domingo, 2 de junho de 2013

LEI E EVANGELHO


1.                  ;.Apresentação
"O povo desta região precisa de lei. Ainda não está maduro para muito evangelho". Esta frase talvez esteja se tomando perigo­samente comum numa igreja que se louva de ser evangélica.
Quando pregadores e lideres sentem que nas suas igrejas há pobreza de frutos na vida do povo de Deus, geralmente concluem:
- as pessoas estão resistindo à pregação
- é preciso ser mais claro em mostrar o quanto Deus se importa com os frutos da fé.
Walter lê a escritura na contramão deste raciocínio:
- o doce evangelho ainda não foi pregado suficientemente
- o que importa é o doce evangelho
A leitura de Lei e Evangelho deixa o pregador diante de uma questão assustadoramente simples. Não existe solução de compro­misso ou intermediária para o pregador, para a pessoa que participa no ofício da pública proclamação da Palavra de Deus: Ou somos mensageiros do Evangelho ou não somos mais pregadores cristãos.
Parece irrisório dizer que evangelho só é loucura quando é evangelho. O autor leva-nos de raciocínio em raciocínio a admitir que nem tudo que soa ou se proclama como sendo evangelho, é, de fato, evangelho. O autor desafia os pregadores ao dizer que uma pregação, mesmo que seja bíblica e ortodoxa, pode, no entanto, não ser cristã.
Uma das armadilhas mais freqüentes está em que as necessi­dades estruturais das igrejas, que às vezes implicam a própria ameaça à sobrevivência das igrejas, facilmente produzem uma teologia de resultados.
Por isso, a pregação do evangelho fica freqüentemente redu­zida à simples repetição dos fatos da salvação. Enquanto que a apli­cação desta verdade à vida das pessoas é feita sem evangelho, dei­xando nos ouvintes a impressão de que sua salvação está incompleta porque ou enquanto não atingirem tais ou tais padrões visionados pelo pregador.
Pobres das pessoas que, filiadas a uma congregação cristã, se sentem rejeitadas pelo pastor e pela liderança em razão dos "peca­dos" cometidos contra tais normas e para quem o evangelho somen­te é oferecido na condição de se submeterem ao grupo dominante da Igreja.
Infelizmente, em muitos casos, o povo luterano, que está tão próximo da fonte pura do evangelho ensinada nos seus seminários e nos cursos que a igreja administra, é mantido à distância dessa fonte por práticas legalistas que se insinuam sob disfarces piedosos e en­tusiasmados de salvação da igreja.
O pietismo, com o seu legalismo, e tantos "ismos" obscurece­ram ao longo do tempo a luz do Evangelho.
Lutero dizia que daria de bom grado o título de Doutor a quem soubesse distinguir Lei e Evangelho. Walter acrescenta: "Tão preci­osa é esta distinção que tanto mais cresce o meu receio de não ter estado à altura do tema. Quanto mais medito sobre o assunto, mais pobres me parecem as palavras para apresentá-lo ... Por isso, entre­mos na Escritura Sagrada e sejamos convencidos de que em tudo o evangelho deve ter a dominância."
A reedição deste material era uma necessidade para uma igreja que se proclama confessional. Temos a certeza de que será bem vindo a pregadores, educadores e líderes cristãos.
Acompanhamos a reedição de uma leitura da edição comple­ta. Visando facilitar a leitura e utilização do material editamos à mar­gem da página citações e resumos que permitam rápida visualização do tema e do raciocínio em cada tese.
Citações e observações extraídas da edição alemã: DIE RECHTE UNTERSCHEIDUNG VON GESETZ UND EVANGELIUM, Saint Louis, 1946 são identificadas como: Gesetz u. Evangelium, e respectiva página; da mesma forma, da edição em língua inglesa THE PROPERDISTINCTIONBETWEENLAW AND GOSPEL, 14aEDI­çÃO, Concordia Publishing House, St. Louis, MO.1986 as citações são identificadas como: Law and Gospel, e respectiva página. As citações da Bíblia são da 2ª Edição Revista e Atualizada, da Socieda­de Bíblica do Brasil, 1993.
 O Editor

INTRODUÇÃO
A Correta Distinção entre Lei e Evangelho é um conjunto de preleções de C. F. W. Walther, que foram estenografadas e transcritas por estudantes seus. Walther proferiu-as, entre 12 de setembro de 1884 e 6 de novembro de 1885, nas reuniões das sextas-feiras à noite denominadas Momentos com Lutero. Walther, na qualidade de professor de teologia do Concórdia Seminary, St. Louis, julgava que era responsabilidade sua, não somente explicar o significado das doutrinas das Sagradas Es­crituras a seus alunos, mas também fazer com que a doutrina penetrasse em seus corações para que, no exercício do minis­tério, se apresentassem como testemunhas vivas com uma ma­nifestação do Espírito e de poder.
Walther abordou uma variedade de temas nas preleções dos Momentos com Lutero. Falou sobre a Inspiração das Es­crituras, a Veracidade da Religião Cristã, Sociedades Secre­tas, Justificação, Predestinação e Justificação, a Grande Con­fissão concernente ao Bendito Sacramento de Lutero e abor­dou, também, A Correta Distinção entre Lei e Evangelho em duas séries de preleções. A primeira série sobre lei e evange­lho foi apresentada em 1878 e reunia 13 teses. Essa série foi publicada em 1893. A segunda reunia 25 teses e foi publicada em 1897. W. T. T. Dau traduziu esta última para o inglês, e a publicação saiu em 1929. O presente livro é uma condensação da tradução de Dau.
Carl Ferdinand Wilhelm Walther preparava cuidadosamente o assunto que estava por apresentar. E se ele já era cuidadoso no preparo de uma palestra, muito mais cuidadoso ainda era, quando se tratava de um trabalho a ser impresso. No preparo do material a ser impresso, ele remodelava o que havia sido apresentado oralmente, de modo que o leitor recebia realmen­te o melhor. Visto A Correta Distinção entre Lei e Evangelho ter sido publicado após sua morte, Walther não teve oportuni­dade de remodelar suas preleções e prepará-las para o prelo como era de seu feitio. Se isso tivesse sido possível, o estilo da obra certamente seria outro. Muito do material contido nesta obra foi dito de improviso, dirigido às pessoas que lhe eram chegadas. Dau afirma no Prefácio e Introdução de sua tradu­ção da obra: "Outrossim, é plenamente aceitável uma maior liberdade, ou até mesmo uma certa espontaneidade, quando um professor amado, já idoso, se dirige a um auditório consti­tuído quase que inteiramente por estudantes seus". Nesse sen­tido, somos duplamente recompensados: familiarizamo-nos com Walther, o pastor de estudantes de teologia, bem como com a sua teologia propriamente dita.
A importância da correta distinção entre lei e evangelho demonstra-se no fato de Walther ter proferido duas séries de palestras sobre o assunto, na publicação de ambas as séries, e na tradução da última para o inglês. A repercussão que teve A Correta Distinção entre Lei e Evangelho não é fácil de ser avaliada; contudo, todos os que citam as dádivas de Walther à igreja incluem esta obra. Pode-se, inclusive, afirmar que esta foi sua maior dádiva à igreja, visto que, dentro do luteranismo, a prática pastoral na pregação, no aconselhamento e na avali­ação da missão da igreja tem emanado da compreensão da cor­reta distinção entre lei e evangelho.
A Correta Distinção entre Lei e Evangelho, da autoria de F. W. Walther, é um clássico; condensá-lo é arriscado. As­sumimos este risco na esperança de tomar esta obra conhecida a um público maior, pois ela fornece muitos critérios e correti­vos inusitados. Esta condensação objetiva reavivar o interesse pela obra completa. Para isso, fizemos com que o próprio Walther falasse, eliminando assim, as extensas citações das Confissões Luteranas, Martinho Lutero e dogmáticos. Já que esta obra é produto de preleções apresentadas nos Momentos com Lutero, a maioria das citações extrabíblicas são de Lutero. Visando a unificar a apresentação das diversas teses, elimina­mos a divisão original por matéria que integraria a explicação de cada uma das teses, procuramos reter aquilo que se relacio­nava mais diretamente com a tese em questão.

LEI E EVANGELHO
1ª TESE
O conteúdo doutrinário de toda a Escritura Sagrada, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, é constituído por duas doutrinas essencialmente distintas entre si: a lei e o evange­lho.
2ªTESE
Para ser um teólogo ortodoxo, não basta que se expo­nham todos os artigos de fé em concordância com as Escri­turas; é necessário, também, saber diferenciar corretamente lei e evangelho.
3aTESE
Distinguir corretamente lei e evangelho é a mais difícil e a suprema arte que se apresenta aos cristãos em geral e, em especial, aos teólogos. Essa arte é ensinada exclusivamente pelo Espírito Santo, na escola da experiência.
4aTESE
Conhecer bem a diferença entre lei e evangelho não é apenas maravilhosa luz para a correta compreensão de toda a Escritura Sagrada; mais do que isso: sem esse conheci­mento, a Escritura é e continua sendo livro selado.
5ªTESE
A primeira - bem como a mais grosseira e mais facilmen­te reconhecível· confusão entre lei e evangelho é aquela em que, a exemplo de papistas, socinianos e racionalistas, se encara Cristo como um novo Moisés, um legislador, e se transforma o evangelho em doutrina de obras meritórias ao mesmo tempo em que, como fazem os papistas, condenam­-se e amaldiçoam-se os que ensinam que o evangelho é a mensagem da graça ilimitada de Deus em Cristo.
6aTESE
Em segundo lugar, a palavra de Deus não é aplicada cor­retamente, quando a lei deixa de ser pregada em todo seu rigor e o evangelho, em toda sua doçura; quando, ao contrá­rio, componentes do evangelho são adicionados à pregação da lei, e componentes da lei são adicionados ao evangelho.

7ªTESE
Em terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o evangelho é pregado antes da lei; a santificação antes da justificação; a fé antes do arrependimento; as boas obras antes da graça.
8ªTESE
Em quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a lei é pregada aos que já estão atemoriza­dos em relação a seus pecados, ou quando o evangelho é pregado aos que vivem tranqüilamente em seus pecados.
9ªTESE
Em quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando, ao invés da palavra e dos sacramentos, se indica o caminho das orações e lutas com Deus aos pecado­res que foram atingidos e atemorizados pela lei, para que, desta maneira, alcancem o estado da graça. Em outras palavras: quando lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até sentirem que Deus os recebeu em sua graça.    
     10ªTESE                                                                             
Em sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o pregador descreve a fé de um modo que dá a entender que uma mera aceitação passiva de certas verdades justifica e salva, porque produz amor e transforma a vida das pessoas.
11ªTESE
Em sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se pretende apresentar o consolo do evan­gelho somente àqueles que estão contritos pela lei, porque amam a Deus e não porque temem o furor e o castigo de Deus.
12ªTESE
Em oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o pregador descreve a contrição, ao lado da fé, como sendo a causa do perdão dos pecados.
13ªTESE
Em nono lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando, ao invés de procurar criar a fé no coração de alguém, apresentando as promessas do evangelho, se faz um apelo à fé que dá a atender que o homem pode dar a fé a si mesmo, ou, ao menos, cooperar para que tal aconteça.
15aTESE
Em décimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o evangelho é transformado em pregação de arrependimento.
16aTESE
Em décimo segundo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se prega que o abandono de cer­tos vícios e a prática de certas obras piedosas e virtudes são prova suficiente de que se está verdadeiramente convertido.
17aTESE
Em décimo terceiro lugar, a palavra de Deus não é apli­cada corretamente, quando se faz uma descrição da fé, no que diz respeito a sua firmeza, conscientização e operosidade, que não se adapta a todos os cristãos em todas as épocas.
18a TESE
Em décimo quarto lugar, a palavra de Deus não é aplica­da corretamente, quando a corrupção universal da humani­dade é descrita de um modo tal, que causa a impressão de que mesmo os crentes fiéis ainda vivem sob o domínio do pecado e pecam intencionalmente.
19aTESE
Em décimo quinto lugar, a palavra de Deus não é aplica­da corretamente, quando o pregador se refere a determina­dos pecados como sendo não-condenáveis em si, mas sim, de natureza venial.
20a TESE
Em décimo sexto lugar, a palavra de Deus não é aplica­da corretamente, quando se faz com que a salvação de uma pessoa dependa de sua filiação a uma igreja ortodoxa visí­vel, e quando se nega a salvação a todo aquele que erra em qualquer um dos artigos de fé.
21ªTESE
Em décimo sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplica­da corretamente, quando se ensina que os sacramentos agem salvificamente ex opera operato, isto é, pelo simples levar a efeito extremo de um ato sacramental.
22ªTESE
Em décimo oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplica­da corretamente, quando se faz uma falsa distinção entre despertamento e conversão, e quando se confunde o NÃO PODER crer com o NÃO PERMITIR que se creia.
23ªTESE
Em décimo nono lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se procura, por meio das exigências, ameaças ou promessas da lei, induzir a pessoa não-converti­da a que abandone a prática do pecado e se dedique à práti­ca de boas obras para que, desta maneira, se torne pessoa piedosa; por outro lado, situação idêntica ocorre, quando se procura levar o renascido a fazer o bem, apresentando-lhe as ordenanças da lei ao invés das admoestações do evange­lho.
24ªTESE
Em vigésimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada cor­retamente, quando o imperdoável pecado contra o Espíri­to Santo é descrito como sendo imperdoável devido à sua grandeza.
25ªTESE
Em vigésimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é apli­cada corretamente, quando aquele que ensina a palavra de Deus não permite que o evangelho tenha predomínio geral neste seu ensino.

A CORRETA DISTINÇÃO ENTRE LEI E EVANGELHO

Vocês certamente desejam tornar-se mestres competentes no exercício de sua atividade em nossas congregações e esco­las. Para tanto, é absolutamente necessário que tenham um conhecimento bem detalhado de todas as doutrinas da revela­ção cristã. Contudo, além e acima de seu conhecimento das doutrinas, é necessário que vocês saibam como aplicá-las corretamente. Um mero conhecimento intelectual das doutrinas não basta; todas elas devem ter penetrado profundamente em seus corações e manifestado ali seu poder divino, celestial. Todas estas doutrinas devem ter-se tornado tão preciosas, tão valiosas, tão caras para vocês, a ponto de não poderem deixar de, com o coração ardente, unir suas vozes à de Paulo, dizen­do: "nós cremos, por isso também falamos", e à de todos os apóstolos: "Nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos".
Dentre todas as doutrinas, a mais importante é a doutrina da justificação. Contudo, em segundo lugar, na ordem de importância, está a arte de fazer separação entre lei e evangelho.
Lutero diz que estaria disposto a dar o maior destaque en­tre os demais e que daria o título de doutor das Sagradas Escri­turas àquele que entende bem a arte de distinguir entre lei e evangelho. Não gostaria de que pretendo colocar-me acima de todos os demais e ser considerado doutor das Sagradas Escrituras. Quanto a mim, desejo permanecer na condição de hu­milde discípulo e sentar aos pés do Dr. Lutero, para aprender dele esta doutrina do mesmo modo como ele a aprendeu dos apóstolos e profetas.
Comparando a Escritura Sagrada com outros escritos, observamos que não existe livro aparentemente tão cheio de con­tradições como a Bíblia. E isto não apenas em questões de somenos importância, mas precisamente na questão principal: na doutrina de como chegar a Deus e ser salvo. Numa ocasião, a Bíblia oferece perdão a todos os pecadores. Em determinada passagem bíblica, oferece-se vida eterna gratuita a todos os homens; numa outra, diz-se que eles mesmos devem fazer algo para serem salvos. Esse enigma é decifrado, quando nos da­mos conta de que as Escrituras contêm duas doutrinas completamente diferentes entre si: a doutrina da lei e a doutrina do evangelho.

1ª TESE
O conteúdo doutrinário de toda a Escritura Sagrada , tanto do Antigo quanto do Novo Testamentos, é constituídos por duas doutrinas essencialmente distintas entre si: a lei e o evangelho
{Tanto a lei como o Evangelho prometem vida e salvação}
A diferença entre a lei e o evangelho não consiste em que o evangelho é uma doutrina divina e a lei, uma doutrina huma­na. De forma alguma; tudo o que a Escritura contém no que diz respeito a qualquer uma das duas doutrinas, é a palavra do próprio Deus vivo.
A diferença também não está no fato de que apenas o evan­gelho é necessário, e a lei não, como se a última fosse mero acréscimo que pode ser dispensado. Ambos são igualmente necessários. Sem a lei não se compreende o evangelho; sem o evangelho, de nada nos aproveita a lei.
Igualmente é inadmissível afirmar-se que a diferença está em que a lei é a doutrina do Antigo Testamento. Há evangelho no Antigo, bem como há lei no Novo Testamento.
A lei e o evangelho também não diferem entre si quanto ao aspecto de seu objetivo último, como se o evangelho visasse à salvação do homem e a lei, à sua condenação. Tanto a lei quanto o evangelho têm como finalidade última a salvação do homem; apenas que a lei, desde a queda, não mais nos pode conduzir à salvação; ela pode apenas preparar-nos para a mensagem do evangelho. Outrossim, é através do evangelho que recebemos a capacidade de cumprir a lei, até certo ponto.
De modo idêntico, não podemos estabelecer uma diferença entre ambas as doutrinas, afirmando que a lei e o evangelho se contradizem mutuamente. Não existem contradições na Escri­tura. Cada uma é distinta da outra, mas ambas estão na mais perfeita harmonia entre si.
Por fim, a diferença não é esta de que somente uma destas doutrinas atinge os cristãos. Mesmo para o cristão, a lei ainda tem sua razão de ser. Na verdade, quando alguém deixa de empregar qualquer uma destas duas doutrinas, deixa de ser fiel à fé cristã.

Lei e evangelho diferem realmente nos seguintes aspectos:
1.  Estas duas doutrinas diferem no que diz respeito à maneira em que são reveladas ao homem;
2.  No que diz respeito ao seu conteúdo;
3.  No que diz respeito às promessas que cada uma faz;
4.  No que diz respeito às suas ameaças;
5.  No que diz respeito à função e ao efeito de cada uma;
6.  No que diz respeito às pessoas às quais, ou esta, ou aquela doutrina, deve ser pregada.
1. Em primeiro lugar, lei e evangelho diferem no que diz respeito à maneira em que são revelados ao homem. O ser humano foi criado com a lei inscrita em seu coração. Em vir­tude da queda em pecado, essa inscrição da lei no coração foi apagada em grande parte, contudo não totalmente. Pode-se pregar a lei ao maior pagão que habita a face da terra e, em resposta, sua consciência lhe dirá: “isto é verdade”. Mas, ao se lhe pregar o evangelho, sua consciência não mais lhe responderá o mesmo. A pregação do evangelho pode, isto sim, "enfurecê-lo”. O viciado da pior espécie admite que ele deveria fazer o que está escrito na lei. Por que isto é assim? Porque alei está inscrita em seu coração. A situação muda, quando se prega o evangelho. O evangelho revela e anuncia atos que Deus, em sua graça, faz livremente; e estes não são evidentes por si mesmos. O que Deus fez de acordo com o evangelho ele não estava obrigado a fazê-lo.
{1  Revelação ou raciocínio natural.  -  Importante conferir apologia, Art. 4. § 7 a 11: O ser humano raciocina com a lei e desconhece tudo do evangelho. Isto explica porque as igrejas cristãs (clero e leigos) tão facilmente escorregam em leis e regulamentos ao invés de acreditar no poder transformador do evangelho .}
2. O segundo aspecto em que lei e evangelho diferem é o conteúdo de cada doutrina. A lei nos diz o que devemos fazer. O evangelho revela-nos apenas o que Deus está fazendo. A lei refere-se às nossas obras; o evangelho, às grandes obras de Deus. Na lei, confronta-nos a intimação que se repete dez ve­zes: "não ..." O evangelho, por seu turno, constitui-se puramente de promessas. O evangelho não contém outra coisa senão graça e verdade!
3. Lei e evangelho diferem, em terceiro lugar, em virtude de suas promessas. A lei promete as mesmas coisas grandio­sas que o evangelho: vida eterna e salvação. Mas, neste ponto, somos confrontados com uma enorme diferença: todas as pro­messas da lei são feitas sob a condição de a cumprirmos em todos os seus aspectos. Logo, as promessas da lei são as mais desalentadoras, por maiores que sejam. A lei nos oferece ali­mento, contudo coloca-o fora de nosso alcance. Ela de fato nos diz: "Vou matar a sede e a fome de sua alma". Mas ela é incapaz de tomar isto realidade, porque sempre adiciona a se­guinte condição: "Você vai ter tudo isso, se fizer o que eu orde­no".
Acima e contraposta à voz da lei, está a do evangelho. Este nos promete a graça de Deus e a salvação sem impor condição de espécie alguma. É uma promessa de graça incondicional. Ele requer de nós nada além disto: "Aceite o que eu ofereço e você o terá". Essa não é uma condição que se impõe, mas sim um convite amável.
{Promessas: Todas as promessas da lei são feitas sob a condição de a cumprirmos.
A lei só promete condicionalmente: Você vai ter tudo isso, se fizer o que ordeno.}
4.A quarta diferença entre lei e evangelho diz respeito a ameaças. O evangelho não contém ameaças de espécie algu­ma; apenas palavras de consolo. Sempre que, na Escritura, você se confrontar com uma ameaça, esteja certo de que esta passa­gem enquadra-se na lei, pois a lei não é outra coisa senão ame­aças.
5.0 quinto aspecto diferencial entre lei e evangelho diz res­peito aos efeitos dessas duas doutrinas. O efeito da pregação da lei é tríplice. Em primeiro lugar, ela nos diz o que devemos fazer, contudo não nos capacita a atender a suas exigências; ela faz, isto sim, com que fiquemos mais contrariados ainda em relação ao que ela exige de nós.
Em segundo lugar, a lei revela os pecados do homem, mas não lhe oferece ajuda para se ver livre deles e, deste modo, leva-o ao desespero.
Em terceiro lugar, a lei efetua contrição. Ela faz passar di­ante de nossos olhos todo o terror do inferno, da morte, da ira de Deus. mas não tem absolutamente nada de conforto para dar ao pecador.
Os efeitos do evangelho, de natureza completamente di­versa, são os seguintes: em primeiro lugar, quando o evange­lho requer fé, ele nos oferece e dá esta fé no próprio ato de requerer. Quando pregamos ao povo: "Creiam no Senhor Je­sus Cristo", Deus, através do nosso pregar, lhes dá a fé. Nós pregamos a fé, e todo aquele que não se opõe deliberadamente, obtém fé.
O segundo efeito do evangelho é que ele, de maneira nenhuma, censura o pecador, antes afasta dele todo o terror, todo o medo, toda ansiedade, enchendo-o de paz e alegria no Espírito Santo.
Em terceiro lugar, o evangelho não exige que o homem apresente algo de bom: um bom coração, um bom caráter, uma melhora em seu modo de ser, religiosidade, amor a Deus e aos homens. Nada disso. O evangelho não emite ordens, mas muda o homem. Ele implanta o amor em seu coração e capacita-o para todas as boas obras. Ele não exige nada; ele dá tudo.
{Efeitos: Oferecer o evangelho tem como efeito criar a fé no evangelho.
Este é o efeito que um sermã cristão deve trazer sem restrições.}
Finalmente, o sexto aspecto em que lei e evangelho dife­rem entre si, relaciona-se às pessoas às quais deve ser pregada cada uma das doutrinas. As pessoas sobre as quais cada dou­trina deve agir, bem como a finalidade deste agir, são comple­tamente diferentes. A pregação da lei se dirige a pecadores impassíveis no pecado; a do evangelho, a pecadores atemori­zados. Em outras circunstâncias, é de fato necessário que se preguem ambas as doutrinas, mas, neste momento, a pergunta é: A quem deve ser pregada a lei antes do evangelho? e vice­-versa.
1 Tm 1.8-10: Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, rap­tores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina. Enquanto um indivíduo vive tranqüila­mente em pecado, enquanto se recusa a abandonar determina­do pecado, deve-se-lhe pregar somente a lei, que o amaldiçoa e condena. Mas, no momento em que ele é atemorizado nesse seu estado, imediatamente deve ouvir o evangelho; pois, a partir desse momento, ele não pode mais ser incluído no rol dos pe­cadores impassíveis. Portanto, enquanto o diabo mantiver você seu prisioneiro, por um único pecado que seja, o evangelho ainda não poderá agir sobre você; o que você precisa ouvir é a lei.
A pecadores miseráveis ,abatidos - eu repito - não se deve pregar nada da lei. Ai do pregador que insistisse em pregar a lei a um pecador desesperado! Tal pecador, ao contrário, pre­cisa ouvir palavras como estas: "Venha! Ainda há lugar! Não importa quão pecador você seja, ainda há lugar para você. Mesmo que você seja um Judas ou um Caim, ainda há lugar. Ve­nha, sim, venha a Jesus!" Indivíduos nesta situação são o alvo correto para a ação do evangelho.

2ªTESE
Para ser um teólogo ortodoxo, não basta que se exponha todos os artigos de fé em concordância com as Escrituras; é necessário, também, saber diferenciar corretamente lei e evangelho.
Esta tese compõe-se de duas partes. A primeira parte cons­tata um requisito de um teólogo ortodoxo: é necessário que ele exponha todos os artigos de fé em concordância com a Escri­tura.
A Escritura requer de nós que conservemos a palavra de Deus absolutamente pura e inadulterada e que sejamos capa­zes de dizer, descendo do púlpito: "Eu poderia jurar que pre­guei a palavra de Deus corretamente. Mesmo a um anjo vindo do céu eu poderia declarar: Minha pregação foi verdadeira". Isso explica a estranha observação de Lutero de que um prega­dor não deve orar o Pai-Nosso ao descer do púlpito, mas sim, deveria fazê-lo antes do sermão. Pois um pregador ortodoxo não tem motivos para, após a exposição de seu sermão, orar: 'Perdoa-me as minhas dívidas', uma vez que ele pode afir­mar: "Eu anunciei a verdade genuína".
Apesar de alguém de fato poder afirmar: "Meu sermão não continha nenhuma heresia", é possível que todo o seu sermão tenha sido falso. A segunda parte de nossa tese afirma isso. Teólogo ortodoxo somente é aquele que, além de outros requi­sitos necessários, sabe diferenciar corretamente lei e evange­lho. Esse é o critério decisivo para avaliar-se um bom sermão. O valor do sermão não consiste apenas em que cada afirmação é tirada da escritura e está concorde com ela, mas também no poder-se afirmar que lei e evangelho estão sendo diferencia­dos corretamente.
{Apesar de não haver heresia o sermoa como um todo pode ter sido falso por não buscar o objetivo de um sermão cristão.}
Pregar o evangelho àqueles que nada temem em relação a seus pecados implica aplicá-lo de modo incorreto. Por outro lado, situação muito mais terrível é aquela em que o pastor, um teólogo legalista, se recusa pregar o evangelho à sua con­gregação, argumentando: "Essa gente, de qualquer maneira, vai fazer mau uso dele". Isso é motivo suficiente para se negar o evangelho aos infelizes pecadores? Que sucumbam os per­versos; não obstante, os filhos de Deus devem saber quão pró­ximo deles existe socorro e quão facilmente pode ser alcança­do. Todo aquele que recusa o evangelho aos que necessitam de consolo, falha no separar lei e evangelho.
                {Situação muito mais terrível é aquela em que o pastor, um teólogo legalista se recusa pregar o evangelho à sua congregação, argumentando: “Essa gente, de qualquer maneira, vai fazer mau uso dele”.}

3ªTESE
Distinguir corretamente lei e evangelho é a mais difícil e a suprema arte que se apresenta aos cristãos em geral e, aos teólogos. Esta arte é ensinada exclusivamente pelo Espírito Santo, na escola da experiência.
{É fácil assimilar a doutrina da lei e do evangelho. A sua aplicação prática, entretanto, apresenta as dificuldades que somente o Espírito Santo pode transpor na escola da experiência.}   
Esta tese não pretende dizer que a doutrina da lei e do evan­gelho é tão difícil, a ponto de não se poder assimilá-la sem a ajuda do Espírito Santo. Ela é fácil - tão fácil que até mesmo as crianças podem aprendê-la. Entretanto, o que estamos con­siderando agora é a aplicação e o emprego dessa doutrina. A sua aplicação prática apresenta dificuldades impossíveis de serem vencidas no campo da pura reflexão racional. É neces­sário que o Espírito Santo, na escola da experiência, ensine essa arte aos homens. As dificuldades em dominá-a confron­tam o pastor, em primeiro lugar, na vivência do seu cristianis­mo; em segundo lugar, no exercício do seu ministério.
Em primeiro lugar, a correta distinção entre lei e evangelho apresenta-se como uma arte difícil e grandiosa para o pastor no campo de seu cristianismo pessoal. De fato a correta diferenciação entre lei e evangelho é a arte suprema a ser aprendi­da.
Salmo 51.10,11: Cria em mim, Ó Deus, um coração puro e renova dentro em mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito. Davi pede que Deus lhe dê um espírito reto. Tendo pecado vergo­nhosamente, derramando sangue inocente e cometendo adul­tério, Davi perdeu de vista a certeza da graça de Deus. Na verdade, ele recebeu a absolvição, quando, em arrependimen­to, reconheceu seu pecado. Contudo, não há indício de que, em seguida, a alegria voltou a inundar seu ser. Ao contrário, muitos dos seus salmos demonstram claramente que ele esta­va em grande miséria e aflição. Quando o mensageiro de Deus lhe disse: "O Senhor perdoou o seu pecado", seu coração sus­pirou, "Ah, não! Isso é impossível". Esse nobre rei e profeta conhecia muito bem a doutrina de lei e evangelho. Seus sal­mos estão repletos de alusões à distinção entre ambos. Entre­tanto, quando ele pessoalmente caiu em pecado, faltou-lhe aptidão prática para aplicar este seu conhecimento. Ele cla­mou: "Cria em mim um espírito novo e reto" .
Em Lucas 5.8, Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador. O Senhor ordenou ao discípulo a quem denomi­nara de "Petros", homem-rocha, e a seus companheiros de ofí­cio que lançassem suas redes no local onde o lago é mais fun­do, apesar de terem trabalhado toda noite sem sucesso. Pedro concordou, apesar de não alimentar esperança alguma. Mas, eis que apanharam tantos peixes, que as redes não resistiram. Imediatamente o temor se apodera de Pedro. Ele raciocina. "Este que falou comigo certamente é o próprio Deus Todo­-Poderoso. Certamente é meu Criador. Um dia será meu Juiz!" Pedro cai aos pés de Jesus, dizendo: "Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador" Ele espera que o Senhor lhe diga: "Consi­dere seus inúmeros pecados. Você merece morte e condena­ção eterna". Donde provinha esse terror de Pedro? Por que ele não agradeceu a Jesus, quando caiu a seus pés? Pela sim­ples razão de que seus muitos pecados lhe vieram à mente e, nessa condição, não lhe foi possível expressar seu agradeci­mento de louvor. Em conseqüência disso, trêmulo, ele caiu de joelhos e dirigiu a seu Senhor e Salvador aquelas terríveis palavras: "Retira-te de mim". O diabo privou-o de todo o consolo e cochichou, em seu ouvido, que se dirigisse a Jesus nesses termos. Do Senhor ele não esperava outra coisa senão a morte. S Foi incapaz de distinguir lei e evangelho. Se tivesse sido capaz de fazer isso, ter-se-ia aproximado de Jesus com alegria, relembrando que todos os seus pecados tinham sido perdoa­dos.
{Muitos pregadores, também, têm dificuldades em oferecer o evangelho a seus ouvintes porque ainda não o assimilaram na sua vida pessoal. Tanto  evitam o confronto com os próprios pecados como têm visão superficial do perdão de Deus. Ou se tornam legalistas, ou desacreditam do ministério.}
1 João 3.19,20: E nisto conheceremos que somos da ver­dade, bem como, perante ele, tranqüilizaremos o nosso co­ração; pois, se o nosso coração nos acusar, certamente, Deus é maior do que nosso coração e conhece todas as cousas. Quando nosso coração não nos acusa, é fácil separar lei e evangelho. Essa é a condição de um cristão. Mas, pode surgir o momento em que seu coração passa a acusá-lo. Por mais que faça, não há meios de silenciar aquela voz interior acusadora. Ora, se nesse momento, o indivíduo sabe distinguir corretamente entre lei e evangelho, cairá aos pés de Jesus, confortando-se nos méritos dele. Isso, no entanto, não é fácil.
No momento em que os cristãos aprenderam a fazer o cor­reto uso prático da distinção entre lei e evangelho, eles unem sua voz à de S. João, dizendo: "Deus é maior do que o meu coração; Ele deu um veredito diferente a respeito da pecaminosidade dos homens, e isto se aplica igualmente a mim". Vocês são felizes se aprenderam esta difícil arte. Se vocês a aprenderam, não se julguem perfeitos. Vocês nunca deixarão de ser principiantes nesta arte. Lembrem-se disto: quando a lei os condenar, então apeguem-se imediatamente ao evangelho.
Quais duas forças hostis, lei e evangelho, muitas vezes, en­tram em conflito na consciência de um indivíduo. O evange­lho lhe diz: "Deus o recebeu em sua graça". A lei lhe diz: "Não confie nisso; examine o seu passado. Quantos e quão horríveis são os seus pecados! Considere os pensamentos e desejos que você teve". Num momento desses, é difícil separar lei e evan­gelho. Quando alguém enfrenta uma situação dessas, toma-se necessário que ele diga à lei: "Fora! Tuas exigências foram todas cumpridas. Eu não te devo nada. Alguém pagou a minha dívida". Um indivíduo morto em pecados e transgressões não sente essa dificuldade; ele não se importa com lei. Mas a difi­culdade é bastante real na vida de um convertido.
A correta diferenciação entre lei e evangelho é, também, a arte suprema e mais difícil para os teólogos como tais. Tudo o mais que um teólogo deve saber não se compara com o domí­nio dessa arte.
{Correta distinção da vida pessoal à pratica pastoral}
2 Timóteo 2.15: Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. O apóstolo admoesta Timóteo a que maneje bem a palavra da verdade. Isso indica que separar adequadamente lei e evangelho é uma arte notável e difícil.
Lucas 12.42-44: Disse o Senhor: Quem é pois, o mordomo fiél e prudente, a quem o Senhor confiará os seus conservos para dar-lhes o sustendo a seu tempo? Bem-aventurado aque­le servo a quem seu Senhor, quando vier, achar fazendo assim. Verdadeiramente, vos digo que lhe confiará todos os seus bens. O que o Senhor considera um grande feito não é o simples anunciar da palavra de Deus, ou, para ficar dentro dos termos da parábola, a distribuição de certa quantidade de alimento a cada membro da casa; o que ele tem em alta conta é o fato de que a cada um é dada a medida exata no momento certo, que se leve em consideração sua situação espiritual. Isto deve ocor­rer no momento exato. Aquele que distribui um pouco aos ser­vos hoje, e só toma a fazê-lo após um longo período de tempo, que não se preocupa em reunir o alimento necessário nem com sua distribuição na hora certa, é um mau mordomo. Eis a lição desta parábola: Um pregador deve dominar bem a arte de mi­nistrar a cada um, no momento propício, ou a lei ou o evange­lho, segundo suas necessidades específicas.
{O Que ele tem em alta conta pe o fato que a cada um é dada a medida exata no momento certo, que se leve em consideração sua situação espiritual. Isto deve ocorrer no momento exato.}
2 Coríntios 2.16; 3.4-6: Quem, porém, é suficiente para essas causas?
E é por intermédio de Cristo que temos tal confiança em Deus; não que, por nós mesmos, sejamos capazes de pensar alguma causa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para ser­mos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espí­rito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. O apóstolo reconhece que somente Deus pode capacitá-lo para esta nobre e difícil arte.
{Sensibilidade e fidelidade: Um pregador deve dominar bem a arte de ministrar a cada um, no momento propício, ou a lei ou o evangelho, segundo suas necessidades específicas.}
Pregue de tal maneira que cada ouvinte sinta: "Ele refere-­se a mim. Ele descreveu um hipócrita idêntico a mim". Por outro lado, é possível que o pastor descreva alguém que está sendo tentado de uma maneira tão real, que o ouvinte que vive situação idêntica só pode admitir: "Esta é a minha situação".­O ouvinte arrependido deve logo perceber: "Este consolo diri­ge-se a mim; devo apropriar-me dele". A alma inquieta deve concluir: "Oh, que doce mensagem; isto é para mim!" Sim, também o impenitente deve ser levado a reconhecer: "O pre­gador fez uma descrição exata da minha pessoa."
Portanto, o pregador deve saber retratar, com exatidão, o que se passa no íntimo de cada um dos seus ouvintes. Uma mera apresentação objetiva das várias doutrinas não basta para que se alcance esse objetivo. Uma pessoa pode ser ortodoxa, pode ter compreendido a doutrina pura e, mesmo assim, não ter comunhão pessoal com Deus, estar em situação irregular ante Deus e não ter, ainda, a certeza de que sua conta de peca­dos foi paga.
{A descrição do pecado e da situação do pecador deve ser exata, envolta e permeada de compaixão.}
A dificuldade em distinguir corretamente lei e evangelho assume proporções gigantes, quando o pastor ministra a indivíduos em particular. No púlpito, o pastor pode dizer uma sé­rie de coisas, esperando encontrar receptividade. Mas quando as pessoas buscam seu conselho pastoral, ele tem uma dificul­dade muito maior diante de si. Logo perceberá qual dos seus consulentes é, e qual não é, cristão. Isto evidentemente não elimina a possibilidade de o pastor ser iludido pela aparência e modo de ser piedoso de um hipócrita. Entretanto, se ele é ca­paz de separar corretamente lei e evangelho, seus consulentes podem tê-lo enganado, todavia é falha deles próprios que apli­caram a si o ensino indevido. O pastor assume uma terrível responsabilidade apenas quando ele mesmo é culpado pelo fato de o povo interpretá-lo mal. Se as pessoas agem como cristãos apenas para enganar-me, elas estão, antes, enganando a si mesmas do que a mim. A qualquer pessoa que dá a entender que é cristã, o pastor deve considerar como tal, e vice-versa.
Entretanto nem todos os não-cristãos são idênticos. Um é um irreligioso crasso e zombador da Bíblia; outro é ortodoxo e tem apenas a fé morta do intelecto. O pastor - a menos que ele próprio seja um escravo do pecado e incapaz de fazer um juízo da pessoa que está a sua frente - sabe que o último não passa de uma pessoa espiritualmente cega, que ainda se en­contra sob o domínio da morte espiritual. Agora, se um não ­cristão está verdadeiramente amedrontado e possuído de um terror inconsciente, apesar de seu coração ainda não ter sido quebrado, o pastor precisa concluir: "Este indivíduo, em pri­meiro lugar, precisa ser quebrantado". Alguns são apegados a um determinado vício, outros confiam na justiça própria. Des­cobrir a que classe pertencem estas várias pessoas incrédulas e aplicar-lhes o remédio correto, eis a grande dificuldade da qual estou falando. Meu objetivo é convencê-los de que so­mente o Espírito Santo é capaz de realmente aparelhar um pre­gador para o exercício de sua vocação.
     Finalmente, o mais difícil é tratar com os fiéis cristãos, levando em conta sua situação espiritual peculiar. Este tem uma fé fraca, aquele tem uma fé forte; este está alegre; aquele, afli­to; este é moroso, o outro é bastante zeloso; um tem pouco conhecimento espiritual, outro está mais profundamente alicerçado na verdade.
{A partir deste ponto, na edição ampliada, Walter descreve os quatro temperamentos (o sangüíneo, o melancólico, o fleumático  e o colérico) alertando que estes precisam ser respeitados na avaliação da vida e atitude da pessoa}

4ªTESE
Conhecer bem a diferença entre lei e evangelho não é apenas maravilhosa luz para correta compreensão de toda a Escritura Sagrada; mais do que isso: sem esse conhecimento, a Escritura é a continua sendo um livro selado
{De fato, toda a Escritura parece estar constituída de contradições. Ora as Escrituras declaram alguém salvo, ora ela o condenam.}
Enquanto se ignora a diferença entre lei e evangelho, tem ­se a impressão de que as Escrituras contêm um cem número de contradições. De fato, toda a Escritura parece estar constituí­da de contradições. Ora as Escrituras declaram alguém salvo, ora elas o condenam. Quando o jovem rico perguntou ao Senhor: "Que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?", ele recebeu a seguinte resposta: "Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos". Quando o carcereiro de Filipos dirigiu esta mesma pergunta a Paulo e Silas, ele recebeu esta outra respos­ta: "Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo tu e a tua casa". Por um lado, lemos em Habacuque 2.4: "O justo viverá pela sua fé"; por outro lado, notamos que João, na sua primeira carta (3.7), diz: "Aquele que pratica a justiça é justo". Contra isso o apóstolo Paulo declara: "Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados, gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Jesus". Por um lado, vemos que a Escritura declara que Deus não se agrada de pecadores; por outro lado, ele constata: "Todo aquele que invo­car o nome do Senhor, será salvo". A certa altura, Paulo excla­ma: "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e, perversidade dos homens" e, no salmo 5.4, lemos: "Pois tu não és Deus que se agrade com a iniqüidade, e contigo não . subsiste o mal"; em outra passagem, Pedro diz: "Esperai intei­ramente na graça que vos está sendo trazida". Por um lado, nos é dito que todo o mundo está debaixo da ira de Deus; por outro, lemos: "Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". Outra passagem notável é 1 Coríntios 6.9-11, na qual o apóstolo afirma inicialmente: "Nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus" e, então, acrescenta: "Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus". Não é perfeitamente compreensível que uma pessoa que nada conhece a respeito da diferença entre lei e evangelho fique totalmente desnorteada ao ler tudo isso? Não é natural que ela exclame, indignada: "O quê? Esta é para ser a palavra de Deus? ' Um livro repleto de tais contradições?".
O que acontece não é que o Antigo Testamento revela um Deus irado, e o Novo Testamento, um Deus gracioso; ou que o Antigo ensina a salvação por obras próprias e o Novo Testa­mento, a salvação pela fé. Não; tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos contêm ambas as doutrinas: lei e evangelho, mas no momento em que aprendemos a diferenciar lei e evangelho é como se o sol nascesse sobre as Escrituras, e notamos que todo o seu conteúdo está na mais perfeita harmonia. Verificamos que a lei não nos foi revelada para inculcar em nós a idéia de que, através dela, podemos nos tomar justos, mas sim para mostrar-nos que somos totalmente incapazes de satisfazer suas exigências. Uma vez aprendido isso, devemos tomar conhecimento da doce mensagem, da maravilhosa doutrina que é o evangelho e recebê-lo com intenso júbilo.
Entretanto, o pregador deve tomar cuidado para não afirmar que a lei foi abolida; pois isso não é verdade. A lei conti­nua vigorando ;ela não foi anulada. Mas, ao lado da mensa­gem da lei, temos uma outra. Deus não diz: "Pela lei vem a justiça", mas: "Pela lei vem o conhecimento do pecado". Paulo diz aos Romanos: "Ao que ... crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça" (Romanos 4.5).  Por isso, no momento em que somos convencidos de nossa li impiedade, tem início nossa marcha rumo à salvação.
{“Quando se fale de boas obras que estão de acordo com a lei de Deus, aí a palavra “lei” designa uma só coisa, a saber, a vontade imutável de Deus em conformidade com a qual os homens devem conduziz-se em sua vida”.( Livro de Concórdia, FC, DS, VI, §15, p. 606)}
Romanos 10.2-4: Porque lhes dou testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém não com entendimento. Porquanto, "desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelece a sua própria, não se sujeitaram que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para a justiça de todo aquele que crê. A ignorância dos judeus consiste em que "não reconhecem a justiça que é válida perante Deus". Esta é a sua falta de entendimento. Imaginavam que deviam ser zelosos em relação à lei; pois, raciocinavam eles, se esta é a lei de Deus, como pode alguém ter a ousadia de afastar-se dela? Se eles tivessem dado ouvidos à pregação de Paulo, logo teriam percebido que ele reconhecia que a lei ainda estava em vigor. Percebendo isso, não teriam se tomado inimigos do evangelho, e as terríveis trevas que os envolviam teriam-se dissipado.      
{O erro dos fariseus foi não aplicarem ais seus ouvintes a justiça que vem de Deus. Raciocinavam assim: Se esta é a lei de Deus, como pode alguém ter a ousadia de afastar-se dela?}

5ªTESE
            A primeira –bem como a mais grosseira e mais facilmente reconhecível – confusão entre lei e evangelho é aquela em que, a exemplo de papistas, socinianinos e racionalistas, se encara Cristo como um novo Moisés, um legislador, e se transforma o evangelho em doutrina de obras meritórias ao mesmo tempo em que , como o fazem os papistas, condenam-se e amaldiçoam-se os que ensinam que o evangelho é a mensagem da graça ilimitada de Deus em Cristo.
Os decretos do Concílio de Trento afirmam que o evange­lho contém as doutrinas da salvação. Entretanto, imediatamente acrescentam que o evangelho também prescreve preceitos éti­cos.  É dessa maneira que interpretam o propósito de Cristo, ao dizer: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda cria­tura" (Mc 16.15). Fica evidenciado que eles não pretendem aceitar o evangelho no sentido real que esta palavra tem. Do modo como eles o concebem, o evangelho, na melhor das hi­póteses, não passa de uma lei tal qual a que Moisés promul­gou.
Se Cristo veio ao mundo com a missão de promulgar novas leis para nós, ele poderia perfeitamente ter permanecido nos céus. Moisés já nos havia dado uma lei tão perfeita, a ponto de não sermos capazes de a cumprir. Assim sendo, se Cristo nos tivesse dado leis adicionais, isto só poderia levar-nos ao de­sespero.
Já o próprio sentido da palavra evangelho derruba esse ponto de vista. Sabemos que o próprio Cristo denominou sua pala­vra de evangelho, pois ele diz em Mc 16.15: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura". Para que se pudesse compreender o sentido em que ele estava empregan­do a palavra evangelho, ele apresenta o conteúdo deste nos seguintes termos concretos: "Quem crer e for batizado", etc. Se a doutrina de Cristo fosse uma lei, ela não seria uma boa notícia, mas, sim, uma péssima notícia.
{Se a doutrina de Cristo fosse uma lei, ela não seria uma boa notícia, mas, sim, uma péssima notícia.}
Examinando o Antigo Testamento, vemos que, mesmo ali, já está expresso o caráter da doutrina de Cristo. Lemos em Gênesis 3.15: "Este (o descendente da mulher) te ferirá a cabeça". o Messias, o Redentor, o Salvador não viria com o pro­pósito de nos revelar o que deveríamos fazer, que obras deve­ríamos praticar para escapar do terrível domínio das trevas, do pecado e da morte. Esses feitos, o Messias não deixaria para que nós executássemos, mas ele próprio faria tudo. "Ele ferirá a cabeça da serpente" significa que ele destruirá o reino do diabo. Tudo que o homem tem a fazer é tomar conhecimento de que ele foi resgatado, que ele foi libertado da prisão, que ele não tem outra coisa a fazer senão crer e aceitar essa mensa­gem e alegrar-se em função dela. Se o texto dissesse: "Você precisa salvar-se a si mesmo", isto não seria tão confortador; ou, se dissesse: "Você deve crer nele", ficaríamos perplexos em saber o que se entende por essa fé. Este primeiro evange­lho era a fonte donde emanava o conforto dos crentes do An­tigo Testamento. Era-lhes importante saber: "Está por vir Al­guém que não somente nos dirá o que devemos fazer para al­cançar o céu, mas ele próprio, O Messias, fará tudo para nos levar até lá". Já que o poder do diabo foi destruído, nada do que eu deva fazer pode entrar em consideração. Se o domínio do diabo foi destruído, eu sou livre. Nada me resta a fazer senão apropriar-me disso. É isto que a Escritura tem em men­te, quando diz "Creia". Significa: "Declare que é seu aquilo que Cristo obteve".
Em Jeremias 31.31-34, Eis aí vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR. Porque esta é aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SE­NHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece ao SENHOR, porque a todos me conhecerão desde o menor até o maior deles, diz o SENHOR. Pois perdoarei as suas iniqüidades e de seus pecados jamais me lembrarei. Deus diz que vai fazer uma nova aliança. Esta não será uma aliança baseada na lei, idêntica àquela que ele estabeleceu com Israel no Monte Sinai. O Messias não dirá: “ É necessário que vocês sejam pessoas desta ou da­quela natureza; seu modo de viver deve ser conforme este ou aquele padrão; vocês devem fazer estas e aquelas obras".
Nenhuma doutrina dessa espécie será trazida pelo Messias. Ele inscreve sua lei diretamente no coração, o que faz com que a pessoa que vive nele sirva de lei para si mesma. Tal pessoa não é coagida por uma força externa, mas é impulsionada por uma força interior. "Pois, perdoarei as suas iniqüidades, e dos seus pecados jamais me lembrarei" - esse é o fundamento, a causa para a afirmação anterior. Estas palavras resumem o evangelho de Cristo: perdão de pecados pela graça ilimitada de Deus, por causa de Jesus Cristo. Portanto, todo aquele que imagina que Cristo é um novo legislador e que nos trouxe no­vas leis, anula toda a religião cristã.
A religião cristã diz: "Você é um pecador perdido e condena­do; você não pode ser seu próprio Salvador. Mas não desespere por causa disso. Há alguém que obteve salvação para você. Cristo abriu as portas do céu para você e o convida: Venha, porque tudo já está preparado. Venha para as bodas do Cordeiro". Essa é também a razão por que Cristo diz: "Eu curo os doentes, não os sãos. Eu vim para buscar e salvar o perdido. Eu não vim para chamar justos, mas pecadores ao arrependimento".
Por toda parte, vemos o Senhor Jesus rodeado de pecado­res, sob a espreita dos fariseus. Pecadores famintos e sedentos estão a sua volta Apesar da majestade divina que emana dele, eles não receiam aproximar-se dele; eles confiam nele. Os fariseus repreendem-no severamente: "Este homem recebe pecadores e come com eles". E o Senhor ouve essa reprimenda. Ele confirma a veracidade da censura deles, dando continui­dade à ação censurada, como que querendo dizer: "Sim, eu quero pecadores ao meu redor"; e então ele passa a demons­trar isso, contando a parábola da ovelha perdida. O pastor ajunta a ovelha perdida, não importando quão ferida e machucada ela esteja. Ele coloca-a sobre os ombros e, cheio de júbilo, leva-a de volta ao curral. O Senhor, igualmente, explica seu modo de agir através da moeda perdida. A mulher procura a moeda perdida por toda a casa, até mesmo na imundície. Quan­do ela a encontra, chama as amigas, dizendo: "Alegrem-se comigo, porque achei a minha moeda perdida" . Finalmente, o Senhor acrescenta a parábola do filho pródigo. De maneira prática, ele diz: "Aqui vocês têm minha doutrina. Eu vim para buscar e salvar o perdido".
Se você examinar toda a vida de Jesus, notará que ele não se apresenta como um filósofo orgulhoso nem como um mora­lista, rodeado por heróis na prática de virtudes, aos quais ele ensina como podem alcançar o mais alto estágio da perfeição filosófica. Não, ele caminha em busca de pecadores perdidos e não receia dizer aos arrogantes fariseus que as meretrizes e publicanos os precedem no reino de Deus. Assim ele nos mos­tra claramente em que consiste seu evangelho.
Por diversas vezes, em suas confissões, os papistas afir­mam que Cristo revelou muitas leis que eram desconhecidas a Moisés. Por exemplo, a lei do amor aos nossos inimigos; a lei que não se deve buscar vingança pessoal; a lei de não exigir de volta o que nos foi tirado, etc. A tudo isso os papistas denomi­nam de "novas leis". Isso está errado; pois mesmo Moisés já disse: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força" (Dt 6.5) e "Amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Lv 19.18). Assim sendo, Cristo não ab-rogou essa lei de Moisés, nem promulgou quaisquer novas leis. Ele apenas esclareceu o sentido espiritual da lei. Pois afirma em Mateus 5.17: "Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para cumprir". Isso significa que ele não veio para promulgar novas leis, mas para cumprir a lei em nosso lugar, de modo a podermos usu­fruir desse cumprimento.
{Cristo não veio para promulgar novas leis, mas para cumprir a lei em nosso lugar, de modo a podermos usufruir desse cumprimento.}

“Jesus não se apresenta... como um moralista, rodeado de heróis na prática de virtudes... assim ele nos mostra claramente em que consiste o evangelho”

                6ªTESE
                Em segundo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a lei deixa de ser pregada em todo o seu rigor e o evangelho, em toda a sua doçura; quando ao contrario, componentes do evangelho são adicionados à pregação da lei, e componentes da lei são adicionados ao evangelho.
{É de pouca relevância desver a fé e os seus processos. Antes pregue de modo que as pessoas se apegue a Jesus com consolo e alegria. A fé é esse apegar-se.
Confundem-se lei e evangelho, quando elementos que são próprios do evangelho são adicionados à pregação da lei e vice­-versa. Examinemos o testemunho da Escritura a respeito desta questão. Inicialmente, o que diz ela a respeito da lei? De que maneira demonstra ela que não devemos adicionar nenhum ingrediente evangélico à pregação de lei?
{A fé que crê não pode estar divorciada da fé na qual se crê. A fé confiança não existe sem a pregação do evangelho, indica o objetivo da fé. Pregação que não visa a esta confiança, não é pregação cristã.}
Gálatas 3.11 ,12: E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por ele viverá. O homem é justificado diante de Deus pela fé somente. A lei a ninguém pode justificar pelo simples fato de não conhecer nada a respeito de fé justificadora e salvadora. Essa informação está contida apenas no evange­lho. A lei nada sabe a respeito da graça salvadora.
Romanos 4.16: Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, afim de que seja firme a promessa para toda descendência, não somente ao que está no regime da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de todos nós.) A fé é exigida de nós, não em virtude do fato de haver ao menos uma pequena obra que nos compete realizar. Se o caso fosse esse, não haveria diferença entre os que vão para o inferno e os que vão para o céu. Não; a justificação provém da fé, para que ela seja segundo a graça. Ambas as afirmações se equivalem. Se eu digo: "O homem é justificado diante de Deus pela fé", isso equivale a dizer: "Ele é justificado gratuitamente, segundo a graça, através do pre­sente da justificação que Deus lhe dá". Nada se exige do ho­mem; apenas é lhe dito: "Apegue-se ao que lhe é oferecido e você o terá". A fé é esse apegar-se. Vamos supor que uma pessoa nunca tenha ouvido algo a respeito da fé. Entretanto, ao ouvir o evangelho, ela se alegra, aceita-o, deposita sua con­fiança nele, consola-se em suas palavras. Essa pessoa tem a fé verdadeira, genuína, apesar de nunca ter ouvido uma palavra sequer a respeito da fé.
  {A fé é esse apegar-se. Vamos supor que uma pessoa nunca tenha ouvido algo a respeito da fé. Entretanto, ao ouvir o evangelho, ela se alegra, aceita-o, deposita sua confiança nele, consola-se em suas palavras. Essa pessoa tem a fé verdadeira, genuína, apesar de nunca ter ouvido uma palavra sequer a respeito da fé.
Nenhum elemento do evangelho deve, por conseguinte, ser misturado com a lei. Todo aquele que explica a lei, introduzindo nela a graça, o Deus gracioso, amável e paciente, deturpa-a vergonhosamente. É necessário que o pregador anuncie a lei de tal maneira, que ela não contenha nada de agradável aos ouvidos dos pecadores perdidos e condenados. Qualquer in­grediente adocicado que se adicione à lei, é veneno; neutrali­zará o efeito desse remédio celestial.
Mateus 5.17-19: Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos meno­res, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Ao pregar a lei você deve ter em mente que ela não faz concessão de espécie alguma. É completamente alheio à natureza da lei fazer concessões, ser condescendente; ela apenas faz exigências. A lei diz: "Você deve fazer isto; se deixar de fazê-lo, de nada lhe adiantará a paciência, bondade e longanimidade de Deus; você invariavelmente irá para a perdição". Visando a deixar isso bem claro ante os nossos olhos, o Senhor diz: "Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado o mínimo no rei­no dos céus". Isto não significa que lhe será destinado o lugar mais baixo no céu, mas, sim, que ele, de maneira nenhuma, pertence ao reino dos céus.
Gálatas 3.10: Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as causas escritas no livro da lei, para praticá-las. Se, ao estimular as pessoas à prática de boas obras, você, para consolá-las, fizer a seguinte observação: "Na realidade, você deveria ser perfeito; entretanto, Deus não exige o impossível de nós. Dada a sua fraqueza, faça o quanto puder; o que vale é a sinceridade de sua intenção!" - se você fizer isso, estará pregando uma doutrina condenável; você estará deturpando a lei de modo vergonhoso. No Sinai, Deus nunca se expressou em termos semelhantes.
Romanos 7.14: Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Ao pregar a lei, é absolutamente necessário que um pregador es­teja consciente do fato de que a lei é espiritual; ela age sobre o espírito, não sobre algum membro do corpo; tem em mira o espírito do homem, sua vontade, seu coração, seus sentimen­tos. É desse modo que ela age e não diferentemente.
Uma correta pregação da lei deve enquadrar-se dentro das seguintes exigências: Não se devem atacar os vícios abominá­veis que se manifestam desenfreadamente na congregação, empregando uma linguagem bombástica. O incessante "trove­jar" de nada adiantará. É possível que as pessoas abandonem as práticas recriminadas, mas, após duas semanas, terão retomado ao mesmo caminho. Vocês devem, de fato, denunciar as trans­gressões contra os mandamentos de Deus com seriedade, mas igualmente devem dizer ao povo: "Mesmo que vocês abando­nem seu constante amaldiçoar, jurar, etc., isso não os tomará cristãos. Vocês podem ir à perdição assim mesmo. Deus se preocupa é com atitude seus corações".
{A lei modifica comportamentos, mas não conquista os corações. Por isto a pregação legalista que modifica comportamentos não visa ao objetivo da pregação cristã.}
Romanos 3.20: Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Deus não deu a lei para que vocês tomem as pessoas justas através dela. A lei não justifica nin­guém; mas, quando ela começa a agir efetivamente, o indiví­duo que é objeto desta ação passa a revoltar-se e enfurecer-se contra Deus.
Através do espetáculo no monte Sinai, Deus nos ensinou como devemos pregar a lei. É claro que não podemos reprodu­zir os trovões e relâmpagos daquele dia, a não ser espiritual­mente. Se procedermos assim, nosso sermão será benéfico. Poderá haver muitos dentre os ouvintes que chegarão à se­guinte conclusão: "Se este homem está falando a verdade, en­tão eu estou perdido."
Alguns, na verdade, poderão argumentar, dizendo que não convém que um pregador do evangelho pregue nestes termos. Mas é este o caminho que ele deve seguir; ele não seria prega­dor evangélico, caso não pregasse a lei. Se a lei não preceder o evangelho, este não terá efeito. Em primeiro lugar, vem Moisés, depois Cristo; ou: Em primeiro lugar João Batista, o precur­sor, então Cristo. A princípio, as pessoas dirão: "Isto é sim­plesmente terrível!" Mas segue-se logo a pregação do evange­lho e, então, as pessoas se animam. Elas compreendem o por­quê do pregador ao se expressar daquela maneira: pretendia mostrar-lhes o quão manchados de pecado eles estavam e o quanto necessitavam do evangelho.

7ªTESE
Em terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o evangelho é pregado antes da lei; a santificação antes da justificação; a fé antes do arrependimento; as boas obras antes da graça.
A palavra de Deus é empregada erroneamente, quando as diversas doutrinas são apresentadas fora da seqüência correta; quando algo que deveria vir por fim é colocado no princípio. São quatro as seqüências incorretas que podem surgir.
{Não podes pensar que dividiste corretamente a lei e evangelho, se anunciaste a Lei em uma parte e o Evangelho na outra parte. Tal divisão topografia é inútil. Ambas podem estar na mesma frase. Mas a impressão que fica no ouvinte deverá ser lei ou evangelho (Proper Distinction. P.25)
Em primeiro lugar, inverte-se a ordem, quando se prega o evangelho antes da lei.
Marcos 1.15: Dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho. O "arrependei-vos" é, sem dúvida alguma, uma palavra da lei. Na pregação de nosso Senhor, esta palavra vem em primeiro lugar, seguida pelo resumo do Evangelho: "Crede no evange­lho".
Atos 20.21: Testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus [Cristo]. O apóstolo pregou, em primeiro lugar, o arrependimento e depois a fé; primeiramente a lei, então o evangelho.
Nosso Senhor disse que em seu nome se deveria pregar arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando em Jerusalém. O Senhor não mudou a ordem divi­na para: "Perdão de pecados e arrependimento". A seqüência que ele indica é "arrependimento e perdão de pecados".
O segundo caso em que se perverte a ordem correta acontece, quando a santificação da vida é pregada antes da justifica­ção, a mensagem do perdão de pecados. Sim, justificação pela graça não é outra coisa senão perdão de pecados. Sou justifi­cado no momento em que me aproprio da justiça de Cristo.
{Quando Walter sublinha esta ordem, não se refere a uma seqüência mecânica mas aos princípios que legitimam a oferta e a fé na oferta de Deus. Visa a que o ouvinte não recolha a impressão de que a fé pode existir sem contrição e arrependimento, ou de que contrição e arrependimento seriam a manifestação mais legítimas de fé, ou de que a obediência a leis seja a condição para que Deus aprove a fé}
Salmo 130.4: Contigo, porém, está o perdão, para que te temam. Na verdade, o salmista está querendo dizer para Deus: "Primeiro precisas dar-nos teu perdão; depois disto passare­mos a reverenciar-te através de uma vida nova, uma vida santificada".
Salmo 119.32: Percorrerei o caminho dos teus manda­mentos, quando me alegrares o coração .Em primeiro pla­no, está o consolo de Deus, a justificação, o presentear do per­dão ao pecador, a remissão dos pecados. Depois de tudo isso, o salmista espera "percorrer o caminho dos mandamentos de Deus".
1 Coríntios 1.30: Mas vós sais dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção. A primeira coisa necessária é que alcancemos sabedoria, conhecimento do caminho da salvação. Esse é o primeiro passo. A isso segue-se a justiça, a qual obtemos pela fé. Apenas depois da justificação é que vem a santificação. Preciso, antes de mais nada, saber que Deus perdoou os meus pecados, para que esse fato me dê a verdadeira alegria de viver uma vida santificada. Antes disso, uma gran­de carga pesava sobre mim. A princípio, eu estava furioso com Deus; eu o odiava por exigir tanto de mim. Meu desejo era ter podido destroná-lo. Meu pensamento era que seria melhor mesmo, se Deus não existisse. Mas quando ele me perdoou e declarou justo, eu me alegrei, não somente por causa do evangelho, mas igualmente por causa da lei.
{Antes de mais nada, sabe que Deus perdoou os meus pecados, para que esse fato me dê a verdadeira alegria de viver uma vida santificada.}
João 15.5: Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. A vontade do Senhor é que estejamos en­xertados nele como os ramos estão na videira. Isto significa que cremos nele de todo o coração, depositamos nele nossa certeza e confiança, apegamo-nos totalmente a ele com os braços da fé, de maneira que vivemos apenas nele, nosso Jesus que nos resgatou e salva. Quando isso suceder, produziremos frutos. Desse modo, o Salvador mostra que, antes de poder­mos viver uma vida santificada, é necessário que tenhamos sido justificados. Se nos tomamos ramos cortados, separados da videira, murchamos e deixamos de produzir fruto.
{A lei corta os ramos da videira. Razão por que o pregador deve ter o extremo cuidado na sua utilização.}
Fazer confusão entre justificação e santificação é um dos erros mais terríveis. O pecador somente poderá compreender e ter certeza de que ele está sob a graça de Deus, quando se faz uma rigorosa separação entre justificação e santificação; e essa compreensão lhe dará forças, para andar numa nova vida.
Em terceiro lugar, altera-se a seqüência correta - a saber, em primeiro lugar a lei, depois o evangelho - quando a prega­ção da fé precede a do arrependimento. Se você quer crer em Cristo, você precisa primeiro adoecer; porque Cristo é um médico apenas para aqueles que estão doentes. Ele veio bus­car e salvar o perdido; por isso, você precisa, primeiramente, tornar-se um pecador perdido e condenado. Ele é o Bom Pas­tor que sai em busca da ovelha perdida; portanto, você preci­sa, antes de mais nada, reconhecer que é uma ovelha perdida.
Finalmente, a quarta inversão da ordem correta se dá, quando se requerem boas obras antes de se ter anunciado a graça de
Deus.
Efésios 2.8-10: Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão pre­parou para que andássemos nelas. O apóstolo não diz: "Preci­samos praticar boas obras para que Deus nos seja gracioso". Ele afirma exatamente o contrário. Quando você recebeu a graça, Deus fez de você uma nova criatura. Nesse novo esta­do, você pratica boas obras; você não pode continuar debaixo do domínio do pecado.
Tito 2.11,12: Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, rene­gadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no pre­sente século, sensata, justa e piedosamente. Como primeiro passo, nos é revelada a graça, e esta então passa a educar-nos. Somos colocados debaixo da divina pedagogia da graça. No momento em que o indivíduo aceita a graça que fez com que Deus abandonasse os céus e viesse ao mundo, esta graça prin­cipia nele um processo de educação. O objetivo dessa educa­ção é ensinar-lhe a praticar boas obras e viver uma vida corre­ta.
{No momento em que o indivíduo aceita a graça que faz com que Deus abandonasse os céus e viesse ao mundo, esta graça principia nele um processo de educação. Nesse processo acontece a santificação.}
A Carta aos Romanos contém a doutrina cristã em sua tota­lidade. Nos três primeiros capítulos, deparamo-nos com a mais severa pregação da lei. A isso segue-se, na parte final do ter­ceiro capítulo e nos capítulos 4 e 5, a doutrina da justificação - e nada além dela. A começar no capítulo 6, o apóstolo não fala de outra coisa que não seja santificação. Temos aqui um modelo exato da seqüência que se deve observar: em primeiro lugar a lei, que ameaça os homens com a ira de Deus; segue-se o evangelho, a mensagem das consoladoras promessas de Deus. Como complemento, segue a instrução quanto ao que deve­mos fazer agora que somos novo homem. Igualmente os após­tolos, no momento em que seus ouvintes se mostravam ame­drontados, não faziam outra cousa senão consolá-los e anunci­ar-lhes o perdão. Somente depois disso, eles diziam aos seus ouvintes: "Agora vocês devem demonstrar sua gratidão a Deus". Eles não emitiam ordens; eles não ameaçavam, quan­do os seus mandados eram desconsiderados, mas apenas ape­lavam e rogavam a seus ouvintes que, pelas misericórdias de Deus, se conduzissem como convém a cristãos.
Santificação genuína é aquela que segue a justificação; jus­tificação genuína é aquela que vem depois do arrependimento.
Os apóstolos não emitiam ordens e não ameaçavam quando seus mandados eram desconsiderados... apelavam e rogavam a seus ouvintes... pelas misericórdias de Deus.

8ªTESE
Em quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a lei é pregada aos que já estão atemorizados em relação a seus pecados, ou quando o evangelho é pregado aos que vivem tranquilamente em seus pecados.
1 Timóteo 1.8-10 e Isaías 61.1-3 Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe á sã doutrina.
{Onde está escrito que todos devem ter o mesmo grau de contrição?}
O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebranta­dos, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pro­clamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os alge­mados; a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado; afim de que se chamem carvalhos de justiça, plantados pelo SENHOR para a sua glória. Os tex­tos deixam claro que, de acordo com a palavra de Deus, nem um pingo de consolo evangélico deve ser dado àqueles que vivem tranqüilamente em seus pecados. Por outro lado, os de coração abatido não devem ouvir uma ameaça ou censura se­quer, senão apenas as promessas, o consolo e a graça, o perdão de pecados e a justiça, vida e salvação.
Esse também era o modo de proceder de nosso Senhor. Certa ocasião, aproximou-se dele uma mulher "pecadora" (Lc7 .37) que, sob o olhar dos orgulhosos fariseus, se ajoelhou e, com suas lágrimas lavou os pés do Senhor, enxugando-os com seus próprios cabelos. Ela estava arrasada. Não havia ninguém que a consolasse. Mas, ela veio a Jesus, pois reconhecera nele a fonte de toda a graça. O Senhor, de maneira alguma, repreen­deu-a por causa de seus pecados - não, não lhe disse uma só palavra de censura. Simplesmente disse-lhe: "Teus pecados estão perdoados". Em outra ocasião, semelhante a esta, ele despediu a mulher culpada, assegurando-lhe: "Nem eu tampouco te condeno", acrescentou a breve admoestação: "Vai, e não peques mais".
                {A mulher pecadora veio a Jesus porque ele se mostrava como fonte de toda a graça e ela o reconhecera como fonte de toda a graça e ela o reconhecera como fonte de toda a graça. E Jesus não o decepcionou.}
Com Zaqueu, o procedimento do Senhor foi idêntico. Zaqueu chegara à conclusão de que precisava mudar, que ele não poderia continuar levando aquela vida pecaminosa. Ao saber que o Senhor passaria pela circunvizinhança, ele subiu a um sicômoro, pois desejava ver este santo homem de perto. Olhando para cima, o Senhor disse-lhe: "Zaqueu, desce de­pressa, pois me convém ficar hoje em tua casa". Zaqueu certa­mente esperava que o Senhor fizesse um relatório completo de seus pecados e lhe mostrasse todo o mal que havia praticado. Mas Jesus não fez nada disso. Ao contrário, na casa de Zaqueu, ele afirmou: "Hoje houve salvação nesta casa, pois que tam­bém este é filho de Abraão". Zaqueu, por sua vez, diz: "Se­nhor, resolvo dar aos pobres a metade de meus bens; e, se nal­guma cousa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais". O Senhor não exigiu que ele fizesse isso. Sua própria consciência, primeiramente despertada, mas agora já tranqüi­lizada, exigia que ele praticasse esse grande ato de generosi­dade para com os pobres.
Esta mesma verdade é ilustrada na parábola do filho pródi­go. O Senhor nos apresenta o filho pródigo voltando à casa de seu pai, de coração contrito, após ter esbanjado tudo o que possuía. Sem censuras, o pai recebe-o de volta, dizendo: "Co­mamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado". Houve um banquete, e não se disse uma só palavra de repreensão.
{O evangelho não está somente nas palavras. A palavra do evangelho está também, no ambiente que o pai criou e no qual recepciona o filho.}
Atitude idêntica o Senhor conserva mesmo estando prega­do à cruz. A seu lado, está crucificado um homem que levara uma vida infame. O paciente padecer de Cristo faz com que reconheça: "Nós, na verdade, com justiça, recebemos o casti­go que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez". Então, dirigindo-se a Jesus, ele acrescenta: "Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino". Ele reconhece que Jesus é o Messias. E convém notar que o Senhor não lhe respondeu: "O quê?! Lembrar-me de ti? Tu que fizeste tanta coisa erra­da?" Não, o Senhor em absoluto lhe apresenta seus pecados. Ele apenas diz: "Hoje estarás comigo no paraíso".
Através disso, o Senhor nos ensina como devemos agir ao termos diante de nós um pecador arrasado, contrito, aterrori­zado em relação a seus pecados. Mesmo que sua vida passada seja totalmente reprovável, não se deve perder tempo com censuras e reprimendas; deve-se, isto sim, perdoar e consolar. Quem age assim, demonstra que sabe diferenciar lei e evange­lho.
            {Mesmo que a vida passada de alguém que busca perdão seja totalmente reprovável, não se deve perder tempo com censuras e reprimendas; deve-se, isto sim, perdoar e consolar.}
O procedimento dos apóstolos era idêntico ao do Senhor Jesus. Basta que se relembre a história do carcereiro de Filipos. O carcereiro estava a ponto de suicidar-se, quando Paulo bra­dou em voz alta: "Não te faças nenhum mal, que todos estamos aqui". Durante toda a noite, ele tivera a oportunidade de ouvir Paulo e Silas cantando louvores a Deus e isso, sem dúvida, deu-lhe um bom conhecimento. Ao ouvir o grito de Paulo, ele veio e, trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e Silas, dizendo:
"Senhores, que devo fazer para que seja salvo?" E a resposta não é que deve fazer primeiramente isto ou aquilo, ou então, que deve sentir-se contrito. Não;'eles apenas respondem: "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa". Pura e simples­mente convidam-no a aceitar a misericórdia de Deus; porque a fé não é outra coisa senão a aceitação da graça de Deus.
            {O publico alvo no culto não são os endurecidos ou indiferentes, mas os que querem crescer na fé e no amor. De tal maneira que tanto os fariseus (que se louvam de suas obras quanto os incrédulos e debochados se sintam excluídos do consolo enquanto não houver mudança de mentalidade}
A segunda parte da tese afirma que a palavra de Deus é aplicada erroneamente, quando se prega o evangelho àqueles que vivem tranqüilamente em seus pecados.
Este erro é tão grave quanto o primeiro. Se eu ofereço o consolo do evangelho a pecadores impassíveis em seus peca­dos, ou então, se eu prego de uma maneira tal que esses peca­dores podem concluir que o consolo do evangelho se dirige a eles, isto implica um dano incalculável. O evangelho não se dirige a pecadores tranqüilos em seus pecados. É claro que não podemos impedir que eles compareçam a nossos cultos e ouçam o evangelho. Este fato não pode fazer com que o prega­dor deixe de apresentar o conforto do evangelho em toda a sua doçura. Ele deve fazê-lo; contudo, de uma maneira tal que os pecadores endurecidos compreendam que esse conforto não é para eles. A própria maneira como o pregador apresenta sua mensagem deve tornar isso claro.
{A presença de pecadores endurecidos não pode fazer com que o pregador deixe de apresentar o conforto do evangelho em toda a sua doçura. Ele deve faze-lo.}
Mateus 7.6: Não deis aos cães o que é santo, nem lancei ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem. O que se entende por "c que é santo"? Nada mais, nada menos do que a palavra de Cristo. O que se entende por "pérolas"? É o consolo do evan­gelho, sua mensagem que anuncia a graça, a justiça e a salvação. Os cães, isto é, os inimigos do evangelho, não devem ou­vir nada a respeito disso. Nem tampouco os porcos, ou seja, aqueles que querem permanecer em seus pecados e procuram seu céu e sua felicidade em meio à imundície de seus pecados, devem ouvir a mensagem do evangelho.
Isaías 26.10: Ainda que se mostre favor ao perverso, nem por isso aprende a justiça; até na terra da retidão ele comete iniqüidade e não atenta para a majestade do SENHOR. É pra­ticamente inútil oferecer misericórdia aos ímpios  Eles pen­sam, ou que não necessitam dela, ou então que já a têm em sua plenitude. Os insignificantes pecados que cometeram já lhes foram perdoados há muito, dizem eles. A uma pessoa dessa espécie não se deve pregar o evangelho. Não devo oferecer­-lhe misericórdia - e o evangelho não é outra coisa senão este oferecer da misericórdia - porque de nada lhe adianta. O indi­víduo sem Deus, que insiste em permanecer nos seus pecados, "não atenta para a majestade do Senhor". Ele não percebe o grande tesouro que lhe está sendo oferecido. Ele simplesmen­te não compreende a doutrina da salvação por graça; ou ele a despreza, ou então emprega-a tremendamente mal. Ele racio­cina: "Se é verdade que, para ser salvo, basta ter fé, então os meus pecados também estão perdoados. Posso continuar le­vando esta minha vida e, mesmo assim, ir para o céu. Eu também creio em meu Senhor Jesus Cristo".
{Os ímpios, ou fariseus, são aqueles que, seguros de sua fé e das sua interpretação da vontade de Deus, manifestam desprezo pela mensagem de Deus tal como era demonstrado por Jesus no seu trato com os pecadores.}
Nossa pregação deve seguir o padrão que encontramos, em primeiro lugar, na pregação de Cristo. Examinando sua con­duta, observamos que toda vez que se deparava com pecado­res tranqüilos em seus pecados, - e os fariseus de seu tempo certamente o eram - ele não tinha nem um pingo de conforto a dar. Sua atitude para os fariseus foi esta: denominou-os de ser­pentes e raças de víboras; pronunciou uma série de dez "ais" contra eles; revelou sua abominável hipocrisia; apontou-lhes a perdição e disse que não escapariam da condenação eterna. Apesar de saber que seriam precisamente esses que o pregari­am à cruz, ele, sem vacilar, disse-lhes a verdade. Convém que os pregadores se dêem conta disso. Mesmo sabendo, de ante­mão, que sua sorte não será nada diferente da do Senhor Jesus, eles devem pregar a lei em todo o seu rigor aos pecadores impassíveis, indiferentes, hipócritas e inimigos. Toda vez que o pregador tiver, diante de si, esta classe de pessoas, ele não pode pregar outra cousa que não seja a lei. Além disso, quando o pregador fala para uma multidão, ele deve deixar claro que aquilo que ele diz não se aplica indiscriminadamente a todos, mas sim àqueles que confiam na justiça própria e, ainda assim, querem o evangelho para si.
É verdade que o Senhor afirma: "vinde a mim, TODOS;" contudo, ele imediatamente acrescenta: "os que estais cansa­dos e sobrecarregados". Com isso, ele deixa claro que não está convidando os pecadores impassíveis.
Certo dia, um jovem rico veio a Jesus, perguntando: "Bom Mestre, que farei eu de bom para alcançar a vida eterna?" Je­sus, tendo rejeitado o título pelo qual o jovem denominara, lançou-lhe o desafio: "Guarda os mandamentos". Quando o jovem perguntou "quais", Jesus passou a enumerar: "Não ma­tarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemu­nho, honra a teu pai e tua mãe, amarás a teu próximo como a ti mesmo". O jovem replicou: "Tudo isso tenho observado: que me falta ainda?" E qual foi a resposta de Jesus? Respondeu ele, por acaso, o que te falta é a fé!? Não! Acontece que ele tinha pela frente uma pessoa infeliz, um pecador despreocupa­do e que confiava na justiça própria. Por isso, Jesus não lhe prega nada do evangelho. Ele apenas diz, acertadamente: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois vem e segue-me". Então o evangelho relata: "Tendo, porém, o jovem ouvido esta pala­vra, retirou-se triste, por ser dono de muitas propriedades". Ele retirou-se e sua consciência certamente o acusava, dizen­do: "Essa é, de fato, uma doutrina diferente da que eu conhe­ço. O que este Jesus quer de mim eu não posso fazer. Estou por demais preso às minhas propriedades. Se é necessário des­fazer-me delas, então não posso segui-lo. Longe de mim, perambular com ele, país afora, feito um mendigo!" Sua cons­ciência certamente também lhe assegurou que, de acordo com ensino de Cristo, ele estava condenado, que seu destino era inferno. E essa era exatamente a reação que o Senhor inten­tara provocar no jovem. Esse episódio deve servir-nos de exem­plo quanto ao modo de tratar aqueles que continuam despreo­cupados nos pecados e confiam na justiça própria.
Os apóstolos adotaram o mesmo método de seu Senhor. Em primeiro lugar, pregavam a lei energicamente, a ponto de calar fundo no coração de seus ouvintes.
 Em seu primeiro sermão proferido no dia de Pentecostes, Pedro assegura a seus ouvintes que todos eles têm culpa da morte de Cristo. E estas palavras surtiram efeito. Atemoriza­dos, eles perguntaram: "Que faremos, irmãos?" Pedro respon­de: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a remissão dos vossos pecados". Pedro anuncia o evangelho e garante que para seus pecados também há perdão, mesmo para os mais repugnantes. Os apóstolos pro­cediam assim em toda a parte, não apenas em Jerusalém, mas também em Atenas, Corinto, Éfeso, etc. Aonde quer que fos­sem, em primeiro lugar, pregavam o arrependimento e, então, a fé. Eles estavam certos de que em toda a parte, via de regra, havia diante deles pecadores impassíveis, ou seja, pessoas que ainda não tinham reconhecido sua miserável situação de peca­dores. Eles, entretanto, não somente pregavam a lei em todo o seu rigor aos que nada conheciam de religião cristã; pregavam-na, também, àqueles que se consideravam cristãos e, mes­mo assim, viviam tranqüilamente em seus pecados.
Os dois últimos capítulos da segunda Carta aos Coríntios são um notável exemplo deste modo de proceder dos apósto­los. O santo Apóstolo escreve: "Temo, pois, que, indo ter convosco, não vos encontre na forma em que vos quero, e que também vós me acheis diferente do que esperáveis, e que haja entre vós contendas, invejas, iras, porfias, detrações, intrigas, orgulho e tumultos". O apóstolo está dizendo: "Vocês imagi­nam que eu vá e lhes pregue o evangelho. Mas, vocês vão se surpreender com o que vou pregar, quando for visitá-los". Ele não diz que vai pregar contra pecados tais como travessuras, prostituição, roubo, blasfêmia, assassinato; ele vai atacar, isto sim, aqueles pecados que, mesmo hoje, ainda infestam as con­gregações cristãs, especialmente a hipocrisia. Ele prossegue no versículo 21: "Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que outrora pecaram e não se arrependeram da impureza, prosti­tuição e lascívia que cometeram". Presentemente, eles não es­tavam vivendo em prostituição e impureza, mas esta havia sido a sua vida passada. Eles se tornaram cristãos através de uma mera convicção intelectual. Faltava-lhes o verdadeiro arrepen­dimento de seus pecados. Professavam seu cristianismo com os lábios; faltava-lhes a fé no coração. Ainda não haviam sido regenerados e renovados pelo Espírito Santo. O apóstolo con­tinua: "Esta é a terceira vez que vou ter convosco. Por boca de duas ou três testemunhas toda questão será decidida. Já o disse anteriormente, e tomo a dizer, como fiz quando estive presente pela segunda vez; mas agora, estando ausente, o digo aos que outrora pecaram, e a todos os mais, que, se outra vez for, não os pouparei" (2 Co 13.1,2).
Esse é um magnífico exemplo a ser seguido pelo pregador. Quando as pessoas se entregam à prática de toda a sorte de pecados e julgam que todos devem considerá-las fiéis cris­tãos, desde que venham aos cultos e participem da Santa Ceia, então o pastor precisa chegar à seguinte conclusão: "Está mais do que na hora de pregar-lhes a lei, para que não suceda que, enquanto eu vivo despreocupado, meus ouvintes rumem para o inferno e no Último Dia me acusem, dizendo que sou o culpado pelo fato de eles agora terem de sofrer o tormento eter­no".
{Quando as pessoas se entregam à pratica de toda sorte de pecados e julgam que todos devem considera-los fiéis cristãos, desde que venham aos cultos e participem da Santa Ceia, isto não pode ser ignorado no sermão.}
Paulo não eliminou a possibilidade de, reassumindo o tra­balho na congregação de Corinto, ainda encontrar membros impenitentes em seu meio, o que tornaria imperioso que ele os despertasse. Pouco lhe importava se sua atitude pudesse des­pertar oposição e inimizade da parte do povo, numa época pagã e sodomita como aquela. Ele avisa que não vai poupá-los. Procuraria fazer com que compreendessem que estavam destinados para a condenação eterna, caso não houvesse arrependi­mento. Ele iria censurá-los por pretenderem ser considerados cristãos, apesar de ainda continuarem a pecar contra sua consciência.
Assim sendo, não podemos pregar o evangelho aos peca­dores endurecidos; devemos, isto sim, anunciar-lhes a lei. Se quisermos levar nossos ouvintes para o céu, é necessário que, em nossa pregação, primeiramente os conduzamos numa viagem através do inferno. Nossa pregação deve levar os ouvin­tes à morte, para que possam receber vida através do evange­lho. Em primeiro lugar, precisam ser levados a dizer de cora­ção: "Eu sou uma pessoa perdida e condenada", para que, de­pois disso, sejam levados pelo evangelho a clamar com júbilo: "Que pessoa feliz que sou!" Primeiramente a lei deve reduzi-­los a nada, para que, através do evangelho, possam ser algo para a glória da graça de Deus.
 {Em primeiro lugar, precisam ser levados a dizer de coração: “Eu sou um pessoa perdida e condenada”, para que depois disso, sejam levados pelo evangelho a clamar com júbilo: “Que pessoa feliz que sou!”}

9ªTESE
Em quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando, ao invés da palavra e dos sacramentos, se indica o caminho das orações e lutas com Deus aos pecadores que foram atingidos e atemorizados pela lei, para que dessa maneira, alcancem o estado da graça. Em outras palavras: quando lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até sentirem que Deus os recebeu em sua graça.
Convém que examinemos alguns exemplos da Escritura Sa­grada para que, deste modo, sejamos certificados por Deus quanto à maneira correta de aplicar (bem) a palavra, bem como para fazer frente aos erros mencionados nesta tese. Volvamos nossa atenção para os apóstolos de Cristo que, certamente sou­beram aplicar a palavra de Deus corretamente, bem como in­dicar o caminho certo aos pecadores atemorizados que esta­vam em busca de sossego, paz e certeza de que se achavam no estado da graça, com Deus.
Atos 2: Tão logo as palavras do apóstolo tinham surtido efeito no coração das pessoas, elas "perguntaram a Pedra e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos?"
Pedro respondeu-lhes: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome Cristo para a remissão dos vossos pecados". Metanoìte (arrependei-vos) significa: "Mudai de mentalidade". Refere-se, obviamente, à assim de­nominada segunda parte do arrependimento, isto é, refere-se à fé. A expressão "arrependei-vos" é uma sinédoque, isto é, uma figura de linguagem em que se menciona o todo, o arrependi­mento, querendo indicar apenas uma parte, a fé. Isto porque a lei já surtira efeito nesses ouvintes; faltava-lhes apenas a fé. Logo, não era a intenção de Pedro levar essas pessoas à salva­ção através de um sentimento de angústia, agonia e terror mai­or ainda do que aquele que estavam experimentando. Seus co­rações tinham sido quebrados e, com isso, ele se deu por satis­feito. Essas pessoas estavam preparadas para ouvir o evange­lho e recebê-lo em seus corações. Por esse motivo, o apóstolo diz: "vocês precisam mudar de mentalidade e crer no evange­lho do crucificado; abandonem todos os seus erros passados e se deixem batizar imediatamente em nome de Jesus Cristo para o perdão dos pecados".
{Para aqueles que têm consciência dos próprios erros e buscam perdão, a pregação de arrependimento tem o sentido de confiem, acreditem no perdão, busquem consolo na doce mensagem do evangelho.}
Este foi o único pedido que o apóstolo fez a seus ouvintes: que dessem ouvidos às suas palavras e buscassem consolo nesta doce mensagem, nesta promessa do perdão dos seus pecados, de vida e salvação. Nada nos é dito a respeito de medidas tais como as adotadas pelas seitas de nossos dias.
Atos 16.26,27: "De repente, sobreveio tamanho terremo­to, que sacudiu os alicerces da prisão; abriram-se todas as portas,' soltaram-se as cadeias de todos. O carcereiro despertou do sono e, vendo abertas as portas do cárcere, puxando da espada, ia suicidar-se, supondo que os pre­sos tivessem fugido". Caso os prisioneiros fugissem da pri­são, o carcereiro era considerado responsável. Quando se tra­tava de indivíduos realmente perigosos, o carcereiro estava sujeito à pena de morte. Tendo isso em mente, o carcereiro de Filipos chegou à conclusão: Já que de qualquer maneira estou condenado à morte, de que me adianta continuar vivendo? É preferível que eu mesmo dê cabo da minha vida.
"Mas Paulo bradou em alta voz: Não te faças nenhum mal, que todos aqui estamos!" (v. 28) Esse brado deve ter causado uma tremenda impressão sobre o carcereiro!
Os salmos que os apóstolos haviam cantado, certamente, fizeram-no ver que se tratava de homens que queriam anunciar ao povo como alcançar um destino feliz além do Hades. Extremamente aterrorizado, ele suplica: "Senhores, que devo fazer para que seja salvo?" (v. 30) Se os apóstolos tivessem sido entusiastas, fanáticos, certamente teriam dito: "Meu caro amigo, isto não é tão simples assim. Para que um indivíduo ímpio, infame, como você, possa ser salvo, é necessário que lhe prescrevamos uma complexa e demorada cura". Mas eles não disseram nada disso.Viram no carcereiro uma pessoa pre­parada para ouvir o evangelho. Ele era ainda tão pagão quanto tinha sido anteriormente. Ele ainda não estava em condições de odiar o pecado. Ele não diz nada a respeito disto tudo. Tudo o que ele deseja é escapar da punição do pecado e alcançar um feliz e abençoado destino pós-túmulo.
{Ele era ainda tão pág]ap quanto tinha sido anteriormente. Ele ainda não estava em condições de odiar o pecado. Mesmo assim foi recebido na comunhão da fé.}
Naquela mesma noite, o carcereiro foi convertido, recebeu a fé e a certeza de que Deus o aceitara e estava reconciliado com ele. Tornou-se, assim, um filho amado de Deus.
                Que medidas tomaram os apóstolos? Nada além de anun­ciar-lhe o evangelho de modo incondicional. Sem impor condições de espécie alguma, eles lhe disseram: “Crê no Senhor Jesus". Esse fato demonstra o procedimento dos apóstolos.
Sempre que, através da palavra, a fé tinha sido criada, imedia­tamente batizavam. Eles não disseram: "primeiramente preci­samos administrar-lhe um extensivo curso para que você pos­sa entender todos os artigos da fé cristã de modo exato e em profundidade. Depois disso, você passará por um período de experiência para vermos se você tem condições de ser um cristão realmente aprovado". Nada disso. O carcereiro quer ser batizado, porque sabe que, através do batismo, ele entrará no reino de Cristo: e ele foi batizado imediatamente.
{Em outras palavras a congregação quando demora a dar aos seus novos membros certeza de que permanecem no corpo de Cristo, de que fazem parte de um grupo (Koinonia), torna-se culpado do afastamento dos mesmos.}
Atos 22: Ananias não disse a Paulo: "Em primeiro lugar você precisa orar até sentir a graça internamente". Não; ele disse apenas: "Agora que você conheceu o Senhor Jesus, seu primeiro passo deve ser o batismo para que sejam lavados os seus pecados. E então invoque o nome do Senhor Jesus". Esta é a ordem salvífica correta: o homem somente pode orar pela graça de Deus depois que ele já a recebeu. Antes disso, ele simplesmente não pode orar.
Neste incidente nos é apresentado o modo de agir do pró­prio Senhor. Este certamente deve saber como tratar com po­bres pecadores. Tão logo Saulo estava atemorizado por causa de seus pecados, Jesus trouxe-lhe o seu consolo. Ele não exi­giu que experimentasse primeiramente toda sorte de sentimen­tos, mas, sim, imediatamente anunciou-lhe a palavra da graça. Isso nos mostra como o verdadeiro ministro de Cristo deve proceder quando tem por objetivo levar os pecadores, arrasa­dos pela lei, à certeza da graça de Deus em Cristo Jesus.
{Pregação da lei que não visa a oferecer a certeza da graça de Deus de Cristo Jesus não tem função espiritual.}
       O método das seitas é precisamente o inverso desse. É ver­dade que elas também pregam a lei em primeiro lugar. Pre­gam-na energicamente, o que está correto. O único aspecto em que erram, nesta parte de sua pregação, diz respeito à maneira como descrevem os tormentos infernais. Fazem-no de um modo tão drástico que, ao invés de tocar o fundo do coração, ativam a fantasia na imaginação do ouvinte. Em geral, suas pregações sobre a lei e suas terríveis ameaças são excelentes; falham apenas quanto ao não apresentá-la em seu sentido espiritual. Ao invés de levarem seus ouvintes ao reconhecimento de que são pecadores miseráveis, perdidos e condenados, merecedo­res do castigo eterno, levam-nos a um estado mental que os faz dizer: "Não é algo terrível, ouvir Deus proferindo ameaças tão horrorosas por causa do pecado?" Se, através da pregação da lei, você não levar o homem a se desfazer completamente do manto da justiça própria e declarar-se uma criatura miserá­vel, um homem perverso, que a todo instante está pecando através de más inclinações, pensamentos, desejos, disposição de espírito e aspirações de toda sorte, esteja certo de que você não pregou a lei corretamente. Quem prega a lei deve fazer com que a pessoa suspeite de si mesma constantemente, até a hora de sua morte, e confesse: "Eu sou uma criatura miserá­vel! O bem que faço, é na verdade algo que Deus realiza atra­vés de mim". Se o coração do indivíduo não estiver neste esta­do, ele não estará devidamente preparado para receber o evan­gelho.
Mas, a incorreta pregação da lei ainda não é o aspecto mais negativo nas seitas. O pior é que elas deixam de pregar o evangelho aos atemorizados e angustiados. Pensam que cometeriam o pior pecado, caso imediatamente apresentassem o consolo para tais pessoas. Apresentam, então, uma extensa lista de pré-requisitos que devem ser cumpridos pela pessoa para orar, com que intensidade deve lutar, contender e gritar até que finalmente possa dizer: Agora sinto que recebi o Espírito Santo e a graça divina" e então se levante, gritando: "Aleluia!"
           {Erram aqueles que não apresentam lgo o consolo para pessoas angustiadas. Erram também ao lhe apresentar uma extensa lista de pré requisitos que, se possível, devem ser cumpridos pela pessoa para que ela seja recebida na graça e no convívio pleno da igreja.}
Esses sentimentos que se requerem podem, entretanto, ter uma origem bem diversa da que eles imaginam. É possível que, ao invés do testemunho do Espírito Santo, seja um efeito físico resultante da vigorosa mensagem do pregador. Isso ex­plica por que muitas pessoas das mais bem-intencionadas, que se tomaram crentes, em determinado momento sentem que têm
o Senhor Jesus e, logo depois, sentem que o perderam nova­mente; em determinado momento, imaginam que estão na gra­ça e, em seguida, afirmam que decaíram da graça.
{Vigorosa mensagem no sentido de empregar técnica ou método de persuasão que anula ou intimida o ouvinte. Também se identifica como “lavagem cerebral” ou “pressão do grupo de individuo”, técnicas estas largamente difundidas hoje também me igrejas.}
Esta prática errônea é resultante de três terríveis equívocos:
Primeiro: As seitas não crêem nem ensinam a verdadeira e completa reconciliação entre Deus e o homem. Isto porque julgam que nosso Pai celeste é um Deus extremamente rigoro­so, que precisa ser comovido através de amargos clamores, intercessões e lágrimas. Isso implica negar o mérito de Jesus Cristo que, há muito tempo, reconciliou o mundo com Deus, fazendo com que Deus agora tenha uma disposição favorável para com os homens. Deus não deixa nada pela metade, inacabado. Em Cristo, ele ama todos os pecadores indistinta­mente. Os pecados de todos os pecadores foram cancelados. Toda a dívida foi paga. Não há nada que o pobre pecador tenha a temer, quando se aproxima de seu Pai celeste, com o qual está reconciliado por causa de Cristo.
Entretanto, os homens imaginam que, depois que Cristo fez a sua parte, cumpre igualmente a nós realizar nossa parce­la. Julgam que o esforço conjugado de Cristo e do homem é que efetua a reconciliação. Para as seitas, reconciliação é isto: o Salvador fez com que Deus se mostrasse disposto a salvar os homens, desde que estes, por sua vez, se demonstrem dis­postos a serem reconciliados. Esse, contudo, é um antievangelho. Deus está reconciliado! Por isso, Paulo roga que nos reconciliemos com Deus (2 Co 5.20). Isso equivale a dizer: Deus está reconciliado com vocês por causa de Jesus Cristo! Por isso, agarrem-se à mão que o Pai celeste está es­tendendo. Além disso, o apóstolo declara: "Um morreu por todos, logo todos morreram" (2 Co 5.14). Isso vem a signifi­car: Cristo morreu pelos pecados de todos os homens; logo, a morte de Cristo é como se todos os homens tivessem morrido em pagamento do resgate de seus pecados. Por isso, da parte do homem nada se requer com vista à reconciliação; Deus já está reconciliado. A justificação já é uma realidade, não cabe ao homem tratar de consegui-la. Toda tentativa do homem, nesse sentido, é um crime horrendo, uma luta contra a graça, contra a reconciliação e a perfeita redenção do Filho de Deus.
{O “Antievangelho”, armadilha sutil à espreita de cada pregador tentando a avaliar as  “demonstrações”de fé de seus ouvintes no sermão.}
Segundo: As seitas erram no que ensinam a respeito da fé. Consideram o evangelho uma mera instrução que mostra ao homem o que deve fazer para que receba a graça de Deus. Isto está errado; o evangelho não é outra coisa senão a mensagem de Deus ao homem, que diz: "Vocês foram redimidos de seus pecados; vocês estão reconciliados com Deus; seus pecados estão perdoados".
{O evangelho é a afirmação de Deus de salvação incondicional que o pregador cristão deve aos que ouviram a lei.}
Terceiro: As seitas erram no que ensinam a respeito da fé.
Consideram-na uma qualidade dentro do homem, que tem por objetivo aperfeiçoá-la. E pelo fato de a fé aperfeiçoar, melho­rar o homem é que eles a julgam tão importante e salutar.
É evidente que não se pode negar que a fé genuína trans­forma o homem completamente. A fé faz com que o amor inun­de o coração humano. Onde há fogo, há calor; do mesmo modo, onde existe fé, é inevitável que haja amor. Todavia, não é esse aspecto da fé que nos justifica, que nos dá o que Cristo já adquiriu para nós e que, portanto, já é nosso, desde que seja aceito. Para a pergunta: "Que devo fazer para que seja salvo?" a Escritura tem a seguinte resposta: "Você deve crer; não resta nada que você mesmo possa fazer". Foi assim que o apóstolo respondeu a essa pergunta. O que ele disse ao carcereiro na realidade foi isto: "Nada lhe resta a fazer senão aceitar o que Deus fez por você; você vai recebê-lo e será uma pessoa fe­liz" .
{A fé produz o amor. Mas não é esse aspecto da fé que nos justifica, que nos dá o que Cristo já adquiriu para nós e que, portanto, já é nosso. As pessoas devem ser asseguradas da sua paz com Deus, não porque amam muito Deus, mas porque confiam no amor de Deus.}
Nenhuma doutrina da Igreja Evangélica Luterana é mais repulsiva aos reformados do que a doutrina que afirma que a graça de Deus, o perdão dos pecados, a justiça diante de Deus, a salvação eterna são obtidos exclusivamente através da con­fiança que o cristão deposita na palavra escrita, no batismo, na santa ceia e na absolvição. Os reformados argumentam que este caminho para o céu é por demais mecânico e, por isso, denunciam a doutrina luterana. Eles dizem: "De que adianta comer e beber o sangue natural de Cristo? O verdadeiro ali­mento que mata a fome e a verdadeira bebida que mata a sede da alma é a verdade que desceu do céu". Por último, dizem: "De que me adianta um homem mortal, pecador, que não pode sondar o meu coração, afirmar que meus pecados estão perdo­ados? Meus pecados somente são perdoados, quando o pró­prio Deus diz a meu coração que estou perdoado e permite que eu sinta essa verdade".
 O batismo, segundo a Escritura Sagrada, não é um mero lavar com água terrena. O Espírito de Deus, sim, o próprio Jesus com seu sangue está ligado a esta água para purificar-­me dos meus pecados. Por essa razão, Ananias diz a Saulo: "Recebe o batismo e lava os teus pecados" (At 22.16); e Jesus diz a Nicodemos: "Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus" (J o 3.5). Ele menciona em primeiro lugar a água e então o Espírito. Isso, porque é através deste batismo com água que me é concedido o Espírito.
Em Gálatas 3.27, O apóstolo afirma clara e inequi­vocadamente: "Pois todos quantos fostes batizados em Cris­to, de Cristo vos revestistes"; e em Tito 3.5-7: "Deus, segun­do sua misericórdia, nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador de Espírito Santo, que ele der­ramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo nos­so Salvador, a fim de que, Justificados por graça, nos tornemos seus herdeiros, segundo a esperança da vida eter­na. Fiel é esta palavra".
Segundo a Escritura Sagrada, a santa ceia não é uma ceia terrena, mas uma ceia celestial na terra, na qual recebemos não apenas pão e vinho, ou apenas o corpo e sangue de Cristo, mas, junto com estes, nos são dados e assegurados o perdão dos pecados, vida e salvação. "Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória minha". Com as palavras "por vós" Cristo quer alertar os discípulos para o fato de que, na­quele momento, eles estavam recebendo e comendo aquele corpo cuja morte na cruz resgataria o mundo inteiro. Ele quer alertá-los para o fato de que eles deveriam estar saltando de alegria e contentamento, visto que o resgate pago pelos peca­dos de todo o mundo lhes estava sendo, por assim dizer, colo­cado na boca. Ao entregar o cálice que abençoara, Cristo dis­se: "Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós". Por que razão acrescentou ele as palavras "derramado por vós?" É que ele queria dizer: "Ao receber, nes­ta santa ceia, o sangue de redenção, vocês estão, ao mesmo tempo, recebendo o que foi adquirido na cruz através deste sacrifício. "
{Ele quer alerta-los para o fato de que eles deveriam estar saltando de alegria e contentamento, visto que o resgate pago pelos pecados de todo o mundo lhes estava sendo, por assim dizer, colocado na boca.}
Por último, de acordo com a Escritura Sagrada, a absolvi­ção anunciada por um pobre e pecaminoso pregador não é sua absolvição, mas a absolvição do próprio Jesus Cristo. Isso por­que o pregador absolve em função da ordem de Cristo, em lugar de Cristo, em nome de Cristo. Cristo disse a seus discí­pulos: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 20. 21). Qual é o significado dessas palavras? Simples­mente este: "Eu fui enviado por meu Pai. Quando eu me dirijo a vocês, estas minhas palavras são as de meu Pai. Vocês não devem levar em conta a forma humilde em que me apresento. Eu venho em nome do Pai, em lugar do Pai, e as promessas que faço são palavras de meu Pai. Do mesmo modo como meu Pai me enviou, eu estou enviando vocês. Vocês também de­vem falar em meu nome, em meu lugar". Por isso, ele acrescenta: "Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perda ardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos".
O Espírito Santo vem aos homens através da palavra. Um indivíduo pode imaginar que está cheio do Espírito a ponto de transbordar, quando, na verdade, tudo não passa de seu pró­prio espírito que está imbuído de fanatismo. O verdadeiro Es­pírito é recebido apenas mediante a palavra de Deus. Em cada passagem da Escritura Sagrada, em que se relata a conversão de pessoas, vemos que Deus quer tratar com o homem apenas mediante palavra e sacramentos.
A uma pessoa que está em condições de ouvir, posso anun­ciar o evangelho mediante palavras. Em se tratando de uma pessoa surda, que não pode ser atingida por palavras, posso atingir meu alvo, tomando um quadro do nascimento de Cristo com os anjos saindo dos céus, ou um quadro da sua crucifica­ção. Por meio de gestos, posso instruir o surdo sem dizer uma única palavra. É exatamente isso que Deus faz nos sacramen­tos; estes, por assim dizer, nos apresentam, através de um qua­dro, aquilo que Deus proclama de modo audível na palavra. "Os sacramentos são a palavra visível". O autor desse belo axioma é Agostinho. Por esse motivo, quem deprecia e des­preza os sacramentos, na verdade, está desprezando a própria palavra. Ridiculariza a Deus, fazendo com que ele não passe de um inditoso mestre de cerimônias, que nos prescreveu toda sorte de pantomimas apenas para exercitar nossa fé.
As assim denominadas igrejas protestantes que se encon­tram fora do círculo da Igreja Evangélica Luterana, nada sa­bem do verdadeiro acesso ao perdão dos pecados que se dá através da palavra e, de modo mais generalizado, através dos meios da graça. Isso se demonstra, em especial, no fato de rejeitarem a absolvição que o pastor anuncia em público e no aconselhamento pastoral privado. Essas assim denominadas igrejas protestantes afirmam que, de todas as igrejas protes­tantes, a que menos foi reformada é precisamente a Luterana. Isto porque, segundo eles, a Igreja Luterana ainda conserva muito do fermento da Igreja Romana, sendo que o pior de tudo é a absolvição.
{Da mesma forma deve-se dize: O pregador luterano que sonega aos seus ouvintes, ou não recebe nesta graça, ampla, incondicional, esta induzindo o menosprezo a graça à qual deve conduzir os seus ouvintes uma vez que tenha ouvido a lei de Deus.}
Contudo, o que nós ensinamos é completamente diferente do que aquilo que eles pensam. Ensinamos que "o ofício das chaves é o poder peculiar que Cristo deu à sua igreja na terra, para perdoar os pecados aos pecadores penitentes e reter os pecados aos impenitentes, enquanto não se arrependerem". Convém notar esta frase: "o poder peculiar que Cristo deu à sua igreja!" Essas palavras deixam claro que este poder foi dado, não aos pregadores, mas, sim, à igreja. Os pregadores não são a igreja; eles são servos da igreja. Se eles são cristãos, também são detentores do ofício das chaves, juntamente com os demais cristãos. Entretanto, o ofício das chaves não é ex­clusividade dos pregadores; ele pertence à igreja, a cada um dos membros da igreja. O mais humilde empregado possui as chaves, tanto quanto o mais estimado superintendente geral.
Os luteranos praticam a absolvição baseados nos seguin­tes fatores:
1. Cristo, o Filho de Deus, tomou sobre si e atribuiu a si todos os pecados de cada um dos pecadores, considerando-os como sendo seus próprios pecados. Por esse motivo, João Ba­tista aponta para Cristo, dizendo: "Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!" (J o 1.29)
2. Cristo, através de sua vida humilde, seu sofrimento, cru­cificação e morte, apagou os pecados e adquiriu remissão de todos eles. Nenhum homem foi excluído desse plano, desde Adão até o último que vier a nascer sobre a face da terra.
3. Ressuscitando a Jesus dentre os mortos, Deus Pai con­firmou, colocou o selo da aprovação sobre a cruz. Através da ressurreição de Cristo, Deus declarou: "Sobre a cruz, este meu Filho clamou: 'Está consumado'; e eu agora anuncio: 'Está con­sumado de fato!' Vocês, pecadores, estão salvos. Há perdão de pecado para todos. O perdão já é uma realidade; não lhes resta mais nada a fazer".
4. Cristo ordenou que se pregasse o evangelho a toda a criatura. Ordenou, também, que se pregasse perdão de peca­dos a todos os homens e que se lhes levasse a boa notícia: "Tudo o que é necessário para a salvação de vocês já foi feito. Se vocês perguntam: 'que devemos fazer para que sejamos salvos?’ então lembrem-se de que tudo já foi feito. Nada mais resta a fazer. Basta que vocês creiam que tudo isso foi feito por vocês, e vocês serão salvos".
5. Cristo não apenas ordenou que seus apóstolos e sucessores de ofício pregassem o evangelho e o perdão dos pecados em geral, mas, também, que anunciassem este doce conforto:
"Você está reconciliado com Deus" a indivíduos que desejam ouvi-lo em particular. Porque, se o perdão de pecados foi ad­quirido para todos, então ele também o foi para cada um indi­vidualmente. Se eu posso oferecê-lo para todos, posso igual­mente oferecê-lo a cada um em particular. Não somente posso fazê-lo; foi-me ordenado que o fizesse. Caso me negar a fazê­10, serei um servo de Moisés e não um servo de Jesus Cristo.
6. Agora que o perdão dos pecados já foi adquirido, não somente o pastor está, de modo especial, incumbido de sua proclamação; cada cristão, homem ou mulher, adulto ou criança, tem a incumbência de fazê-lo. A absolvição anunciada por uma criança é tão segura como a de S. Pedro, sim, tão certa como a absolvição do próprio Cristo, caso ele novamente estivesse diante dos homens de modo para anunciar: "Seus pecados estão perdoados". Não há diferença alguma; o que importa não é o que o homem pode fazer, mas o que já foi feito por Cristo.
{A absolvição na boca de cada cristão e cristã é tão segura como a absolvição de S. Pedro, sim, tão certa como a absolvição do próprio Cristo... o que importa não é o que o homem pode fazer, mas o que já foi feito por Cristo.}
A remissão dos pecados não se fundamenta em algum po­der misterioso do pastor, mas, sim, no fato de que Cristo, mui­to tempo atrás, tirou os pecados do mundo e que, agora, cada um está incumbido de falar a seu semelhante a respeito disso. É claro que esta é uma incumbência que compete, de modo especial, aos pregadores, todavia não em virtude de algum poder inerente a eles, mas porque Deus instituiu seu oficio para a administração dos meios da graça: palavra e sacramen­tos. É evidente que, numa emergência, um leigo tem autorida­de para realizar o que um prelado ou um superintendente faz, e isto de modo legítimo e eficaz.
{O Ofício do ministério exite em função do seu objetivo: para administração dos meios de graça ou levar os pecadores à certeza de Deus em Cristo Jesus.}
A contrição é necessária, todavia não para servir de meio para a aquisição do perdão dos pecados. Se eu sou um orgu­lhoso fariseu, por que haveria de me preocupar com o perdão dos pecados? Minha atitude será idêntica à do glutão, saciado, que despreza a melhor comida e bebida que lhe são ofereci­das.
Convém que não interpretemos mal a Lutero. Ele não ofe­receu o consolo do evangelho a pecadores que viviam em se­gurança carnal; para esses, ele não tinha nada de conforto a dar. Mas quando se tratava de uma pessoa contrita e que ansiava pelo perdão dos pecados, ele prontamente dizia: Aqui está o perdão; aceite-o e você o terá.
Lutero está igualmente certo, quando aconselha que não se deve procurar investigar a respeito da qualidade ou da sufici­ência da contrição. Isto porque qualquer um que quer deposi­tar nisso sua confiança, fatalmente estará edificando sobre areia. Pelo contrário, o que o indivíduo deve fazer é louvar a Deus pelo fato de já ter recebido a absolvição; e então sua contrição também será boa. Não devemos fundamentar a validade de nossa absolvição sobre a contrição; ao contrário, a contrição é que deve fundamentar-se na absolvição.
Lutero insiste em que se tenha fé nas palavras de Cristo:
"Seus pecados estão perdoados". Duvidar dessa afirmação equivale a fazer Cristo de mentiroso. Mesmo que o pastor anun­ciasse o perdão a uma tal pessoa por dez vezes consecutivas, isto de nada lhe adiantaria. Não podemos auscultar os cora­ções das pessoas. Mas isso também não é de todo necessário. O que devemos fazer é voltar os nossos olhos tão somente para a palavra de nosso Pai celeste, a qual nos informa que Deus absolveu todo o mundo. E esse fato nos dá a certeza de que todos os pecados de todos os homens foram perdoados.
Isto vale, também, para o malfeitor da pior espécie que planeja um arrombamento para roubar e saquear? Há perdão para este? É evidente! O motivo, porém, por que esta absolvi­ção de nada lhe aproveita é que ele não aceita o perdão que lhe é oferecido; ele não crê na sua absolvição. Se ele desse crédito ao Espírito Santo, deixaria de roubar.
Seria correto dar a absolvição a um patife desta espécie? Se você souber quem é, estará errado, pois você sabe, de ante­mão, que ele não vai aceitar o perdão. Estar consciente disso e, mesmo assim, administrar-lhe o sagrado ato da absolvição, implica cometer um grande e terrível erro. Entretanto, a absol­vição em si sempre é válida. Se Judas tivesse ouvido a mensa­gem do perdão, Deus teria perdoado os seus pecados; contu­do, teria sido necessário que ele aceitasse o perdão. Para obter esse grande tesouro que é o perdão, deve haver alguém que o conceda e um outro alguém que o receba. Uma pessoa des­crente pode pensar e até mesmo afirmar que aceita o perdão, todavia em seu coração ela está determinada a levar adiante A última parte da nona tese nos mostra, em especial, que a palavra de Deus não é aplicada corretamente "quando ... se in­dica o caminho das orações e lutas com Deus aos pecadores que foram atingidos e atemorizados pela lei, para que, dessa maneira, alcancem o estado da graça. Em outras palavras: quan­do lhes é dito que devem permanecer em oração e luta até sentirem que Deus os recebeu em sua graça.
Há pessoas que se consideram cristãos fiéis quando, na re­alidade, são espiritualmente mortos. Nunca sentiram uma ver­dadeira angústia por causa dos seus pecados. Nunca foram ater­rorizados por causa deles; o inferno que merecem jamais os amedrontou. Nunca caíram de joelhos diante de Deus, choran­do amargamente sua terrível, maldita condição sob o jugo do pecado. Muito menos ainda choraram de alegria e glorifica­ram a Deus por sua misericórdia. Lêem e ouvem a palavra de Deus sem que esta lhes cause um impacto especial. Vão ao culto, recebem a absolvição, contudo não se sentem reconfor­tados; participam da santa ceia sem sentir absolutamente nada, permanecendo frios. Quando, esporadicamente, em seu ínti­mo, passam a preocupar-se com sua indiferença em assuntos pertinentes à salvação e com sua falta de consideração para com a palavra de Deus, então procuram acalmar seus cora­ções, dizendo que a Igreja Luterana ensina que a falta de sen­timento não quer dizer nada. Argumentam que essa falta de sentimento não vai prejudicá-los e que, apesar disso, continu­am sendo fiéis cristãos, porque julgam que têm fé.
Entretanto, eles estão terrivelmente enganados. Quem se encontra na situação acima descrita, não tem nada além de uma fé morta, uma fé no intelecto, uma fé ilusória, ou - para ser mais drástico - uma fé apenas de boca. Seus lábios dizem, "eu creio", mas o coração não está consciente disso. O indiví­duo que não pode afirmar, conforme o Salmo 34.8, que ele provou e viu que o Senhor é bom, este não deve afirmar que se encontra no estado da fé verdadeira. Além disso, o apóstolo Paulo diz (Rm 8.16): "O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus". É possível que o Espírito Santo testifique dentro de nós sem que o sintamos? Diante dum tribunal, a testemunha deve falar de um modo que possi­bilite ao juiz ouvir o que ela está dizendo. O mesmo é necessá­rio em nosso caso. De acordo com a palavra de Deus, quem nunca sentiu o Espírito testemunhando que ele é filho de Deus, este é espiritualmente morto. Ele não pode apresentar teste­munho a seu favor e erra quando, apesar de tudo, se considera um fiel cristão.
        {A fé como experiência interior da misericórdia de Deus se traduz em paz e alegria.}
Romanos 5.1: Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. A paz obje­tiva, estabelecida através do sangue de Cristo, já é uma reali­dade antes mesmo de nossa justificação. Logo, o apóstolo deve estar falando de uma paz que se percebe, sente e experimenta.
Romanos 14.17: Porque o reino de Deus não é comida e nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo. O apóstolo não se refere a uma alegria mundana ou carnal, mas, sim, à alegria no Espírito. Quem experimentou todas as de­mais, menos a alegria no Espírito, este é espiritualmente mor­to.
O exemplo que temos na vida dos santos vem ao encontro desse ponto de vista. Seus corações continuamente irrompiam em louvores a Deus por tudo o que Deus fizera com eles. Esse louvor pressupõe que seus corações estavam conscientes da misericórdia do Senhor para com eles. Poderia ter Davi excla­mado: "Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e tudo o que há em mim bendiga ao seu santo nome. Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nem um só de seus benefícios. Ele é quem perdoa todas as tuas iniqüidades; quem sara todas as tuas enfermidades" sem que para tanto tivesse tido uma ex­periência interior?
{....seu coração se comove toda vez em que lhe vem à mente o amor de seu  Salvador. Por outro lado, ele também dirá que , apesar certeza de ter alcançado a graça, ele é frequentemente sobressaltado por temores e angustias em vista da lei.}
Por último, pergunte a qualquer indivíduo que apresenta todas as características de um cristão fiel, se ele experimentou todas essas coisas das quais ele fala, e você verá que sua res­posta vai ser afirmativa. Ele vai assegurar-lhe que seu coração se comove toda vez em que lhe vem à mente o amor de seu Salvador. Por outro lado, ele também dirá que, apesar da cer­teza de ter alcançado a graça, ele é freqüentemente sobressal­tado por temores e angústias em vista da lei.
            Muitas pessoas afirmam que, para obter a certeza do perdão dos pecados, é necessário que se ore, lute e faça um em­penho tal até que, finalmente, um sentimento de alegria brote no coração do indivíduo, indicando, de um modo misterioso, que a graça está em seu coração e que agora ele pode conso­lar-se com o perdão de seus pecados. Quem afirma isso, faz uma grave confusão entre lei e evangelho. Por outro lado, a graça propriamente dita nunca está no coração do homem, mas, sim, no coração de Deus. Em primeiro lugar, a pessoa deve crer; depois disto ela poderá igualmente sentir. O sentimento provém da fé, e nunca o inverso. Se a fé do indivíduo provém do sentimento, esta certamente não será a fé genuína; porque a fé requer uma promessa divina à qual ela se apega. Logo, podemos estar certos da genuinidade de fé daqueles que po­dem dizer: "Nada no mundo tem tanto valor para mim quanto o precioso evangelho. Sobre este eu edifico minha vida".
                {O Sentimento provém da fé, e nunca o inverso. ... podemos estar certos da genuidade de fé daqueles que podem dizer: “Nada no mundo tem tanto valor para mim quanto o precioso evengelho. Sobre este eu edifico minha vida”.}
1 João 3.19,20: E nisto conheceremos que somos da ver­dade, bem como, perante ele, tranquilizaremos o nosso coração,' pois, se o nosso coração nos acusar, certamente, Deus é maior do que nosso coração e conhece todas as cousas. Há momentos em que o cristão sente a acusação de seu coração. Na tentativa de tranqüilizá-lo, uma voz lhe dirá que ele não passa de um condenado, que não há perdão de pecados nem misericórdia para ele, que ele não é filho de Deus e que, portanto, não pode contar com a vida eterna. Para aque­le que passa por essa experiência, o apóstolo diz: "Se o nosso coração nos acusar, certamente Deus é maior do que nosso coração" . Isto significa: O nosso coração na verdade é um juiz; todavia, não passa de um juiz subalterno. Um juiz superior, isto é, Deus está acima do nosso coração. Por esse motivo, posso dizer a meu coração: "Tranqüiliza-te!"; e à minha consciência: "Cala-te!" E isso porque apelei ao supremo tribunal e inquiri de Deus, o Supremo Juiz, se estou livre de meus pecados ou não; e o supremo tribunal, que sempre pode alterar a sentença de um tribunal de instância inferior, decretou que meus pecados estão perdoados, porque estou apegado à palavra de Deus. Feliz é aquele que, pela graça de Deus, realmente crê nisso! Ainda que todos os demônios gritem desde o inferno: "Você está condenado!", ele pode responder-lhes: "De maneira ne­nhuma; eu não estou condenado mas, sim, estou salvo para sempre. Aqui está a evidência escrita na palavra de Deus". E a seu tempo, a sensação da graça voltará a tomar conta de sua vida. É possível que, no preciso instante em que determinado cristão imagina que lhe falta o sentimento, ele não passa de um indivíduo frio, morto, miserável, perdido, para quem a palavra de Deus tem gosto de podridão, que não aprecia o perdão e carece do testemunho do Espírito dentro de si - é possível que, num momento desses, inesperadamente, um sentimento de gran­de alegria inunde seu coração. Deus não permitirá que ele fi­que no lamaçal do desespero.
Deve ficar claro, entretanto, que não podemos prescrever normas para Deus. Existe uma grande diferença de cristão para cristão. Alguns têm a ventura de serem conduzidos por Deus através de um caminho sem muitos obstáculos; desfrutam uma sensação agradável contínua e nunca são sobressaltados por fortes conflitos. Porque as pessoas que notam que suas experi­ências harmonizam com a palavra de Deus, não precisam mais lutar por essa harmonia. Outros, entretanto, são quase que con­tinuamente conduzidos por Deus através de caminhos tene­brosos, caminhos de grande angústia, tremendas dúvidas e afli­ções as mais diversas. Neste último caso, devemos saber dis­tinguir entre aquele que é espiritualmente morto e aquele que está aflito. Essa distinção não é difícil. Se eu me preocupo com a falta de um maior sentimento da graça em minha vida, e se eu o desejo ansiosamente, esse fato vem provar que eu sou cristão. Porque aquele que deseja crer, já é crente. Ou seria possível que alguém se mostrasse disposto a crer em algo que ele considera falso? Ninguém deseja ser iludido. Tão logo eu desejo crer em algo, eu, na verdade, já estou crendo, secretamente.
{Deus não estabeleceu um cristão padrão. Pregar tendo em vista um cristão “ideal” em qualquer aspecto contradiz o ensinamento do evangelho. Deus decidiu aceitar todos e conceder a cada um dons diferentes que se desenvolvem na experiência da fé.}
João 20.29: Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-­aventurados os que não viram e creram. A admoestação que o Senhor dirige a Tomé mostra que, em primeiro lugar, devemos crer para somente então ver, e não primeiramente querer ver para crer. Se isso é assim, então também fica claro que não devemos, em primeiro lugar, sentir, mas crer e então esperar que Deus nos conceda a doce sensação de que nossos pecados nos foram tirados.
Hebreus 11.1: Ora, a fé é a certeza de causas que se espe­ram, a convicção de fatos que se não vêem. Se essa é a defini­ção de fé, a saber, uma confiança inabalável, segura, um não duvidar, não vacilar, então é evidente que essa fé não deve ser baseada se vê, sente e experimenta. Se assim for, estaremos edificando sobre a areia. E a estrutura edificada sobre a areia desmorona em pouco tempo.
O grande erro que todas as seitas têm em comum é o se­guinte: elas confiam, antes de tudo, naquilo que se passa em seu íntimo ao invés de confiar unicamente em Cristo e sua palavra. Via de regra, imaginam que tudo está bem em suas vidas, porque se converteram. Como se isso fosse garantia de que se vai alcançar o céu! Para essa garantia ter certeza não devemos voltar nossos olhos para a nossa conversão; ao con­trário, devemos, sempre de novo, dia após dia, recorrer ao nosso Salvador como se, na verdade, nunca tivéssemos sido conver­tidos. Minha conversão no passado de nada me adiantará, se eu me transformar num pecador impassível. Devo dirigir-me diretamente ao trono da graça. Caso contrário, isto é, se depo­sitar a confiança em minha conversão, que se deu no passado, estarei fazendo com que essa conversão seja meu salvador. Isso seria terrível; porque, em última análise, eu mesmo seria meu salvador.
O TRABALHO PASTORAL VISA A PROMOVER A FÉ MA PROMESSA DE DEUS. ENTÃO, DEUS CONCEDE AO OUVINTE A DOCE SENSAÇÃO DE QUE SEUS PECEDOS FORAM TIRADOS.

10ª TESE
Em sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o pregador descreve a fé de um modo que a entender que uma mera aceitação passiva de certas verdades justifica e salva diante de Deus, mesmo que se esteja vivendo em pecado mortais; ou; também, quando se dá a entender que a fé justifica e salva, porque produz o amor e transforma a vida das pessoas.
{“Jamais passou pela cabeça de Lutero apregoar uma fé que somente devesse crer o que a igreja crê (Edição ampliada)}
Lutero ensinava que todo aquele que desejava ser salvo deveria ter uma fé que se manifestasse em amor espontâneo e fosse operosa em boas obras. Isto não significa que a fé salva em virtude do amor que emana dela, mas, sim, que a fé, que é obra do Espírito Santo e não pode senão manifestar-se através de boas obras, justifica pelo fato de se apegar às graciosas promessas de Cristo, pelo fato de apreender a Cristo. Ela se manifesta em boas obras, precisamente, por se tratar da fé ver­dadeira. Não é preciso que se exorte um cristão à pratica de boas obras; sua fé as fará espontaneamente. A motivação, nes­se sentido, não deve ser um senso de dever em relação ao perdão dos pecados; a questão simplesmente é esta: ele não pode de modo diferente. É absolutamente impossível que a fé verdadeira no coração do crente não se manifeste em amor e boas obras.
{A fraca manifestação das obras de amor na vida do cristão evidencia, ou pobreza na afirmação do evangelho ou resistência à manifestação da graça de Deus.}
Gálatas 5.6: Porque, em Jesus Cristo, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor. Se a fé é inoperante e não se manifesta em amor, isto não se deve ao fato de haver uma falta de amor, mas ao fato de a fé que existe ser irreal, incorreta. O amor não é algo que deve ser acrescentado à fé; ele emana da fé. Uma árvore frutí­fera não produz frutos, porque alguém lhe ordena que assim seja. Não; enquanto há vitalidade nela; enquanto ela não está seca, ela vai produzir frutos espontaneamente. A fé é uma tal árvore; demonstra sua vitalidade, produzindo frutos.
Atos 15.9: E não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-lhes pela fé o coração. Quem afirma possuir uma fé inabalável, a qual ele nunca abandonará, mas ainda tem o coração impuro, deve saber que ele se encontra em den­sas trevas e que, em última análise, não tem fé. Você pode considerar verdadeiras todas as doutrinas pregadas na Igreja Luterana; contudo, se o seu coração permanece no estado ori­ginal, possuído de amor ao pecado, se você ainda peca contra sua consciência, então saiba que sua fé não passa de simula­ção. Sua fé certamente não é aquela à qual o Espírito Santo se refere, quando emprega o termo 'fé' nas Escrituras Sagradas. Isto porque esta fé - a genuína, a verdadeira - purifica o cora­ção.
João 5.44: Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único? Estas palavras constituem uma terrível sentença do Salvador contra aqueles que procuram a glória dos homens: eles não têm fé. Um dos frutos da fé é precisamente este: a partir do momento em que é implantada no coração, ela faz com que toda a glória seja dada somente a Deus.
Por natureza, todos nós somos arrogantes, orgulhosos e ambiciosos. Somente o Espírito Santo pode banir esta tendência perniciosa de nossos corações. Contudo, nunca nos livramos dela por completo; um resquício de mal permanece no cora­ção. Quando um cristão se dá conta de sua presença, ele o detesta, recrimina a si mesmo, sente-se envergonhado a res­peito de si mesmo e pede a Deus que o livre destas abominá­veis tendências para o orgulho.
As palavras do Salvador são uma pergunta retórica e significam: vocês não podem crer simplesmente, porque crer e bus­car a glória que vem dos homens são duas coisas que não podem existir juntas. Quando a fé toma conta do coração, ela faz com que a pessoa que crê se torne humilde diante de Deus e diante dos homens.
Tiago 2.1: Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor ., Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. Quem considera o rico e despreza o sobre, somente por causa da riqueza daquele, estará levando em conta a aparência das pessoas. E isso é algo que a fé não pode tolerar. O cristão não considera seu semelhante do ponto de vista de sua personali­dade, mas, sim, do ponto de vista de seu relacionamento com Deus. Para ele, um pobre mendigo, que também foi resgatado pelo sangue do Filho de Deus, é tão digno quanto um rei ou um imperador.
Tais milagres são operados pela fé em nossos corações!
       Entretanto, descrever a fé justificadora e salvadora como sendo uma mera aceitação passiva de certas verdades, que pode coexistir a pecados mortais, implica transformar a fé em obra que o próprio homem pode operar em si e conservar den­tro de si, mesmo enquanto está cometendo pecado. A fé verdadeira é um tesouro que somente o Espírito Santo nos pode conceder.
Fé e boa consciência andam de mãos dadas. A pessoa que não tem a consciência tranqüila, certamente carece da fé. De tais pessoas o apóstolo afirma que elas "vieram a naufragar na fé " (l Tm 1.19).
Até mesmo depois de nossa conversão, falta-nos muito do verdadeiro temor de Deus, e todos os nossos pecados continuam sendo pecados de vulto. Mesmo os assim denominados pecados de fraqueza, dos quais o justo não consegue se livrar, não devem ser considerados de pouca importância. Apesar de não extinguirem a fé, não devem ser levados na brincadeira.
A segunda parte desta décima tese afirma que a palavra de Deus, lei e evangelho, não é aplicada corretamente, quando o pregador descreve a fé de um modo que dá a entender que ela justifica e salva, porque produz amor e transforma a vida das pessoas.
 O elemento, o aspecto da fé que justifica e salva o homem, não é a renovação do coração, o amor e as boas obras que ela produz.
Romanos 4.16: Essa é a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja firme a promessa para toda a descendência, não somente ao que está no regime ia lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque "Abraão é pai de todos nós). Justamente esta é a razão por­que ensinamos a justificação pela fé, diz Paulo, porque tam­bém ensinamos que a pessoa é salva e justificada diante de Deus pela graça. Entretanto, se a fé nos justificasse em virtu­de de alguma boa qualidade dentro de nós, seria falsa a conclu­são de que esta é a fé que justifica, tendo em vista que a graça que salva e justifica. A justificação se dá por graça, através ia fé; entretanto, não em função das boas qualidades que acom­panham a fé. Essas não entram em consideração na questão ia justificação. Na justificação, entra em consideração apenas o fato de que Jesus Cristo, há muito tempo, redimiu o mundo, fez e sofreu tudo aquilo que os homens deveriam ter feito e sofrido, bem como o fato de que agora os homens precisam , apenas aceitar essa obra como se tivesse sido realizada por eles próprios. Logo, o caminho da salvação é este: nós não fazemos nada, absolutamente nada para a nossa salvação; Cristo já fez tudo por nós. Basta que nos apeguemos ao que ele fez, busquemos consolo nessa sua obra redentora concluída e confiemos nele para a nossa salvação. Se alguma coisa que nós devemos fazer fizesse parte da fé, à medida que ela nos justifica, então, nesta passagem, o apóstolo estaria tirando uma conclusão falsa.
Filipenses 3.8,9: Sim, deveras considero tudo como per­da, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para conseguir Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus, baseada na fé. O apóstolo declara-se justo. Entretanto, a justiça que ele obteve através da fé não é uma justiça própria, mas, sim, a justiça de Cristo. Logo, se somos justificados pela fé, então o somos através de uma justiça alheia. Deus não vê em nós absolutamente nada que ele pudesse le­var em conta para nossa justificação. Através da fé, recebe­mos a justiça de Alguém Outro. Nós não a conseguimos por nós mesmos, nem contribuímos com algo para que ela viesse a existir.
Romanos 4.5: Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça. Todo aquele que tem fé verdadeira reconhece que, no passado, ele não era nada mais que um Ímpio e que um milagre da graça de Deus aconteceu em sua vida, quando Deus, no momento em que ele creu em seu Salvador, lhe disse: "Você agora é considerado justo. Em você não vejo nada que pudes­se justificar; contudo, eu o envolvo com a justiça de meu Filho e, de agora em diante, não vejo em você outra cousa que não seja justiça". Todo aquele que não vem a Cristo na qualidade de Ímpio, de maneira nenhuma pode vir a ele.
Efésios 2.8,9: Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Estas palavras soam como se o apóstolo sentisse que ainda não tinha dito o suficiente, para evitar que seus leitores se desviassem para o caminho da justi­ça própria. Para começar, ele diz: "Pela graça sois salvos"; então ele acrescenta: "mediante a fé". Temendo que alguém pensasse que adquiriu a graça através da sua fé, o apóstolo continua: "e isto não vem de vós". Donde vem, então? Dom de Deus". E, para eliminar por completo o mérito pessoal, ele acrescenta: "não de obras", tais como o amor, a caridade. E ele conclui, afirmando: "para que ninguém se glorie" .
Romanos 11.6: E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça. O apóstolo esforça-se por esclarecer a questão da graça. Ele leva seus leitores a concluir que, se admitem que sua salvação é "pela graça", ela não pode, de maneira nenhuma, ser pelas obras, pois isso fatalmente des­truiria o conceito "graça". Adicionando-se o mérito à graça, anula-se esta última. Por outro lado, se a salvação é pelo méri­to das obras, então a graça não entra em consideração, pois, se fosse assim, o mérito deixaria de ser mérito. Nada resta ao indivíduo fazer, senão crer firmemente que ele foi declarado justo pela pura, eterna, misericórdia de Deus, através da fé. O fato de sua fé produzir bons frutos vem depois, depois que ele já recebeu tudo o que é necessário para sua salvação. Primei­ramente a pessoa é salva, e só então ela passa a viver uma vida piedosa. Em primeiro lugar, ela deve ser herdeira do céu, e então ela será uma pessoa diferente.
Por este motivo, Lutero diz que a religião cristã é, em resu­mo, uma religião de gratidão. Todo o bem que o cristão reali­za, ele não o realiza para merecer algo. Nós também nem sa­beríamos o que fazer para merecer algo. Tudo já nos foi dado: justiça, nossa herança eterna, nossa salvação. O que nos resta fazer é agradecer a Deus. Deve-se, ainda, considerar que Deus, em sua bondade, se dispõe a conceder uma glória especial, além da salvação, àqueles que são fiéis de modo especial. E isso, na eternidade, não é algo insignificante. Pois quando o Deus do amor concede estes dons de glória, ele os dá sem medida. Na eternidade, haverá uma grande diferença de cris­tão para cristão. Isso porque o insignificante "mais" que um dos santos receber além de seus co-herdeiros, no céu, será algo extremamente significativo, porque será de caráter eterno.
As verdadeiras boas obras são, portanto, aquelas que faze­mos impulsionados pela gratidão a Deus. Quem tem a fé verdadeira nunca vai pensar que merece algo de bom para si em troca do que faz. Ele não pode fazer outra coisa, senão expres­sar sua gratidão em amor e boas obras. Seu coração foi trans­formado; foi mitigado pela riqueza do amor de Deus que ex­perimentou. Além e acima disso, Deus é tão gracioso que re­compensa mesmo as boas que ele realiza em nós. Porque as boas obras que o cristão faz, são, na verdade, obras de Deus.

11ªTESE
Em sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se pretende apresentar o consolo do evangelho somente àqueles que estão contritos pela lei, porque amam a Deus e não porque temem o furo e o castigo de Deus.
Desde a queda em pecado, a lei exerce apenas uma função: levar os homens ao conhecimento do pecado. A lei não tem força para fazer o homem renascer. Este poder está exclusiva­mente no evangelho. Somente a fé opera em amor; a tristeza por nossos pecados não pode fazer com que sejamos ativos em amor. Ao contrário, nós odiamos a Deus, enquanto desconhe­cemos que, em Cristo, ele se tomou nosso Deus e Pai reconci­liado. Se uma pessoa não convertida diz que ama a Deus, ela afirma uma inverdade e está vivendo em terrível hipocrisia, mesmo que não esteja consciente disso. Tudo não passa de uma pretensão ilusória, porque somente a fé no evangelho pode regenerar o homem. Logo, ninguém pode amar a Deus, en­quanto não tem fé. Pervertem-se lei e evangelho, quando se exige que um miserável pecador se atemorize e lamente seus pecados por amor a Deus.
Eis a doutrina bíblica: O pecador deve vir a Jesus tal como está, mesmo que tenha que reconhecer que, em seu coração, só existe ódio a Deus e ignore onde possa haver um refúgio salvador. Um verdadeiro pregador do evangelho mostrará a tal pessoa o quão fácil é ser salvo: Quem reconhece em si um pecador perdido e condenado, que não encontra a ajuda que procura, deve vir a Jesus, com seu coração perverso, com todo o seu ódio contra Deus e sua lei; e Jesus vai recebê-lo assim como ele está. Quando os homens dizem: "Jesus recebe peca­dores", isto representa o máximo para Jesus. O pecador não precisa se tomar uma pessoa diferente, purificar-se, mudar a sua conduta antes de vir a Jesus. A única pessoa que pode transformar a vida dele é precisamente Jesus; e ele o fará, des­de que o pecador creia.
Romanos 3.20: Visto que ninguém será justificado dian­te dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. A lei não produz amor, mas, sim, leva ao pleno conhecimento do pecado. E esse conheci­mento uma pessoa pode ter mesmo sem amar a Deus.
Rm 5.20: Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Muitos pecados se abrigam no coração daquele que ignora a lei. Quan­do, entretanto, a lei lhe é pregada com todo o rigor, quando esta se abate sobre sua consciência com a força de um raio, este indivíduo não vai ficar melhor; pelo contrário, piorará. Ele pas­sará a se opor a Deus, dizendo: "O quê? Eu vou ser condenado eternamente? É verdade, eu sei que sou inimigo de Deus. Mas isso não é culpa minha; que posso eu fazer?" Esse é o resulta­do da pregação da lei. Ela leva o homem ao desespero. Feliz é aquele que foi levado a esse ponto; ele deu um grande passo rumo à sua salvação. Ele aceita o evangelho com grande ale­gria, enquanto que outros, que nunca tiveram uma experiência I semelhante, ao ouvirem o evangelho, bocejam e dizem: "Este é de fato um caminho fácil para chegar ao céu!" Somente um pecador miserável, que se encontra à beira do desespero, re­conhece quão boa notícia é o evangelho e o aceita com júbilo. Leia também as passagens de Rm 4.15; 7.7-8; Gl3.21; 2 Co 3.6.
Alguns exemplos da Escritura, que relatam com exatidão o procedimento de certas pessoas antes da conversão e depois que receberam a fé, ilustram esses textos bíblicos.
No primeiro Pentecostes cristão, estava reunida uma gran­de multidão que ouviu a mensagem do apóstolo Pedro. O con­teúdo central de sua mensagem foi este: "Vocês assassinaram o Messias, Jesus de Nazaré. Preparem-se para o juízo de Deus!" Eles haviam acompanhado todo o discurso de Pedro, contudo, no momento em que este lançou a acusação contra eles, inquietaram-se, por ação do Espírito Santo. O relato diz que "compungiu-se-lhes o coração". Eles chegaram à conclu­são: "Se nós fizemos isto, então estamos perdidos". Nada nos é relatado de que tenham dito: "Oh, lamentamos muito o fato de termos ofendido o nosso Deus fiel". Foi o medo e terror, e não o amor a Deus, que os fez clamar: "Que faremos, irmãos?" E o apóstolo também não lhes disse: "Estimado povo, vamos pri­meiramente investigar se sua contrição é proveniente do amor a Deus ou do medo do castigo e do inferno que vocês mere­cem". Ele lhes disse: "Arrependam-se, e cada um seja batizado em nome de Jesus Cristo, para que sejam perdoados". E eles foram batizados imediatamente. A mudança em sua mente consistiu nisto: agora não mais desejavam ser assassinos de Jesus, mas, sim, queriam crer nele. Assim sendo, os apóstolos os receberam e eles foram contados entre a congregação dos que eram salvos.
O exemplo do carcereiro de Filipos também ilustra este fato. Imaginando que todos os prisioneiros haviam fugido durante o terremoto, ele foi tomado de desespero e estava por suicidar­-se. Então Paulo gritou: "Não faça isso! Todos nós estamos aqui!" Desfigurado e trêmulo, ele caiu aos pés dos apóstolos, implorando: "Senhores, que é que eu devo fazer para me sal­var?" Tão-somente medo e terror levaram-no a proceder as­sim. E Paulo não lhe diz: "Primeiramente você deve estar contrito por amor a Deus", mas, sim: "Creia no Senhor Jesus, e você será salvo - você e sua família".
Saulo passou pela mesma experiência. Quando o evange­lho, com seu poder, penetrou seu coração, este miserável ho­mem foi arrancado da miséria e desolação em que se encontra­va. E a este pecador, a princípio aterrorizado e arrasado, mas agora já consolado, o Senhor não prescreve outra cousa senão que, ao invés de persegui-lo, deveria agora passar a confessá­-lo. Deveria também receber o batismo como selo do perdão dos seus pecados.
Quando vocês pregam, não sejam econômicos em relação ao evangelho; levem o conforto evangélico a todos, mesmo aos pecadores da pior espécie. Se eles estão perturbados por causa do furor de Deus e do inferno, estarão suficientemente preparados para receber a mensagem do evangelho. É verda­de, isso entra em choque com nossa razão. Julgamos estranho que se deva oferecer o conforto do evangelho a tais malandros imediatamente; em nossa concepção, eles deveriam antes pas­sar por uma maior agonia em suas consciências.
Uma das passagens da Escritura que freqüentemente é in­terpretada mal é 2 Coríntios 7.10: "Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte". Pensa-se que a "tristeza segundo Deus" é aquela que procede da contrição por amor a Deus. Isso está errado. O apóstolo fala da tristeza que não é produzida pelo próprio homem, mas que é resultan­te da ação de Deus nele, através da palavra. Outra grave per­versão da doutrina cristã é esta: Diz-se ao pecador que ele deve experimentar contrição; quando ele pergunta o que deve fazer para que isto aconteça, responde-se-lhe que deve sentar, medi­tar e procurar fazer com que o arrependimento brote, emane de seu coração. Não existe ninguém em todo o mundo que possa realizar a contrição em si mesmo. Requer-se tristeza segundo Deus, porque se requer fé. Deus quer produzir essa tristeza, atemorizando-nos. A contrição não é uma boa obra que nós fazemos; é algo que Deus realiza em nós. Deus vem com o martelo da lei e atinge nossa alma. Quem quer entriste­cer-se a si mesmo, este tende a aumentar cada vez mais esta tristeza por causa do pecado. Mas, quem está possuído da ver­dadeira tristeza, este anseia por se ver livre dela novamente.
As Confissões Luteranas têm, para miseráveis pecadores, o doce conforto, o qual diz que, no momento em que Deus lhes concedeu a bênção de estarem preocupados por causa de seus pecados, eles já estão preparados para se aproximarem do trono da graça, onde receberão perdão - o verdadeiro remé­dio para seus males. Eles devem efetivamente estar contritos; contudo, não com o propósito de, através da contrição, adqui­rir algum mérito, mas, sim, para que possam, com alegria, acei­tar o que Jesus lhes oferece.
Quando a lembrança dos meus pecados, quando a realida­de do inferno, da morte e da condenação me atemorizam; quan­do percebo que Deus está irado comigo e que, estando sob sua ira, fatalmente estou condenado por causa de meus pecados ­então estou experimentando a tristeza segundo Deus, que pode me levar à mesma situação em que se encontrava Lutero antes de ter o conhecimento correto do evangelho. Uma tal tristeza vem de Deus. Quando, por outro lado, um fornicador, um farrista, um beberrão se entristece, porque jogou fora os belos anos de sua juventude, arruinou sua saúde, envelheceu prema­turamente - ele não experimenta outra coisa senão a tristeza deste mundo. Quando uma pessoa orgulhosa se entristece por seus pecados tão-somente porque estes fizeram com que per­desse parte de seu prestígio; quando o ladrão lamenta sua con­duta, porque esta o levou à prisão - eles estão experimentando a tristeza do mundo. Entretanto, quando alguém está aflito por seus pecados, porque vê diante de si o inferno, onde será cas­tigado pelo fato de ter insultado o santo Deus, ele está triste segundo Deus, desde que essa tristeza não tenha sido produzi­da pela imaginação e esforço próprio do indivíduo. A genuína tristeza segundo Deus é obra exclusiva de Deus.


12ªTESE
Em oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o pregador descreve a contrição, ao lado da fé, como sendo a causa do perdão dos pecados.
É inquestionável que a contrição é necessária para que al­guém receba perdão para seus pecados. Na primeira oportuni­dade em que o Senhor exerceu seu ministério publicamente, ele anunciou: "Arrependei-vos e crede no evangelho". Em pri­meiro lugar, ele cita o arrependimento. Sempre que o termo 'arrependimento' é apresentado em oposição à fé, ele não de­signa outra cousa senão contrição. Quando Cristo se reuniu com seus apóstolos pela última vez, ele lhes disse: "Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia e que em seu nome se pregasse arre­pendimento para remissão dos pecados" (Lucas 24.46,47). Por que se requer o arrependimento? Não basta a fé? Nosso Se­nhor expõe o motivo, dizendo: "Os sãos não precisam de mé­dico, e sim os doentes ... não vim chamar justos e sim pecado­res" (Mateus 9.12,13). Com essas palavras, o Senhor deixa claro que a contrição é absolutamente necessária, pois, sem ela, ninguém está em condições de ser levado à fé. Ele está satisfeito e despreza o convite para as bodas celestiais. Já Salomão afirma em um de seus provérbios: "A alma farta pisa o favo de mel" (Provérbios 27.7). Onde não se tem fome e sede espirituais, ali também não se aceita o Senhor Jesus. En­quanto o indivíduo não reconhece em si um pecador miserá­vel, perdido e condenado, ele fará pouco caso do Salvador dos pecadores.
Entretanto, a contrição não é causa do perdão dos pecados. A contrição é necessária, não por causa do perdão dos peca­dos, mas por causa da fé, que apreende o perdão dos pecados. Por que afirmamos que é confusão entre lei evangelho ensinar que a contrição é a causa do perdão dos pecados? Pelas se­guintes razões:
l.Contrição é um efeito unicamente da lei. Dizer que a contrição é a causa do perdão dos pecados, implica transfor­mar a lei em mensagem da graça, e o evangelho em lei - inver­são esta que derruba por completo a religião cristã.
{A lei não argúi o pecado sem a ação do Espírito Santo. Ele age para que tenham prazer na lei do senhor e dá a vontade para que a cumpram”. Lutero Obras Selecionadas, volume 4, pp 400 e 401.
2. Contrição nem mesmo é uma boa obra. A contrição que precede a fé não é outra coisa senão um sofrimento do homem. Consiste numa angústia, uma dor, um tormento, um sentimento de que se está sendo esmagado, resultantes da ação de Deus no homem através do martelo da lei. Não é uma an­gústia que o homem produziu em si mesmo, pois ele bem que gostaria de se ver livre dela; contudo, ele está impossibilitado para tanto, porque Deus lhe sobreveio com a lei, e ele não vê como escapar do juízo. Se uma pessoa senta para meditar e pretende, dessa maneira, produzir contrição em si mesma, ela nunca atingirá seu alvo. Ela não pode efetuar contrição por si mesma. O verdadeiro arrependimento é produzido apenas por Deus, quando a lei é pregada em todo seu rigor, e o homem não se opõe deliberadamente à sua influência.
Devido à falta de experiência pessoal, muitos pregadores temem que eventualmente possam levar alguém ao desespero. Pregam que a contrição deve preceder a fé, como de fato deve acontecer, mas, receiam que um ou outro membro da congre­gação desespere, a menos que acrescentem uma sentença salvadora. Por isso, modificam suas palavras, dizendo que o tormento que se deve sentir na contrição não precisa necessa­riamente ser tão agudo assim, e que o indivíduo será aceito por Deus desde que manifeste disposição em estar contrito. Quem apresenta esse falso conforto, na verdade, faz da contrição a causa do perdão dos pecados. O que o pregador deve dizer é isto: "Preste atenção! No momento em que você tem fome e sede da graça de Deus, você está devidamente contrito. Deus não exige a contrição para que, através dela, você expie seus pecados, mas, apenas para que você seja des­pertado de sua segurança e diga: 'Que devo fazer para que seja salvo?'
Visto, portanto, que a natureza do homem é corrupta e cegada pelo veneno do diabo no paraíso para que não perceba a magnitude do pecado, não sinta nem receie a ira de Deus e a morte eterna, é preciso conservar na igreja a doutrina que põe esses males a descobertos e os revela. E esta é a lei. Assim, por outro lado, para que não desesperemos por meio desses males que nos foram revelados e mostrados pela lei também deve ser preservada na igreja a outra doutrina, que ensina consolação face às acusações e os terrores da lei, e a graça em oposição à ira de Deus, a remissão dos pecados e a justiça em oposição ao pecado, a vida em oposição à morte. Essa doutrina, porém, é a doutrina do Evangelho, que ensina que Deus encerra a todos sob o pecado, para comiserar-se de todos (cf Rm 11.32); que com toda certeza quer perdoar os pecados de todos, libertar da morte e dar justiça e a vida aos que reconhecem sua miséria, a injustiça e a perdição; e que esses benefícios, não obstante, certamente passam a pertencer de graça aos crentes, sem qualquer mérito nosso por causa de Cristo.
Lutero. Obras Selecionadas, vol 4 p. 395.
Por isso, Lutero diz que, depois que ele compreendeu o ver­dadeiro sentido da palavra penitência, nenhuma palavra lhe era mais doce do que esta. Isto porque ele percebeu que seu sentido não era de que ele próprio deveria expiar seus peca­dos, mas, simplesmente, que ele deveria estar alarmado por causa deles e ansiar pela misericórdia de Deus. O termo peni­tência representava, para ele, o próprio evangelho, porque re­conheceu que, no momento em que Deus o tinha levado ao reconhecimento de sua situação de pecador miserável e perdi­do, ele estava em condições de ser objeto da atenção de Jesus e podia aproximar-se dele na certeza de que seria aceito assim como estava, com todos os seus pecados, sua angústia e misé­ria.
{Repentance Busse, poenitentia: penitencia, não no sentido de dar satisfação pelo pecado, mas de consciência do pecado diante da lei de Deus.}
Ninguém deve inquirir se sua contrição é suficiente para ser aceito por Jesus. O próprio fato de ele se preocupar em relação à sua dignidade, demonstra que ele pode vir a Jesus. Se alguém deseja vir a Jesus, ele está verdadeiramente contrito, mesmo que não o sinta. A situação é idêntica àquela em que um indivíduo começa a ter fé.
{“Assim devemos pregar o evangelho, que é a doutrina comum a todos, mas a fé não é de todos. Também a lei é pertinente a todos, mas a penitência não é de todos. Os que a têm recebem-na pelo ministério da lei... Assim eu faço penitência quando Deus me atinge com a lei e o evangelho.” Lúteo, em Contra os Antinomistas, 3º argumento. Obras Selecionadas de Lutero volume 4 p 399.}
O pastor incorre no mesmo erro, quando se dá por satisfei­to ao mais leve indício de contrição em seus congregados. É possível que a consciência de indivíduos perversos, que há muito tempo vivem em pecado e conduta vergonhosa, subita­mente desperte, acusando-os de perjúrio, por exemplo. Diante das conseqüências, grande temor apodera-se deles. Ou então, é possível que suas consciências venham a acusá-los de assas­sinato. Essas pessoas, entretanto, não estão preocupadas por­que se consideram miseráveis pecadores, mas, porque aquele determinado pecado as atemoriza. Afora disso, julgam que têm bom coração. Existem muitos patifes dessa espécie, e que já ouviram sua sentença de condenação. É possível que admi­tam, diante do pastor, que erraram nisto, naquilo, ou, que em determinado ponto inevitavelmente escorregaram; contudo, in­sistem em que, no fundo, têm um bom coração. Caso o pastor se satisfaça com uma contrição parcial destas, ele estará con­siderando a contrição como meritória.
Outros dizem a seus ouvintes que a contrição é necessária e que sua própria razão deve mostrar-lhes que Deus não pode perdoar os pecados dos quais eles fazem pouco caso. Prescre­vem-lhes, então, o tipo de contrição que devem experimentar, à base de textos como o Salmo 38.6-8. Pastores legalistas in­quirirão de seus consulentes se podem dizer o mesmo a respei­to de si: se se sentiram encurvados e andaram de luto o dia todo, se, em algum instante, seus lombos arderam, se podem afirmar que não há parte sã em seu corpo, etc. Se o indivíduo não preen­che requisitos requeridos acima e considerados pelos pastores legalistas como sinais de contrição genuína, eles lhe asseguram que não pode pensar que esteja realmente contrito.
Esse método está errado. É verdade: o texto citado descre­ve o arrependimento de Davi. Entretanto, onde está escrito que todos devem ter o mesmo grau de contrição? Em parte alguma! Ao contrário, constatamos que, no primeiro Pente­costes cristão, quando o coração dos ouvintes de Pedro se compungiu e eles clamaram: "que faremos?", imediatamente foi-lhes anunciada a mensagem da misericórdia de Deus. O próprio exemplo de Davi ilustra esse fato. Durante todo um ano, ele vivera em impenitência. Veio, então, Natã e mostrou-­lhe seu pecado. Com o coração contrito, Davi confessou: "Pe­quei contra o Senhor". Nada mais do que isso. Imediatamente o profeta Natã percebeu que Davi estava aniquilado e arrasa­do. Por isso, assegurou-lhe: "Também o Senhor te perdoou o teu pecado" (2 Samuel12.13). O mesmo aprendemos na his­tória do carcereiro de Filipos. Apenas alguns momentos antes, ele estivera terrivelmente perturbado a ponto de pretender ti­rar sua própria vida. Quando caiu aos pés dos apóstolos, cla­mando: "Senhores, que é que eu devo fazer para me salvar?", estes não lhe disseram que, primeiramente, deveria produzir uma séria de profunda contrição em si; eles não lhe apresenta­ram o exemplo de arrependimento de Davi, mas disseram-lhe imediatamente: "Crê no Senhor Jesus, e serás salvo, tu e tua casa". Os apóstolos viram claramente que esse homem estava arrasado e clamava por misericórdia; e isso foi-lhes o sufi­ciente. Quando o indivíduo passa a ter fome e sede de miseri­córdia, então a contrição alcançou seu objetivo nele.
Se, do ponto de vista humano, verificamos que um indiví­duo não confia mais na justiça própria e deseja ser salvo so­mente pela graça, então, por vontade de Deus, devemos, tran­qüilamente, pregar-lhe o evangelho. Não será cedo demais. Nunca é cedo demais para alguém vir a Jesus. O problema é que, muitas vezes, as pessoas realmente não vêm a Jesus; di­zem-se pecadores miseráveis, contudo não o são; querem tra­zer algum mérito pessoal diante de Deus. Não passa de hipo­crisia, quando afirmam que estão vindo a Jesus, porque, na realidade, não vêm como pobres mendigos, com todos os seus pecados. O indivíduo a quem Deus deu a graça de ter sido quebrado e arrasado, que está sem consolo algum, que busca conforto ansiosamente, esse está verdadeiramente contrito. A este não se deve dizer que está vindo a Jesus antes do tempo; deve-se-lhe pregar o evangelho. Ele deve saber, não somente que pode, mas que, decididamente, deve vir a Jesus e deixar de imaginar que está vindo cedo demais.
Um dos principais motivos que faz com que, nessa questão, muitos misturem lei e evangelho, é que eles não distinguem o arrependimento diário dos cristãos daquele que precede a fé. O arrependimento diário é descrito no Salmo 51. Davi considera-o um sacrifício que ele apresenta a Deus e com o qual Deus se agrada. Ele não está falando do arrependimento que prece­de, mas, sim, daquele que segue a fé. A grande maioria dos cristãos sinceros, que têm a doutrina pura, experimentam mui­to mais o arrependimento que segue a fé do que aquele que a precede. Isso porque, tendo pregadores corretos, foram conduzidos a Cristo através do caminho certo. Enquanto estão em Cristo, sempre é possível que sua justiça própria anterior tome a se manifestar, apesar de ter sido destruída muitas vezes. Tor­na-se necessário, então, que Deus sempre de novo atinja esses pobres cristãos com sua lei, para que se mantenham humildes. O exemplo de Davi ilustra esse fato. Ele recebeu a fé num abrir e fechar de olhos; mas, quanta miséria ele teve que pas­sar posteriormente! Um profeta trouxe-lhe a palavra do Se­nhor; todavia, até a morte, seu coração era constantemente afligido por angústias, aflições e miséria. Deus cessara de fa­vorecer seus empreendimentos; ele deparou-se com desgraça após desgraça, até o dia em que Deus lhe deu alívio na morte. Contudo, durante todo esse tempo, contrição e fé coexistiram no coração de Davi. Esse é, de fato, um sacrifício do qual Deus se agrada. Uma contrição desse tipo não é um mero efeito da lei, apenas causado pela lei, mas é, ao mesmo tempo, um efeito do evangelho. O evangelho in­troduz o amor de Deus no coração do homem; e, quando a contrição procede do amor de Deus, ela é, na verdade, uma tristeza suave, que é aceita por Deus. Deus se agrada com ela; porque não lhe podemos conferir maior honra do que quando nos lançamos ao pó diante dele, confessando: "Tu, ó Senhor, és justo; eu sou pobre pecador. Tem misericórdia de mim por amor de Jesus Cristo".
{Quando a contrição procede do amor de Deus , ela é na verdade, uma tristeza suave, que é aceita por Deus.
Contrição desse tipo não é um mero efeito da lei, apenas causados pela lei mas é, ao mesmo tempo, um efeito do evangelho. O evangelho introduz o amor de Deus no coração do homem...

13ªTESE
Em nono lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando, ao invés de procurar criar a fé no coração de alguém apresentando as promessas do evangelho, se faz um apelo à fé que dá a entender que o homem, a si mesmo, pode dar a fé, ao menos, cooperar para tal aconteça.
Esta tese não condena o apelo que o pastor faz para que seus ouvintes creiam no evangelho, mesmo que este seja feito com insistência. Esse apelo era parte integrante da pregação de todos os profetas, de todos os apóstolos e do próprio Se­nhor Jesus Cristo. Quando fazemos o apelo à fé, não estamos apresentando uma exigência da lei, mas, sim, fazemos o mais doce convite, nestes termos: "Vinde, porque tudo já está pre­parado" (Lucas 14.17). Se eu convido um indivíduo quase morto de fome a que se assente a uma mesa bem suprida e coma do que realmente gosta, certamente ele não vai me res­ponder que não está disposto a cumprir uma ordem minha. Da mesma forma, o apelo à fé não deve ser visto como uma exi­gência da lei, mas, sim, como um convite do evangelho.
{Um pregador dever ser capaz de apresentar um sermão voltado à fé sem que, para tanto, empregue palavra fé. O importante não é que seus ouvintes ouçam a palavra fé; o que realmente importa é que ele apresente sua mensagem de um modo tal, que, em cada pobre pecador, nasça o desejo de depositar a carga dos seus pecados diante do Senhor Jesus dizendo: “Tu és meu, e eu sou teu”.}
Esta tese volta-se contra o erro de que o homem pode dar a fé a si mesmo. Um apelo, nesse sentido, seria uma exigência , da lei e transformaria a fé em obra humana. Teríamos, então, uma evidente confusão entre lei e evangelho. Um pregador deve ser capaz de apresentar um sermão voltado à fé sem que, para tanto, empregue a palavra fé. O importante não é que seus ouvintes ouçam a palavra fé; o que realmente importa é que ele apresente sua mensagem de tal modo, que, em cada pobre pecador, nasça o desejo de depositar a carga dos seus pecados diante do Senhor Jesus, dizendo: "Tu és meu, e eu sou teu".
É nesse aspecto que Lutero revela toda sua grandeza. Rara­mente ele apelava para que seus ouvintes cressem; mas, pre­gava sobre a obra de Cristo, a salvação por graça e as riquezas da misericórdia de Deus em Cristo Jesus de um modo tal, que os ouvintes percebiam que tudo o que tinham a fazer era acei­tar o que lhes estava sendo oferecido e encontrar repouso no regaço da graça divina.
Suponha que você esteja entre uma tribo de índios, descrevendo-lhes o Senhor Jesus, dizendo que ele é o Filho de Deus que desceu dos céus para salvar os homens dos seus pecados, tomando sobre si a ira de Deus, que venceu a morte, o diabo, o inferno em seu lugar e abriu o céu para todos os homens, e que agora cada um pode ser salvo desde que aceite aquilo que nos­so Senhor Jesus Cristo nos trouxe. Suponha, então, que, nesse preciso instante, você deixe para trás uma pequena congrega­ção de índios, mesmo que não tenha, uma vez sequer, pronun­ciado a palavra fé diante deles. Isto porque cada um daqueles seus ouvintes, que não se opôs à graça de modo maldoso e deliberado, deveria ter concluído que ele também foi redimido.
Por outro lado, você pode gastar inúmeras horas, dizendo para as pessoas que devem crer para que sejam salvas, e, como resultado, elas terão a impressão de que se está exigindo algo que elas precisam fazer. Ficarão preocupadas se, de fato, são capazes de fazer isso e, depois que tentaram, se era exata­mente isso que se estava requerendo da parte delas. Assim sendo, é possível que você tenha pregado longamente sobre a fé sem, contudo, ter dado um sermão com vistas à fé. Aquele que reconhece que algo lhe está sendo oferecido, e de fato o aceita, este tem a fé. Ser salvo pela fé significa concordar com o plano da salvação de Deus, simplesmente aceitando-o.
{Muitos pregadores incorrem no erro de falar a respeito de falar a respeito da fé de modo que o ouvinte deduza que sua fé talvez ainda não seja suficientemente boa. Infelizes ouvintes, pois a palavra fé não lhes traz conforto.
Com isso, em absoluto, quero dizer que você não possa pregar sobre o tema "fé". Em nossa época, de modo especial, falta uma correta compreensão desse assunto. Os melhores pre­gadores pensam que fizeram uma grande coisa, quando conse­guiram inculcar em seus ouvintes o axioma: "Somente a fé salva". Entretanto, com seu sermão, não fizeram outra coisa senão levar seus ouvintes a exclamar: "Oh, quem me dera ter fé! Fé deve ser algo muito difícil de conseguir, pois eu ainda não a obtive". Esses infelizes ouvintes sairão da igreja e volta­rão para suas casas com o coração entristecido. A palavra fé ainda ressoa em seus ouvidos, todavia não lhes traz conforto algum.
{O Pregador cristão não tem como seu objetivo inculcar a verdade: Somente a fé salva. A fé não é algo que requer, nem exige, nem prova. O pregador cristão oferece consolo, conforto e paz em Cristo, com vistas à fé.}
Dizer que se requer fé para a salvação não implica dizer que o homem pode criar essa fé dentro de si mesmo. A Escri­tura requer tudo do homem; cada mandamento é uma exigên­cia que diz: "Faze isto, e viverás". A Escritura requer que "lim­pemos o coração" (Tiago 4.8). Somos admoestados: "Desper­ta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará" (Efésios 5.14). O simples fato de se fazerem tais exi­gências não prova que o homem está em condições de cumpri-las. Quando um credor exige pagamento, isso não prova que o de­vedor esteja em condições de efetuar o pagamento. Na vida diária, pode suceder que um credor, mesmo sabendo que seu devedor está falido, exija pagamento da dívida pelo simples fato de notar que seu devedor é displicente e, além de tudo, vaidoso e presunçoso. O objetivo do credor, ao fazer a exigên­cia, é levar o devedor ao abandono dessa conduta orgulhosa, bem como humilhá-lo. Deus trata conosco de modo idêntico. Anunciando que lhe devo obediência em todos os seus manda­mentos, Deus me leva a reconhecer que, mesmo que faça todo o esforço possível, não posso cumprir minhas obrigações. E então, quando ele me humilhou, ele vem a mim com o seu evan­gelho.
            {Quando o pregador indica aos ouvintes certas obras, ou atitudes, como coerentes com a fé cristã, ele não pode, ao mesmo tempo, fazer depender a qualidade da fé dos seus ouvintes do cumprimento de tais obras, sob pena de não ser mais um pregador cristão.}

Walter prossegue: exatamente isto é o que falta hoje. Hoje quando as pessoas expressam: “Não consigo ter fé,” ouvem como resposta: “Sim podes ter fé! Basta querer! Podes livrar-te dos pecados! Basta lutar contra eles!”
Esta é uma forma infame de pregação.
Edição alemã p. 251

14ªTESE
                Em décimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se requer fé como condição necessária para justificação e salvação, como se o homem fosse justificado, não somente através da fé, mas também devido à fé, por causa da fé, e à vista da fé,
{Esta doutrina derruba o evangelho por completo: “Não é assim sem mais nem menos que o homem; agora que ele foi redimido, entra no céu. O homem também deve fazer sua parte, algo realmente expressivo – deve crer.”
Quando a palavra de Deus diz que o homem é justificado e salvo somente através da fé, ela não quer dizer outra coisa senão isto: o homem é salvo, não através de seus próprios fei­tos, mas somente através da vida e morte de seu Senhor e Sal­vador Jesus Cristo, o Redentor de toda a humanidade. Teólo­gos recentes, entretanto, afirmam que, na salvação do homem, entram em consideração dois tipos de atividade. Em primeiro lugar, é necessário que Deus faça algo. A ele cabe a parte mais difícil, a saber, a redenção do homem. Todavia, em segundo lugar, exige-se igualmente algo da parte do homem. Pois não é assim sem mais nem menos que o homem, agora que ele foi redimido, entra no céu. O homem também deve fazer sua par­te, algo realmente expressivo - deve crer. Essa doutrina derru­ba o evangelho por completo.
Crer no evangelho seria, de fato, algo imensamente remoto e difícil para nós homens, caso Deus não operasse a fé em nós. Entretanto, suponhamos que não se tratasse de algo por de­mais remoto e difícil; mesmo que Deus, com vistas à salvação, tivesse colocado diante de nós uma condição que facilmente poderíamos cumprir, permaneceria de pé a grande verdade de que, nesse caso, a salvação não seria um dom gratuito; nesse caso, Deus não teria dado seu Filho por nós, mas apenas ofere­cido sob certa condição. Não foi isso que Deus fez. O apóstolo Paulo diz: "Sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (Romanos 3.24). Somos justificados gratuitamente, sem que se exija nada, ab­solutamente nada de nossa parte. Por isso, nós, pobres peca­dores, louvamos a Deus pelo refúgio que ele nos preparou, onde podemos nos abrigar, mesmo quando nos aproximamos dele como pessoas completamente perdidas, como mendigos que não têm a menor possibilidade de apresentar a Deus algo que eles próprios conseguiram. Tudo que nós podemos apre­sentar a Deus são nossos pecados, e nada mais. É exatamente por causa disso que Jesus vê em nós o objeto certo de sua atenção. Nós o honramos como nosso fiel Salvador, fazendo do seu evangelho, nosso refúgio; entretanto, nos a negamos caso nos apresentemos diante dele, oferecendo algo por aquilo que ele nos dá. Diante da afirmação de Pedro: "E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" (At 4.12), deve ficar claro que exigir a fé como condição para que o homem seja justificado e salvo é uma terrível perversão do evangelho.
{Afirmar que as bênçãos de Deus estão reservadas para aqueles que têm uma fé capaz de tais e tais respostas de gratidão não é ensino cristão porque condiciona a Deus. ... nesse caso, Deus não teria dado seu filho por nós, mas apenas oferecido sob certa condição. Não foi isso que Deus fez.}
Exigir a fé como condição para que o homem seja justificado e salvo é uma terrível perversão do Evangelho.

15ªTESE
Em décimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente , quando o evangelho é transformado em pregação de arrependimento.
{São necessários  cuidado e clareza sobre os textos bíblicos: A  palavra arrependimento pode ser sinônimo ou de evangelho ou de contrição.}
Para entender corretamente esta tese, é necessário que você lembre o seguinte: a palavra evangelho tem um uso semelhan­te ao termo arrependimento. Nas Escrituras Sagradas, a pala­vra arrependimento tem um sentido amplo bem como um sen­tido restrito. Quando usada no sentido amplo, ela se refere à conversão em seu todo, a saber: reconhecimento do pecado, contrição e fé. É este o sentido da palavra em Atos 2.38, onde lemos: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado ...". O apóstolo não diz: "Arrependei-vos e crede". Logo, ele refere-­se à conversão em seu todo, incluindo a fé. Ele, igualmente, não poderia ter dito: "Mostrai-vos contritos e cada um de vós seja batizado". Ao falar em arrependimento, ele certamente estava pensando em contrição e fé. O que ele, na verdade, es­tava querendo dizer era o seguinte: "Se vocês reconhecem seus pecados e crêem no evangelho que eu lhes anunciei, então sub­metam-se ao batismo para perdão dos pecados".
A palavra arrependimento tem, também, um sentido res­trito, e significa, então, reconhecimento do pecado, coração quebrantado e contrição. Em Marcos 1.15, está escrito: "Arrependei- vos e crede no evangelho". Nessa passagem, João Batista certamente não inclui a fé sob o conceito arrependi­mento, pois então teríamos uma tautologia, isto é, uma repeti­ção inútil, visto que ele se refere expressamente à fé, ao dizer: "crede no evangelho". Na passagem de Atos 20.21, Paulo re­lata que ele estava "testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Je­sus". Já que, nesse texto, a fé é citada separadamente, toma-se evidente que a palavra arrependimento não pode abarcar re­conhecimento do pecado mais contrição e fé. De modo idênti­co, o Senhor refere-se aos judeus, dizendo que, apesar da pre­gação de João Batista, eles não se arrependeram para que pudessem crer nele. (Mateus 21.32). Por arrependimento, ele entende os efeitos da lei. O que ele quer dizer é que, devido ao fato de eles não terem se preocupado com seus pecados, foi-­lhes impossível virem à fé. Não pode haver fé num coração que, primeiramente, não esteve atemorizado.
Com a palavra evangelho sucede o mesmo; às vezes, ela tem um sentido amplo; às vezes, um sentido restrito. O sentido restrito é seu sentido próprio; em seu sentido amplo, esta pala­vra é usada apenas como uma sinédoque, e compreende, en­tão, toda a pregação de Jesus, inclusive sua severa pregação da lei como, por exemplo, a do Sermão do Monte e as censu­ras que dirigiu aos homens perversos. Além disso, a palavra evangelho é usada em contraste ao Antigo Testamento, o qual, muitas vezes, significa apenas "doutrina da lei".
Romanos 2.16: No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens de conformidade com o meu evangelho. Nesta passagem, o apóstolo não pode estar empregando o "evangelho" em seu sentido restrito, pois este não tem nada a ver com o julgamento. Pelo contrário, a Escri­tura declara: "Quem crê não é julgado" - "não entra em juízo" (João 3.18; 5.24). Nesse texto, Paulo entende por evangelho a doutrina que ele anunciou e que compreende tanto a lei quan­to o evangelho.
Em Romanos 1.16, Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Indiscutivelmente, usa-se a palavra evangelho no sentido restrito. Em primeiro lugar, fala-se dele como um evangelho de Jesus Cristo; em seguida, diz-se que ele é um evangelho que salva todo aquele que crê. Quem requer isso de nós não é a lei. A lei, devemos cumprir. Logo, nessa passagem, Paulo está falando da dádiva de Deus ao mundo e da fé. Aqui se usa evangelho no sentido restrito, excluindo, por conseguinte, a lei.
{Misturam-se lei e evangelho, quando o evangelho de Cristo, isto é, o evangelho no sentido restrito é transformado em pregação de arrependimento.}
Efésios 6.15 Calçai os pés com a 'preparação do evange­lho da paz. Fala do "evangelho da paz". A lei não estabelece paz, antes, discórdia. Aqui o apóstolo emprega evangelho em seu sentido restrito, isto é, ele fala da boa notícia de que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores.
Nossas Confissões Luteranas, a exemplo da Bíblia, usam o termo evangelho, ora em sentido amplo, ora em sentido restri­to. Esse fato explica a seguinte afirmação contida nas Confis­sões: "O evangelho prega o arrependimento". É necessário que você tenha isso em mente, para que compreenda bem nossa tese: misturam-se* lei e evangelho, quando o evangelho de Cris­to, isto é, o evangelho no sentido restrito, é transformado em pregação de arrependimento.
            {No original, Walter acrescenta a palavra “greuliche”, isto é, ... misturam-se horrivelmente.}
Não é apenas altamente perigoso, mas de fato prejudicial para as almas das pessoas, quando a pregação do pastor faz com que os ouvintes concluam que ele considera o evangelho, em seu sentido restrito e próprio, uma mensagem da lei e da fúria de Deus sobre os pecadores, chamando-os ao arrependi­mento. Descuido no emprego de palavras, é um grande e sério defeito, mesmo por parte de pregadores que têm a fé verdadei­ra.
Chamo atenção para duas objeções que são levantadas con­tra esta tese.
Em primeiro lugar, objeta-se que a própria Escritura considera o evangelho ­uma lei e que, conseqüentemente, pode-se que o evangelho é uma pregação para arrependimento, já que a lei tem por finalidade levar os homens ao arrependi­mento. Cita-se a passagem de Romanos 3.27, onde lemos: "Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé". Os que se opõem a esta tese dizem que, segundo a terminologia do próprio após­tolo, o evangelho também é uma lei. Esta é, entretanto, uma conclusão falsa que se tira dessas palavras de Paulo onde ele emprega uma figura denominada antanáclase: para refutar seu adversário, ele cita a mesma palavra que este empregou, ape­nas com um outro significado.
{A lei também faz promessas. As promessas da lei são condicionadas: se isto... então aquilo. As do evangelho são apresentadas como ofertas de Deus, dons de Deus. Por isso, sempre que se implica que a conduta do cristão influencia Deus no sentido de aprovar sua fé, o evangelho, o evangelho foi abafado pela lei. Cf Walter,  The Proper Distinction, p. 27.}
Outra objeção que se levanta está baseada em Romanos 10.16: "... nem todos obedeceram ao evangelho". Partindo da premissa de que é a lei quem requer obediência, argumenta-se que o evangelho não é uma mera mensagem de alegria, mas uma lei aperfeiçoada. Entretanto, perverte-se totalmente esse texto, quando se quer provar, com ele, que o evangelho, no sentido restrito, é uma pregação de arrependimento. Devemos obedecer, não somente à vontade de Deus, segundo sua von­tade graciosa. Esta, contudo, não é uma vontade da lei. Deus nos oferece e dá todas as coisas. Se aceitamos o que ele nos dá, diz-se que somos obedientes a ele. É um ato de bondade da parte de Deus chamar isso de obediência. Efetivamente, obe­decendo-lhe nesses moldes, estamos cumprindo também o Pri­meiro Mandamento; porque a fé é algo que a lei requer, não o evangelho. O evangelho é, antes, uma "boa notícia"; e aquilo que me incumbe da realização de determinada tarefa, certa­mente não pode ser uma boa notícia. Notícia realmente boa só é aquela que me diz que devo abandonar todo o temor, porque Deus é gracioso e vem ao meu encontro.
                {“O requisito para ser cristão fiel é a fé genuína. Entretanto, para ser um pregador fiel, a fé genuína não é suficiente. Deve-se acrescentar à fé a habilidade de expressar em termos adequados as coisas que devem ser cridas.”}
 Consideremos, agora, as passagens bíblicas que falam do evangelho no sentido restrito e descubramos quais os elemen­tos que nos levam a tal conclusão.
1. Sempre que o evangelho é contrastado com a lei, é abso­lutamente certo que se está falando do evangelho no sentido restrito, e não no sentido amplo. Efésios 2.14-17: Em primeiro lugar, vem a lei, que não estabelece a paz; segue-se a prega­ção do evangelho, que toma a paz uma realidade.
2. Sempre que o evangelho é apresentado como a doutrina de Cristo, ou, então a doutrina que anuncia a Cristo, ele exclui, por completo, qualquer elemento da lei.
João 1.17: Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; ; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Jesus Cristo não veio trazer a lei. Entretanto, para que se possa acei­tar o evangelho, é necessário que se tenha a adequada com­preensão da lei. Por isso, Jesus purificou a lei das falsas inter­pretações dos fariseus.
Lucas 4.18,19: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor. O Senhor Jesus apresenta a missão que ele tem no mundo, e o que ele deve pregar na qualidade de Cristo, o Salvador do mundo. Ele conclui a afirmação acima, dizendo (v.21): "Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir" . Ele não pronuncia uma palavra sequer da lei, mas refe­re-se apenas à doutrina que é oferecida aos pobres, aos doen­tes, aos de coração ferido, àqueles que estão sob a escravidão do pecado e do diabo.
3. Sempre que o evangelho se destina a miseráveis pecado­res, fala-se do evangelho no sentido restrito. (Mateus 11.5; Lucas 4.18).
4. Sempre que se menciona o perdão dos pecados, justiça e salvação por graça como resultantes do evangelho, pensa-se no evangelho em sentido restrito. (Romanos 1.16; Efésios 1.13)
5. Toda vez que a fé estiver relacionada ao evangelho, em­prega-se este último no sentido restrito. (Marcos 1.15; Marcos 16.15,16).
{...a fé é algo que a lei requer, não o evangelho. O evangelho é antes, uma boa noticia; é aquilo que me incumbe da realização de determinada tarefa, certamente não pode ser uma notícia. Notícia realmente boa só é aquela que me diz que devo abandonar todo o  temor, porque Deus é gracioso e vem ao meu encontro.}

16ªTESE
Em décimo segundo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se prega que o abandono de certos vícios e a prática de certas obras piedosas e virtudes são prova suficiente de que se esta verdadeiramente convertido.
Você perceberá a grande importância desta décima sexta se no momento em que se der conta de que a confusão entre lei e evangelho, abordada por ela, é a pior que pode existir. Ai do pregador que, através do modo como prega, faz com que seus ouvintes concluam: "No momento em que deixo de furtar roubar sou um bom cristão e, pouco a pouco, me verei livre todas as minhas fraquezas". Estes transformam o evange­lho em lei, porque fazem da conversão uma obra humana, enq­uanto que a conversão genuína, que cria uma fé viva na pes­soa, é fruto tão-somente da ação do evangelho.
{Apontar obras, atitudes e virtudes como prova de conversão verdadeira é a pior confusão entre lei e evangelho que pode existir.}
Esta confusão tão grosseira entre lei e evangelho é o mais grave erro dos racionalistas. A essência de sua religião con­siste em ensinar aos homens que eles se tornam novas criatur­as, quando abandonam seus vícios e vivem uma vida cheia de virtudes. Contrário a isso, a palavra de Deus nos ensina que, primeiramente, devemos tornar-nos novas criaturas, para, somente então, abandonar estes e aqueles pecados, passando à prática de boas obras. Apreciam por demais citar o ditado fa­miliar: "O verdadeiro arrependimento consiste em mudança de conduta". Este ditado pode ser usado num bom sentido, ele o foi por nossos pais na fé. Com ele, eles queriam dizer: 'Vocês que se vangloriam, dizendo que têm a fé verdadeira, nas levam uma vida devassa, deixem de tagarelar a respeito ia fé; o verdadeiro arrependimento consiste em mudança de conduta". Os racionalistas, entretanto, empregam-no neste sen­:ido: "Não há por que se preocupar' O que Deus requer de um fiel cristão é que ele deixe de fazer o que estava fazendo, que mude de conduta. Esse é o genuíno arrependimento". Esse é o abominável ensino dos moralistas. A religião cristã nos apre­senta o ensino correto numa palavra apenas: metanoeite, que significa: "mudem de mentalidade". Com essa palavra, o Se­nhor confronta o pecador e lhe diz que, antes de qualquer ou­tra coisa, deve ocorrer uma mudança em seu íntimo. O que ele requer é uma nova mentalidade, um novo coração, um novo espírito, e não o abandono dos vícios e a prática de boas obras. Ao fazer disso o requísito básico para que se possa ser cristão, nosso Senhor ataca o mal pela sua raiz.
{Não a conduta mas a mentalidade muda como fruto da fé, e fé na palavra na palavra da graça de Deus.}
João 3.3: A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. O Senhor deixa claro diante de. Nicodemos:
"Tudo o que você se propuser fazer enquanto estiver em sua natureza carnal, será pecado. Você precisa, primeiramente, tornar-se espiritual e, então, os genuínos frutos espirituais apa­recerão em sua vida".
Mateus 12.33: Ou fazei a árvore boa e seu fruto bom ou a árvore má e seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. A menos que uma pessoa esteja completamente trans­formada, a menos que ela se tenha tornado uma nova criatura, a menos que tenha sido regenerada, tenha uma nova mentali­dade, todos os seus atos serão frutos maus; porque, por nature­za, todo homem é árvore má.
Mateus 15.13: Ele, porém, respondeu: Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada. Somente aquelas obras que o próprio Deus operou podem ser consideradas boas obras. Qualquer obra que o indivíduo levou a efeito pelo poder sua razão e desejo natural, é uma planta que terá de ser arran­cada. Deus não tomará conhecimento dela; antes, ordenará que seja removida de sua presença, e a considerará pecado e abo­minação, porque partiu de um coração corrupto, um coração que não se preocupa com Deus.
1 Coríntios 13.3: E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aprovei­tará. O que realmente importa não são as obras em si, mas, sim, o amor do qual emanam. Admitamos que eu fosse tão pobre, a ponto de me ser impossível realizar uma obra sequer. Apesar disso, posso ser considerado rico em boas obras diante de Deus desde que, enquanto estou em miséria por vontade de Deus, o amor acenda em mim o desejo de fazer o bem a todos os homens.
Até mesmo pastores que têm a fé verdadeira podem, in­conscientemente, incorrer no terrível erro de misturar lei e evangelho, não tanto em seus sermões, quanto em seu aconselhamento a indivíduos e no exercício da disciplina ecle­siástica. Pode suceder que estejam tratando com um beberrão que prontamente se declara entristecido por seus pecados, como essas pessoas geralmente costumam fazer. O pastor inexperiente facilmente é enganado por uma tal declaração. Pode acontecer que o beberrão seja suspenso da congregação por um período de três meses. Em breve, um dos irmãos apa­rece com a boa notícia de que o beberrão se manteve sóbrio durante todo este tempo, e então o pastor chega à conclusão de que agora ele está convertido, quando na realidade, ele ainda continua sendo tão ímpio quanto sempre fora. Tome cuidado para não suceder que seja, assim, enganado! Caso semelhante pode acontecer quando um blasfemador, tendo sido admoesta­do pela congregação, abandona este seu modo de proceder por um certo tempo.
Ou, considere o caso de um indivíduo que é negligente na freqüência aos cultos e que, por causa disso, certamente não é cristão. Após trazido diante da congregação, é possível que ele se faça presente aos cultos por alguns domingos consecutivos. Contudo, este ato puramente externo faz dele um cristão?
De maneira nenhuma; qualquer ímpio pode fazer o que ele está fazendo. As pessoas envolvidas nos casos específicos aci­ma mencionados devem ser levadas a reconhecer que nenhum cristão age da maneira como estão agindo; se alguém o faz, é praticamente impossível que se encontre no estado da graça. Entretanto, requer trabalho da parte do pastor para que essas pessoas renasçam pela palavra de Deus. Se o pastor não está disposto a assumir essa tarefa, ele se faz negligente para com as almas dessas pessoas.
              {Disciplina eclesiástica que se limita a expor os erros das pessoas ou torna-las obedientes à igreja trai os objetivos do evangelho e é negligente quanto às almas das pessoas}
Ou então, considere o caso de comungantes negligentes que, após terem sido repreendidos pelo pastor, tomam a participar do sacramento. Satisfazendo-se com isso, o pastor incorre em confusão entre lei e evangelho. Tomemos o caso da avareza. Uma congregação pode ser tão mesquinha a ponto de se recu­sar a levantar uma coleta; ou então, não paga o salário do pas­tor. Num caso desses, o pastor não deve decidir-se pela prega­ção de um sermão penetrante para, desse modo, abrir seus bolsos e carteiras. Abrir carteiras através da lei não é nenhu­ma façanha. O que ele deve fazer, isto sim, é pregar visando a acordá-los de sua sonolência e morte espirituais. Quem não procede dessa maneira, erra contra esta nossa décima sexta tese.
Lutero insiste em que se tratando de uma pessoa regenera­da, tudo o que ela faz é obra de Deus. Mesmo quando está saboreando um bom prato, come ou dorme, está fazendo uma boa obra e não apenas quando se envolve num grande empre­endimento. Um servo da lei pode trabalhar e labutar até o es­gotamento e, apesar de tudo isso, seu esforço não passará de martírio que o conduzirá ao inferno. Um cristão tem a menta­lidade correta em tudo que isso, todos os seus atos agradam a Deus. De uma  boa fonte  só pode procede água boa, água doce e cristalina.
{O cristão verdadeiro rapidamente reconhece se a sua boa obra foi produzida por Deus ou seu velho Adão, se foi um genuíno ato de amor de Deus e ao próximo, ou se foi realizado de forma mecânica ou para demonstrar o seu cristianismo. Ed. Alemã. P. 290}.
{O pastor deve ser zeloso do seu ministério mesmo que isso lhe acarrete resistências. Ser morno ou frio diante do que acontece ao seu redor é grave pecado. Entretanto, também  é pecado grave quando, na sua apresentação do cristianismo e das exigências que faz aos cristãos, vai além daquilo que a palavra de Deus permite declarar. Ed. Alemã. P. 296}

Jesus esclareceu a Nicodemos, fiel, zeloso e piedoso cumpridor dos seus devedores: você precisa nascer de novo, isto é, ser uma pessoa com coração circuncidado pela bondade de Deus. Fidelidade, zelo e piedade por si só não fazem o cristão.
Lutero, citado, por Walter. Ed alemã, pp 292 a 294.

17ªTESE
Em décimo terceiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se faz uma descrição da fé, no que diz respeito à sua firmeza, conscientização e operosidade, que não se adapta a todos os cristãos em todas as épocas.
Pastores jovens e inexperientes geralmente cometem esse  engano. O que eles querem é impressionar seus congregados arrancá-los de sua acomodação natural. Julgam que, para evitar que hipócritas se considerem cristãos, nunca se pode exigi demais daqueles que são cristãos. Esse, entretanto, é um ponto em que o pastor deve tomar cuidado, para que não vá além da palavra de Deus; caso contrário, por causa de seu zelo, ele causará terrível dano às almas de seus ouvintes. Os cristãos em muitos aspectos, são totalmente diferentes da maneira come são descritos em sermões, mesmo tratando-se de descrições bona fide. A intenção do pastor é despertar as pessoas de sue sonolência e alertá-las contra a auto-ilusão. Esse, entretanto: não pode ser o objetivo último do pastor. Seu objetivo último deve ser este: fazer com que seus ouvintes tenham a certeza de que seus pecados estão perdoados diante de Deus, a certeza da esperança da vida eterna e a certeza de que podem enfrentar a morte com tranqüilidade. Todo aquele que não faz disso seu objetivo último, não é pastor evangélico. Eis porque o pastor deve tomar cuidado para, por amor de Deus, não dizer: "Todo aquele que faz isto e aquilo não é cristão", a menos que esteja absolutamente seguro de sua afirmação. Freqüentemente, um cristão age de modo que não condiz com os princípios cris­tãos.
{Zelo excessivo é perigoso podendo causar dano terrível às almas dos ouvintes. Este zelo, segundo Rm 10.2 ss não é somente fruto de imaturidade teológica ou pastoral típica do jovem. Sendo mais comum no pastor jovem esta imaturidade que se manifesta em lagalismo, não se circunscreve a uma faixa etária.}
{ O objetivo último de um sermão  e do trabalho da igreja é fazer com que os ouvintes tenham certeza do perdão de Deus e da vida eterna. Todo aquele que não faz disso seu objetivo último, não é pastor evangélico.}
Romanos 7.18: Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim,; não, porém, o afetuá-lo. O apóstolo apresenta o cristão como um ser dividido. O cristão fiel sempre deseja fazer o bem, contudo, freqüentemente, ele não atinge seu alvo. Por esse m0tivo, o pregador estará traçando um quadro que não é bíblico caso afirme que, no fundo, o cristão não deseja fazer o bem, já que ele não o pratica em sua totalidade. O que realmente importa no cristão é que ele procure fazer o bem.Muitas vezes, ele não vai além da boa intenção de praticá-lo. Antes que se dê conta, desviou-se do alvo proposto, o pecado tomou forma e ele está envergonhado de si mesmo. Mas isso de maneira nenhuma faz com que tenha decaído da graça.
{O pregador é antibíblico quando põe sob desconfiança a fé daqueles que deixam por realizar a que deles é esperado}
Romanos 7.14: Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu; todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. O cristão também experimenta a escravidão. A única diferença, entretanto, é que ele não obedece de bom grado, assim como um servo cristão obedece a seu Senhor; ele obedece com a maior relutância possível. Por causa disso, Paulo exclama no versículo 24: "Desventurado homem que sou-! Quem me livra­rá do corpo desta morte?" Quando se mostra a um cristão fiel o miserável pecador que ele é, ele se apegará a Cristo com muito mais firmeza e não dará ouvidos ao cochicho do diabo que diz que ele decaiu da graça e está afastado de Deus.
Filipenses 3.12: Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus. Nesta vida, constantemente avançamos em direção ao alvo sem, contudo,alcançá-lo. É possível que um cristão tenha a impressão de que houve momentos em sua vida em que era mais santo e estava mais bem aparelhado para vencer o pecado. A situação pode, de fato, ser essa, e seu estado atual seria, então, fruto de um retrocesso espiritual. Entretanto, a explicação correta da sua situação atual pode também ser esta: Agora ele vê mais nitidamente a frágil criatura que é, e os ataques à fé são mais violentos do que antes.
{O mal que mais perturba o cristianismo atual é a falta de segurança dos cristãos sobre a sua salvação. A razão disto é não receberem ensino confiável. Ed. Alemã. P. 298.
Gálatas 5.17: Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer. Um pregador não tem o direito de afirmar que alguém não é cris­tão por não estar fazendo tudo o que deveria, desde que esse indivíduo sustente que não é sua intenção praticar o erro. Se ele peca por fraqueza ou por precipitação, isso não implica necessariamente que não seja mais cristão.
Tiago 3.2: Porque todos tropeçamos em muitas cousas. Se alguém não tropeçar no falar, é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo. Um cristão peca, não ape­nas por pensamentos, desejos, gestos e palavras, mas também em seus atos. Isso demonstra, a todo o mundo, que ele ainda é homem fraco, homem miserável.
{Muitos, como o fariseu, não conseguem conviver com esta realidade. Por isso, precisam ostentar algumas boas obras para se sentirem bem com Deus.}
Hebreus 12.1: Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desemba­raçando-nos de todo o peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta. O cristão está se desembaraçando cons­tantemente do pecado, que o ataca de contínuo. Não consegue bani-lo do coração, e o pecado até mesmo torna-o indolente para tanto. Se não precisasse arrastar consigo essa sua mente carnal, sua conduta seria totalmente outra, e ele viveria feliz, tendo Deus por seu herói.
Nosso Salvador ensinou todos os cristãos a pedirem diaria­mente no Pai-Nosso: "Perdoa-nos as nossas dívidas". Cada dia traz consigo e deposita sobre nosso coração e consciência uma nova dose de culpa. Descrever o cristão como ele, de fato, não é, a saber, perfeito, ou então, enumerar características que não são comuns a todos os cristãos, implica apresentar um quadro deturpado do cristão e trará terrível dano consigo. Sim, por­que, a partir de tais caracterizações, os cristãos mais sensíveis concluirão que não são cristãos. Por isso, o pastor deve dar o remédio aos cristãos para que, pecando, prontamente se le­vantem de sua queda, já que seu pecado não é intencional. Um pecado intencional, na verdade, expulsaria o Espírito Santo do coração. Um cristão, todavia, em sua experiência, aprende a pressentir o perigo; e, tendo pecado, ele imediatamente se sente impelido a buscar seu Pai celeste, confessando seu peca­do e pedindo perdão por amor de Jesus. Em seu íntimo, ele também tem a certeza de que foi perdoado.
Seguidamente, descreve-se o cristão como sendo tão paci­ente quanto Jó. O pregador afirma: "Você pode tirar do cristão tudo o que ele tiver, e ele dirá, feliz: 'O Senhor o deu, e o Se­nhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!" (Jó 1.21). O pregador pode pensar que essa sua afirmação é totalmente bíblica. Jó, de fato, pronunciou essas palavras, contudo, nem todos os cristãos têm essa reação. Portanto, pregar daquela forma implica faltar com a verdade. Não são poucos os cris­tãos que ficam impacientes, quando os problemas começam a aparecer! Sua impaciência, mesmo com respeito a coisas triviais, pode terminar num acesso de cólera. E então, quando, por assim dizer, volta a si espiritualmente, ele se envergonha de si mesmo.
É impossível afirmar que é característico do cristão nunca cometer um pecado grosseiro. Isso acontece de vez em quando. Mas, nesse caso, ele submete-se incondicionalmente à pa­lavra de Deus, mesmo que isso não suceda de imediato. É pos­sível que, a princípio, ele esteja tão fascinado pelo diabo, que julgue ter agido corretamente. Por fim, todavia, a palavra de Deus convence-o de seu erro e ele, humildemente, suplica por perdão, ao passo que um hipócrita insiste até o último que nada fez de mal.
Muitos pregadores descrevem o cristão como pessoa que não teme a morte. Isso é grave deturpação da verdade. A gran­de maioria dos cristãos tem medo diante da morte. Se um cristão não tem medo da morte e afirma que está pronto para morrer a qualquer hora, então estamos diante de uma pessoa que recebeu um dom especial de Deus. Alguns se expressaram assim antes de terem ouvido, da parte do médico, que aquela seria sua última noite, mas, depois disso, foram tomados por um medo terrível.
Pelo amor de Deus, não faça um quadro deturpado do cris­tão. Toda vez que você descrever um cristão, veja primeira­mente se você se enquadra na descrição que está por fazer.
Até mesmo o orgulho pode manifestar-se de modo bem acentuado na vida do cristão. Dentre os vícios, este é um dos piores, porque é uma transgressão contra o primeiro manda­mento. Todos somos orgulhosos por natureza. Também é ver­dade que um está mais fortemente inclinado para esse pecado do que o outro. Indivíduos de temperamento colérico, detento­res de uma assim denominada "vontade de ferro", bem como de grande energia, via de regra, têm dentro de si grande parce­la de autoconfiança e esperam que os demais se mostrem reve­rentes para com eles - fruto do abominável orgulho. Esse pe­cado, às vezes, se manifesta até mesmo na vida de cristãos fiéis. Basta observar os discípulos do Senhor, discutindo entre si a respeito de quem era o maior entre eles. Se esse fato não estivesse relatado na Bíblia, seria até difícil acreditar que os apóstolos, quais crianças, tivessem discutido entre si a respei­to disso e que a mãe dos filhos de Zebedeu tivesse pedido que um de seus filhos fosse colocado à direita e o outro à esquerda do Senhor. A partir do relato de Lucas, percebe-se que os dis­cípulos não estavam procedendo vergonhosamente. Repreen­didos, pelo Senhor, eles ficaram tão envergonhados, que tive­ram vontade de sumir do mapa.
De igual modo, é totalmente falso e incorreto descrever o cristão como alguém que constantemente está em oração fer­vorosa e que faz da oração sua mais apreciada atividade. Isso não é verdade. Requer muita luta da parte do cristão, até que ele tenha disposição para orar, ore com fervor, e tenha confi­ança de que Deus vai atender seu pedido. Apesar de haver momentos em que os cristãos sufocam sua carne e sangue, fazendo com que experimentem a maior felicidade, como se estivessem conversando com Deus no céu, a grande verdade é que eles ainda conservam sua carne e sangue naturais.
Os cristãos são até mesmo tentados pelo desejo de enrique­cer. Caso não fossem advertidos e admoestados, eles seriam arrastados para perdição como que presos numa armadilha e se perderiam para sempre.
Ao formar um juízo sobre determinada pessoa, é de importância vital saber se ela ama a palavra de Deus bem como o seu Salvador, ou, se ela está empedernida e leva uma vida reprovável. Existem pessoas que querem dar um "show" de santidade, evitando conversa, erguendo os olhos piamente para os céus, recitando as Escrituras constantemente, lendo a Bí­blia nas horas de lazer para impressionar as pessoas com seu cristianismo exemplar. Não devemos pensar que somente aqueles que ostentam santidade são cristãos fiéis. Não digo que todos eles não sejam cristãos, contudo, estou certo de que aqueles que estão totalmente entregues ao modo de agir acima men­cionado não passam de miseráveis hipócritas. Leia os evange­lhos e verá como os discípulos conversaram com o Senhor e como se portaram em sua presença. Se tinham algo a dizer, eles o diziam abertamente, até mesmo João, o discípulo ama­do. Cristo, por esse motivo, não os teve por pessoas não-con­vertidas, mas tratou-os como pessoas convertidas que, toda­via, ainda tinham uma considerável dose de velho homem dentro de si.
Em seus sermões, é evidente que você pode citar o que cristãos fortes ou excepcionalmente fiéis realizaram. Caso seus ouvintes cheguem à conclusão de que eles ainda não atingiram tal nível de fidelidade, isso não vai lhes fazer mal; será, antes de qualquer outra coisa, um incentivo a que progridam cada vez mais em seu cristianismo.
Quando a congregação está para receber novos membros e você conversa com eles, você não os deve considerar ímpios, não-convertidos, caso eles não entrem de imediato numa conversação religiosa com você. Existem pessoas que, apesar de apegadas a seu Salvador, não são capazes de falar muito a respeito de sua fé, mesmo que, em outros assuntos, sejam bons proseadores. Com outros, pode acontecer que tenham tido pou­ca experiência, razão pela qual não têm muito a relatar.
{Pessoas que se “atrevem” a discordar do pastor em posicionamentos éticos e/ou teológicos facilmente são discriminados, ferindo-se o evangelho.}

18ª TESE
Em décimo quarto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando a corrupção universal da humanidade é descrita de um modo tal, que causa a impressão de que mesmo os verdadeiros crentes ainda vivem sob o domínio do pecado e pecam intencionalmente.
      Convém notar que estou me referindo à afirmação de que a Corrupção universal da humanidade inclui também o viver do crente sob o domínio do pecado e na prática de pecados inten­cionais. Ninguém que conhece a doutrina pura faria a inopor­tuna afirmação de que o cristão pode perfeitamente ser um fornicador e um adúltero. Semelhante pensamento não entra­ria na cabeça de um verdadeiro mestre na palavra de Deus. Entretanto, na intenção de apresentar a corrupção universal da humanidade de modo bastante drástico, o pregador facilmente cede à tentação de desviar-se da doutrina pura. Quanto dano não se pode causar quando se anuncia às pessoas que nós, seres humanos, vivemos em todas as abominações, atos ver­gonhosos e vícios possíveis, sem que se faça a devida especificação: "por natureza o homem é assim", ou, "enquanto alguém continua em seu estado de depravação natural e ainda não foi regenerado". Feitas essas ressalvas, é claro que você pode descrever, então, a horrível condição do homem natural do modo mais drástico possível. Todavia, dirigindo-se a uma congregação cristã, você deve tomar cuidado, para não insinu­ar que todos os cristãos ainda vivem na prática de tais vícios e atos vergonhosos. A tentativa dos pietistas de dividir a humani­dade em tantas classes diferentes, na verdade, foi algo prejudi­cial e perigoso e fez com que ninguém mais estivesse em con­dições de dizer a que classe pertencia. Isso, por outro lado, não deve impedir que, em nossos sermões, apresentemos as duas grandes classes em que a humanidade de fato está distribuída, a saber: crentes e descrentes, santos e ímpios, convertidos e não-convertidos, regenerados e irregenerados. Essa classifi­cação é corrente através de toda a Escritura. Confira Marcos 16.16; Mateus 5.45; 9.13; 13.38. Seus ouvintes precisam saber que só podem ser, ou espiritualmente mortos, ou espiritualmen­te vivos; ou convertidos, ou não-convertidos; que eles estão, ou sob a ira de Deus, ou no estado da graça; que eles são, ou cristãos, ou não-cristãos; que estão, ou entorpecidos em seus pecados, ou, estão lúcidos para uma vida nova com Deus; que pertencem, ou ao reino do diabo, ou ao reino de Deus.
                {Mesmo que o cristão continue por natureza, pecador, o pregador facilmente cede à  tentação de “informar” os ouvintes de que eles, como o mundo, também são totalmente corruptos. Em contrapartida empenha-se muito pouco em informa-los da graça absoluta de Deus diante de quem agora, crentes confessos, são santos e irrepreensíveis por causa de Jesus.}
Ao final desta vida, existem apenas dois destinos - céu e inferno. Haverá apenas duas sentenças para os homens: ou a condenação, ou a vida eterna. Logo, existem apenas duas clas­ses de homens nesta vida. Os de uma classe vão diretamente ao inferno; os da outra, para o céu (Mt 7.13-14). Fazer confusão entre essas duas classes de homens consiste numa terrível mis­tura entre lei e evangelho. A lei produz pecadores condenados; o evangelho, homens livres e bem-aventurados.
{O Pregador cristão não pode deixar os seus ouvintes na dúvida ou inseguros quanto às promessas do evangelho, porque somente existem duas classes de pessoas: cristãos e ímpios; salvos e condenados. A Bíblia desconhece cristãos em diferentes graus de conversão. Também o cristão frágil na fé deve ser assegurado da sua salvação e coberto pelo manto da justiça de Cristo na pregação, como Paulo faz aos Coríntios, Efésios e todas as cartas. Cf. tese 9, destaques, pp.39 e 40}
Romanos 6.14: Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei e sim da graça. O pecado não será capaz de dominar os cristãos. É absolutamente im­possível que alguém que se encontra no estado da graça, possa permitir que o pecado domine sobre ele.
1 Coríntios 6.7-11: O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano? Mas vós mes­mos fazeis a injustiça e fazeis o dano, e isto aos próprios irmãos! Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus. Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justifica­dos em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. Nenhuma pessoa que incorre nos pecados men­cionados nessa passagem, herdará o reino de Deus, a menos que se arrependa. O arrependimento do cristão consiste em que ele não mais deseja voltar à prática desses pecados. Quem os comete intencionalmente tem, com base nisso, uma prova de que não é cristão; é, isto sim, indivíduo condenado, que é impulsionado por um espírito infernal e não pelo Espírito Santo.
2 Pedro 2.20-22: Portanto, se, depois de terem escapado das contaminações do mundo mediante o conhecimento do Senhor e Salvador Jesus Cristo, se deixam enredar de novo e são vencidos, tornou-se o seu último estado pior que o primeiro. Pois melhor lhes fora nunca tivessem conhecido o cami­nho da justiça do que, após conhecê-lo volverem para trás, apartando-se do santo mandamento que lhes fora dado. Com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro: O cão vol­tou ao seu próprio vômito; A porca lavada voltou a revolver-se no lamaçal. Nessa passagem, o apóstolo Pedro fala de pessoas que uma vez eram filhos de Deus, que tiveram um vivo conhecimento do Senhor Jesus, e estavam no estado da graça divina. Como pode, então, alguém ser tão descarado a ponto de afirmar que a pessoa, uma vez convertida, permane­ce neste estado mesmo que incorra em determinado pecado, a exemplo de Pedro e Davi?
            {Quando mencionar pecadores abomináveis o pregador não pode se referir aos cristãos. Neles vemos fraquezas, que Jesus cobre com o manto da justiça e vemos também boas obras que Deus realiza através deles e das quais Deus se agrada. Assim a fé pode crescer. Fruto desta pregação cada cristão deve saber aplicar a si a declaração de Deus: “Este é o meu meu filho amado em quem me comprazo.” (Mt. 3.17)Ed Alemã, p. 308.}
Romanos 8.13,14: Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. To­dos aqueles que não são guiados pelo Espírito Santo, e sim pela sua carne, não são filhos de Deus; são servos de Satanás.

19ª TESE
Em décimo quinto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o pregador se refere a determinados pecados como sendo não-condenáveis em si, mas, sim, de natureza venial.
Já constatamos que se deve fazer uma diferenciação entre pecados mortais e pecados veniais. Todo aquele que não faz essa diferenciação, falha na correta separação de lei e evange­lho. Entretanto, deve-se ter bastante cuidado ao fazer a dife­renciação entre esses dois tipos de pecado. Deve-se deixar claro que se faz essa diferenciação apenas para mostrar que existem determinados pecados que expulsam o Espírito Santo do cora­ção do crente. Expulsando-se o Espírito Santo, elimina-se igual­mente a fé; porque, sem o Espírito Santo, ninguém pode vir à fé, nem permanecer neste estado. Denominamos de pecados mortais aqueles que expulsam o Espírito Santo e operam* em nós a morte espiritual. Todo aquele que já foi cristão, imediata­mente perceberá quando o Espírito Santo o abandonou. Isso se demonstrará no fato de estar impossibilitado de orar a Deus numa atitude filial, e por não estar mais em condições de resis­tir às tentações como costumava fazer, isto é, ousada e vigorosamente. Ele se sentirá como que acorrentado ao peca­do, tal qual um escravo. Feliz daquele que, ao menos, reconhe­ce essa sua situação! Ele pode ser reconduzido a Deus. Mas enquanto ele ainda se encontra neste estado, não está em co­munhão com Deus.
Denominamos de veniais aqueles pecados que um cristão comete sem que, com isso, elimine a ação do Espírito Santo dentro de si. São pecados de fraqueza ou precipitação. Muitas vezes, são descritos como os pecados do dia-a-dia do cristão.
Devemos ser extremamente cuidadosos para não criarmos a falsa noção de que os pecados veniais são pecados com os quais o indivíduo não precisa se preocupar muito, e pelos quais não precisa pedir perdão. Não raras vezes, acontece que pre­gadores dão a entender que os cristãos não precisam se preo­cupar com os pecados veniais. Já que todos são pecadores e visto que ninguém consegue se livrar completamente do peca­do, eles insinuam que não há motivo para que alguém se inqui­ete por causa desses pecados. Entretanto, uma tal pregação é, de fato, terrível e anticristã.
Mateus 5.18,19: Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensi­nar aos homens será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será consi­derado grande no reino dos céus. É interessante observar o contexto dentro do qual o Senhor profere essas palavras. Jus­tamente no versículo anterior, ele afirma que veio para cumprir a lei. Visto, pois, que o Senhor teve de cumprir cada uma das leis e todos os mandamentos em nosso lugar, é, na verdade, espantoso quando um homem, um pecador e miserável verme, pretende dispensar uma lei de Deus, julgando-a de somenos importância. Quem alimenta noções dessa espécie não é cris­tão. Caso alguém, secretamente, tenha se consolado com essa idéia, esse mentiu para si mesmo e enganou-se redondamente. Igualmente, nesta questão, o cristão apresenta-se como alguém que teme pela prática de um só pecado que seja.
{É terreno escorregadio para o pregador diferenciar e classificar  pecados. Jesus veio cumprir a lei, porque todo e qualquer pecado é passível das penas do inferno.}
O Senhor também se refere a alguém que pretende "ensi­nar aos homens". Já temos um grande mal, quando alguém pessoalmente despreza determinada lei e vive desregradamen­te; contudo, pior do que isso é quando ele prega essas suas noções ambíguas e, através de sua pregação, conduz os ho­mens para a perdição. Ele terá de prestar contas de sua prega­ção diante de Deus, e, naquele dia, ele não poderá apresentar a desculpa de que se tratava, apenas, de questões triviais que ele deixou de ressaltar devidamente, fazendo com que ninguém precisasse se afligir por causa delas. Um cristão aflige-se até mesmo por coisas insignificantes, mas os ímpios julgam que podem escapar "por meio de sua iniqüidade" (SI 56.7).
Mateus 12.36: Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do juízo. Esse exemplo concreto nos mostra o quão abominável é dizer que existem pecados que são veniais em si e que são automa­ticamente perdoados por Deus, porque ele não os considera um mal tão grande assim. Aqueles que se expressam assim fazem do santo e justo Deus um homem velho e fraco que, a exemplo de Eli, permite que seus filhos pequem, e apenas diz: "Não, meus filhos" (1 Sm 2.24), pensando que, com isso, cum­priu todo o seu dever. É verdade, Deus é Amor; contudo ele também é Santidade e Justiça. Deus se transforma num terrível fogo consumidor para com aquele que se levanta contra ele, e o fogo de sua ira vai ao encalço do pecador até o mais profundo inferno. Toda a palavra frívola pela qual o homem for interrogado no dia do Juízo, já será suficiente para a sua con­denação. Pergunto, pois, qual é o cristão que, ao final de um dia em que disse muitas coisas, pode afirmar que não proferiu uma só palavra fútil? São poucos. Por uma única palavra fútil que seja, os cristãos devem, de coração contrito, suplicar o perdão de Deus e prometer que, no futuro, exercerão maior controle sobre sua língua. Se Deus não lhes perdoasse as pala­vras frívolas proferidas, estas já seriam o bastante para condená­-los. Pecado venial em si, não existe; existem, isto sim, pecados que não impedem que se creia em Jesus Cristo de todo o cora­ção.
{Aqueles que se expressam assim fazem do santo e justo Deus um homem velho e fraco, que a exemplo de Eli, permite que seus filhos pequem e apenas diz: “Não, meus filhos”.}
Tiago 2.10: Pois qualquer que guarda toda lei, mas trope­ça em um ponto, se torna culpado de todos. Se alguém guar­dasse 999 de um total de 1000 mandamentos, seria culpado de toda a lei. Isso aplica-se a cada um dos assim denominados pecados veniais. A menos que um cristão tenha uma viva com­preensão desse fato, ele deixará de ser cristão. O que faz de alguém um cristão é o fato de ele reconhecer em fé que, em primeiro lugar, ele não passa de um miserável e maldito peca­dor, que estaria perdido para sempre, caso Cristo não tivesse morrido por ele; e, em segundo lugar, que Jesus Cristo, verda­deiro Deus, gerado do Pai na eternidade, e também verdadeiro homem, nascido da virgem Maria, redimiu-o, uma criatura per­dida e condenada, comprou-o e resgatou-o de todos os dos, da morte e do poder do diabo. Um cristão deve reconhecer-se pecador perdido e condenado; caso contrário, todo o seu palavrório a respeito da fé será vão e desprezível.
{É mais uma atitude de vida, do que palavras piedosas e discurso contrito. Reflete-se diretamente  na forma como interage com o próximo no dia-a-dia, em qualquer circunstância.} 
Gálatas 3.10: Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escri­tas no livro da lei, para praticá-las. A maldição atingirá todo aquele que não permanecer em todas as coisas escritas no livro da lei. Logo, não pode haver pecado que seja de natureza venial. Os pecados são veniais apenas por causa de Cristo.
1 João 1.7: Se, porém, andarmos na luz, como ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado. O apóstolo deixa claro: "de todo o pecado". Ele não diz: "de todos os pecados mortais, de todos os pecados graves e grosseiros". Logo, o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, necessariamente tam­bém foi derramado para apagar os assim denominados peca­dos veniais. Se isso é assim, então os pecados veniais também devem ser mortais em si. O pecado é algo terrível por se tratar de uma "anomia", isto é, um ato fora da lei. O pecado é rebe­lião contra o santo, onipotente Deus, nosso supremo, celestial legislador.
Mateus 5.21,22: Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e:Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, po­rém, vos digo que todo aquele que [sem motivo J se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento no tribu­nal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Não existe cristão que não tenha motivo para queixar-­se por ter estado irritado com seu irmão, mesmo que tenha sido por pouco tempo. Ele o fez num momento de fraqueza; não obstante, cometeu um pecado do qual deve se envergonhar. Quando Cristo diz: "estará sujeito a julgamento", ele coloca a raiva e o assassinato no mesmo plano. A palavra "raca" denota aquela raiva no coração que se manifesta em palavras de ira e através de gestos. A situação atinge seu pior estágio, quando a pessoa furiosa grita: "tolo!" A lei, de imediato, destina uma tal pessoa encolerizada para o fogo do inferno.
Todos esses textos examinados provam que os assim deno­minados pecados veniais não são veniais em si, em sua nature­za, mas, sim, pecados que levam à condenação, pecados mor­tais. A respeito daqueles que crêem, entretanto, está escrito:
"Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1). Contudo, é precisamente o crente quem encara o pecado como assunto da maior seriedade.
{Porque se for, e quando for, assegurado devidamente da graça de Deus, terá a coragem que Deus lhe dá na fé de confessar-se sem temor e obter, através  do pregador, consolo, alivio e paz tornando-se assim, uma árvore que produz frutos aceitáveis a Deus.
Pregação evangélica implica ressaltar o pecado. O prega­dor deve emitir um severo juízo sobre o pecado, pois cabe a ele anunciar o juízo de Deus. Nem mesmo dos pecados ve­niais você deve fazer pouco caso. Convém lembrar que cada dia você peca em tal proporção, que Deus se veria obrigado a lançá-la no inferno; entretanto, Deus não o fará, porque você crê em Cristo. Lembre-se, constantemente, de que, caso Deus o tratasse consoante sua justiça, você seria condenado ao inferno. Você deve temer e agir como se estivesse cheio de pecados mortais.
Por último, a própria experiência cristã comprova que ne­nhum pecado é venial em sua natureza. Qualquer cristão fiel lhe assegurará que sua experiência é esta: tão logo peque, sen­te uma inquietação que persiste até o momento em que suplica o perdão de Deus. O alarma da consciência é imediatamente acionado dentro de todo o fiel cristão.

20ªTESE
                Em décimo sexto lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se faz com que a salvação de uma pessoa dependa de sua filiação a uma igreja ortodoxa visível, e quando se nega a salvação a todo aquele que erra em qualquer um dos artigos de fé.
Parece estranho que certos homens tenham chegado à dou­trina de que a Igreja Luterana visível é a igreja fora da qual não há salvação. A mãe desse terrível erro que estamos estu­dando é a doutrina que diz que a igreja é uma instituição visí­vel que Cristo estabeleceu na terra, que em nada difere de um estado religioso, e que é governada por superintendentes, bis­pos, concílios eclesiásticos, pastores, diáconos, sínodos e ou­tros mais. Todo aquele que está, ao menos um pouco, familia­rizado com a palavra de Deus, sabe que esta é uma concepção errônea. Não é assim que diz o Salvador: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalece­rão contra ela" (Mt 16.18)? Esta pedra é Cristo. Ninguém é Membro da igreja não ser aquele que está edificado sobre Cristo. Ser edificado sobre Cristo não significa ligar-se meca­nicamente à igreja, mas, sim, depositar a confiança em Cristo e esperar receber justiça e salvação apenas dele. Quem não procede dessa maneira não está edificado sobre esta rocha e, conseqüentemente, não é membro da igreja de Jesus Cristo.
{Induzir pessoas a crer que sua fé deve ser avaliada a partir de seu zelo a favor de uma instituição visível, que também se chama igreja, é erro terrível.}
Efésios 2.19-22: Assim, já não sais estrangeiros e peregri­nos, mas concidadãos dos santos, e sais da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sen­do ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para a habitação de Deus no Espírito. Ec1ificado sobre o fun­damento dos apóstolos e profetas está somente aquele que se apega à palavra deles com uma fé inabalável. Logo, aquele que não tem fé viva, não é membro da igreja. No que diz res­peito a seu relacionamento com Cristo, ele não passa de um estranho; a igreja, todavia, é a noiva de Cristo.
Cristo também é denominado de Cabeça da igreja. Logo, somente pode ser membro da igreja aquele que recebe luz, vida, poder e graça emanados de Cristo, o Cabeça. Todo aquele que não está nessa ligação espiritual com Cristo, não o tem por seu Cabeça. Todo aquele que é seu próprio senhor, e não é governado por Cristo, não pertence à igreja.
Numa outra passagem, o apóstolo chama a igreja de corpo de Cristo. Esse fato levou muitos, mesmo dentre os mais fiéis luteranos, a afirmar que, já que um corpo é algo que se vê, a igreja também deve ser visível. Tal exegese, entretanto, é abo­minável. O ponto de comparação na passagem acima mencio­nada não é a visibilidade da igreja, mas sim, que a igreja, ao invés de ser constituída de muitas partes inertes, é um organis­mo vivo, constituído de membros dentro dos quais flui uma fé e uma energia de fé. Isso mostra, de modo irrefutável, que a igreja não é visível, e, sim, invisível. Membro da igreja é so­mente aquele que experimenta o constante fluxo de energia procedente de Cristo, o Cabeça da igreja.
Cristo também denomina sua igreja de seu rebanho. Logo, ninguém é membro da igreja a menos que pertença ao rebanho de Cristo, a menos que seja uma de sua ovelhas, apascentadas por ele e obedientes à sua voz.
Levanta-se a objeção de que Cristo compara a igreja a um campo no qual crescem, tanto o trigo quanto o joio. Essa obje­ção, entretanto, deve-se a uma interpretação errônea da pará­bola. Ele não diz: "O campo é o meu reino". Nesse caso, a igreja seria uma sociedade constituída de membros bons e maus. Entretanto, Cristo diz: "O campo é o mundo" (Mt 13.38), A Apologia da Confissão de Augsburgo acentua esse fato, O Salvador compara sua igreja a um campo onde trigo e joio crescem juntos; a uma rede que apanha peixes bons e ruins: a uma festa de casamento à qual comparecem também virgens néscias, e para a qual, segundo uma outra parábola, certo ho­mem teve acesso sem trajar a veste nupcial. Por meio de todas essas parábolas, Cristo não pretende descrever a essência da igreja, e sim, o modo como ela se apresenta externamente nes­te mundo, bem como deixar claro qual é a sua sorte nesta ter­ra, a saber: mesmo que seja constituída apenas de boas ove­lhas, de pessoas regeneradas, a igreja nunca se apresenta na forma de uma congregação composta apenas de fiéis cristãos. Na sua forma visível, a igreja nunca se vê livre de hipócritas e ímpios que se alojam nela. Somente depois da consumação da vida eterna, a igreja será triunfante, totalmente pura e sem mácula, separada daqueles que não estavam honesta e since­ramente ligados a ela, mas que, por meio de uma adesão exter­na, buscavam apenas satisfazer seus próprios interesses mun­danos. Hipócritas e cristãos fingidos podem confessar Cristo com os lábios, contudo seu coração está longe dele. Eles ser­vem a seus próprios desejos carnais e não ao Senhor tão so­mente. Em Lucas 14.26, o Senhor diz: "Se alguém vem a mim, e não aborrece seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo." Nessa passagem, Cristo pronuncia juízo sobre todos aqueles que não desejam renunciar àquilo que possuem. Quando todos estiverem reunidos diante do trono do juízo de Cristo, apenas então será revelada sua hipocrisia. Podemos ver quando as pessoas vão para a igreja, contudo não podemos determinar se, de fato, pertencem à igreja ou não. É impossível dizer se este ou aquele indivíduo é membro da igreja verdadeiramente.
Nenhum homem o sabe, somente Deus. A igreja é visível tão somente aos olhos de Deus; aos olhos dos homens, ela é invisível.
Esse erro que estamos analisando, constitui-se na principal falsidade de nossos dias. Isso porque os adeptos dessa doutri­na falsa pretendem ser bons luteranos, opostos aos papistas, quando, na realidade, apenas trocaram armas com os papistas. A princípio, os papistas defenderam essa doutrina falsa; agora são os luteranos que ousam afirmar, contra aqueles, que são a única igreja na qual há salvação. Desse estado de coisas, as únicas conclusões que se seguem são de que, ou a igreja do papa é a verdadeira, ou a igreja verdadeira havia perecido an­tes de Lutero. A Escritura, entretanto, afirma que a igreja ver­dadeira não pode perecer; ela se manterá de pé até o fim dos tempos. Todavia, uma igreja, denominada "luterana" não existiu antes do décimo sexto século. É verdade, desde os dias dos apóstolos, nenhuma igreja houve que tivesse tido a doutrina pura em tal proporção como nossos pais a tiveram. Logo, ou a Escritura é falsa, ou a Igreja Romana era de fato a igreja ver­dadeira e a reforma de Lutero, uma rebelião. Eis o intrincado dilema que se antepõe a todos aqueles que pretendem susten­tar uma tal doutrina errônea concernente à igreja.
{A princípio, os papistas defenderam essa doutrina falsa; agora são os luteranos que ousam afirmar, contra aqueles, que são a única igreja na qual há salvação. Isto não é sempre dito assim. Mas congregações e pastores agem como se realmente pertencer a determinada igreja fosse essencial a fé.}
Mas o pior de tudo, sem dúvida, é isto: Fazer com que a salvação de alguém dependa de sua filiação e comunhão com a igreja ortodoxa visível implica anular a doutrina da justifica­ção pela fé. As pessoas que se filiam à Igreja Luterana já têm a fé verdadeira antes disso. É um grave engano pensar que Lutero, antes de se tomar luterano, não tinha a fé verdadeira. Por mais que estimemos nossa igreja, longe de nós esse fanatismo abominável de que a Igreja Luterana é a única igreja que salva! A verdadeira igreja estende-se por todo o mundo e pode ser encontrada em todas as seitas. A igreja não é um organismo externo, com organização própria, ao qual o indiví­duo deve adaptar-se para que se torne membro. Todo aquele que crê em Jesus Cristo e é membro de seu corpo espiritual, é membro da igreja. Essa igreja, por outro lado, não pode ser dividida; ela permanece unida, apesar de seus membros esta­rem separados entre si por meio do tempo e do espaço.
               {Fanatismo abominável: induzir pessoas a crer que caso não obedeçam a regras estabelecidas pela igreja, sua fé e filiação à igreja estão em perigo. Isto não é luterano. Pelo contrario, é apostasia do luteranismo. E luteranismo é ensinar às pessoas as que são salvas e justificadas pela graça.}
Tira-se uma conclusão falsa a partir das referências que a Escritura faz a comunidades eclesiásticas externas como às de Roma; Corinto, Filipos, Tessalônica, da Galácia e da Ásia Menor, às quais o Senhor enviou cartas através de São João. Todas essas comunidades visíveis são denominadas de igre­jas. Logo, dizem alguns, a igreja é visível. - Já o próprio Lutero, para evitar que o povo imaginasse que o papa é a igreja, tradu­ziu a palavra "ekkleesía" por "congregação"*, o que está cor­reto. A conclusão que se tira do emprego dessa palavra, indi­cando igrejas locais, está errada, porque as Escrituras, via de regra, empregam o termo "ekkleesía" quando têm em mira, não igrejas locais, mas sim, a igreja no sentido absoluto. E essa é uma comunidade invisível. Emprega-se "ekkleesía," quando se fala de organizações locais, porque a igreja invisí­vel está contida nelas. Coisa semelhante a isso acontece, quando falamos de um monte de trigo, mesmo que nem tudo seja tri­go, pois grande parte é capim e palha. Ou então, falamos de um copo de vinho, apesar de lhe ter sido acrescentada água. Em tais casos, o objeto recebe o nome a partir de seu conteúdo principal. Da mesma forma, as comunidades visíveis são de­nominadas "igrejas," porque, dentro delas, está a igreja invisí­vel, porque elas contêm uma semente celestial. Os cristãos infiéis e hipócritas também recebem o nome de "membros da congregação", apesar de, na realidade, não o serem. Já que eles confessam o nome de Jesus, atribuímos-lhes esse título por consideração, na suposição de que eles de fato crêem o que confessam.
Também a Igreja Luterana, na qualidade de comunidade visível, é denominada "igreja" num sentido sinedóquico. Por isso, é um terrível engano afirmar que as pessoas só podem ser salvas dentro da Igreja Luterana. Ninguém deve ser levado a filiar-se à Igreja Luterana por pensar que ó a sim terá acesso à igreja de Deus. Em Isaías 55.11, temos a promessa: "Minha e Palavra ... não voltará para mim vazia". Onde a palavra de Deus ) ainda é proclamada e confessada, ou até mesmo lida durante o culto, ali o Senhor também está reunindo um povo para si. A Igreja Romana, por exemplo, ainda confessa que Cristo é o Filho de Deus e que ele morreu na cruz para redimir o mundo. Isso já é verdade suficiente, para que alguém chegue ao co­nhecimento da salvação. Quem nega esse fato, igualmente é forçado a negar que existem cristãos em algumas congrega­ções luteranas dentro das quais afloraram doutrinas falsas. Nessas congregações, sempre existem alguns que são filhos de Deus. Isso porque eles têm a palavra de Deus que sempre produz fruto na conversão de algumas almas para Deus.
A doutrina falsa referente à igreja, que estamos abordando nesta tese, implica uma confusão fatal entre lei e evangelho. O evangelho diz: "Crê no Senhor Jesus Cristo"! A Lei, ao con­trário, confronta o homem com toda sorte de exigências. Apre­sentar o cumprimento de certa exigência como necessário para a salvação, ao lado da fé, da aceitação das promessas do evan­gelho, é fazer confusão entre lei e evangelho. Sou membro da Igreja Luterana pelo simples motivo de querer permanecer ao lado da verdade. No momento em que reconheço que a igreja a que pertenço abriga doutrinas falsas em seu meio, com as quais não quero me contaminar, eu abandono essa igreja. Não desejo tornar-me cúmplice dos pecados de outros e, por isso, abandonando uma comunidade herética, estou confessando a verdade pura e inalterada. Cristo diz: "Portanto todo aquele que me confessar diante dos homens, também eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus; mas aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus". (Mt 10.32-33). Paulo diz expressamente a Timóteo: "Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado que sou eu." (2 Tm 1.8).
Dizer que é possível que os homens se salvem dentro de qualquer uma das seitas e que, em todas as igrejas sectárias, encontram-se filhos de Deus, de maneira nenhuma nos leva a concluir que se pode permanecer em comunhão com uma sei­ta. Muita gente não consegue compreender esse fato; pensam que afirmar que um indivíduo pode ser salvo em qualquer uma das seitas é um princípio totalmente unionista. Fato é que pode haver salvação em qualquer uma das seitas; o motivo para tan­to é que somos salvos por fé, e esta alguns membros das seitas podem perfeitamente ter. Entretanto, se reconheço o erro de minha comunidade sectária e não me retiro dela, serei conde­nado ao inferno, porque, mesmo vendo o erro, não estive dis­posto a dodona-lo.
A Igreja Luterana é, de fato, a verdadeira igreja visível; entretanto, apenas no sentido de que ela tem a verdade pura, inalterada. Tão logo você, ao falar da Igreja Luterana, fizer a observação de que ela é a “única que salva”, você terá diminu­ído a doutrina da justificação por graça através da fé em Cristo Jesus e feito confusão entre lei e evangelho.

21ªTESE
Em décimo sétimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se ensina que os sacramentos agem salvificamente ex opere operato, isto é, pelo simples levar a efeito extremo de um ato sacramental.
Quem ensina o grave erro abordado nesta tese são os papistas. Ensinam às pessoas que, mesmo sendo descrentes, terão algum benefício do batismo simplesmente submetendo­-se a ele, desde que, no momento, não estejam vivendo em pe­cado mortal. Afirmam que esse simples ato já lhes traz o favor de Deus, ou, faz com que Deus se torne gracioso para com eles. Idêntico é o que ensinam quanto à missa e à ceia do Se­nhor, a saber: obtém-se graça pelo simples participar desses rituais. Essa doutrina é contrária à palavra de Deus, de modo especial ao evangelho, que deixa claro que o homem é justifi­cado diante de Deus e salvo tão-somente por graça e que ele não pode praticar uma boa obra sequer antes de sua justifica­ção.
Romanos 3.28: Concluímos, pois, que o homem é justifica­do pela fé, independentemente das obras da lei. Se sou justifi­cado, se obtenho a graça, submetendo-me ao batismo, ou, pelo fato de participar da santa ceia, então sou justificado por obras, e por obras tão mesquinhas que nem são dignas de serem men­cionadas. Sim, porque é precisamente nisso que resultam ba­tismo e santa ceia, quando encarados como obras que nós fa­zemos. Essa doutrina de que a pessoa obtém a graça divina desde que faça uso externo dos sacramentos é terrível e con­tradiz totalmente o ensino da Bíblia. Fato é que o batismo e a santa ceia colocam o homem sob juízo, caso ele não se aproxi­me deles com fé em seu coração. Eles são meios da graça ape­nas porque aos sinais externos (água, pão e vinho) está ligada uma promessa de Deus. Tão-somente permitir que derramem água sobre mim, de nada me aproveitará. Da mesma forma, de nada me aproveita comer o pão e beber o vinho consagrados na santa ceia, mesmo que nela eu receba, verdadeiramente, o corpo e o sangue do Senhor. Participar da santa ceia sem fé, antes de tudo me será prejudicial, porque me torno culpado do corpo e sangue do Senhor. É da máxima importância que eu creia; que, no batismo, eu considere, não a água, mas, sim, a promessa que está ligada à água. É a promessa que requer que se batize com água; isto porque a promessa foi ligada tão-so­mente à água. O mesmo se aplica à santa ceia: imaginar que o ato de participar da mesa do Senhor, cumprindo assim sua vontade, é mais um mérito que será contado a nosso favor, na verdade não passa de um pensamento pagão. O Senhor diz: "Tomai, comei; isto é o meu corpo, que é dado por vós." "Bebei dele todos; este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós para remissão dos pecados." Essas palavras encerram todo um céu de graça divina para o comungante, e é em direção a elas que o comungante deve dirigir sua fé. O simples ato de comer o pão com o corpo de Cristo e beber o vinho com o sangue de Cristo, não produz efeito bené­fico algum em nós. A graça não opera química ou mecanica­mente, senão que apenas através da palavra, em virtude do fato de Deus continuamente dizer: "Teus pecados estão perdo­ados". A essa pa1avra devo apegar-me, na fé. Se eu proceder assim, então posso, no Último Dia, comparecer confiantemen­te diante de Deus. E mesmo que ele estivesse por condenar-­me, eu poderia dizer: "Tu não podes condenar-me sem que, com isso, te faças mentiroso. Intimaste-me a depositar toda minha confiança na tua promessa. Eu o fiz, logo, não podes condenar-me, como também sei que não vais fazê-lo". Se Deus quisesse provar a fé de seus cristãos ainda no Último Dia, to­dos os santos clamariam: "Não podemos ser condenados ao inferno. Eis aqui Cristo, nosso Fiador e Mediador. Terás de reconhecer, ó Deus, o resgate que teu Filho pagou pelos nos­sos pecados e pela nossa culpa".
{ O Pregador não pode deixar nos seus ouvintes a impressão de que o importante é a presença deles na santa ceia (obras). Devemos antes falar de tal maneira que, em descrevendo os benefícios, os dons e a graça de Deus, sintam-se assim atraídos a vir se temor e com alegria.}
Romanos 14.23: Mas aquele que tem dúvidas é condenado se comer, porque o que faz não provém de fé; e tudo o que não' provém de fé é pecado. Como pode, então, alguém que partici­pa dos sacramentos sem fé, tornar-se aceitável a Deus, ou ob­ter a graça de Deus através deste ato, já que ele peca ao fazer algo que não procede da fé? Relacionado a isso, deve-se tam­bém considerar o que Hebreus 4.12 diz a respeito da ação da palavra de Deus sobre o íntimo do homem.
Os falsos mestres admitem que a pregação, a menos que seja recebida com fé, de nada aproveita aos ouvintes, senão que apenas aumenta sua responsabilidade. Insistem, entretan­to, que, em se tratando dos sacramentos, a situação é diferen­te, pois estes, segundo eles, têm a seguinte grande vantagem sobre a palavra pregada: sempre que o homem simplesmente os utiliza, Deus, em sua graça, opera através deles. Essa é um doutrina pagã! Os sacramentos não são outra coisa senão; palavra de Deus ligada a um símbolo. Agostinho denomina-o: magnificamente de "palavra visível" (verbum visible). A palavra de Deus em nada aproveita àquele que não crê. Da mesma, forma, um descrente em nada é beneficiado, submetendo-se ao batismo. Quando insistimos com as pessoas para que crei­am em seu batismo, nossa intenção é que creiam em seu Pai celeste, que ligou uma tão gloriosa promessa ao batismo. A idéia de que Deus fica extremamente satisfeito, quando alguém apresenta sua cabeça para que sobre ela seja derramada água, não passa de um abominável abuso da palavra. Assim como a palavra não beneficia aquele que não crê, também os sacra­mentos beneficiam apenas aqueles que se apegam aos mes­mos na fé.
O evangelho simplesmente diz: "Crê, e serás salvo"; a lei, ao contrário, ordena: "Faze isto, e viverás". Se, pois, o simples fato de ser batizado e participar da santa ceia concede graça a alguém, então o evangelho foi claramente transformado numa lei, porque, nesse caso, a salvação baseia-se naquilo que o ho­mem faz. Além disso, a lei foi transformada em evangelho, porque se promete a salvação como uma recompensa pelas obras que alguém faz.
Alguém poderia pensar que é totalmente impossível que um pregador cristão ensine que os sacramentos agem salvificamente ex opere operato; entretanto isso sempre, de novo, acontece. Esse terrível erro é ensinado precisamente por aqueles que pretendem ser 1uteranos bastante rigorosos, e acon­tece toda vez que abordam os sacramentos como tema. Ao concluírem sua exposição da doutrina do batismo, cada ouvin­te tem a clara impressão de que, para alcançar o céu, basta que alguém se submeta ao batismo. Tendo concluído sua apresen­tação da doutrina da santa ceia, as pessoas estão convictas de que, para receber o perdão de pecados, tudo o que se precisa fazer é participar da santa ceia, já que Deus ligou sua graça a esse ato externo.
{Rigorosos em induzir os fiéis a pensar que Deus mais espera deles que freqüentem os cultos, participem dos sacramentos e sem comprometam com a igreja. Esta é uma doutrina pagã e abuso da palavra. “E quem se aproxima do altar para cumprir um dever, este come e bebe para sua condenação” The Proper Distinction P. 354}
Se a palavra pregada não beneficia o indivíduo, a menos que ele creia nela, então também o ser batizado e participar da comunhão de nada adiantará àquele que não tem fé. Anunciar alguém que ele será salvo através da fé, não é outra coisa senão dizer que será salvo por graça. A maioria das pessoas apresenta o assunto da seguinte maneira: "Se você quer ser salvo, você não deve fazer esta ou aquela obra, mas sim - deve ter fé! É isso que Deus requer de você." Contrário a isso, con­vém relembrar o que o apóstolo diz em Romanos 4.16: "Essa é a razão por que (a justiça) provém da fé, para que seja segundo a graça". Qualquer ensino que se levante contra a doutrina de que o homem é salvo, não por suas próprias obras, sua condu­ta, ou qualquer outro esforço de sua parte, mas tão-somente por graça, é um erro que subverte por completo o fundamento da doutrina cristã. "Você deve crer", significa: "Você deve acei­tar o que lhe está sendo oferecido". Nosso Pai dos céus ofere­ce perdão dos pecados, justiça, vida e salvação aos homens. Entretanto, de que aproveita um presente, se ele não é aceito? Aceitar um presente não é uma obra através da qual se merece o presente; significa, isto sim, tomar posse daquilo que está sendo oferecido.
Marcos 16.16: Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. Jesus não diz: "Quem for batizado e crer", mas, sim, "Quem crer e for batizado". A fé é a necessidade de primeira ordem; o batismo é algo a que a fé se apega. Além disso, o Senhor acrescenta: "Quem, porém, não crer, será condenado". Isso deixa claro que, mesmo que não tenha sido possível a alguém submeter-se ao batismo, ele será salvo, desde que creia.
Atos 8.36,37: Seguindo eles caminho fora, chegando a certo lugar onde havia água, disse o eunuco: Eis aqui água; que impede que seja eu batizado? [Filipe respondeu: É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, dis­se: Creio que Jesus Cristo é Filho de Deus.] A única coisa que Filipe exigiu foi a fé. Ele praticamente disse ao eunuco: "Se você não crê, de nada lhe adiantará ser batizado". No mo­mento do nosso batismo, não somos nós que fazemos uma obra, mas, sim, Deus.
Gálatas 3.26,27: Pois todos vós sais filhos de Deus medi­ante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revivestes.No batismo, somente aquele que crê se reveste de Cristo. Essa passagem geralmente é interpretada como se todo aquele que é batizado se revestisse de Cristo. Todavia, não é isto que o apóstolo quer dizer. Ele diz: "porque todos vós", a saber, vós que sais "filhos de Deus mediante a fé". Estes de fato se revestiram de Cristo no batismo. Um descrente, ao ser batizado, não se reveste de Cristo, mas continua trajando a veste contaminada de sua car­ne pecaminosa.
Por ocasião da instituição da santa ceia, o Senhor diz: "Tomai, comei; isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória minha. Bebei dele todos; este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós para re­missão dos pecados". O Senhor não diz simplesmente: "Isto é o meu corpo"; ele acrescenta: "que é dado por vós". Ele não diz apenas: "Isto é o meu sangue", mas acrescenta: "que é derramado por vós para remissão dos pecados". Está claro que ele pretende dizer: "o principal é que vocês creiam que este corpo foi dado por vocês e que este sangue foi derramado para remissão de seus pecados. É isso que vocês devem crer, caso desejem receber a verdadeira bênção desta ceia celestial". E se Cristo acrescenta: "Fazei isto em memória minha", ele quer dizer com isto: "Façam-no em fé". Certamente não era sua intenção dizer: "Pensem em mim toda vez que partilharem o meu corpo e sangue. Não se esqueçam de mim por completo!" Todo aquele que julga que Cristo apenas admoestou seus dis­cípulos a que não o esquecessem, não conhece o Salvador. A verdadeira memória de Cristo consiste em que o comungante reflita, na fé: "Este corpo foi dado à morte por mim; este san­gue foi derramado para a remissão dos meus pecados. Isso faz com que eu possa aproximar-me do altar com confiança. Na fé, quero apegar-me a esta verdade e ter em alta estima a ga­rantia de meu Salvador" Porque, se Deus adiciona uma garan­tia visível à sua palavra, quem ousará duvidar de que sua pala­vra é verdadeira, e de que sua promessa de fato se cumprirá? Toda vez que você for participar da santa ceia, tenha, diante de seus olhos, estas palavras: "Dado por vós; derramado por vós para a remissão dos pecados". Caso você não fizer isso; caso você pensar que, indo para a santa ceia, mais uma vez cumpre sua obrigação, e que Deus vai levar em conta esse seu feito, então sua participação da santa ceia será um ato condenável. Ir para a comunhão, comer corpo de Cristo e beber seu sangue com tal mentalidade, é um atrevimento; entretanto, não é ne­nhum atrevimento apegar-se à palavra de sua promessa.
Romanos 4.11: E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não circun­cidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça. Esta passagem nos diz que Abraão creu antes de ser circuncidado. A circuncisão era para ser, nada mais nada menos, do que um selo da justiça que Abraão obteve através da fé. Na verdade, trata-se de um ato da grande bondade de Deus quando ele, sabendo quão tardos somos para crer, mesmo depois de ter­mos chegado à fé, acrescenta sinais externos à sua palavra e liga sua promessa a eles; porque os sacramentos estão ligados à palavra e compreendidos nela. A estrela luminosa que brilha nos sacramentos é a palavra.
Freqüentemente, acusa-se nossa igreja de ensinar que o batis­mo opera a adoção de filhos de Deus ex opere operato e que a ceia do Senhor opera o perdão dos pecados ex opere operato. Seria, de fato, terrível, se disséssemos primeiramente: "O ho­mem é salvo, não por obras", e acrescentássemos: "Entretanto, através destas duas insignificantes obras, o homem pode al­cançar o perdão dos pecados". É verdade, muitos luteranos determinam, pelo calendário, se está ou não na hora de partici­par mais uma vez da ceia, porque julgam que o participar da santa ceia é uma obra que o cristão deve fazer e, em relação à qual, ele não pode se dar o luxo de ser negligente. O motivo que deve impulsionar alguém para a ceia é a promessa da gra­ça que Deus ligou aos sinais externos. Aquele que se aproxima do altar, confiando nessa promessa, este deixará a mesa do Senhor com uma bênção no coração.
A Igreja Luterana dá uma ênfase tão grande aos sacramen­tos, a ponto de os entusiastas sentirem verdadeira aversão em relação a ela. A Igreja Luterana apega-se à palavra do Senhor: "Quem crer e for batizado será salvo". Eis o motivo por que ela condena todos os falsos mestres que dizem que o batismo não é outra coisa senão uma cerimônia através da qual a pes­soa é recebida na igreja. Segundo a doutrina luterana, o batis­mo "opera perdão dos pecados, salva da morte e do diabo e dá salvação eterna a todos que crêem, conforme as próprias pala­vras e promessas de Deus o afirmam". A Igreja Luterana sus­tenta que o batismo é o "o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo"; que a água, no batismo, conforme diz Pedro, "nos salva"; e que "todos quantos foram batizados em Cristo, de Cristo se revestiram". Com respeito à ceia do Senhor, a Igreja Luterana, resistindo a todos os esforços que pretendem levá-la à dúvida, sustenta a veracidade das palavras do Se­nhor: "Isto é o meu corpo, que é dado por vós; Isto é meu sangue, que é derramado por vós". A Igreja Luterana encara os sacramentos como o mais sagrado, gracioso e caro tesouro que há sobre a terra. Quando Deus ordena um ato sacramental, ele ordena algo sobre o qual repousa nossa salvação.
Entretanto, em momento algum, a Igreja Luterana afirmou que os homens são salvos através do simples uso externo dos sacramentos. Essa é uma doutrina contra a qual ela sempre levantou sua voz, sempre combateu e condenou.
O simples ato mecânico de ser batizado, caso não for acompanhado por fé, não trará ao homem outra coisa senão perdi­ção. A verdade nesta questão é a seguinte: Deus é tão bondoso que, além de fazer com que sua misericórdia seja pregada aos homens, ele os convida para o sacramento. E através deste, ele sela a promessa da graça; basta que os homens creiam nele. De modo idêntico, aquele que imagina obter perdão dos peca­dos pelo simples ato de comer e beber a ceia do Senhor, está equivocado. O corpo de Cristo não produz efeitos de natureza física, assim como os modernistas alegam, quando afirmam que ele implanta a semente da imortalidade no homem. Esse pensamento não passa de um sonho da teologia especulativa e não tem base escriturística.
Além do mais, assim como a Escritura não diz que o ho­mem é salvo pelo mero ouvir externo da palavra, ela também não ensina que os sacramentos operam de modo semelhante. O mero símbolo, posto diante dos olhos dos homens, não opera o efeito salvífico; ele apenas demonstra aquilo que a palavra proclama. Nós batizamos com água. Isto significa que o batis­mo efetua purificação do pecado, santificação, regeneração e renovação. Aquilo que eu ouço na pregação, eu o vejo no elemento externo do batismo. No coração do homem, entre­tanto, a palavra e o sacramento produzem o mesmo efeito.

22ªTESE
            Em décimo oitavo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se faz uma falsa distinção entre despertamento e conversão, e quando se confunde o NÃO PODER crer com o NÃO PERMITIR que se creia.
       Quem incorreu nessa grave confusão entre lei e evangelho, durante a primeira metade do século XVIII, foram, entre ou­tros, os assim denominados pietistas. Esses homens fizeram confusão entre lei e evangelho, isto é, mantiveram as pessoas afastadas de Cristo. Isso se deu, porque fizeram uma falsa dis­tinção entre despertamento espiritual e conversão. Declara­ram que, no que tange ao caminho da salvação, deve-se dividir a humanidade em três classes: 1) aqueles que ainda não foram convertidos; 2) aqueles que foram despertados, contudo ainda não convertidos; 3) aqueles que já foram convertidos.
{Maneira mais refinada pala qual pregadores mantêm pessoas afastadas de crsito: Qualquer tentativa, hoje, de classificar os membros da igreja ou de vê-los em categorias (relapsos, ativos, comprometidos, etc.) é uma forma de pietismo que promove barreiras dificilmente removíveis, que afastam, não aproximam as pessoas de Cristo e da sua graça.}
Essa foi, sem dúvida, uma classificação totalmente incor­reta. Eles teriam tido razão, caso entendessem por desperta­dos aqueles que, de vez em quando, recebem um forte impacto da palavra de Deus, da lei e do evangelho, mas que imediata­mente abafam esse impacto a ponto de tomá-lo sem efeito. De fato, existem pessoas que não conseguem mais continuar vi­vendo em sua segurança carnal, contudo reprimem essa sua inquietação até que Deus, mais uma vez, os esmiúça com o martelo de sua lei e, então, faz com que provem a doçura do evangelho. Entretanto, esses indivíduos despertados, aos quais os pietistas se referiam, não podem mais ser contados entre aqueles que ainda não se converteram. De acordo com a Escri­tura, podemos admitir apenas duas classes: a daqueles que es­tão e a daqueles que não estão convertidos.
É bem verdade que existem pessoas que, caso contrastadas a cristãos verdadeiros, poderiam muito bem ser consideradas como despertadas. Isso, caso se desconsidere o padrão que temos na Escritura Sagrada. Entre eles estariam, por exemplo, Herodes Antipas, Félix, Festo e Agripa.
Indivíduos como esses não podem ser contados entre os convertidos. Entretanto, não está correto referir-se a eles como sendo despertados. Quando a Escritura fala em despertamento, ela refere-se sempre à conversão. Vocês devem dividir a humanidade em apenas duas classes. As passagens que seguem deixarão claro diante de seus olhos que a Escritura entende o despertamento como conversão: Efésios 5.14; Pelo que diz: Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo te iluminará. Efésios 2.4-6; Mas Deus, sendo rico em "misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamen­te com Cristo, -pela graça sais salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Colossenses 2.12. Tendo sido sepultados, junta­mente com ele, no batismo, no qual igualmente fostes ressus­citados mediante a fé no poder de Deus que o ressuscitou den­tre os mortos.
Os pietistas, entretanto, objetam que o indivíduo que não experimentou uma genuína e profunda contrição em seu ínti­mo, ainda não é convertido, mas apenas despertado. Por contrição profunda, eles entendem uma contrição semelhante à de Davi, que passou noites inteiras chorando e pranteando em sua cama e que, por diversos dias, andou de um lado para outro, curvado e oprimido pela aflição. Todo aquele que não passou por tais experiências, que ainda não foi selado com o Espírito Santo, que não está totalmente certo de sua salvação e de que se encontra no estado da graça, que sempre se mostra indeciso e insensível, que carece de verdadeira paciência e da devida disposição em servir seu semelhante - tal pessoa, afir­mam eles, certamente não pode ser cristã; ela está despertada, contudo ainda não convertida. Essa é uma falsa suposição. Alguém pode perfeitamente ter-se tomado cristão verdadeiro sem ter passado por uma grande e terrível angústia como a de Davi. Isso porque, apesar do fato de Davi realmente ter passa­do por tais experiências, não temos nenhuma referência bíbli­ca que indique que todos devem passar pelas mesmas experi­ências e sofrer com a mesma intensidade. No que concerne ao selo com o Espírito Santo, lemos em Efésios 1.13: "Em que também vós, ... tendo nele ... crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa". Esse selar pressupõe fé, mesmo que seja uma fé bastante fraca, uma fé que constantemente tem de lutar com ansiedades e dúvidas. Não é a todos que Deus, de imediato, concede alegria na fé e coragem heróica. Que essa é a verdade pura e inalterada, pode-se constatar em cada uma das passagens que relata a conversão de pessoas. Considere, por exemplo, o auditório do primeiro Pentecostes cristão. Aquelas pessoas foram como que atingidas por uma flecha em seu íntimo e clamaram: "Que faremos, irmãos?" E Pedro não lhes responde: "Tenham calma! Primeiramente vocês devem pas­sar por um rigoroso conflito penitencial; você's terão que lutar com Deus e gritar por ele, até que o Espírito Santo lhes dê a certeza interior de que receberam graça e estão salvos". De forma alguma; o apóstolo apenas diz: "Arrependam-se, e cada um seja batizado". E imediatamente eles foram batizados. "Ar­rependam-se" significa: "Voltem-se para seu Senhor Jesus, creiam nele e, como selo de sua fé, recebam o batismo; e então tudo estará bem com vocês". Um pouco adiante, é nos relata­do a respeito desses recém-convertidos: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2.37-38,42).
Assim sendo, eles foram de fato convertidos em poucos instantes.
 O mesmo verificamos no caso do tesoureiro e administra­dor das finanças da rainha da Etiópia. Filipe não diz outra cousa senão isto: "Se você crê de todo o coração, é claro que pode"; a saber, ser batizado. Quando o tesoureiro respondeu: "Eu creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus," Filipe se deu por satisfei­to; porque ele estava ciente daquilo que o tesoureiro queria dizer com esta confissão, a saber, que ele cria no Messias, Deus e homem. Após o batismo, seus caminhos se separaram, e eles provavelmente nunca mais voltaram a encontrar-se. Filipe, de modo algum, estava aflito, perguntando-se se este homem es­tava de fato convertido ou não; ele estava absolutamente certo de sua conversão, porque ele declarara: "Eu creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus"(Atos 8.37 ss).
O carcereiro da cidade de Filipos estava em desespero, porque temia a pena de morte, por ter permitido que os prisio­neiros fugissem. Paulo barrou-o no intento de apunhalar-se, gritando: "Não faça isso! Todos nós estamos aqui!" E então voltaram-lhe à mente os pensamentos que haviam inquietado seu coração durante a noite, enquanto ele ouvia que os prisio­neiros, aos quais ele havia dispensado um tratamento tão cru­el, louvavam e glorificavam a Deus. Convencido da perversi­dade de seu coração e da magnitude de seu pecado, ele caiu aos pés dos apóstolos, exclamando: "Senhores, que é que eu devo fazer para me salvar?" E Paulo não lhe respondeu: "Isto não pode mais ser feito nesta noite. Primeiramente precisa­mos instruí-lo e certificar-nos do estado em que se encontra seu coração. Admitimos que você está despertado, contudo, conversão é uma outra história". Não; ele simplesmente disse: "Creia no Senhor Jesus, e você será salvo - você e sua família" (Atos 16.27 sS). O carcereiro creu e ficou muito contente em função disso. Isso foi tudo o que Paulo e Silas fizeram. Eles o deixaram e, tendo recuperado a liberdade, prosseguiram a viagem.
Tente encontrar uma única passagem das Escrituras em que um profeta, apóstolo, ou qualquer outro santo, tenha indicado, às pessoas, um caminho para a conversão diferente destes, di­zendo que não se deveria esperar que a conversão se proces­sasse rapidamente e que se teria de passar por estas e aquelas
experiências. Você não encontrará! Eles sempre pregavam de maneira que seus ouvintes ficavam atemorizados e, tão logo, reconheciam que não havia saída para eles, auto-condenavam­-se, perguntando: "Existe solução para o nosso caso?". Eles lhes respondiam: "Creiam no Senhor Jesus, e tudo estará bem com vocês."
Os fanáticos declaram que essa seqüência na conversão não está correta. Essa, de fato, não é a seqüência proposta pelos fanáticos; é a seqüência proposta por Deus. Tão logo o evan­gelho ecoou nos ouvidos das pessoas acima mencionadas, en­controu eco em seus corações, e eles se tomaram crentes. A respeito de Davi, lemos que ele, depois de receber a absolvi­ção, ainda teve que passar por muita angústia. Mas, seus sal­mos de penitência são, ao mesmo tempo, uma confissão da 'é certeza que ele tinha de que Deus era gracioso para com ele. Trata-se de um esforço dispendido totalmente em vão, quan­do um pregador conduz alguém, que está perturbado por causa de seus pecados, por um caminho que se estende por meses e anos, até que ele, finalmente, possa dizer: "Sim, eu creio". Tal pregador não passa de um charlatão espiritual: ele não levou essa alma a Jesus, mas, sim, a uma confiança em suas obras próprias. A todo o pecador que está em bancarrota espiritual e que pergunta: Que devo fazer para que seja salvo?, você deve dizer: Isso é muito simples; creia em Jesus, seu Salvador, e tudo estará bem.
Convém notar que, segundo as Escrituras, não é de todo difícil ser convertido; o difícil mesmo é continuar nesse estado. Por isso, aquele que relaciona as palavras do Senhor, "Entrai pela porta estreita" (Mt 7.13), ao arrependimento, interpreta-­as erroneamente. O arrependimento não é uma porta estreita através da qual alguém precisa forçar passagem. O arrependi­mento é algo que o próprio Deus tem de operar no homem. Todo o arrependimento auto-fabricado, produzido pelo próprio esforço do homem, é uma falsificação e abominação à vista de Deus. Nossa incapacidade de produzir arrependimento em nós mesmos não nos deve preocupar nem um pouco. Devemos, tão-somente, aplicar a palavra de Deus a nós e teremos a pri­meira parte do arrependimento. A aplicação incondicional do evangelho, seguindo a isso, cria a fé em nós. Ao ouvir o evan­gelho, tudo o que alguém deve fazer é aceitá-la. E então, ime­diatamente, segue-se um conflito interior. O erro dos falsos mestres, nesta questão, está no fato de colocarem esse conflito antes da conversão. Uma pessoa não-convertida não está ca­pacitada para tal conflito. O conflito surge num estágio poste­rior, e é bastante agudo. O caminho estreito. é a cruz que os cristãos têm de carregar, a saber: a mortificação de sua própria carne, o suportar da zombaria, do desprezo e da desonra que o mundo lança contra eles, a luta contra o diabo, a renúncia ao mundo com suas vaidades, tesouros e prazeres. Isso não é fá­cil. É bem por isso que, não muito depois da conversão, mui­tos se desviam e perdem a fé. Onde a palavra de Deus é pro­clamada com demonstração de Espírito e poder de Deus, con­vertem-se muito mais pessoas do que imaginamos. Se pudés­semos sondar os corações dos participantes no culto de uma igreja em que a palavra é pregada poderosamente com demons­tração de Espírito e poder, e onde não se mistura o fazer do homem com a doutrina da graça salvadora, observaríamos muitos dentre eles tomando a decisão de, pela graça de Deus, tornarem-se cristãos; e isso porque estão convencidos de que o pregador tem razão. Muitos, entretanto, mal saindo da igre­ja, procuram suprimir essas sensações e persuadem-se de que acabaram de ouvir a conversa de um fanático. Tais pessoas endurecem seus corações domingo após domingo e ingressam num pós-conversão muito perigoso. O próprio Salvador diz que muitos "ouvem a palavra ... com alegria"(Mt 13.20), mas sufocam a semente que está germinando, quando surgem as tribulações. Por tribulações não se entendem necessariamente as aflições que partem do diabo, mas, em geral, o tédio em relação às coisas espirituais, o relaxamento na oração, a negligência no ouvir a palavra de Deus, o desprezo da parte do mundo que os cristãos têm de suportar, etc. Tudo isso pode desvanecer a impressão que a palavra causou no coração dos cristãos. Contudo, não afirma o Senhor que eles crêem por algum tempo (Lc 8.13)7 Logo, as pessoas dessa segunda clas­se de ouvintes, que imediatamente aceitam o evangelho, inici­am na fé; mas impedem que a palavra lance raízes em seus corações e, com a primeira tentação a que ficam expostos, en­tregam-se novamente ao mundo e à sua própria carne, botando tudo a perder.
Não se iludam, pensando que os homens podem endurecer seus corações, quando lhes é dito quão rapidamente se pode chegar ao arrependimento e à conversão. Pelo contrário, con­siderem a grandeza da misericórdia de Deus. Depois que al­guém foi convertido, ele deve propor-se a, dia a dia, progredir espiritualmente, exercitar-se no amor, na perseverança, na bon­dade e lutar contra o pecado. Essa é uma tarefa para cristãos convertidos, que passam a cooperar com a graça divina que age neles. Os fanáticos, entretanto, em sua doutrina totalmen­te abominável, colocam esses conflitos espirituais antes da con­versão e, dessa maneira, tiram toda a honra que é devida a Deus. Onde há sinal de verdadeira ânsia por misericórdia, ali existe fé; porque fé não é outra coisa senão ansiar por miseri­córdia. Quando isso acontece a alguém, ele não está apenas despertado, no falso sentido da palavra, mas, sim, convertido. É importante que, em Filipenses 2.12-13, o apóstolo inicia, dizendo: "Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor", e então conclui: "Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade." Devemos desenvolver nossa salvação com temor e tremor, pelo simples motivo de que é nosso Pai celeste quem deve realizar tudo o que é necessário para nossa salvação. O apóstolo dirige essas palavras a pessoas convertidas. Alguém que está com o cora­ção endurecido, que é cego, morto, não pode desenvolver sua própria salvação. Mas, um convertido pode, e ele realmente o faz. Se ele não o fizer, então ele foi acometido de cegueira espiritual novamente e voltou ao domínio da morte espiritual.
Os assim denominados pietistas de tempos passados, bem como os pregadores das seitas entusiastas de nossos dias, não apenas fizeram uma incorreta distinção entre despertamento e conversão e se recusaram a considerar cristãos aqueles que estavam espiritualmente despertados, mas também confundiram o não poder crer com o não permitir que se creia.
Quando os pietistas levavam alguém ao ponto de se consi­derar um pobre, miserável pecador, incapaz de ajudar-se a si mesmo e quando este perguntava o que deveria fazer agora, o pastor não lhe respondia, a exemplo dos apóstolos: "Creia no Senhor Jesus Cristo, e você será salvo". Não; por via de regra, eles lhe diziam exatamente o inverso. Advertiam-no a que não passasse a crer antes do tempo. Admoestavam-no a que não imaginasse que, após ter experimentado os efeitos da lei, po­deria, de imediato, crer que seus pecados haviam sido perdoa­dos. Diziam-lhe que sua contrição deveria se tornar mais perfeita; que ele deveria sentir-se contrito, não tanto porque seus pecados suscitariam a ira de Deus e o levariam ao inferno, mas porque amava a Deus. A menos que pudesse afirmar que lastimava muito ter provocado a ira de seu misericordioso Pai celeste, sua contrição era considerada sem efeito e sem valor. Asseguravam-lhe que deveria perceber que Deus estava começando a ser misericordioso para com ele; que ele deveria chegar ao ponto de poder ouvir uma voz interior dizendo: "Ani­me-se; seus pecados lhe serão perdoados, Deus será miseri­cordioso para com você". Ele deveria continuar lutando até que passasse essa agonia. No momento em que estivesse livre do amor ao pecado e inteiramente convertido, então ele pode­ria passar a buscar conforto para si.
{Walter reflete aqui a sua experiência entre pietistas antes de ter sido esclarecidos do ensino bíblico da graça incondicional de Deus. Condena o fato de os pietistas deixarem o crente inseguro da sua salvação como se a fé dependesse dele e com isto a oferta da graça de Deus fica em segundo plano, e as pessoas ficam confusas.}
A verdade é esta: não devemos passar primeiramente pela conversão e apenas então crer. Não devemos, em primeiro lu­gar, ter uma sensação de que estamos na graça; devemos, isto sim, sem sentimento de espécie alguma, crer que recebemos misericórdia. Depois disso, virá a sensação da misericórdia, a qual Deus concede a cada um segundo sua graça. Algumas pessoas passam considerável período de tempo sem tal sensa­ção. Elas não vêem outra coisa ao seu redor senão trevas; sen­tem a dureza de seus corações bem como a violenta agitação e assolação que a inclinação para o mal e para o pecado provo­ca em seus Íntimos. Por isso, emprega-se um método inade­quado quando, ao se indicar o caminho da salvação para al­guém, se diz que ainda não lhe é permitido que creia em sua salvação mesmo que esta pessoa reconheça em si um pobre pecador perdido.
É verdade, ninguém pode criar a fé em si mesmo; Deus deve operá-la em nós. É possível que um indivíduo se encontre num estado tal, que está impossibilitado de crer e que Deus não se mostra disposto a conceder-lhe a fé. Esse é o caso da­quele que se considera são e justo; "A alma farta pisa o favo de mel" (Provérbio 27.7). Uma alma saciada e bem suprida pisoteia o consolo evangélico.
João 5.44: Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único? Estas palavras, sem dúvida alguma, dirigem-se, de um modo todo especial, aos fariseus. Enquanto alguém busca sua própria glória não pode vir à fé; porque procurar a glória pes­soal é um pecado que está no mesmo nível de todos os demais, pecados mortais. Com isso, o Senhor deixou claro que, se al­guém não está disposto a abandonar determinado pecado, não pode vir a crer nele. A lei, primeiramente, tem de esmiuçar o coração do pecador e, então, deve-se fazer ouvir o doce conso­lo do evangelho. Desse fato, entretanto, de maneira alguma se deve concluir que não se permite que o pecador creia. É, e continuará sendo verdade, que a possibilidade da fé se abre a qualquer pessoa, a qualquer hora. Mesmo que alguém tenha caído no mais grave pecado, se ele reconhece subitamente que se afastou de Deus e volta com o coração contrito, não há nada que impeça que ele creia. Todo aquele que diz a uma tal pes­soa que ainda não lhe é possível crer, não é cri tão, ou nada sabe a respeito dessa questão.
1 João 2.1,2: O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada.) Dizer a alguém que ele não pode crer, vai contra a plena expiação de todos os pecados que Cristo realizou, bem como conflita com a perfei­ta reconciliação que ele estabeleceu. O mundo inteiro foi re­conciliado. A ira de Deus, que ameaçava o mundo inteiro, foi removida. Através de Jesus Cristo, Deus se tornou o amigo de cada um dos seres humanos.
2 Coríntios 5.14: Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morre­ram. Uma vez que Cristo morreu, isto equivale à morte de todos os homens por seus pecados, e uma morte como a que Cristo teve que passar. A morte de Cristo é o mesmo como se todos os homens tivessem expiado seus pecados, através de sua própria morte. Já que todo o mundo foi redimido e recon­ciliado com Deus, não é o fato de se dizer a alguém que não lhe é permitido crer que ele foi reconciliado, redimido e que há perdão para seus pecados, uma doutrina verdadeiramente repugnante? Essa doutrina nega clamorosamente a suficiência da redenção e reconciliação com Deus.
Além do mais, essa doutrina é contrária ao evangelho. Após concluída a obra de redenção e reconciliação, Cristo disse a seus discípulos: "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Marcos 16.15). Pregar o evangelho não é outra coisa senão levar a todos os povos a boa-nova de que houve redenção, de que o céu está aberto para todos, de que todos foram declarados justos, de que Cristo lhes trouxe a perfeita justiça, e de que os homens devem apenas vir e adentrar os portais da justiça, da mesma forma como um dia adentrarão os portais da salvação eterna. Não é simplesmente hediondo di­zer-se aos homens que eles não podem crer essa verdade? Cada um deve saber individualmente que o evangelho é para ele, que Deus lhe anuncia as boas-novas para que ele possa crer nelas e, desta forma, encontre consolo para si. Se ele não quer crer, ele faz Deus, todos seus profetas e apóstolos, de mentiro­sos. Não é algo terrível, anunciar-se às pessoas que sabem de experiência própria que são miseráveis pecadores perdidos e que ainda se encontram no lamaçal do pecado, que, apesar de Deus efetivamente ter concluído a obra da redenção, muito ainda lhes resta a fazer até que possam vir a crer e, desta for­ma, ser salvos? À vista dessa terrível doutrina, o desejo do pecador é também fazer sua parcela na obra da redenção. E isso não passa de blasfêmia.
Esse ponto de vista também não harmoniza com o fato de Deus já ter declarado, em presença de céus e terra, anjos e homens: "Meu Filho reconciliou o mundo comigo. Eu aceitei seu sacrifício. Dou-me por satisfeito. Ele era o refém de vocês, e eu o libertei. Por isso, alegrem-se, já que não têm nada a temer". Através da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mor­tos, Deus absolveu todo o mundo dos seus pecados. Logo, não é terrível quando alguém vem e diz que isso de fato é assim, mas que o indivíduo ainda não pode crer nessa verdade? Isso não implica fazer Deus de mentiroso, bem como ne­gar que Cristo ressuscitou dentre os mortos?
Além do mais, esse ensino também conflita com a doutrina da absolvição. Jesus Cristo, tendo redimido todo o mundo, deu, a seus seguidores, poder para perdoar os pecados a cada um dos pecadores. Alguns afirmam que a intenção de Cristo era a seguinte: "Quando o pregador percebe que determinada pes­soa está na condição adequada, ele pode persuadi-Ia a crer que existe perdão para seus pecados". Esses, entretanto, são pen­samentos humanos; o que o Senhor diz resume-se nisto: "Seus pecados estão perdoados". No mais, essa afirmação é pronta­mente compreendida por todo aquele que crê na suficiência da redenção e reconciliação com Deus, efetivadas por Cristo.
Por meio da ressurreição de Cristo, Deus declarou que está reconciliado com o mundo e não tenciona mais castigar nin­guém. Através de seu evangelho, ele faz com que essa verdade seja proclamada a todo o mundo. Além disso, ele deu, a cada pregador do evangelho, a incumbência de perdoar os pecados aos homens, prometendo que tornaria realidade no céu aquilo que o pregador faz na terra. O pregador não deve primeira­mente levantar os olhos aos céus para averiguar o que Deus está fazendo; ele deve simplesmente executar a ordens de Deus sobre a terra, perdoando os pecados ao homens, confiante na promessa que Deus fez de que também perdoaria.
No entender de algumas pessoas, essa doutrina é simples­mente horrível; entretanto, é a doutrina de maior consolo que se possa imaginar. Ela está edificada solidamente sobre o san­gue divino derramado sobre a cruz. O pecado de fato foi per­doado, e toda a preocupação de Deus agora é no sentido de que creiamos essa verdade. Ao absolvermos as pessoas de seus pecados, nosso objetivo não é outro senão fortalecer a fé da­queles que desejam absolvição à base do que é proclamado do púlpito. Portanto, ninguém dentre eles pode dizer: "Como o pastor sabe o que se passa em meu coração? De que me aproveita a absolvição, se não estou arrependido?" Sim, nesse caso, de fato, ela em nada lhe aproveita, pois a absolvição be­neficia somente aquele que a aceita na fé. Uma coisa, entre­tanto, é certa: você foi absolvido! É bem por isso que seu cas­tigo eterno será mais intenso, porque você não creu na absolvi­ção que o próprio Deus anunciou a todos os pecadores, e que 'de ainda anuncia constantemente através de seus ministros.
Isso se aplica, também, aos sacramentos. A água no batis­mo nos salva. Quando o Senhor oferece aos comungantes o pão consagrado e diz: "Isto é o meu corpo, que é dado por vós", fica claro que ele pretende dizer que os homens devem crer, pois, caso contrário, o corpo de Cristo de nada lhes apro­veitará. Aquele que confia no fato de que Cristo, sacrificando seu corpo, pagou o preço que o comungante precisava pagar pelos seus pecados, pode retirar-se do altar, pulando e saltando de alegria. Quando o Senhor, ao oferecer o cálice, diz: "Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós para remissão dos pecados", ele pretende enfatizar, de modo especial, as palavras "para remissão dos pecados", além de fazer com que cada comungante, que deposita sua confian­ça nelas, vibre de alegria em seu Íntimo.
Por último, confundir o não poder crer com o não permitir que se creia não harmoniza com a praxe apostólica. Sempre que uma pessoa se revelava um miserável pecador, os apóstolos lhe diziam que deveria crer no Senhor Jesus Cristo. Nunca eles pediram a alguém que esperasse mais um pouco, até que estivesse em melhores condições. No primeiro Pentecostes cristão, Pedro assegurou a seus ouvintes que, apesar de terem odiado a Cristo, agora estavam crendo nele e, por isso, deveriam submeter-se ao batismo em seu nome. Relembrem, igual­mente, o incidente com o carcereiro de Filipos, ao qual tantas vezes eu já fiz referência. Os fanáticos, a menos que argu­mentem que desconhecemos o método seguido pelos apósto­los, levantam-se contra esse modo de proceder, porque julgam que, através deste método, poderiam levar as pessoas a uma segurança carnal e, conseqüentemente, ao inferno. Os apóstolos também passaram pela desagradável experiência de ver , que hipócritas se haviam alojado em suas congregações. Quero apenas apontar para o caso de Simão, o mágico. O relato diz "Simão abraçou a fé" (Atos 8.13), aos olhos dos homens, é claro. Mas, depois foi demonstrado que ele não passava de uma pessoa totalmente pervertida. Esse fato não fez com que os apóstolo tomassem mais cuidado e decidissem nem sem­pre convidar as pessoas a que cressem no Senhor Jesus. Nada disso; pois todos os belos exemplos de como os apóstolos con­vidavam os pecadores para crer, tão logo estes haviam confes­sado seus pecados, estão relatados na Bíblia depois desse inci­dente com Simão, o mágico.
De igual forma, é uma grande tolice pensar que se tem um bom propósito em mira. Os pietistas, bem como muitos prega­dores dentre os entusiastas, concluíram que, para fazer com que seus ouvintes tivessem uma conversão a fundo, não se poderia permitir que eles se apropriassem daquilo que ainda não lhes pertencia, porque isso viria a ser um falso conforto para eles. Mas, racionar desse modo é de fato um fanatismo muito grande. Eles deveriam lembrar-se de que nosso Pai ce­leste é mais sábio do que eles. Ele sabia muito bem que, se o consolo do evangelho fosse comunicado a todos os corações, muitos pensariam que eles também têm condições de crer nele. Mas isto não é motivo para que se oculte este consolo. Não devemos deixar que as crianças morram de fome pelo fato de temermos que os cães poderiam eventualmente apanhar parte de sua comida, mas devemos, com alegria, proclamar a graça universal de Deus, sem impor condições e deixar nas mãos de Deus a possibilidade de as pessoas crerem nela, ou, então, de aplicá-la de modo incorreto.
            ....Devemos, com alegria, proclamar a graça universal de Deus, sem impor condições e deixar nas mãos de Deus a possibilidade de as pressoas crerem nela, ou então, de aplica-la de modo incorreto.

23ªTESE
            Em décimo nono lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando se procura, por meio das exigências, ameaças ou promessas da lei, induzir a pessoa não convertida a que abandone a prática do pecado e se dedique de boas obras para que , desta maneira, se torne pessoa piedosa; por outro lado, situação idêntica ocorre quando se procura levar o renascido a fazer o bem, apresentando-lhe as ordenanças da lei ao invés das admoestações do evangelho.
Incorre-se numa grande confusão entre lei e evangelho quando, através da lei, se procura fazer com que os homens se tornem piedosos, ou, quando até mesmo se procura impulsio­nar aqueles que já crêem em Cristo a que pratiquem o bem,  apresentando-lhes a lei e emitindo ordens. Isso de modo algum harmoniza com a função que a lei exerce depois da queda em pecado.
Jeremias 31.31-34: Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente, lhes impri­mirei as minhas leis, também no coração lhas ins­creverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próxi­mo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor. Pois per­doarei as suas iniqüidades e dos seus pecados ja­mais me lembrarei. Apesar de a lei ter sido escrita no coração do homem ainda antes da queda em pecado, ela não tinha por objetivo tomar os homens santos; isto por­que o homem fora criado santo e justo à vista de Deus a homem teve a lei escrita no coração pela simples razão de que, dessa forma, poderia saber o que era agradável a Deus. Nesse sentido, não era necessário nenhum mandamento especial. Ele simplesmente desejavam fazer tudo o que era agradável a Deus; a sua  vontade estava ­em perfeita harmonia com a vontade de Deus. Essa situação alterou-se com a queda. É verdade, depois da saída dos israilitas da terra do Egito, Deus repetiu a lei e restabeleceu com os judeus, uma aliança baseada na lei. Entretanto, o que lhes disse o Senhor através do profeta Jeremias? Ele lhes disse que e ­aliança baseada na lei não havia melhorado a situação deles porque Deus teve de forçá-los a uma submissão à sua vontade, e obediência forçada simplesmente não é obediência. E então ele se refere, profeticamente, a um tempo em que e esta­beleceria um programa de ação totalmente diferente. Isso não significava que este novo plano de ação ainda não estava vigo­rando na época do Antigo Testamento. A aliança, à medida que fora estabelecida com os israelitas, era baseada na lei. Todavia, durante o tempo em que essa aliança estava em vigor, os profetas nunca deixavam de pregar o evangelho e apontar para o Messias. Como seria a nova aliança que Deus se pro­pôs estabelecer? Deus assegurou que não precisassem mais ser importunados, coagidos e impulsionados pela lei, que diz: "Faça isto! Não faça aquilo", porque tudo isso de nada adianta. Nós não estamos em condições de cumprir a lei; por natureza, somos carnais, e manifestações do espírito não se originam da ação da lei. Deus diz: "perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados jamais me lembrarei." Esse é o motivo pelo qual a lei está inscrita em nossos corações. Isso significa que aquilo que a lei não foi capaz de fazer, foi tornado realidade através do evangelho, através da mensagem do perdão dos pecados. To­dos os que foram salvos no Antigo Testamento, foram-no úni­ca e exclusivamente através desse caminho, como Pedro ex­pressamente declarou por ocasião do primeiro concílio apostó­lico. Que resulta, pois, do fato de alguns, atualmente, durante a época do Novo Testamento, estarem empregando a lei de ma­neira tão imprópria? Simplesmente isto: eles transformam os cristãos em judeus, e judeus da pior espécie, daqueles que con­sideram apenas a letra da lei e esquecem a promessa do Re­dentor. Não apenas misturam lei e evangelho; substituem a lei pelo evangelho.
{Walter, na edição comple­ta de Lei e Evangelho, descreve o método de instrução empregado pelo P. Fresenius, Rev. Der. John P. Fresenius, pietista. A crítica de Walter ao pietismo é simples: Fresenius fala de um convertido Como se não o fosse. Baseado em quê? Porque, enquanto fala dos méritos de Cristo (mantendo- se aparentemente fiel à doutrina bíblica) entretanto concentra á atenção do convertido sobre certas obras como oração, perseverança e outros. E conclui "Milhares, sim, milhões têm sido atormentados com a impressão de que sua conversão não esta completa”. }
Romanos 3.20: Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. A lei não tem outra finalidade senão revelar, aos homens, os seus pecados, e não removê-los. Ao invés de removê-los, ela os aumenta. Pois quando o homem concebe um desejo pecaminoso em seu coração, a lei de ime­diato o adverte: "Não cobiçarás". Isso faz com que o homem julgue que Deus é cruel, exigindo algo o que ele não pode cumprir. Dessa maneira, a lei incrementa o pecado. Ela não aniquila o pecado; ela faz com que se torne mais vivo ainda. Confira, também, Romanos 7.7-13 e 2 Coríntios 3.6.

*Salmo 119.32: Percorrerei o caminho dos teus manda­mentos, quando me alegrares o coração. Esta é uma experiên­cia que você talvez tenha feito: Depois de, por longo tempo, ter sido morno e desleixado e você talvez sentir que não havia mais como se livrar desta condição, aconteça de ouvir um sermão realmente evangélico e você sai da igreja mudado, alegrando-se pelo fato de poder confiar em que você é um filho de Deus.
Você, de repente, se dá conta de que andar nos mandamentos de Deus não é difícil; você parece andar neles de boa vonta­de.* Que grande tolice, portanto, quando um pregador pensa que a situação de sua congregação vai melhorar, caso ele tro­veje lei por cima de seu povo e lhe apresente um quadro bem vivo do inferno e da condenação. Isso de nada adianta no sen­tido de melhorar as pessoas. De fato, deve haver ocasião para uma tal pregação da lei com o propósito de inquietar os peca­dores impassíveis, fazendo com que assumam sua condição de miseráveis pecadores. Contudo, a lei não pode operar uma mudança de coração, nem capacitar o homem a amar a Deus e ao semelhante. Se alguém é movido pela lei a praticar deter­minadas boas obras, ele as pratica apenas por constrangimen­to, assim como os israelitas tiveram de ser coagidos pela alian­ça da lei.
Gálatas 3.2: Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Os gálatas se deixaram enganar e consideraram a pregação de Paulo, centrada na salvação pela fé, através da graça de Cristo tão somente, como sendo uma doutrina imperfeita, e, conseqüen­temente também, bastante arriscada, podendo facilmente con­duzir para a perdição. E assim eles aceitaram a doutrina da lei ensinada pelos falsos profetas. Com profunda tristeza, Paulo ouviu que essas congregações estavam sendo invadidas e de­vastadas por falsos mestres. Por isso, ele lhes dirige a pergun­ta de nosso texto, com o intuito de recordar-lhes a substancial mudança que houve em suas vidas quando ele, Paulo, lhe pre­gou o doce evangelho da misericórdia de Deus. Paulo lhes diz que haviam recebido o Espírito, a saber, o espírito da tranqüi­lidade, da paz, da fé, da alegria. Por isso, ele lhes pergunta: "Terá sido em vão que tantas cousas sofrestes?" Sim, ele in­clusive diz: "Se possível fora, teríeis arrancado os vossos próprios olhos para nos dar "(G1.4.15). Até esse ponto chegara a ação da graça de Deus em suas vidas e de maneira tão vívida eles haviam percebido quão gloriosa, celestial e preciosa dou­trina era a que Paulo estava anunciando. Eles haviam passado por uma transformação de coração, alma e mente. E agora o apóstolo pergunta: "De onde receberam vocês esta nova vida, esta paz celestial em seus corações, esta alegria espiritual, esta extraordinária confiança? Foi, por acaso, através da pregação dos falsos mestres que arrastaram vocês de volta para a servi­dão da lei?". O apóstolo sabia que os membros das congrega­ções da Galácia estavam andando de um lado para outro, tris­tes, deprimidos, inseguros quanto à sua salvação. Eles esta­vam como que enfeitiçados. Já que a salvação era um tesouro tão precioso - pensavam eles - tornava-se necessário também fazer algo grandioso por ela e os mestres que vieram depois imprimiram essa noção em suas mentes, dizendo-lhes que esse era seu dever. Julgavam que eles mesmos eram responsáveis por essa situação de miséria e inabilidade para tudo o que é bom, e nem suspeitavam da doutrina falsa que fora semeada em seus corações.
O apóstolo está-lhe dizendo: Se você quiser reavivar suas futuras congregações bem como fazer com que o Espírito da paz, da alegria, da fé e da confiança, da mentalidade simples Espírito da tranqüilidade da alma tome conta da vida de seus congregados, então, pelo amor de Deus, não empregue a lei para atingir tal propósito. Se você encontra suas congregações no pior estado que se possa imaginar, deve, de fato, prega-l­hes a lei; entretanto, não se esqueça de imediatamente anunciar-lhes também o evangelho. Você não pode simplesmente pregar-lhes a lei hoje e deixar a pregação do evangelho para uma próxima oportunidade. Tão logo a lei tenha realizado a parte que lhe cabe, o evangelho deve entrar em ação.
Essa confusão* entre lei e evangelho é feita, em primeiro lugar, por aqueles que passaram por um longo período de lutas e grande angústia até que alcançaram a certeza de seu estado de graça. É possível que eles tenham lutado durante anos, sem­pre recusando o conforto, por não conhecerem a doutrina pura. Quando essas pessoas passam a proclamar a doutrina pura, elas ainda misturam, ao evangelho, algumas palavras que fa­zem com que os ouvintes suspirem: "Este homem de fato deve ser uma pessoa piedosa, mas ele não sabe o quão miseráveis nós somos. Nós não podemos cumprir as exigências que ele está fazendo." Esses pregadores ainda são os melhores dentre todos os que erram nessa questão.
Em segundo lugar, esta confusão entre lei e evangelho toma força, quando pastores se conscientizam de que toda sua pre­gação do evangelho é inútil, porque graves pecados da carne ainda se manifestam na vida de seus ouvintes. O pregador pode chegar à conclusão de que pregou por demais o evangelho que, agora, deve mudar de estratégia: suspenda-se a pregação do evangelho e, durante certo tempo, pregue-se somente a lei e, então, a situação certamente tem de melhorar. Mas, ele está completamente enganado; as pessoas não mudam. Pregadores que conseguiram erradicar determinados males, através da pre­gação da lei, não devem pensar que conseguiram grande coi­sa. Até mesmo a mais corrupta das congregações pode ser melhorada; entretanto, através de nenhuma outra maneira que não seja a pregação do evangelho em toda a sua doçura. Se uma congregação se encontra nesse estado de corrupção, o motivo para tanto é invariavelmente este: o pregador não anun­ciou suficientemente o evangelho. Não é de admirar que eles nada conseguiram realizar; porque a lei mata, mas o Espírito, isto é, o evangelho, vivifica.
Que nenhum pregador pense que não vai conseguir que os recalcitrantes façam a vontade de Deus através da pregação do evangelho e que se justifica pregar a lei e anunciar-lhes as ameaças de Deus. Se isto é tudo o que ele sabe fazer, então ele certamente conduzirá as pessoas ao inferno. Ao invés de ban­car o policial em sua congregação, ele deve transformar os corações de seus membros para que eles, sem constrangimen­to, façam aquilo que agrada a Deus com um coração alegre e exultante. Aquele que tem a devida compreensão do que re­presenta o amor de Deus em Cristo Jesus, fica assombrado diante desse fogo abrasador que enche céus e terra. No mo­mento em que ele crê nesse amor, não pode fazer outra coisa senão amar a Deus e, em gratidão por sua palavra, perguntar: "que posso fazer pelo seu amor e para sua glória?"
            Quem faz boas obras espontaneamente a partir de exortações amigas, estes não são cristãos. Não é assustador que um pregador ainda faça de tudo para obter obras mortas? Ele quer transformar sua congregação num bando de hipócritas. Pois se as obras se brotam de ameaças e promessas da lei, boas obras não são... Lembrem para a Vida toda desta palavra de Lutero: “Quem o impuser com regulamentos aos teimosos, este já não é administrador ou pregador cristão, mas um carcereiro mundano. Um carcereiro não se pergunta pela situação em que se encontram os corações. Ele quer saber da obediência”. Lutero acrescenta: “Um pregador legalista constrange com imposições e punições. Um pregador da graça atrai e provoca com comprovada bondade e misericórdia divinas. Pois ele não deseja um serviço contrariado ou forçado. Ele objetiva um serviço alegre e bem disposto.”
Walter , Ed alemã pp.376/7

24ªTESE
Em vigésimo lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando o imperdoável pecado contra o Espírito Santo e descrito como sendo imperdoável devido a sua grandeza.
Apenas a lei condena o pecado; o evangelho absolve o pe­cador de todos os pecados indistintamente. O profeta escreve:
"Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejão vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã" (Isaías 1.18). O apóstolo Paulo escreve (Rm 5.20): "Onde abundou o pecado, superabundou a graça."
Mateus 12.30-32 Quem não é por mim é contra mim,' e quem comigo não ajunta espalha. Por isso, vos declaro: todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blas­fêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém profe­rir alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado,' mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Cons­tata, em primeiro lugar, que toda blasfêmia contra o Pai e o Filho será perdoada; apenas a blasfêmia contra o Espírito San­to não será perdoada. Agora, muita coisa é certa: o Espírito Santo não é uma pessoa mais gloriosa ou mais exaltada do que o Pai e o Filho; ele é co-igual a eles. Logo, essa passagem não pode estar indicando que o pecado imperdoável é blasfêmia contra a pessoa do Espírito Santo; porque então em nada seria diferente da blasfêmia contra o Pai e o Filho. A blasfêmia da qual o nosso texto fala dirige-se contra o ofício, a obra do Espírito Santo: Quem despreza a obra do Espírito Santo está perdi­do; esse pecado não lhe poderá ser perdoado. O ofício, a obra do Espírito Santo consiste em chamar os homens para Cristo e conservá-las junto a ele.
Quem incorre nesse pecado, "fala contra o Espírito Santo."
Isso mostra que o pecado em questão não é cometido quando se tem pensamentos blasfemos no coração. Não raras vezes, cristãos imaginam que incorreram nesse pecado, quando são sobressaltados por pensamentos horríveis dos quais não con­seguem i;e livrar. Nosso Senhor Jesus Cristo previu isso; e por essa razão, ele nos informou que a blasfêmia contra o Espírito Santo, que não será perdoada, tem que ser proferida verbal­mente.
Marcos 3.28-30: Em verdade vos digo que tudo será per­doado aos filhos dos homens: os pecados e as blasfêmias que proferirem. Mas aquele que blasfemar contra o Espírito San­to não tem perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno. Isto, porque diziam: Está possesso de um espírito imun­do. Aqui está relatada uma blasfêmia contra o Espírito Santo, que, de fato, se concretizou. Quando Cristo expeliu demônios, os fariseus declararam que essa ação do Espírito Santo era uma obra do diabo. Eles estavam convencidos de que se trata­va efetivamente de uma obra divina, mas, já que o Senhor cen­surara sua hipocrisia, foram tomados de um ódio mortal con­tra Cristo, e isto fez que blasfemassem contra o Espírito San­to.
Afirmar que uma obra do Espírito Santo é obra do diabo, quando se está convencido de que se trata de uma obra de Deus, é blasfêmia contra o Espírito Santo. Não há cristão que, ocasionalmente, não resista à ação da graça divina e, então, tente persuadir-se de que estava afugentando pensamentos obs­curos. Essa doutrina nos adverte a que, se quisermos ser sal­vos, devemos, de imediato, render-nos à ação do Espírito San­to e não resistir, tão logo a percebamos. Porque a pessoa que resiste, no estágio seguinte dirá: "Isso não procede do Espírito Santo". E o próximo estágio será este: ele passará a odiar o :aminho pelo qual Deus quer conduzi-lo à salvação e, final­mente, blasfemará.
A menos que o Espírito Santo nos leve à fé, nunca chegare­mos a ela. Todo aquele que rejeita o Espírito Santo, exclui toda e qualquer possibilidade de ajuda, até mesmo da parte de Deus. Deus deseja que a ordem que ele estabeleceu para a 10ssa salvação, seja conservada. Ele não leva ninguém ao céu 1 força. Nosso texto refere-se à ocasião em que Cristo curou ) homem da mão ressequida e expulsou um demônio. Todos tiveram oportunidade de ver que o poder de Deus estava inva­dindo o reino de Satã. Mas aqueles infames que assistiram a isso, disseram: "Ah! Jesus está possesso de Belzebu; é por isto 1ue pode expelir os demônios de categoria inferior." A própria ação que haviam testemunhado, as obras e palavras de Cristo deixavam claro que ele investia contra o diabo e estava destruindo o reino deste. Estava totalmente fora de cogitação imaginar-se que o diabo estaria ajudando Cristo nesta obra.
Hebreus 6.4-8: É impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se tor­naram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caí­ram, sim, é impossível outra vez renová-las para arrependi­mento, visto que, de novo, estão crucificando para si mesmos, o Filho de Deus e expondo-o a ignomínia. Porque a terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas, se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu fim é ser queima­da. O que é característico nesse pecado contra o Espírito San­to é que a pessoa que incorreu nele, não pode ser reconduzida ao arrependimento. Isso é simplesmente impossível. Não que Deus coloque o homem nesse estado; é o pecador, por sua própria culpa, que ingressa nesse estado de impenitência irrecuperável. Quando essa situação atingiu um determinado grau de intensidade, Deus cessa de agir neste homem. A mal­dição caiu sobre ele, e elimina-se qualquer outra possibilidade de salvação para esta pessoa. Por quê? Porque ela não pode ser levada ao arrependimento.
1 João 5.16: Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue. Essa palavra nos traz uma importante infor­mação que, infelizmente, não podemos colocar em prática. Por­que, antes da morte de alguém, não podemos dizer se ele co­meteu pecado contra o Espírito Santo ou não. Mesmo que sua boca profira blasfêmias, não sabemos se o fenômeno não pode ser explicado através de uma possível ação do diabo, ou se ele não age acometido de terrível cegueira espiritual, e se ele não pode ser levado outra ao arrependimento.' Nos dias do apóstolos, os cristãos tinham o dom de discernir os espíritos. Eis o que S, João quer dizer nesta passagem: "Tão logo vocês percebam que este ou aquele indivíduo incorreu neste pecado, que Deu deixou de ser gracioso para com ele, vocês não devem desejar que Deus volte a ser gracioso para com ele e devem deixar de orar por ele." Também não pode­mos dizer a Deus: "Salva aqueles que cometeram o pecado contra o Espírito Santo."
            Isso tudo pode parecer muito chocante; todavia, encerra m grande consolo. É possível que alguém lhe diga: "Eu sou m homem miserável! Cometi o pecado contra o Espírito Santo. Estou absolutamente certo disso!" É possível que essa pessoa aflita lhe apresente o mal que fez, disse e pensou. Pode ser que as evidências indiquem que, de fato, ele blasfemou contra o Espírito Santo. Nesse momento, você deve lembrar a arma que Hebreus 6 apresenta para um caso dess­es: Este indivíduo de maneira alguma se alegra com o que está relatando. Isso tudo é simplesmente terrível para ele. Atra­vés disso, você pode perceber que Deus, de qualquer forma, começou a operar o arrependimento nele; tudo o que ele preci­sa fazer é apegar-se à promessa do evangelho. Caso você pergunte se ele cometeu todos esses males intencionalmente, possível que ele responda de modo afirmativo, mesmo sem querer. Às vezes, isso acontece. Entretanto, é Satanás quem lia através dele. E se você perguntar se ele preferiria não ter praticado todas essas coisas, ele responderá: "Sim, de fato; Ido isto me traz a mais terrível preocupação." Esse é um sinal vidente de que Deus começou a operar o arrependimento nesse Indivíduo. Um caso assim não deve ser tratado levianamente; deve-se mostrar ao que sofre que, no caso de haver nele um princípio de arrependimento, está uma prova incontestá­vel de que ele não cometeu o pecado contra o Espírito Santo. De modo geral, ao pregar sobre esse assunto, o pregador deve empenhar-se mais em convencer seus ouvintes de que não cometeram esse pecado do que em alertá-los a que não incorram nele. Para aquele que re­almente cometeu esse pecado, de nada adianta a pregação. A todo aquele que lamenta seus pecados e anseia por perdão, deve ser dito que ele é um filho querido de Deus que, todavia, está passando por uma terrível tribulação.
Esse pecado é imperdoável, não devido à sua gran­deza, pois o apóstolo diz claramente, conforme já cons­tatamos: "onde abundou o pecado, superabundou a gra­ça" - mas devido ao fato de a pessoa que o comete rejeitar o único meio pelo qual alguém pode ser levado ao arrependimento, à fé, e à firmeza na fé.
Com respeito às pessoas que estão aflitas com a pos­sibilidade de terem cometido o pecado contra o Espírito Santo, deve-se dizer que, se elas, realmente, o tivessem cometido, não sentiriam essa aflição, nem se encontrariam nessa terrível situação; teriam, antes, prazer em blasfemar continuamente do evangelho. Contudo, cristãos aflitos ainda têm fé, e o Espírito de Deus está agindo neles, e se ele está agindo neles, então não cometeram o pecado contra o Espírito Santo.



Uma excelente exposição desse assunto pode ser encontra­da na obra latina de Baier, intitulada Compêndio de Teologia Positiva. Diz ele na parte II, capo III, 24. "O mais grave de todos os pecados atuais, que é denominado pecado contra o Espírito Santo, consiste numa negação maliciosa e em ataques blasfemos e obstinados à verdade celestial que já era conheci­da pelo indivíduo que incorre nesse pecado."
A pessoa que cometeu o pecado contra o Espírito Santo é condenada, não tanto por causa desse pecado, quanto por sua falta de fé. A causa geral de sua condenação é a falta de fé; a causa especial é a maliciosa e constante difamação da verdade.

25ªTESE
Em vigésimo primeiro lugar, a palavra de Deus não é aplicada corretamente, quando aquele que ensina a palavra de Deus não permite que o evangelho tenha predomínio geral neste seu ensino.
Confundem-se e pervertem-se lei e evangelho, ao se anun­ciar a palavra aos ouvintes, não apenas quando a lei predomi­na na pregação, como também quando, por via de regra, existe um equilíbrio de lei e evangelho e não se dá ao evangelho o predomínio na pregação.
Lucas 2.14: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens, a quem ele quer bem. O pregador ce­leste nos deu um exemplo de como devemos pregar. É verda­de, devemos pregar a lei; contudo, tão-somente em preparação ao evangelho. Quem não procede assim, é tudo, menos um ministro do evangelho.
Marcos 16.15,16: E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. Cristo comissionou seus apóstolos a que fossem a todo o mundo pre­gar o evangelho a toda criatura. O simples termo evangelho já deixa diante deles, que sua mensagem deve ser uma mensagem de alegria. E para que eles não pensem que esta palavra é infinitamente grande, a ponto de ninguém ser capaz de abarcar seu significado, ele imediatamente acrescenta as palavras: "Quem crer e for batizado será salvo." Com essas palavras, Cristo pretende dizer: isto que eu entendo por evan­gelho". E ele prossegue: "Quem, porém, não crer, será conde­nado". Esta também é uma palavra amena*. Sim, porque ele não afirma: "Quem pecou muito, por um longo período de tem­po, será condenado", mas apenas constata que a única razão para a condenação do homem é sua falta de fé, sua descrença. Seja quem for a pessoa; tenha ela pecado gravemente em sua vida passada; nada disso vai condená-la. Mas, fica claro que, se alguém se recusa a crer nas palavras de Jesus, será conde­nado. Essa inquietante referência à condenação não tem outro propósito, senão induzir os homens a que aceitem e não des­prezem a mensagem graciosa de Cristo. A ênfase nessas últi­mas palavras do Senhor não deve ser esta: "Quem, porém, não crer será condenado," mas, sim: "Quem, porém, não crer será condenado". Com isso Cristo quer dizer: "A sua condena­ção já foi removida; seus pecados foram levados embora; eu venci o inferno em seu lugar. Eu apresentei um sacrifício todo suficiente. E agora cumpre que você creia nisso, para que seja salvo eternamente".
1 Coríntios 15.3: Antes de tudo, vos entreguei o que tam­bém recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segun­do as Escrituras Além de prestar ouvidos a essa afirmação do apóstolo, pense também no dia em que você será pastor de uma congregação. Faça, então, um voto a Deus de que adotará
o método do apóstolo, que você não subirá ao púlpito com o semblante triste, como se estivesse convidando alguém para um funeral, mas se apresentará como aquele que pede a mão da noiva em casamento ou convida para um casamento. Caso você não misturar lei e evangelho, sempre subirá ao púlpito com alegria. O povo perceberá que você está cheio de alegria, porque está levando a bendita mensagem de júbilo para sua congregação. Além do mais, perceberão que, entre eles, estão acontecendo coisas grandiosas. Ah! Muitos pregadores não » passam por estas maravilhosas experiências; seus ouvintes permanecem sonolentos; os avarentos continuam em seu pão­ durismo. Por quê? Porque o evangelho não lhes é pregado suficientemente. O povo americano que vai à igreja deseja real­mente ouvir a palavra de Deus. Vivemos num país livre, onde ninguém se preocupa se alguém vai à igreja ou não. De acordo com a vontade de Deus, o pregador deve ter, por alvo, procla­mar o evangelho a seus ouvintes até que seus corações se comovam, até que eles deixem de resistir e confessem que o Senhor tem sido forte demais para eles, e que agora desejam ficar ao lado de Jesus. Não basta que você esteja cônscio de sua ortodoxia e tenha o dom de expor a doutrina pura de modo correto. Por mais importante que isso seja, de nada adiantará,
se você incorrer em confusão entre lei e evangelho. A mais perfeita confusão entre ambos se dá, quando o evangelho é pregado junto com a lei e, contudo, não é o elemento predominante no sermão.
É possível que o pregador pense que, mui freqüentemente, ele tem anunciado a verdade evangélica. Seus ouvintes, entre­tanto, recordam apenas raras ocasiões em que ele pregou de modo verdadeiramente consolador e lhes disse que deveriam crer em Jesus Cristo. Agora, como crerão se o pregador não lhes disser como podem chegar a isso? Se você não permitir que o evangelho predomine em suas pregações, muitos de seus ouvintes morrerão de fome espiritual. Tornar-se-ão espiritual­mente subnutridos, porque o pão da vida não é a lei, mas sim o evangelho.

Se você não permitir que o evangelho predomine em sua pregações, muitos de seus ouvintes morrerão de fome espiritual. Tornar-se-ão espiritualmente subnutridos, porque o pão da vida não é a lei, mas sim o evangelho.

















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