberto
para todos, de que todos foram declarados justos, de que Cristo lhes trouxe a
perfeita justiça, e de que os homens devem apenas vir e adentrar os portais da
justiça, da mesma forma como um dia adentrarão os portais da salvação eterna.
Não é simplesmente hediondo dizer-se aos homens que eles não podem crer essa
verdade? Cada um deve saber individualmente que o evangelho é para ele, que
Deus lhe anuncia as boas-novas para que ele possa crer nelas e, desta forma,
encontre consolo para si. Se ele não quer crer, ele faz Deus, todos seus
profetas e apóstolos, de mentirosos. Não é algo terrível, anunciar-se às
pessoas que sabem de experiência própria que são miseráveis pecadores perdidos
e que ainda se encontram no lamaçal do pecado, que, apesar de Deus efetivamente
ter concluído a obra da redenção, muito ainda lhes resta a fazer até que possam
vir a crer e, desta forma, ser salvos? À vista dessa terrível doutrina, o
desejo do pecador é também fazer sua parcela na obra da redenção. E isso não
passa de blasfêmia.
Esse ponto de vista também não harmoniza com o fato de
Deus já ter declarado, em presença de céus e terra, anjos e homens: "Meu
Filho reconciliou o mundo comigo. Eu aceitei seu sacrifício. Dou-me por
satisfeito. Ele era o refém de vocês, e eu o libertei. Por isso, alegrem-se, já
que não têm nada a temer". Através da ressurreição de Jesus Cristo dentre
os mortos, Deus absolveu todo o mundo dos seus pecados. Logo, não é terrível
quando alguém vem e diz que isso de fato é assim, mas que o indivíduo ainda não
pode crer nessa verdade? Isso não implica fazer Deus de mentiroso, bem como negar
que Cristo ressuscitou dentre os mortos?
Além do mais, esse ensino também conflita com a
doutrina da absolvição. Jesus Cristo, tendo redimido todo o mundo, deu, a seus
seguidores, poder para perdoar os pecados a cada um dos pecadores. Alguns
afirmam que a intenção de Cristo era a seguinte: "Quando o pregador
percebe que determinada pessoa está na condição adequada, ele pode persuadi-Ia
a crer que existe perdão para seus pecados". Esses, entretanto, são pensamentos
humanos; o que o Senhor diz resume-se nisto: "Seus pecados estão
perdoados". No mais, essa afirmação é prontamente compreendida por todo
aquele que crê na suficiência da redenção e reconciliação com Deus, efetivadas
por Cristo.
Por meio da ressurreição de Cristo, Deus declarou que
está reconciliado com o mundo e não tenciona mais castigar ninguém. Através de
seu evangelho, ele faz com que essa verdade seja proclamada a todo o mundo.
Além disso, ele deu, a cada pregador do evangelho, a incumbência de perdoar os
pecados aos homens, prometendo que tornaria realidade no céu aquilo que o
pregador faz na terra. O pregador não deve primeiramente levantar os olhos aos
céus para averiguar o que Deus está fazendo; ele deve simplesmente executar a
ordens de Deus sobre a terra, perdoando os pecados ao homens, confiante na
promessa que Deus fez de que também perdoaria.
No entender de algumas pessoas, essa doutrina é
simplesmente horrível; entretanto, é a doutrina de maior consolo que se possa
imaginar. Ela está edificada solidamente sobre o sangue divino derramado sobre
a cruz. O pecado de fato foi perdoado, e toda a preocupação de Deus agora é no
sentido de que creiamos essa verdade. Ao absolvermos as pessoas de seus
pecados, nosso objetivo não é outro senão fortalecer a fé daqueles que desejam
absolvição à base do que é proclamado do púlpito. Portanto, ninguém dentre eles
pode dizer: "Como o pastor sabe o que se passa em meu coração? De que me
aproveita a absolvição, se não estou arrependido?" Sim, nesse caso, de
fato, ela em nada lhe aproveita, pois a absolvição beneficia somente aquele
que a aceita na fé. Uma coisa, entretanto, é certa: você foi absolvido! É
bem por isso que seu castigo eterno será
mais intenso, porque você não creu na absolvição que o próprio Deus anunciou a
todos os pecadores, e que 'de ainda anuncia constantemente através de seus
ministros.
Isso se aplica, também, aos
sacramentos. A água no batismo nos salva. Quando o Senhor oferece aos
comungantes o pão consagrado e diz: "Isto é o meu corpo, que é dado por
vós", fica claro que ele pretende dizer que os homens devem crer, pois,
caso contrário, o corpo de Cristo de nada lhes aproveitará. Aquele que confia
no fato de que Cristo, sacrificando seu corpo, pagou o preço que o comungante
precisava pagar pelos seus pecados, pode retirar-se do altar, pulando e
saltando de alegria. Quando o Senhor, ao oferecer o cálice, diz: "Este
cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós para remissão
dos pecados", ele pretende enfatizar, de modo especial, as palavras
"para remissão dos pecados", além de fazer com que cada comungante,
que deposita sua confiança nelas, vibre de alegria em seu Íntimo.
Por último, confundir o não poder
crer com o não permitir que se creia não harmoniza com a praxe apostólica.
Sempre que uma pessoa se revelava um miserável pecador, os apóstolos lhe diziam
que deveria crer no Senhor Jesus Cristo. Nunca eles pediram a alguém que
esperasse mais um pouco, até que estivesse em melhores condições. No primeiro
Pentecostes cristão, Pedro assegurou a seus ouvintes que, apesar de terem
odiado a Cristo, agora estavam crendo nele e, por isso, deveriam submeter-se ao
batismo em seu nome. Relembrem, igualmente, o incidente com o carcereiro de
Filipos, ao qual tantas vezes eu já fiz referência. Os fanáticos, a menos que
argumentem que desconhecemos o método seguido pelos apóstolos, levantam-se
contra esse modo de proceder, porque julgam que, através deste método, poderiam
levar as pessoas a uma segurança carnal e, conseqüentemente, ao inferno. Os
apóstolos também passaram pela desagradável experiência de ver , que hipócritas
se haviam alojado em suas congregações. Quero apenas apontar para o caso de
Simão, o mágico. O relato diz "Simão abraçou a fé" (Atos 8.13), aos
olhos dos homens, é claro. Mas, depois foi demonstrado que ele não passava de
uma pessoa totalmente pervertida. Esse fato não fez com que os apóstolo
tomassem mais cuidado e decidissem nem sempre convidar as pessoas a que
cressem no Senhor Jesus. Nada disso; pois todos os belos exemplos de como os
apóstolos convidavam os pecadores para crer, tão logo estes haviam confessado
seus pecados, estão relatados na Bíblia depois desse incidente com Simão, o
mágico.
De igual forma, é uma grande tolice pensar que se tem
um bom propósito em mira. Os pietistas, bem como muitos pregadores dentre os entusiastas,
concluíram que, para fazer com que seus ouvintes tivessem uma conversão a
fundo, não se poderia permitir que eles se apropriassem daquilo que ainda não
lhes pertencia, porque isso viria a ser um falso conforto para eles. Mas,
racionar desse modo é de fato um fanatismo muito grande. Eles deveriam
lembrar-se de que nosso Pai celeste é mais sábio do que eles. Ele sabia muito
bem que, se o consolo do evangelho fosse comunicado a todos os corações, muitos
pensariam que eles também têm condições de crer nele. Mas isto não é motivo
para que se oculte este consolo. Não devemos deixar que as crianças morram de
fome pelo fato de temermos que os cães poderiam eventualmente apanhar parte de
sua comida, mas devemos, com alegria, proclamar a graça universal de Deus, sem
impor condições e deixar nas mãos de Deus a possibilidade de as pessoas crerem
nela, ou, então, de aplicá-la de modo incorreto.
....Devemos,
com alegria, proclamar a graça universal de Deus, sem impor condições e deixar
nas mãos de Deus a possibilidade de as pressoas crerem nela, ou então, de
aplica-la de modo incorreto.
23ªTESE
Em décimo nono lugar, a palavra de
Deus não é aplicada corretamente, quando se procura, por meio das exigências,
ameaças ou promessas da lei, induzir a pessoa não convertida a que abandone a
prática do pecado e se dedique de boas obras para que , desta maneira, se torne
pessoa piedosa; por outro lado, situação idêntica ocorre quando se procura
levar o renascido a fazer o bem, apresentando-lhe as ordenanças da lei ao invés
das admoestações do evangelho.
Incorre-se numa grande confusão
entre lei e evangelho quando, através da lei, se procura fazer com que os
homens se tornem piedosos, ou, quando até mesmo se procura impulsionar aqueles
que já crêem em Cristo a que pratiquem o bem, apresentando-lhes a lei e
emitindo ordens. Isso de modo algum harmoniza com a função que a lei exerce
depois da queda em pecado.
Jeremias 31.31-34: Eis aí vêm
dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a
casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles
anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o
Senhor. Porque
esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes imprimirei
as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais
cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor,
porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas
iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei. Apesar de a lei ter sido escrita
no coração do homem ainda antes da queda em pecado, ela não tinha por objetivo
tomar os homens santos; isto porque o homem fora criado santo e justo à vista de Deus a homem teve a lei escrita no
coração pela simples razão de que, dessa forma, poderia saber o que era
agradável a Deus. Nesse sentido, não era necessário nenhum mandamento especial. Ele
simplesmente desejavam fazer tudo o que era agradável a Deus; a sua vontade estava em perfeita harmonia com a vontade de Deus. Essa
situação alterou-se com a queda. É verdade, depois da saída dos
israilitas da terra do Egito, Deus repetiu a
lei e restabeleceu com os judeus, uma aliança baseada na lei. Entretanto, o que
lhes disse o Senhor através do profeta Jeremias? Ele lhes disse que e aliança baseada na lei não havia melhorado a situação deles porque Deus
teve de forçá-los a uma submissão à sua vontade, e obediência forçada simplesmente não
é obediência. E então ele se refere, profeticamente, a um tempo em que e estabeleceria
um programa de ação totalmente diferente. Isso não significava que este novo plano
de ação ainda não estava vigorando na época do Antigo Testamento. A aliança, à
medida que fora estabelecida com os israelitas, era baseada na lei. Todavia,
durante o tempo em que essa aliança estava em vigor, os profetas nunca deixavam
de pregar o evangelho e apontar para o Messias. Como seria a nova aliança que
Deus se propôs estabelecer? Deus assegurou que não precisassem mais ser
importunados, coagidos e impulsionados pela lei, que diz: "Faça isto! Não
faça aquilo", porque tudo isso de nada adianta. Nós não estamos em
condições de cumprir a lei; por natureza, somos carnais, e manifestações do
espírito não se originam da ação da lei. Deus diz: "perdoarei as suas
iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei." Esse é o motivo pelo
qual a lei está inscrita em nossos corações. Isso significa que aquilo que a
lei não foi capaz de fazer, foi tornado realidade através do evangelho, através
da mensagem do perdão dos pecados. Todos os que foram salvos no Antigo
Testamento, foram-no única e exclusivamente através desse caminho, como Pedro
expressamente declarou por ocasião do primeiro concílio apostólico. Que
resulta, pois, do fato de alguns, atualmente, durante a época do Novo
Testamento, estarem empregando a lei de maneira tão imprópria? Simplesmente
isto: eles transformam os cristãos em judeus, e judeus da pior espécie,
daqueles que consideram apenas a letra da lei e esquecem a promessa do Redentor.
Não apenas misturam lei e evangelho; substituem a lei pelo evangelho.
{Walter, na
edição completa de Lei e Evangelho, descreve o método de instrução empregado pelo P.
Fresenius, Rev. Der. John P. Fresenius, pietista. A crítica de Walter ao
pietismo é simples: Fresenius fala de um convertido Como se
não o fosse. Baseado em quê? Porque,
enquanto fala dos méritos de Cristo (mantendo- se aparentemente fiel à doutrina bíblica) entretanto concentra á atenção do convertido sobre certas obras
como oração, perseverança e outros. E conclui
"Milhares, sim, milhões têm sido atormentados com a impressão de que sua conversão
não esta completa”. }
Romanos 3.20: Visto que ninguém será
justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado. A lei não tem outra finalidade senão revelar, aos homens, os seus pecados,
e não removê-los. Ao invés de removê-los,
ela os aumenta. Pois quando o homem concebe um desejo pecaminoso em seu
coração, a lei de imediato o adverte: "Não cobiçarás". Isso faz com
que o homem julgue que Deus é cruel, exigindo algo o que ele não pode cumprir.
Dessa maneira, a lei incrementa o pecado. Ela não aniquila o pecado; ela faz
com que se torne mais vivo ainda. Confira, também, Romanos 7.7-13 e 2 Coríntios
3.6.
*Salmo 119.32: Percorrerei o caminho dos teus mandamentos,
quando me alegrares o coração. Esta é uma experiência que você talvez
tenha feito: Depois de, por longo tempo, ter sido morno e desleixado e você
talvez sentir que não havia mais como se livrar desta condição, aconteça de
ouvir um sermão realmente evangélico e você sai da igreja mudado, alegrando-se
pelo fato de poder confiar em que você é um filho de Deus.
Você, de repente, se dá conta de que andar nos
mandamentos de Deus não é difícil; você parece andar neles de boa vontade.*
Que grande tolice, portanto, quando um pregador pensa que a situação de sua
congregação vai melhorar, caso ele troveje lei por cima de seu povo e lhe
apresente um quadro bem vivo do inferno e da condenação. Isso de nada adianta
no sentido de melhorar as pessoas. De fato, deve haver ocasião para uma tal
pregação da lei com o propósito de inquietar os pecadores impassíveis, fazendo
com que assumam sua condição de miseráveis pecadores. Contudo, a lei não pode
operar uma mudança de coração, nem capacitar o homem a amar a Deus e ao
semelhante. Se alguém é movido pela lei a praticar determinadas boas obras,
ele as pratica apenas por constrangimento, assim como os israelitas tiveram de
ser coagidos pela aliança da lei.
Gálatas 3.2: Quero apenas saber isto de vós:
recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Os
gálatas se deixaram enganar e consideraram a pregação de Paulo, centrada na
salvação pela fé, através da graça de Cristo tão somente, como sendo uma doutrina imperfeita, e,
conseqüentemente também, bastante arriscada, podendo facilmente conduzir para
a perdição. E assim eles aceitaram a doutrina da lei ensinada pelos falsos
profetas. Com profunda tristeza, Paulo ouviu que essas congregações estavam
sendo invadidas e devastadas por falsos mestres. Por isso, ele lhes dirige a
pergunta de nosso texto, com o intuito de recordar-lhes a substancial mudança
que houve em suas vidas quando ele, Paulo, lhe pregou o doce evangelho da
misericórdia de Deus. Paulo lhes diz que haviam recebido o Espírito, a saber, o
espírito da tranqüilidade, da paz, da fé, da alegria. Por isso, ele lhes
pergunta: "Terá sido em vão que tantas cousas sofrestes?" Sim, ele inclusive
diz: "Se possível fora, teríeis arrancado os vossos próprios olhos para
nos dar "(G1.4.15). Até esse ponto chegara a ação da graça de Deus em suas
vidas e de maneira tão vívida eles haviam percebido quão gloriosa, celestial e
preciosa doutrina era a que Paulo estava anunciando. Eles haviam passado por
uma transformação de coração, alma e mente. E agora o apóstolo pergunta:
"De onde receberam vocês esta nova vida, esta paz celestial em seus
corações, esta alegria espiritual, esta extraordinária confiança? Foi, por
acaso, através da pregação dos falsos mestres que arrastaram vocês de volta
para a servidão da lei?". O apóstolo sabia que os membros das congregações
da Galácia estavam andando de um lado para outro, tristes, deprimidos,
inseguros quanto à sua salvação. Eles estavam como que enfeitiçados. Já que a
salvação era um tesouro tão precioso - pensavam eles - tornava-se necessário
também fazer algo grandioso por ela e os mestres que vieram depois imprimiram
essa noção em suas mentes, dizendo-lhes que esse era seu dever. Julgavam
que eles mesmos eram responsáveis por essa situação de miséria e inabilidade
para tudo o que é bom, e nem suspeitavam da doutrina falsa que fora semeada em
seus corações.
O apóstolo está-lhe dizendo: Se
você quiser reavivar suas futuras congregações bem como fazer com que o
Espírito da paz, da alegria, da fé e da confiança, da mentalidade simples
Espírito da tranqüilidade da alma tome conta da vida de seus congregados,
então, pelo amor de Deus, não empregue a lei para atingir tal propósito. Se
você encontra suas congregações no pior estado que se possa imaginar, deve, de fato,
prega-lhes a lei; entretanto, não se esqueça de imediatamente anunciar-lhes
também o evangelho. Você não pode simplesmente
pregar-lhes a lei hoje e deixar a
pregação do evangelho para uma próxima oportunidade. Tão logo a lei tenha
realizado a parte que lhe cabe, o evangelho deve entrar em ação.
Essa confusão* entre lei e evangelho é feita, em
primeiro lugar, por aqueles que passaram por um longo período de lutas e grande
angústia até que alcançaram a certeza de seu estado de graça. É possível que
eles tenham lutado durante anos, sempre recusando o conforto, por não
conhecerem a doutrina pura. Quando essas pessoas passam a proclamar a doutrina
pura, elas ainda misturam, ao evangelho, algumas palavras que fazem com que os
ouvintes suspirem: "Este homem de fato deve ser uma pessoa piedosa, mas
ele não sabe o quão miseráveis nós somos. Nós não podemos cumprir as exigências
que ele está fazendo." Esses pregadores ainda são os melhores dentre todos
os que erram nessa questão.
Em segundo lugar, esta confusão entre lei e evangelho
toma força, quando pastores se conscientizam de que toda sua pregação do
evangelho é inútil, porque graves pecados da carne ainda se manifestam na vida
de seus ouvintes. O pregador pode chegar à conclusão
de que pregou por demais o evangelho que, agora, deve mudar de estratégia:
suspenda-se a pregação do evangelho e, durante certo tempo, pregue-se somente a
lei e, então, a situação certamente tem de melhorar. Mas, ele está
completamente enganado; as pessoas não mudam. Pregadores que conseguiram
erradicar determinados males, através da pregação da lei, não devem pensar que
conseguiram grande coisa. Até mesmo a mais corrupta das congregações pode ser
melhorada; entretanto, através de nenhuma outra maneira que não seja a pregação
do evangelho em toda a sua doçura. Se uma congregação se encontra nesse estado
de corrupção, o motivo para tanto é invariavelmente este: o pregador não anunciou
suficientemente o evangelho. Não é de admirar que eles nada conseguiram
realizar; porque a lei mata, mas o Espírito, isto é, o evangelho, vivifica.
Que
nenhum pregador pense que não vai conseguir que os recalcitrantes façam a
vontade de Deus através da pregação do evangelho e que se justifica pregar a
lei e anunciar-lhes as ameaças de Deus. Se isto é tudo o que ele sabe fazer,
então ele certamente conduzirá as pessoas ao inferno. Ao invés de bancar o
policial em sua congregação, ele deve transformar os corações de seus membros para que eles, sem
constrangimento, façam aquilo que agrada a Deus com um
coração alegre e exultante. Aquele
que tem a devida compreensão do que representa o amor de Deus em Cristo Jesus,
fica assombrado diante desse fogo abrasador que enche céus e terra. No momento
em que ele crê nesse amor, não pode fazer outra coisa senão amar a Deus e, em
gratidão por sua palavra, perguntar: "que posso fazer pelo seu amor e para
sua glória?"
Quem faz boas obras espontaneamente
a partir de exortações amigas, estes não são cristãos. Não é assustador que um
pregador ainda faça de tudo para obter obras mortas? Ele quer transformar sua
congregação num bando de hipócritas. Pois se as obras se brotam de ameaças e
promessas da lei, boas obras não são... Lembrem para a Vida toda desta palavra
de Lutero: “Quem o impuser com regulamentos aos teimosos, este já não é
administrador ou pregador cristão, mas um carcereiro mundano. Um carcereiro não
se pergunta pela situação em que se encontram os corações. Ele quer saber da
obediência”. Lutero acrescenta: “Um pregador legalista constrange com
imposições e punições. Um pregador da graça atrai e provoca com comprovada
bondade e misericórdia divinas. Pois ele não deseja um serviço contrariado ou
forçado. Ele objetiva um serviço alegre e bem disposto.”
Walter , Ed
alemã pp.376/7
24ªTESE
Em vigésimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada
corretamente, quando o imperdoável pecado contra o Espírito Santo e descrito
como sendo imperdoável devido a sua grandeza.
Apenas a lei condena o pecado; o evangelho absolve o
pecador de todos os pecados indistintamente. O profeta escreve:
"Ainda que os vossos pecados sejam como a
escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejão vermelhos como
o carmesim, se tornarão como a lã" (Isaías 1.18). O apóstolo Paulo escreve
(Rm 5.20): "Onde abundou o pecado, superabundou a graça."
Mateus 12.30-32 Quem não é por mim é contra mim,' e
quem comigo não ajunta espalha. Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia
serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será
perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem,
ser-lhe-á isso perdoado,' mas, se alguém falar contra o Espírito Santo,
não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Constata, em
primeiro lugar, que toda blasfêmia contra o Pai e o Filho será perdoada; apenas
a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. Agora, muita coisa é certa: o Espírito Santo não é uma pessoa mais gloriosa ou mais exaltada
do que o Pai e o Filho; ele é co-igual
a eles. Logo, essa passagem não pode estar indicando que o pecado imperdoável é blasfêmia contra a pessoa do Espírito
Santo; porque então em nada seria diferente da blasfêmia contra o Pai e o
Filho. A blasfêmia da qual o nosso texto fala dirige-se contra o ofício, a obra
do Espírito Santo: Quem despreza a obra do Espírito Santo está perdido; esse
pecado não lhe poderá ser perdoado. O ofício, a obra do Espírito Santo consiste
em chamar os homens para Cristo e conservá-las junto a ele.
Quem
incorre nesse pecado, "fala contra o Espírito Santo."
Isso mostra que o pecado em questão não é cometido quando se tem pensamentos
blasfemos no coração. Não raras vezes, cristãos imaginam que incorreram nesse
pecado, quando são sobressaltados por pensamentos horríveis dos quais não conseguem
i;e livrar. Nosso Senhor Jesus Cristo previu isso; e por essa razão, ele nos
informou que a blasfêmia contra o Espírito Santo, que não será perdoada, tem que ser proferida
verbalmente.
Marcos 3.28-30: Em verdade vos digo que tudo será
perdoado aos filhos dos homens: os pecados e as blasfêmias que proferirem. Mas aquele
que blasfemar contra o Espírito
Santo não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno. Isto,
porque diziam: Está possesso de um espírito imundo. Aqui está relatada uma blasfêmia
contra o Espírito Santo, que, de fato, se concretizou. Quando Cristo expeliu
demônios, os fariseus declararam que essa ação do Espírito Santo era uma obra
do diabo. Eles estavam convencidos de que se tratava efetivamente de uma obra
divina, mas, já que o Senhor censurara sua hipocrisia, foram tomados de um
ódio mortal contra Cristo, e isto fez que blasfemassem contra o Espírito Santo.
Afirmar que uma obra do Espírito
Santo é obra do diabo, quando se está convencido de que se trata de uma obra de
Deus, é blasfêmia contra o Espírito Santo.
Não há cristão que, ocasionalmente, não resista à ação da graça divina e,
então, tente persuadir-se de que estava afugentando pensamentos obscuros. Essa
doutrina nos adverte a que, se quisermos ser salvos, devemos, de imediato,
render-nos à ação do Espírito Santo e não resistir, tão logo a percebamos.
Porque a pessoa que resiste, no estágio seguinte dirá: "Isso não procede
do Espírito Santo". E o próximo estágio será este: ele passará a odiar o
:aminho pelo qual Deus quer conduzi-lo à salvação e, finalmente, blasfemará.
A menos que o Espírito Santo nos
leve à fé, nunca chegaremos a ela. Todo aquele que rejeita o Espírito Santo,
exclui toda e qualquer possibilidade de ajuda, até mesmo da parte de Deus. Deus
deseja que a ordem que ele estabeleceu para a 10ssa salvação, seja conservada.
Ele não leva ninguém ao céu 1 força. Nosso texto refere-se à ocasião em que
Cristo curou ) homem da mão ressequida e expulsou um demônio. Todos tiveram
oportunidade de ver que o poder de Deus estava invadindo o reino de Satã. Mas
aqueles infames que assistiram a isso, disseram: "Ah! Jesus está possesso
de Belzebu; é por isto 1ue pode expelir os demônios de categoria
inferior." A própria ação que haviam testemunhado, as obras e palavras de
Cristo deixavam claro que ele investia contra o diabo e estava destruindo o reino deste. Estava totalmente fora de cogitação imaginar-se
que o diabo estaria ajudando Cristo nesta obra.
Hebreus 6.4-8: É
impossível,
pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tornaram
participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram,
sim, é impossível outra vez renová-las para arrependimento, visto que, de
novo, estão crucificando para si mesmos,
o Filho de Deus e expondo-o a
ignomínia. Porque a terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela
e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da
parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da
maldição; e o seu
fim é ser queimada. O que é característico nesse pecado contra o Espírito
Santo é que a pessoa que incorreu nele, não pode ser reconduzida ao
arrependimento. Isso é simplesmente impossível. Não que Deus coloque o homem
nesse estado; é o pecador, por sua própria culpa, que ingressa nesse estado de
impenitência irrecuperável. Quando essa situação atingiu um determinado grau de
intensidade, Deus cessa de agir neste homem. A maldição caiu sobre ele, e
elimina-se qualquer outra possibilidade de salvação para esta pessoa. Por quê?
Porque ela não pode ser levada ao arrependimento.
1 João 5.16: Se alguém vir a
seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que
não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Essa
palavra nos traz uma importante informação que, infelizmente, não podemos
colocar em prática. Porque, antes da morte de alguém, não podemos dizer se ele
cometeu pecado contra o Espírito Santo ou não. Mesmo que sua boca profira
blasfêmias, não sabemos se o fenômeno não pode ser explicado através de uma
possível ação do diabo, ou se ele não age acometido de terrível cegueira
espiritual, e se ele não pode ser levado outra ao arrependimento.' Nos
dias do apóstolos, os cristãos tinham o dom de discernir os espíritos. Eis o
que S, João quer dizer nesta passagem: "Tão logo vocês percebam que este
ou aquele indivíduo incorreu neste pecado, que Deu deixou de ser gracioso para
com ele, vocês não devem desejar que Deus volte a ser gracioso para com ele e
devem deixar de orar por ele." Também não podemos dizer a Deus:
"Salva aqueles que cometeram o pecado contra o Espírito Santo."
Isso
tudo pode parecer muito chocante; todavia, encerra m grande consolo. É possível que alguém lhe diga: "Eu sou m homem miserável! Cometi o
pecado contra o Espírito Santo. Estou absolutamente certo disso!" É possível que essa pessoa aflita lhe apresente o
mal que fez, disse e pensou. Pode ser que as evidências indiquem que, de fato,
ele blasfemou contra o Espírito Santo. Nesse momento, você deve lembrar a arma
que Hebreus 6 apresenta para um caso desses: Este indivíduo de maneira alguma
se alegra com o que está relatando. Isso tudo é simplesmente terrível para ele.
Através disso, você pode perceber que Deus, de qualquer forma, começou a
operar o arrependimento nele; tudo o que ele precisa fazer é apegar-se à promessa do
evangelho. Caso você pergunte se ele cometeu todos esses males
intencionalmente, possível que ele responda de modo afirmativo, mesmo sem
querer. Às vezes, isso acontece. Entretanto, é Satanás quem lia através dele. E
se você perguntar se ele preferiria não ter praticado todas essas coisas, ele
responderá: "Sim, de fato; Ido isto me traz a mais terrível
preocupação." Esse é um sinal vidente de que Deus começou a operar o
arrependimento nesse Indivíduo. Um caso assim não deve ser tratado
levianamente; deve-se mostrar ao que sofre que, no caso de haver nele um
princípio de arrependimento, está uma prova incontestável de que ele não
cometeu o pecado contra o Espírito Santo. De modo geral, ao pregar sobre esse
assunto, o pregador deve empenhar-se mais em convencer seus ouvintes de que não
cometeram esse pecado do que em alertá-los a que não incorram nele. Para aquele
que realmente cometeu esse pecado, de nada adianta a pregação. A todo aquele
que lamenta seus pecados e anseia por perdão, deve ser dito que ele é um filho
querido de Deus que, todavia, está passando por uma terrível tribulação.
Esse pecado é imperdoável, não
devido à sua grandeza, pois o apóstolo diz claramente, conforme já constatamos:
"onde abundou o pecado, superabundou a graça" - mas devido ao fato
de a pessoa que o comete rejeitar o único meio pelo qual alguém pode ser levado
ao arrependimento, à fé, e à firmeza na fé.
Com respeito às pessoas que estão
aflitas com a possibilidade de terem cometido o pecado contra o Espírito
Santo, deve-se dizer que, se elas, realmente, o tivessem cometido, não
sentiriam essa aflição, nem se encontrariam nessa terrível situação; teriam,
antes, prazer em blasfemar continuamente do evangelho. Contudo, cristãos
aflitos ainda têm fé, e o Espírito de Deus está agindo neles, e se ele está
agindo neles, então não cometeram o pecado contra o Espírito Santo.
Uma excelente exposição desse
assunto pode ser encontrada na obra latina de Baier, intitulada Compêndio de Teologia Positiva. Diz ele na parte II, capo III,
24. "O mais grave de todos os pecados atuais, que é denominado pecado
contra o Espírito Santo, consiste numa negação maliciosa e em ataques blasfemos
e obstinados à verdade celestial que já era
conhecida pelo indivíduo que incorre nesse pecado."
A pessoa que cometeu o pecado
contra o Espírito Santo é condenada, não tanto por causa desse pecado, quanto
por sua falta de fé. A causa geral de sua condenação é a falta de fé; a causa
especial é a maliciosa e constante difamação da verdade.
25ªTESE
Em vigésimo primeiro lugar, a
palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando aquele que ensina a palavra
de Deus não permite que o evangelho tenha predomínio geral neste seu ensino.
Confundem-se e pervertem-se lei e evangelho, ao se anunciar
a palavra aos ouvintes, não apenas quando a lei predomina na pregação, como
também quando, por via de regra, existe um equilíbrio de lei e evangelho e não
se dá ao evangelho o predomínio na pregação.
Lucas 2.14: Glória
a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a
quem ele quer bem. O pregador celeste
nos deu um exemplo de como devemos pregar. É verdade, devemos pregar a lei; contudo, tão-somente em
preparação ao evangelho. Quem não procede assim, é tudo, menos um ministro do
evangelho.
Marcos 16.15,16: E
disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o
evangelho a toda criatura. Quem crer e
for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. Cristo comissionou seus apóstolos a que fossem a todo o
mundo pregar o evangelho a toda criatura. O simples termo evangelho já deixa
diante deles, que sua mensagem deve ser uma mensagem de alegria. E para que
eles não pensem que esta palavra é infinitamente grande, a ponto de ninguém ser
capaz de abarcar seu significado, ele imediatamente acrescenta as palavras:
"Quem crer e for batizado será salvo." Com essas palavras, Cristo
pretende dizer: "É
isto que eu entendo por evangelho".
E ele prossegue: "Quem, porém, não crer, será condenado". Esta
também é uma palavra amena*. Sim, porque ele não afirma: "Quem pecou muito, por
um longo período de tempo, será condenado", mas apenas constata que a
única razão para a condenação do homem é sua falta de fé, sua descrença. Seja
quem for a pessoa; tenha ela pecado gravemente em sua vida passada; nada disso
vai condená-la. Mas, fica claro que, se alguém se recusa a crer nas palavras de
Jesus, será condenado. Essa inquietante referência à condenação não tem outro
propósito, senão induzir os homens a que aceitem e não desprezem a mensagem
graciosa de Cristo. A ênfase nessas últimas palavras do Senhor não deve ser
esta: "Quem, porém, não crer será condenado," mas, sim: "Quem, porém, não crer
será condenado". Com isso Cristo
quer dizer: "A sua condenação já foi removida; seus pecados foram levados
embora; eu venci o inferno em seu lugar. Eu apresentei um sacrifício todo
suficiente. E agora cumpre que você creia nisso, para que seja salvo
eternamente".
1 Coríntios 15.3: Antes de tudo, vos entreguei o
que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
Escrituras Além de prestar ouvidos a essa afirmação do apóstolo, pense
também no dia em que você será pastor de uma congregação. Faça, então, um voto
a Deus de que adotará
o método
do apóstolo, que você não subirá ao púlpito com o semblante triste, como se
estivesse convidando alguém para um funeral, mas se apresentará como aquele que
pede a mão da noiva em casamento ou convida para um casamento. Caso você não
misturar lei e evangelho, sempre subirá ao púlpito com alegria. O povo
perceberá que você está cheio de alegria, porque está levando a bendita
mensagem de júbilo para sua congregação. Além do mais, perceberão que, entre
eles, estão acontecendo coisas grandiosas. Ah! Muitos pregadores não » passam por estas maravilhosas experiências; seus
ouvintes permanecem sonolentos; os avarentos continuam em seu pão durismo. Por
quê? Porque o evangelho não lhes é pregado suficientemente. O povo americano
que vai à igreja deseja realmente ouvir a palavra de Deus. Vivemos num país
livre, onde ninguém se preocupa se alguém vai à igreja ou não. De acordo com a
vontade de Deus, o pregador deve ter, por alvo, proclamar o evangelho a seus
ouvintes até que seus corações se comovam, até que eles deixem de resistir e
confessem que o Senhor tem sido forte demais para eles, e que agora desejam
ficar ao lado de Jesus. Não basta que você esteja cônscio de sua ortodoxia e
tenha o dom de expor a doutrina pura de modo correto. Por mais importante que
isso seja, de nada adiantará,
se você incorrer em confusão entre lei e evangelho. A
mais perfeita confusão entre ambos se dá, quando o evangelho é pregado junto
com a lei e, contudo, não é o elemento predominante no sermão.
É
possível que o pregador pense que, mui
freqüentemente, ele tem anunciado a verdade evangélica. Seus ouvintes, entretanto,
recordam apenas raras ocasiões em que ele pregou de modo verdadeiramente
consolador e lhes disse que deveriam crer em Jesus Cristo. Agora, como crerão
se o pregador não lhes disser como podem chegar a isso? Se você não permitir
que o evangelho predomine em suas pregações, muitos de seus ouvintes morrerão
de fome espiritual. Tornar-se-ão espiritualmente subnutridos, porque o pão da
vida não é a lei, mas sim o evangelho.
Se você não permitir que o evangelho predomine em sua
pregações, muitos de seus ouvintes morrerão de fome espiritual. Tornar-se-ão
espiritualmente subnutridos, porque o pão da vida não é a lei, mas sim o
evangelho.
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